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ISSN 1679-0162

Dispersão de plantas
daninhas resistentes a
glifosato no Brasil:
COMUNICADO
recomendações de
TÉCNICO
manejo
259
Alexandre Ferreira da Silva
Adriene Caldeira Batista
Sete Lagoas, MG
Ricardo Siqueira da Silva
Novembro, 2023
2

Dispersão de plantas daninhas resistentes a


glifosato no Brasil: recomendações de manejo1

1
Alexandre Ferreira da Silva, engenheiro-agrônomo, doutor em Fitotecnia , pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Sete

Lagoas, MG, Adriene Caldeira Batista, estudante de pós-graduação em Produção Vegetal Universidade Federal dos

Vales Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG e Ricardo Siqueira da Silva, professor Universidade Federal dos Vales

Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG.

INTRODUÇÃO A resistência de plantas daninhas


a herbicida é um problema que afeta
A resistência de plantas daninhas a os principais países produtores
herbicidas pode ser compreendida como de alimentos no planeta. O uso
um processo evolucionário que ocorre indiscriminado/equivocado de herbicidas
espontaneamente, em que o herbicida tem contribuído para o aumento da
é o agente de pressão que favorece a frequência de biótipos resistentes, que,
seleção de biótipos resistentes que se muitas vezes, se dispersam rapidamente
encontram em baixa frequência natural. pelo território. O glifosato se caracteriza
A Sociedade Brasileira da Ciência de como a molécula herbicida mais utilizada
Plantas Daninhas (SBCPD) adota o no mundo. Trata-se de um herbicida
critério de resistência a herbicidas de amplo espectro de ação registrado
como a capacidade hereditária de uma para o controle em pós-emergência das
planta sobreviver e se reproduzir, após plantas daninhas. Com o advento da
exposição a uma dose de herbicida transgenia, na década de 1990, esse
normalmente letal para o biótipo herbicida deixou de ser usado apenas
selvagem da planta (Herbicide Resistent na dessecação de pré-semeadura de
Action Committee, 2023). A resistência diversas culturas anuais e passou a ser
pode ser classificada em simples, utilizado na pós-emergência das culturas
cruzada e múltipla. A resistência simples com genes de resistência ao glifosato
ocorre quando o biótipo é resistente a (GR). Essa tecnologia promoveu uma
um ingrediente ativo; a cruzada, quando drástica mudança na estratégia de
é resistente a dois ou mais grupos manejo de plantas daninhas. O glifosato,
químicos de um mecanismo de ação; por causa do amplo espectro de ação,
e a múltipla ocorre quando o biótipo é da eficácia, da seletividade e do baixo
resistente a dois ou mais mecanismos preço quando comparado a outros
de ação (Herbicide Resistent Action herbicidas, passou a ser amplamente
Committee, 2023). utilizado como única alternativa de
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controle. Estima-se que o cultivo da Brasil e descrever medidas de controle


soja e milho GR no Brasil corresponda, que podem auxiliar no manejo dessas
respectivamente, a 95% e 80% da área plantas daninhas.
semeada (Adegas et al., 2022).
A tecnologia GR inicialmente teve Cenário atual
um impacto significativo na agricultura
brasileira, sobretudo para o manejo de da resistência a
plantas daninhas na cultura da soja. glifosato no Brasil
Em um primeiro momento, favoreceu
O primeiro caso de planta daninha
o manejo de plantas de difícil controle,
resistente a glifosato no Brasil ocorreu
reduziu o custo de controle, as perdas
em 2003. Desde então, essa reação
de produtividade e simplificou as
tem aumentado progressivamente,
operações nas lavouras. No entanto,
sendo registrada a presença de biótipos
o uso inadequado/excessivo desse
resistentes em diversas regiões do País.
herbicida nos sistemas de produção vem
No Brasil, há o registro de 12 espécies
favorecendo o aparecimento de biótipos
de plantas daninhas que apresentam
resistentes ao glifosato.
biótipos resistentes a glifosato (Heap,
O objetivo deste Comunicado 2023). Um relato cronológico do
Técnico é apresentar mapas com a primeiro registro da presença de biótipos
percepção de agentes externos sobre resistentes a glifosato é apresentado
a dispersão das principais de plantas abaixo (Tabela 1).
daninhas resistentes a glifosato no
Tabela 1. Registro de ocorrência do primeiro relato de resistência da espécie ao glifosato.

Ano Nome comum Nome científico Estado


2003 azevém Lolium perene spp multiflorum RS
2005 buva Conyza bonariensis RS, SP
2005 buva Conyza canadensis SP
2008 capim-amargoso Digitaria insularis PR
2010 buva Conyza sumatrensis PR
2014 capim-branco Chloris elata SP
2015 caruru-palmeri Amaranthus palmeri MT
2016 capim-pé-de-galinha Eleusine indica PR
2018 caruru Amaranthus hybridus RS
2019 leiteiro Euphorbia heterophylla PR
2020 capim-arroz Echinochloa cruz-galli var cruz-galli RS
2023 picão-preto Bidens subalternans PR
Fonte: Adaptado de Heap (2023).
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Dentre essas espécies, buva rizicultura na metade sul do Rio Grande


(Conyza spp.), capim-amargoso do Sul. Elas podem ser classificadas
(Digitaria insularis), capim-pé-de-galinha como as espécies que têm ocasionado
(Eleusine indica) e caruru (Amaranthus maiores dificuldades de controle aos
hybridus) encontram-se mais dispersas produtores. Ao se comparar os estados
por todo o território nacional. Azevém onde foi realizado o primeiro relato com
(Lolium perene spp. multiflorum) é mapas de percepção, realizados com
encontrada amplamente dispersa pela especialistas de cada região, percebe-
região Sul. Já capim-arroz (Echinochloa se ampla dispersão desses biótipos
cruz-galli var cruz-galli), em áreas de (Figura 1).

A B

C D

E F

Figura 1. Mapas da percepção da presença de buva (Conyza spp.) (A); capim-amargoso


(Digitaria insularis) (B); capim-de-galinha (Eleusine indica) (C), caruru (Amaranthus hybridus)
(D); azevém (Lolium perene spp multiflorum) (E); capim-arroz (Echinochloa cruz-gali var
cruz-gali) (F) resistentes a glifosato. Cores: branca (sem informação); cinza (não ocorrência);
vermelha (alta frequência), amarela (média frequência) e verde (alta frequência).
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O aumento da frequência de biótipos Medidas preventivas


resistentes a herbicidas tem ocasionado
severos prejuízos à agricultura brasileira. As práticas de manejo preventivas
A ocorrência de biótipos com resistência têm por objetivo evitar a dispersão
múltipla tem sido cada vez mais comum de plantas daninhas resistentes para
de serem observada. Todas as espécies áreas ainda não infestadas. O manejo
listadas, exceto o capim-branco, preventivo é a principal estratégia de
apresentam resistência ao glifosato manejo. O controle sempre será mais
(produto que atua no bloqueio da enzima oneroso. Existem várias medidas
EPSPs) e a outro mecanismo de ação. passíveis de serem adotadas, tais como
Esse fato, associado muitas vezes à manter áreas contínuas das lavouras
presença de outras espécies de plantas livres da presença de plantas daninhas
daninhas com resistência, tem tornado o para que elas não produzam sementes
manejo delas cada vez mais complexo e e repovoem a lavoura; colocar animais
oneroso. Estima-se que a área infestada comprados em quarentena; utilizar
por plantas daninhas resistentes a adubos orgânicos somente depois de
herbicidas seja de, aproximadamente, fermentados; não realizar a colheita
20 milhões de hectares, e que elas em talhão infestado e não entrar com
ocasionem prejuízos econômicos no a colheitadeira em áreas livres de
sistema de produção da soja em torno infestação sem antes promover a limpeza
de R$ 9 bilhões/ano (Adegas et al., da máquina; limpar cuidadosamente
2017). máquinas e implementos agrícolas
de terceiros antes de entrar em área
própria.
Estratégias de manejo O transporte de máquinas agrícolas,
Para enfrentar o desafio das plantas principalmente, de colheitadeiras, é o
daninhas resistentes a glifosato, é principal agente de dispersão de plantas
necessária a adoção de estratégias daninhas resistentes a herbicidas.
integradas de controle. Essas estratégias O grande número de operações
incluem o uso de medidas preventivas terceirizadas e o compartilhamento
para evitar a entrada dessas plantas na de maquinário entre produtores têm
propriedade, o emprego de herbicidas contribuído para a rápida disseminação
com diferentes mecanismos de ação, a de biótipos resistentes por todo o território
adoção de práticas de controle cultural nacional. Esse fato explica o rápido
e mecânico, além do uso de novas aparecimento de biótipos resistentes a
tecnologias. glifosato em áreas de abertura agrícola
onde se esperava baixa pressão de
seleção.
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Medidas de germinação de sementes fotoblásticas


positivas por causa do sombreamento
controle cultural do solo; redução da oscilação de
Dentre as práticas de controle mais temperatura e umidade do solo,
efetivas para o manejo da resistência, prejudicando a germinação de espécies
pode-se citar a rotação de culturas e o infestantes que necessitam de oscilação
uso de plantas de cobertura. A rotação de temperatura e/ou umidade para
de culturas é uma prática que contribui estimular a sua germinação; e aumento
para a redução da população de da atividade de macro e microrganismos
plantas daninhas resistentes, em razão que podem se alimentar das sementes
do uso de herbicidas com diferentes das plantas daninhas. Assim como a
mecanismos de ação e de mudanças no braquiária, é possível utilizar outras
microambiente. Esses fatores tendem a espécies de plantas de cobertura, porém
evitar a predominância de espécies mais é necessária atenção aos seguintes
adaptadas. Pesquisas apontam que critérios: a) respeito à adaptabilidade da
sistemas de produção que envolvem a espécie de cobertura para sua região e
rotação de cultura apresentam maior época de semeio; b) objetivo principal
diversidade de espécies infestantes do da utilização da planta de cobertura; e c)
que em monocultivo (Silva et al., 2023). disponibilidade de sementes.
A adoção de plantas de cobertura
também apresenta grande eficácia
no controle de espécies resistentes a
Medidas de controle
glifosato. O uso de braquiária demonstra mecânico
ser eficiente na supressão de espécies
O controle mecânico em áreas de
de difícil controle (Marochi et al., 2018).
culturas anuais em semeadura direta
Estudos demonstram a eficácia da
é uma prática relevante quando se
braquiária na supressão de buva em
percebem falhas de controle localizadas.
ambiente do Cerrado. A supressão
O produtor pode realizar a capina
durante o desenvolvimento da forrageira
dessas plantas antes da sua produção
pode ocorrer em virtude da produção de
de sementes. As plantas eliminadas
compostos alelopáticos e da competição
devem ser retiradas da área para evitar
pelos recursos do meio com a planta
o risco de enraizamento. Depois de
daninha. Após a dessecação da forrageira
retiradas, elas podem ser queimadas ou
manejada adequadamente, forma-se
enterradas em valas profundas.
uma densa camada de palha que pode
interferir na germinação das espécies
infestantes por diferentes fatores:
barreira física impedindo/dificultando a
germinação de espécies que possuem
sementes pequenas; redução da taxa de
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Medidas de controle com diferentes mecanismos de ação.


No Brasil, por exemplo, existe um
químico biótipo de buva (Conyza sumatrensis)
É importante a conscientização do caracterizado como resistente a seis
produtor de que o controle químico diferentes mecanismos de ação (Heap,
deve ser compreendido como mais 2023).
uma alternativa de controle e não como Dessa forma, é importante o produtor
a única prática. O uso inadequado rotacionar o uso de ingrediente ativos
dos herbicidas tem ocasionado a em seu sistema de produção e integrar
seleção de biótipos resistentes. Alguns o controle químico a outras práticas
destes biótipos podem ser chamados de manejo para minimizar o risco do
popularmente de superplantas aparecimento de biótipos resistentes a
daninhas, pois são biótipos resistentes herbicidas nas áreas (Tabela 2).
a uma ampla gama de herbicidas

Tabela 2. Avaliação do risco de desenvolvimento de resistência por espécie-alvo.


Opções de manejo Baixo Moderado Alto

Mistura ou rotação de herbicidas > Dois modos de ação Dois modos de ação Um modo de ação
Formas de controle de plantas daninhas Cultural, mecânico e químico Cultural e químico Somente químico
Uso de igual modo de ação por ciclo Uma vez Mais de uma vez Muitas vezes
Sistema de cultivo Rotação plena Rotação limitada Sem rotação
Resistência relativa ao modo de ação Desconhecida Limitada Comum
Nível de infestação Baixo Moderado Alto

Controle nos 3 anos passados Bom Decrescente Baixo

Fonte: Adaptado de Herbicide Resistent Action Committee (2023).


de aplicação direcionada: equipamentos
de pulverização de precisão que podem
aplicar herbicidas somente nas plantas
Novas tecnologias daninhas, minimizando a quantidade de
de controle produtos químicos usados e reduzindo
os impactos ambientais; c) uso de
Novas tecnologias têm sido
sensores, drones e sistemas de GPS
constantemente disponibilizadas para
que permite a detecção precoce e o
produtores. Dentre elas, podem ser
mapeamento de áreas infestadas por
citadas: a) desenvolvimento da robótica
plantas daninhas, o que possibilita a
agrícola: robôs e veículos autônomos
aplicação direcionada de herbicidas
estão sendo desenvolvidos para
apenas em áreas infestadas; d) uso de
identificar e remover plantas daninhas de
laser: uma abordagem promissora que
forma precisa e eficiente; b) tecnologia
está sendo desenvolvida para diminuir
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a dependência de herbicidas químicos. e sensibilização para capacitar os


Essa técnica é também conhecida agricultores a adotarem práticas de
como capina a laser, e envolve o uso manejo de plantas daninhas mais
de feixes de alta energia para eliminar sustentáveis.
as plantas daninhas de forma precisa;
e) edição genômica de plantas: a
tecnologia CRISPR-Cas9 pode ser
REFERÊNCIAS
usada para desativação de genes de
ADEGAS, F. S.; CORREIA, N. M.;
resistência, aumento da sensibilidade a
SILVA, A. F.; CONCENÇO, G.;
um herbicida específico, modificação de
GAZZIERO, D. L. P.; DALAZEN, G.
vias metabólicas e introdução de genes
Glyphosate-resistant (GR) soybean
supressores. Ela ainda se encontra em
and corn in Brazil: past, present,
processo de maturação.
and future. Advances in Weed
Science, v. 40, e0202200102,
CONCLUSÃO 2022. DOI: https://doi.org/10.51694/
AdvWeedSci/2022;40:seventy-five004.
O caminho para retardar o surgimento
de novos casos de resistência ao
glifosato e a dispersão desses biótipos ADEGAS, F. S.; VARGAS, L.;
exige esforço conjunto entre todas as GAZZIERO, D. L. P.; KARAM, D.;
partes interessadas. A estratégia de SILVA, A. F. da; AGOSTINETTO, D.
manejo deve ser estabelecida dentro Impacto econômico da resistência
dos princípios do manejo integrado de plantas daninhas a herbicidas
de plantas daninhas (MIPD), que no Brasil. Londrina: Embrapa Soja,
pode ser definido como a seleção e 2017. 11 p. (Embrapa Soja. Circular
a integração de diferentes métodos Técnica, 132). Disponível em:
de controle adequados à realidade https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/
local, buscando resultados favoráveis bitstream/item/162704/1/CT132-OL.pdf.
dos pontos de vista agronômico, Acesso em: 31 ago. 2023.
econômico, ecológico e social. É
necessário o envolvimento de toda a
cadeia produtiva. Aos pesquisadores, HEAP, I. The International Herbicide-
cabe buscar soluções inovadoras para Resistant Weed Database. Disponível
minimizar a dependência do glifosato em: http://www.weedscience.org/.
e de outras moléculas herbicidas; aos Acesso em: 31 ago. 2023.
órgãos de extensão rural, fomentar a
adoção de boas práticas agrícolas; e
às empresas privadas, cabe fomentar HERBICIDE RESISTENT ACTION
o uso racional de agrotóxicos. São COMMITTEE. Guideline to the
necessárias campanhas de educação management of herbicide resistance.
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Disponível em: https://hracglobal.


com/files/Management-of-Herbicide-
Resistance.pdf. Acesso em: 31 ago.
2023.

MAROCHI, A.; FERREIRA, A.;


TAKANO, H. K.; OLIVEIRA JUNIOR,
R. S.; OVEJERO, R. F. L. Managing
glyphosate-resistant weeds with
cover crop associated with herbicide
rotation and mixture. Ciência e
Agrotecnologia, v. 42, n. 4, p.
381-394, 2018. DOI: https://doi.
org/10.1590/1413-70542018424017918.

SILVA, A. F. da; PADRÃO, V. A.;


CONCENÇO, G.; GONTIJO NETO, M.
M. Efeitos da rotação de cultura na
dinâmica de plantas daninhas: um
estudo em sistemas agrícolas. Sete
Lagoas: Embrapa Milho e Sorgo, 2023.
(Embrapa Milho e Sorgo. Boletim de
Pesquisa e Desenvolvimento, 254).
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Comitê Local de Publicações

Embrapa Milho e Sorgo Presidente


Rod. MG 424 Km 45 Maria Marta Pastina
Caixa Postal 151
Secretária-Executiva
CEP 35701-970 Sete Lagoas, MG
Elena Charlotte Landau
Fone: (31) 3027-1100
Membros
www.embrapa.br/milho-e-sorgo/publicacoes Cláudia Teixeira Guimarães, Mônica Matoso
www.embrapa.br/fale-conosco/sac
Campanha, Roberto dos Santos Trindade e
1ª edição
Maria Cristina Dias Paes
Publicação digital (2023): PDF
Revisão de texto
Antonio Claudio da Silva Barros
Normalização bibliográfica
Rosângela Lacerda de Castro (CRB-6/2749)
Tratamento das ilustrações
Márcio Augusto Pereira do Nascimento
Projeto gráfico da coleção
Carlos Eduardo Felice Barbeiro
CGPE 018347

Editoração eletrônica
Márcio Augusto Pereira do Nascimento
Foto da capa
Alexandre Ferreira da Silva

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