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“CHRONOS” – A SEMIÓTICA QUE NÃO PÁRA NO TEXTO

Erasmo Borges de Souza Filho1

RESUMO

Neste artigo é apresentado o estudo dos componentes da imagem e de suas articulações


sintático-semântica na investigação do sentido e análise da sua significação em uma peça
publicitária, em folha tripla, veiculada em uma revista feminina entre 2002/2003, para
lançamento de um produto de uma linha da Natura conhecido como Chronos. Esta linha foi a
primeira a combater os estereótipos e os padrões de beleza em relação à mulher. Com
referência na Semiótica Discursiva intenta-se estabelecer parâmetros que melhor articulem o
estudo e análise da peça publicitária, sob a ótica que se constrói como uma rede de
significações. A peça é considerada um texto e o seu contexto, como realidades intrínsecas e
de mesma natureza, portanto, geradores de significação2 que se ampliam na seqüência do
estudo nessa vertente teórica.

Palavras-chave: Semiótica. Análise do Discurso. Natura. Comunicação. Propaganda.

INTRODUÇÃO

A semiótica, entre as suas várias concepções, tem como objetivo o estudo da


significação, seja em um texto no seu sentido mais amplo, seja nas linguagens verbais e não-
verbais. No estudo em questão, toma-se como referência teórica e epistemológica a Semiótica
Discursiva, também denominada greimasiana em referência ao seu principal autor Algirdas
Julien Greimas, da chamada Escola de Paris.
Nessa perspectiva, toma-se o texto3 como elemento principal de análise, e como um
“objeto de significação e um objeto cultural de comunicação entre sujeitos”. (BARROS,
1994, p.90). Um texto sincrético cuja materialidade discursiva envolve o texto lingüístico
(escrita) e o visual (gráfico e fotográfico), e que no caso, trata-se de uma propaganda da
Natura veiculada em folha tripla, em uma revista feminina de grande circulação nos anos de
2002/2003.

1
Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor dos Cursos de Artes Visuais e Tecnologia da
Imagem e Comunicação Social da UNAMA e do Curso de Artes da UFPA. Email: erasmo@unama.br
2
Texto e contexto são níveis de manifestação da mesma realidade semiótica, indissociavelmente articulados
entre si. Cf. Landowski (1996, p.22-43).
3
Tecituras de relações que se entrelaçam dando origem às significações.
2

1 A NATURA E O PRODUTO

Desde a sua fundação, no ano de 1969, em São Paulo, a Natura já incorporava


conceitos do produto cosmético como importante veículo de autoconhecimento e de
percepção de si mesmo e dos outros. É na força desses conceitos que passa a exercer uma
forte influência e transformação na vida das pessoas e nas suas relações, tendo como alvo a
“felicidade” e a “alegria de viver”.
No Brasil, foi a primeira empresa do ramo a fazer frente aos estereótipos e aos padrões
de beleza, com a criação de produtos voltados principalmente para o segmento feminino ou
pessoas acima dos 30 anos, que buscam amenizar os sinais de envelhecimento da pele
causado pela idade, pelo estresse, pela poluição, ou por agentes nocivos que provocam as
chamadas “rugas de envelhecimento”4. Também foi a primeira em lançar produtos no
mercado que trazem no rótulo à indicação de uso por faixa etária.
A linha anti-sinais da Natura Chronos é constituída de fórmulas específicas para cada
etapa biológica: dos 30 aos 35 anos, dos 45 aos 60 anos e dos 60 em diante. É uma linha de
anti-sinais com ativos de última geração e ingredientes de origem vegetal, constituída de
fórmulas específicas para cada fase da vida, considerando as mudanças significativas que
ocorrem com a mulher tanto biologicamente quanto na sua vida social, partindo do princípio
de que “assim como você, sua pele também muda com o tempo”.
O principal componente dessa linha é o elastinol, considerado o primeiro e eficaz
princípio ativo no combate as rugas de envelhecimento, e que provocou uma verdadeira
revolução nos cosméticos, seduzindo a mulher moderna. Independente da sua atividade, ela
pode manter a sua beleza mais harmoniosa consigo mesma, e não simplesmente em querer
pará-la no tempo, ou mesmo conservá-la de uma forma marcante, porém artificial.
É nisso que se constitui o eixo de propaganda do produto, uma vez que é
extremamente importante essa relação harmoniosa na valorização da auto-estima da mulher e,
conseqüentemente, da sua vida, suas atividades, seu cotidiano, independente de quais sejam.
Assim, o uso do produto se coloca em oposição àqueles que buscam “parar o tempo”,
porque isso significaria “parar a vida”, e uma mulher sem vida, perde a sua “boniteza”, sua
beleza, por mais jovem que seja. Daí o slogan da propaganda “Natura Chronos. O anti-sinais
que não pára no tempo.”, parafraseado para o título do artigo, cuja análise e os motivos ver-
se-ão a seguir.

4
Rugas de envelhecimento são aquelas mais finas que geralmente vem junto com a flacidez da pele, ocasionado
pela perda de elastinol da pele.
3

2 A PEÇA PUBLICITÁRIA

A peça publicitária, em folha tripla na revista, ao ser folheada, a primeira folha (fig.01)
aparece situada à direita e é o primeiro contato que a leitora tem com a propaganda,
apresentada da seguinte forma:

A Christine vai contar sua idade.


Um - Andou. Falou. E conheceu o mar, até
hoje “uma grande paixão”.
Sete - Chorou no primeiro dia de aula. A aula
inteira.
Dezoito - Vivia na praia, pegando onda de
body board.
Vinte e um - Foi a uma festa sem conhecer o
aniversariante, Fernando, que
estudava na mesma faculdade.
Ele abriu a porta, olhou para ela
e perguntou: “Quer casar
comigo?”
Vinte e três - Casaram-se.
Vinte e quatro - Formou-se em Direito.
Vinte e cinco - Nasceu um fio de cabelo
branco. Arrancou. Nasceram
outros. Pintou. E continua
pintando.
Vinte e seis - Nasceu Brunno.
Trinta - Nasceu Vitor.
Trinta e dois - Nasceu Alexandre.
Trinta e três - Gravidez inesperada: “Será
que agora é menina?”
Trinta e quatro - Nasceu Gabriela.
Fig.01 – À esquerda a primeira folha da peça publicitária que é posta em contato com o leitor (a) e ao lado a transcrição
do texto escrito que aparece sobre a imagem.

Observa-se, nesse primeiro contato, a imagem da mão esquerda de uma mulher


suavemente aberta, e no sentido da esquerda para a direita em diagonal ascendente,
destacando-se três elementos importantes: a aliança no dedo anelar; o logotipo da Natura; e o
texto escrito que narra à história da personagem “Christine”, de 01 aos 34 anos de idade.
As duas folhas (fig.02) seguintes ocupam toda a revista aberta seqüencialmente, dando
continuidade a narrativa. A personagem aparece em primeiro plano já com 36 anos de idade e
prestes a completar mais um ano de vida. Em segundo plano e a esquerda, têm-se os produtos
que compõem a linha Natura Chronos e as suas referências. Mais abaixo, em primeiríssimo
plano e de forma discreta, os contatos para maiores informações e aquisição dos produtos.
Fig.02 – Seqüência da peça publicitária em folha dupla que é posta em contato com o leitora.
3 PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO

O percurso gerativo de sentido é um “simulacro metodológico”5 por meio do


qual é possível compreender a produção e a interpretação do significado do texto, de forma
efetiva, a partir da análise do seu conteúdo6, mostrando aquilo que é percebido ou apreendido
de forma intuitiva.
Partindo-se das duas instâncias semióticas, o plano de expressão e o plano de
conteúdo, na análise de um texto, o discurso é uma unidade do plano de conteúdo, no qual as
formas abstratas são revestidas de elementos concretos, cuja manifestação por um plano de
expressão dá origem ao texto. Em síntese, o Percurso Gerativo de Sentido vai do mais
simples e mais abstrato ao mais complexo e concreto, e é compreendido pelos níveis:
fundamental, narrativo e discursivo, cuja estrutura estabelece o fio condutor para a análise
e interpretação do texto.

3.1 NÍVEL FUNDAMENTAL

Partindo do princípio que com a qualidade de seus produtos e a força dos seus
conceitos a Natura pode ajudar as pessoas a romperem com os padrões de beleza instituídos,
conhecerem-se melhor e, conseqüentemente, de serem mais felizes, as suas propagandas
buscam seduzir a mulher moderna, persuadindo-a de que é possível ela manter a sua beleza,
independente de faixa etária e sem seguir padrões estabelecidos.
Assim, a construção de sentido na peça publicitária apresentada, no qual o
tempo é o fio condutor, tem como ponto de partida, no nível das estruturas fundamentais, a
oposição semântica: Juventude vs. Velhice.
Essa oposição, marcada pela categoria tempo (chronos), manifesta-se das
seguintes formas no texto: “A Christine vai contar sua idade”; “Trinta seis anos de vida”; “O
anti-sinais que não pára no tempo”; etc. O conteúdo mínimo fundamental é mostrado de
forma disfórica pela negação da velhice e do congelamento da “beleza”, sempre em conflito.
Tem-se a passagem para uma afirmação eufórica, de que a ênfase da beleza
está em saber mostrá-la de forma alegre e feliz em cada fase da vida, sem seguir padrões. Isso,

5
Cf. Fiorin, 1997.
6
Um texto “não é redutível à soma dos sentidos das palavras que o compõem nem dos enunciados em que os
vocábulos se encadeiam, mas decorre de uma articulação dos elementos que o formam: que existem uma sintaxe
e uma semântica do discurso”. (FIORIN, 1997, p.31).
6

de certa forma, re-significa o que já está presente na mente do consumidor que é o de como
lidar com o seu processo de envelhecimento.
Outras categorias semânticas estão presentes no texto como: infância,
juventude, idade adulta, estudo, casamento, maternidade, beleza, envelhecimento, satisfação,
orgulho etc.

3.2 NÍVEL NARRATIVO

Nesse nível, a oposição e as categorias semânticas são assumidas como valores por um
sujeito e que circulam entre sujeitos, e “deve ser pensada como um espetáculo que simula o
fazer do homem que transforma o mundo” (BARROS, 2002, p.16). No texto, tem-se a
organização da narrativa em torno da história da Christine do ponto de vista da Natura ou,
mais precisamente, do produto: a linha Chronos.
Na primeira folha, a história da Christine é contada fazendo-se referência à linha da
vida, na mão esquerda. Segundo a Quiromancia7, a mão dominante é utilizada para a maior
parte das tarefas: escrever, apontar, pentear, pintar etc.; é a mão do presente. A mão não-
dominante é a mão que remete ao passado, presente e futuro. A imagem nos faz crer que a
mão dominante é a direita, uma vez que o passado da personagem é mostrado na mão
esquerda.
A narrativa apresentada na primeira página, ao mostrar o passado de Christine, chama
a atenção para alguns aspectos importantes da sua vida em três etapas sucessivas, e que
contribuem para o surgimento dos primeiros traços que revelam um “envelhecimento”
precoce. A primeira etapa compreende o período que vai da infância a adolescência; a
segunda, da juventude até o casamento e a formatura; e a terceira, a vida no lar, o lado
profissional; e os períodos subseqüentes de gravidez em curtos espaços de tempo.
A primeira etapa, além de sugerir a vivência de uma infância saudável, de forma
intensa, visto que o seu primeiro contato com a escola só ocorre aos sete anos, ainda revela a
sua paixão desde cedo pelo mar. Essa paixão, além de ocupar de forma intensa, praticamente
1/3 da sua vida, continua até os dias de hoje. É sabido que as intempéries, como o sol, o

7
A palavra Quiromancia origina-se do grego Kheiromanteia e significa: Kheir Quiro = mão e Manteia Mancia =
adivinhação, isto é, adivinhação dos segredos por meio da interpretação das linhas das mãos, que podem revelar
o destino das pessoas, pois os antigos sábios acreditavam que nosso Passado, Presente e Futuro, já estavam
registrados no formato e linhas de nossas mãos, determinando nosso comportamento e personalidade, sendo
Passado, Presente e Futuro apenas diferentes estados de consciência.
7

vento, a areia e a água salgada, exercem ações extremamente prejudiciais à saúde, a pele, que
acabam exigindo cuidados e tratamentos especiais.
A segunda etapa compreende o começo da fase adulta, o período de faculdade quando
conhece Fernando, o casamento e a ocupação do seu tempo entre cuidar de casa, marido,
estudos e provavelmente estágio de conclusão de curso. Sua vida se intensifica e passa a
exigir dela cada vez mais. Sabemos que o ingresso em um curso de Direito é altamente
concorrido, só comparável ao de Medicina, e isso exige um intenso preparo antes (vestibular),
durante (Graduação) e depois (exercício profissional), implicando muitas vezes, ou na maioria
das vezes, em noites mal dormidas, cansaço físico, stress etc., além das atribulações de “dona-
de-casa” pelo fato de ter se casado antes de se formar. Tudo isso contribui para que os
primeiros sinais de envelhecimento apareçam aos 25 anos e a partir daí se intensifiquem.
A terceira etapa compreende o que parece ser o curto espaço de dois anos de exercício
profissional e, afirmativamente, a vida voltada integralmente para o lar devido os períodos
sucessivos e imediatos de gravidez.
Isso intensifica um desgaste físico, mental e emocional, e contribui ainda para o
envelhecimento precoce, afinal, Brunno, o primeiro filho, nasce quando ela tem 26 anos de
idade, e aos 30 nasce Vitor. Imagine ela dona-de-casa, com um recém-nascido no colo e tendo
que cuidar de outro filho com quatro anos e que ainda exige cuidados, embora filhos sejam
extremamente prazerosos.
Aos 32 anos, outra gravidez, nasce Alexandre. Imagine novamente a Christine com
Alexandre recém-nascido no colo, Victor com dois anos agarrado a mãe, e Brunno com seis
anos, ainda exigindo cuidados, uma vez que a criança até em torno dos sete anos ainda guarda
uma relação de extrema dependência da mãe. E, para completar, gravidez inesperada aos 33
anos e a seguinte pergunta: “Será que agora é menina?”. Aos 34 anos nasce finalmente uma
menina: Gabriela.
Qual o motivo dessa pergunta que provoca uma interação com a leitora? Ora, após a
gravidez seguida de três meninos, isso provavelmente só aumentou a ocupação do tempo e do
desgaste da Christine, daí o aparente alívio ao vir Gabriela.
Imagine-se agora a seguinte cena: Gabriela no colo, Alexandre com dois anos, Vitor
com quatro e Brunno com oito, todos exigindo integralmente a atenção e os cuidados da mãe,
até porque a aparente ausência de Fernando na seqüência da narrativa sugere que ele, além de
pai, é o principal provedor da família, e ela, dedicada totalmente as crianças e ao lar.
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Essa constatação ocorre ao virar-se a página seguinte, com destaque para o título:
“Trinta e seis anos de vida”, e em seguida “Christina Moreira, dona-de-casa.” Duas coisas
chamam a atenção nesse título.
A primeira, a reiteração taxativa de que a vida da Christine foi vivida intensamente. É
comum ao se perguntar a pessoas adultas a idade e ter como resposta não só a idade, mas o
complemento de que ela foi “bem vivida”.
A segunda coisa que chama atenção é o complemento “dona-de-casa”, ou seja, a
dedicação integral ao lar. Ora, se ela viveu a sua infância intensamente e só foi à escola com
sete anos, é natural que o mesmo ela oportunizasse aos seus filhos, ou seja, mais tempo deles
serem crianças e para ela mais tempo de convivência com os filhos.
A intensidade na forma de viver da Christine é reiterada na narrativa pelo texto escrito
abaixo do título, ao diferenciar “idade” de “anos de vida”. Ao mesmo tempo, o texto busca
reforçar a auto-estima da leitora ao reafirmar que é uma história de vida única, singular, tal
qual a sua beleza que evolui com o tempo sem seguir padrões, convenções ou normas de
estética, e que qualquer pessoa tem ou pode ter uma história única, singular, na qual deve
sentir orgulho, satisfação, alegria e ser feliz. O texto finaliza perguntando a leitora sobre
“quantos anos de vida você tem?” e, em seguida, acrescenta “Parabéns”, numa clara
referência elogiosa não a idade em si, mas a intensidade e qualidade de vida desses anos.
Abaixo desse texto temos os produtos da linha Natura Chronos: o gel creme fluido e o
gel creme em pote, a descrição dos produtos, suas qualidades únicas e o seu efeito imediato na
pele, criando uma imagem positiva dos produtos dessa linha.
Em seguida temos o slogan da campanha “Chronos, o anti-sinais que não pára no
tempo”; uma frase concisa, de fácil percepção e memorização, que resume as características
do produto, ou seja, um produto único e adequado a exaltar a beleza singular da mulher nas
suas diferentes fases.
Ainda sobre as interações no texto, a primeira interação, ou embreagem com a leitora
ocorre logo na primeira página a partir do título - “A Christine vai contar a sua idade” -
absorvendo o leitor na história, e continua quando da pergunta - “Será que agora é menina?” –
levando a leitora a imaginar a cena e a torcer para que seja.
A reiteração desse recurso continua na página seguinte, sempre instigando a leitora a
refletir e compartilhar a história de vida da personagem, a exemplo: “A diferença?”, “A
propósito, quantos anos de vida você tem? Parabéns”. E finaliza instigando a leitora, com o
uso da provocação, procurar saber mais desses e de outros produtos da Natura com o seguinte
questionamento: “Você não conhece uma Consultora Natura?”.
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Na terceira página, vemos a imagem da Christine fitando a leitora e denotando sua


satisfação com um belo sorriso, e uma jovialidade expressa no seu próprio gestual e sua forma
de se apresentar, criando uma atmosfera única de beleza e de felicidade.
Na construção da narrativa alguns mecanismos de manipulação foram utilizados e
assim seqüenciados: tem-se a manipulação por tentação, despertando a um apelo interior na
leitora pela curiosidade, já no começo da propaganda na seguinte frase: “A Christine vai
contar a sua idade”.
A princípio, na história da Christine, descrita na primeira página, tem-se uma imagem
positiva de uma mulher determinada nas suas escolhas. Porém, essa imagem vai se
“negativizando” na mente da leitora ao imaginar uma mulher possivelmente “desgastada pelo
tempo”, “condição de vida” ou de “aparência mais velha” devido as sucessivos estados de
gravidez, que acabam provocando alterações orgânicas significativas e que aumentam pelo
fato dela ter de cuidar do lar e de quatro crianças pequenas.
A surpresa, no entanto, ocorre ao se folhear a página e se deparar com uma Christine
com um semblante alegre e jovial, em uma imagem extremamente positiva. Nessa imagem,
temos a concretização de uma das propostas da empresa que é o do “autoconhecimento” e da
alegria como referência aos outros, uma vez que “um semblante jovial, em qualquer idade,
cativa, reunindo as criaturas em sua volta, atraídas pela claridade da alegria”. (ÂNGELIS,
1990, p.14).
Parece haver uma aparente contradição em se ter uma imagem positiva (sedução) e
em seguida uma imagem negativa (provocação) para em seguida ter-se novamente uma
imagem positiva (sedução). O que ocorre no texto é a estratégia do aparente uso do
mecanismo de provocação para, posteriormente, enfatizar a imagem positiva da personagem
com o uso do mecanismo de sedução e, com isso, valorizar ainda mais a personagem e,
conseqüentemente, dar maior visibilidade ao produto.
O mecanismo de manipulação por sedução é reiterado na página seguinte com
referência aos “anos de vida”, também estendida à leitora, na expressão “Parabéns”, e com a
própria imagem da Christine ao fitar a leitora sorridente, com uma expressão cordial na face,
em reconhecimento aos também “anos de vida” da leitora e convidando-a a valorização de si
mesma.
O mesmo mecanismo (sedução) se estende ao produto ao situá-lo como único no
mercado com as qualidades e propriedades capazes de acompanhar e realçar a beleza da
mulher nas suas diferentes fases, e deixá-la em paz e harmonia consigo mesma. Esse é um
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importante fazer transformador do qual qualquer pessoa pode e deve ser capaz, sem seguir os
padrões de beleza ou de felicidade estabelecidos na mídia.
Para despertar na leitora esse interesse, tem-se o uso do mecanismo da
provocação ao instigá-la negativamente e fazer com se interesse em conhecer o produto por
meio de uma consultora natura, pelo telefone de atendimento ao consumidor, ou mesmo no
site da Natura, fechando-se assim o processo de persuasão sobre o consumidor e ratificação
dos propósitos e lemas da empresa: a alegria como referencial de vida.

3.3 NÍVEL DISCURSIVO

O terceiro nível é das estruturas discursivas ou discurso, no qual a narrativa é


assumida pelo sujeito da enunciação que os converte em discurso. A enunciação é uma
instância pressuposta pelo enunciado e, ao realizar-se, deixa marcas (pela escolha de pessoas,
tempo, espaço, figuras etc.) no discurso que constrói. Em relação à enunciação, o enunciador
pode reproduzi-la ou não no interior do enunciado, e ainda que os seus elementos não
apareçam no enunciado, a enunciação continua existindo, uma vez que nenhuma frase se
enuncia sozinha. O nível discursivo é o patamar mais superficial do percurso, mais complexo
e “enriquecido” semanticamente, que os outros níveis, e o mais próximo da manifestação
textual.
No texto, observam-se várias estratégias discursivas na concretização da narrativa. A
primeira delas está na determinação do sujeito “A Christine vai contar sua idade” e quem
realmente mostra é um interlocutor, em terceira pessoa. Ele revela a sua idade assim como,
parte da sua história de vida, uma “história de vida bela e única, que se ampliou sem seguir
padrões, como a sua própria beleza”.
O discurso em terceira pessoa sugere maior credibilidade ao discurso, diferentemente
da própria pessoa falar de si mesma. O interlocutor no texto é caracterizado pelo próprio
produto, reiterado pelo aspecto cromático em dourado nos títulos, na marcação da idade, nos
detalhes dos adereços, em sintonia com os detalhes da embalagem do produto e da própria
marca: Chronos.
Na primeira folha temos ainda como recurso discursivo, a imagem da mão esquerda,
com destaque para a aliança no dedo anelar e o logotipo da Natura. O uso desses recursos no
texto estabelece três aspectos fundamentais:
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 o primeiro, a aliança que mostra não só a união com Fernando, seu marido, mas
também metaforiza a fidelidade da Christine com o produto, co-responsável pela
sua beleza, alegria e satisfação;
 o segundo reside na imagem da mão, em “tamanho natural”, sugerindo uma
aproximação da leitora aos detalhes da vida da Christine, marcados na “linha da
vida”. As marcas da mão esquerda, que remetem ao passado, ao presente e ao
futuro, deixam para a leitora a imaginação da história de vida da personagem e as
lembranças da sua própria história de vida. Esse efeito seria menos provável se, ao
invés da mão, fosse uma painel de fotografias da Christine, desde o nascimento até
a situação atual, porque criaria uma ruptura na interação da leitora com o texto e
conseqüentemente poderia despertar menos curiosidade;
 o terceiro aspecto é o posicionamento do logotipo, que topologicamente aparece no
canto superior direito e é repetido na folha subseqüente. Como o logotipo remete a
natureza, a uma palma, a uma flor, a uma pluma, a gestualidade da mão sugere o
carinho, a delicadeza e o cuidado com o produto, ou de como a marca é tratada pela
Christine.

Quanto ao aspecto cromático, observa-se a fotografia em preto e branco e apenas a cor


dourada no título, nos pontos relativos à idade, na “linha da vida” e na idade propriamente
dita. Temos aí, isotopicamente, uma reiteração ao produto e a figuratização da nobreza, ou
seja, no valor que ele representa àquilo que a empresa se propõe. Esse mesmo recurso é
utilizado nas folhas subseqüentes, reiterando a presença do produto na vida da Christine.
Outro importante recurso discursivo é utilizado na marcação da passagem do tempo.
Na primeira folha tem-se o passado da Christine até os 34 anos, e nas folhas seguintes o seu
presente, ou seja, ela já com 36 anos e prestes a completar mais um. Com a virada da página
passaram-se dois anos. Metaforicamente, a leitora estará folheando o “livro da vida” da
Christine, um livro aberto a qualquer mulher, como uma mensagem de estímulo para que cada
uma descubra a sua forma singular de viver.
Nas folhas seguintes tem-se a seguinte distribuição: a Christine em primeiro plano; em
segundo plano o texto escrito; e em terceiro plano o produto. Como foi dito anteriormente, em
primeiríssimo plano temos a chamada a leitora sobre a natura, porém de forma bem discreta
para não se sobressair a imagem e é algo que só é notado por último. Esse aspecto topológico
cumpre uma função reiterativa.
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A criação de uma propaganda pode ser pensada de três maneiras distintas ou


alternativas. Dependendo do propósito, será de uma delas que toda a peça publicitária será
criada. Na primeira alternativa, ela pode ser centrada na empresa ou instituição; na segunda,
no produto ou serviço; e na terceira, no consumidor ou usuário. Para cada uma dessas
alternativas variam os mecanismos discursivos e os mecanismos de manipulação.
Nessa propaganda, a personagem é centro das atenções, e também uma consumidora
em potencial, sem uma referência direta ao produto ou a empresa. Daí a estratégia discursiva
de exaltação da sua imagem positiva, pelo mecanismo de sedução, estendida também a
leitora. Esse o motivo da imagem ocupar uma folha inteira e parte da outra, em primeiro
plano, e o produto aparecer à esquerda e em segundo plano.
Essa disposição topológica segue outra estratégia discursiva. O olhar da Christine é
firme, seguro e nos fita direto nos olhos. Uma postura de quem está sendo verdadeira em
expressar e reafirmar o que já foi exposto da sua vida. O logotipo da Natura aparece sobre a
imagem o que seria uma contradição a afirmação anterior. No entanto, verificamos que o
logotipo ocupa a mesma posição da primeira página, o canto superior direito e na imagem
produz um sentido figurativo que reitera a imagem jovial, alegre e bela da Christine, que é a
de uma “flor” ou a de um adereço natural. Uma intencionalidade já verificada com o logotipo
na primeira página.
Essa figurativização acentua ainda mais a graciosidade da Christine, que por um
momento chegamos a esquecer que ela está próxima de completar 37 anos, dona-de-casa e
mãe de quatro filhos, sendo uma menor de dois anos. Ao se olhar a Christine nos olhos, um de
cada vez, tem-se uma linha oblíqua imaginária que, passando pelos olhos, faz a ligação entre
o logotipo e o produto, colocando tanto um quanto o outro no campo visual de quem fita a
Christine, e com isso a memória passa a fazer registro, ainda que inconsciente, da tríade
formada entre a Christine (consumidora) – o produto (Chronos) – e a empresa (Natura),
fechando-se o círculo proposto pela propaganda. Se o objetivo do logotipo fosse apenas o de
uma “assinatura” ele estaria situado no canto inferior direito como é de costume.
A condição de vida da Christine leva a leitora de início, a imaginar as “marcas” do
tempo bem mais acentuadas, o que não se verifica com a imagem que é mostrada, devido a
sua atenuação com o uso do produto. O texto, para manter a coerência textual com a imagem
positiva criada ao longo da narrativa, utiliza-se discursivamente do eufemismo com o uso do
termo “anti-sinais” diferenciando-o de “rugas”. Com isso, desvincula-se o produto dos
demais, existentes no mercado, voltados especificamente para o tratamento de rugas. E como
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ninguém quer ter “rugas”, por ser uma expressão tida como pejorativa, poderia ocorrer um
afastamento, ou uma rejeição da consumidora em relação ao produto.
A opção em usar a fotografia em preto e branco faz parte da estratégia na criação da
peça publicitária. A de criar um contraste com a cor dourada com a reiteração dessa cor nas
palavras que fazem referência direta a passagem do tempo, e com isso facilitar a memorização
do produto. Outra estratégia é a sobriedade e ao mesmo tempo singeleza no convite a alegria,
que não necessita de grandes coloridos exteriores por ser algo que deve vir de dentro, além do
que, a beleza da fotografia em preto em branco está no contraste realçado pela luz.
Tem-se ainda na fotografia o uso do fundo infinito que por si só torna algo ilimitado. É
mais um recurso discursivo que reitera o uso indefinido do produto já que a linha atende as
diferentes fases da mulher e não as “rugas” em si.
Outro aspecto aparece na sombra projetada do produto e permite duas possibilidades
de leitura, uma, do ponto de vista da Christine, e outra, a do observador. Na primeira pode-se
imaginar a sombra projetada da direção Leste, do nascente, e do ponto de vista de quem olha a
sombra aparece projetada do Oeste, do poente. Enquanto para a Christine temos um
“alvorecer”, para a leitora poderemos ter um “ocaso”, um “declínio” inerente ao seu processo
de envelhecimento. Essa passagem do tempo também pode significar uma renovação à
medida que se busque ter “anos de vida”, vivendo intensamente, com alegria, de forma
singular, um dia de cada vez.
Ainda no texto desenrolam-se várias leituras temáticas como: a forma de viver a
infância; a determinação na adolescência; o papel de mãe; a vida sem estereótipos; o lado bom
das vidas das pessoas; o estar em paz consigo mesma; saber cuidar-se; qualidade vida; a
modernidade da mulher etc.
E, para finalizar, discursivamente, tem-se a repetição de letras do nome do produto
Chronos no próprio nome da Christine, ou seja, uma aliteração, um recurso que produz um
efeito intencional de associação, de ligação dela com o produto, e uma rápida memorização,
ainda que inconsciente, por parte da leitora.

4 A SEMIÓTICA QUE NÃO PÁRA NO TEXTO

Todo ato de comunicação, além de informar, em última instância tem o propósito de


persuadir, convencer o leitor da veracidade, da credibilidade da informação. A publicidade ao
se comunicar com um público com os quais mantém relacionamento, ou no granjeamento de
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novos públicos, de certa forma reflete a cultura da sociedade. Isso é feito apoiado em noções,
conceitos e valores agregados aos produtos. Criam-se simulacros para esse fim, a partir de
estratégias discursivas, intencionais, para despertar no consumidor expectativas em relação a
esses valores e as suas necessidades de consumo, de vida.
A simples leitura ou o exame interno de um texto não é suficiente para determinar os
valores que o discurso veicula. A sua contextualização se faz necessária como parte do
processo de desvelamento, desde que o contexto seja entendido e examinado como uma
organização de textos que dialogam com o texto em questão, sem se confundir com o "mundo
das coisas", mas que se explica como um texto maior, no interior do qual cada texto se inte-
gra e cobra sentido, atreladas a uma ou mais formações ideológicas.
A Semiótica discursiva, no seu aspecto mais amplo, parte do princípio de que viver
tem um sentido, um significado. A “realidade” é uma construção de simulacros, de
percepções do mundo e de relações que criamos cotidianamente e que fazem parte de uma
rede de significações presentes na vida.
Em se tratando de um texto publicitário, a análise semiótica desvela os procedimentos
de argumentação, os mecanismos de manipulação, de persuasão, a escolha de temas e figuras
projetadas no discurso e sustentadas por convicções do mercado direcionadas ao consumo,
revelando muitas vezes a sua inserção ideológica. Esse procedimento é feito com a análise
interna das muitas pistas espalhadas no texto; de fora para dentro, por meio da
intertextualidade, tendo como ponto de partida o percurso gerativo de sentido.
A propaganda da Natura é centrada na mudança que vem ocorrendo com a mulher ao
longo dos anos, do seu papel na sociedade, que a levaram a ser exigente e determinada em
suas escolhas. No texto, tem-se a personagem Christine, uma mulher comum e emergente de
um cenário de mudanças como, por exemplo, o movimento feminista, a valorização do lado
profissional e a conquista de novas posições no mercado, influenciando significativamente o
seu modo de pensar e agir.
Mesmo inserida nesse contexto e não abrindo mão de cuidar de seus filhos e do lar, ela
parece ser o tipo de consumidora exigente, interessada também em seu próprio bem-estar, de
uma forma autêntica e singular, gerando uma empatia com o público consumidor,
sugestionando-o a libertar-se da sua própria desesperança ao ver o lado bom das outras
pessoas e da própria vida.
Observa-se, portanto, nessa propaganda, uma preocupação com a imagem referencial
tanto do produto quanto do personagem que irá incorporar esse produto, além dos reflexos
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diretos sobre a marca, uma vez que o objetivo é sensibilizar o consumidor para a sua própria
realidade, em oposição às propagandas com imagens estereotipadas.
Isso provoca um efeito interessante. Embora a faixa de consumo do produto seja para
uma classe de maior poder aquisitivo, visto que, a propaganda, circulando, passa a adquirir
“vida própria”, despertando na consumidora, independente de classe de renda ou atividade,
para um aspecto importante da sua vida que é a sua auto-estima. A consumidora percebe que
também é capaz de cuidar-se, valorizar-se cada vez mais e de estar de bem com a vida, ser
feliz, da mesma forma que a Christine, uma mulher comum, o faz.
O cerne da questão está em saber cuidar da imagem. Para a sociedade é algo
extremamente importante, independente de classe, porém, o que importa realmente é a pessoa
saber se cuidar por dentro, com outro olhar para a vida e para os problemas dela decorrentes.
Assim, isso irá se refletir no exterior, independente de produtos ou marcas, ao contrário do
que é apresentada em uma sutileza ideológica na propaganda, visto que, a vida é feita de
escolhas e compete a cada pessoa saber fazer suas escolhas, para que a alegria de viver seja,
em qualquer circunstância, um acontecimento normal, permanente, na existência de cada um,
pois a alegria gera o contágio pelo otimismo, gerando saúde e vida.
O título “Chronos - A Semiótica que não pára no texto”, é um modo de significar que
o que se diz é o verificado na análise e interpretação do texto. Em outras palavras, a Semiótica
é uma teoria da significação e, enquanto na vida houver sentido, ela cumprirá o seu papel
fundamental que é o de auxiliar a pessoa a sempre ampliar os seus horizontes, redirecionando
o seu olhar significativamente para as coisas da vida e, conseqüentemente, resignificando a
sua própria presença no mundo.

REFERÊNCIAS

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