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Interfaces entre a Arteterapia e as Neurociências: Um diálogo possível

Conference Paper · October 2011

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2 authors, including:

Marilia Nunes-Silva
Federal University of Minas Gerais
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Interfaces entre a Arteterapia e as Neurociências: Um diálogo
possível

Marília Nunes-Silva1 e Celso Luiz Falaschi2


1
Doutoranda do programa de pós-graduação em Neurociências da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), musicainfinita@ig.com.br
2
Clínica Integrarte Centro de Atividades- MG/ Faculdade Vicentina (FAVI) - PR

Resumo: A Arteterapia se constitui em um processo terapêutico que se utiliza de intervenções não-


verbais, a partir do uso de materiais de arte, para promover o insight e a resolução de dificuldades
emocionais e comportamentais que permitem às pessoas em processo terapêutico efetuarem sua
mudança e crescimento pessoal. O processo de expressão artística é parte importante da Arteterapia
e da pesquisa neste campo. A compreensão dos mecanismos biológicos e substratos
neuroanatômicos envolvidos na percepção e execução artística pode trazer importantes contribuições
para o seu desenvolvimento. O presente trabalho objetivou realizar um estudo de caso prospectivo a
partir de sessões de Arteterapia realizadas com um adolescente com déficit de habilidades
visoconstrutivas, buscando-se verificar o conteúdo emocional dos trabalhos apresentados e fornecer
base para o trabalho arteterapêutico com indivíduos que apresentem esses tipos de déficits. A partir
do caso clínico apresentado pode-se vislumbrar que, apesar das dificuldades visoespaciais e
visoconstrutivas apresentadas, o adolescente conseguiu expressar seus conflitos emocionais. O
arteterapeuta deve atentar-se para os diferentes tipos de déficits neurológicos que podem
comprometer a expressão visual para melhor compreender o processamento de indivíduos saudáveis
e traçar estratégias que atendam às necessidades de indivíduos com esses déficits.

Palavras-chave: Arteterapia. Percepção visual. Déficits neuropsicológicos

Abstract: The art therapy constitutes a therapeutic process that uses non-verbal interventions, from
the use of art materials, to promote insight and resolution of emotional and behavioral difficulties that
allow people in the therapeutic process to effect change and their personal growth. The process of
artistic expression is an important part of art therapy and research in this field of knowledge and
understanding of biological mechanisms and neuroanatomical substrates involved in the artistic
perception and execution can make important contributions to this work. This study aimed to perform a
prospective case study from art therapy sessions conducted with a teenager with a deficit of
visuoconstructive skills, trying to determine the emotional content of the artworks presented and
provide a basis for art therapy work with individuals with these types of deficits. From the case
presented could envisage that, despite the visuospatial and visuoconstructive skills difficulties
presented, the teenager managed to express in their works their emotional conflicts. The art therapist
must be attentive to the different types of neurological deficits that can compromise the visual
expression in order to better understand the processing of healthy subjects, and to devise strategies to
meet the needs of individuals with these deficits.

Keywords: Art therapy. Visual perception. Neuropsychological deficits

Resumen: La terapia del arte constituye un proceso terapéutico que utiliza las intervenciones no
verbales, a partir de la utilización de materiales de arte, para promover la resolución de las dificultates
emocionales y de comportamiento que permiten a las personas en el proceso terapéutico efectuar
cambios y su crecimiento personal. El proceso de la expresión artística es una parte importante de la
terapia del arte y la investigación en este campo y la comprensión de los mecanismos biológicos y
sustratos neuroanatómicos involucrados en la percepción y la ejecución artística pueden hacer
importantes contribuciones a este trabajo. Esta investigación tuvo como objetivo realizar un estudio
prospectivo de caso a partir de las sesiones de terapia del arte realizadas con un adolescente con
déficit de habilidades visoconstrutivas, verificar el contenido emocional de los trabajos presentados y
proporcionar una base para la terapia del arte con personas que tienen este tipo de déficit. A partir de
un caso clinico podría contemplarse que, mismo con las dificultates visoespaciales, el adolescente
logró expresar en su obra sus conflictos emocionales. El terapeuta del arte debe ser atento a los
diferentes tipos de déficits neurológicos que pueden poner en peligro la expresión visual para
comprender mejor el procesamiento de individuos sanos, y para elaborar estrategias para atender las
necesidades de las personas con estas deficiencias.

Palabras Claves: Terapia del Arte; Percepción visual. Deficits neuropsicológicos


dorsal, que conduz ao córtex de associação
Introdução visual secundário no lobo parietal e responde à
localização espacial.
A Arteterapia se constitui em um processo A informação somatosensorial é processada
terapêutico que se utiliza de intervenções não- no córtex somatosensorial primário, que contém
verbais, a partir do uso de materiais de arte, para grupos de neurônios que representam diferentes
promover o insight e a resolução de dificuldades partes do corpo e cada área responde a
emocionais e comportamentais que permitem às diferentes submodalidades de estímulos. A
pessoas em processo terapêutico efetuarem sua informação é enviada posteriormente ao córtex
mudança e crescimento pessoal. O arteterapeuta de associação somatosensorial secundário. A
irá atuar como facilitador do processo do integração entre a informação somatosensorial e
indivíduo, proporcionando condições para o a informação espacial do córtex visual é
indivíduo expressar em forma de arte suas realizada na área de multi-associação do lobo
angústias e conflitos inconscientes, auxiliando-o parietal (CARLSON, 2001 apud LUSEBRINK,
em seu autoconhecimento e na elaboração dos 2004). A percepção tátil também pode ativar a
conteúdos intrapsíquicos. Dentro deste contexto, amígdala e o córtex occipital, referente ao
não há a preocupação com a técnica e estética, caminho visual ventral (LUSEBRINK, 2004).
mas sim com a expressão dos sentimentos e a O processamento de informação motora
liberdade de criação em uma experiência envolve o córtex motor primário, córtex pré-motor
individual que permita a elaboração de conflitos. e córtex pré-frontal. O gânglio basal é uma
Como a utilização de materiais artísticos é importante parte do sistema motor enviando
um ponto chave para o trabalho arteterapêutico, outputs primários para as áreas motoras e
a compreensão dos mecanismos biológicos e monitorando a informação das áreas
substratos neuroanatômicos envolvidos na somatosensoriais. Ele se constitui, juntamente
percepção e execução pode trazer importantes com o tálamo, em uma das duas vias entre o
contribuições para o desenvolvimento deste córtex de associação motora e córtex de
trabalho. Torna-se necessário também conhecer associação somatosensorial. A outra via é uma
os déficits neurológicos que afetam a percepção conexão transcortical direta entre estas áreas.
e a produção artística e que trazem implicações (CARLSON, 2001 apud LUSEBRINK, 2004).
para o trabalho de Arteterapia. Já o processamento das emoções envolve
O objetivo do presente trabalho foi realizar padrões de atividades autonômicas, hormonais e
um estudo de caso prospectivo a partir de respostas corticais, cuja integração ocorre na
sessões de Arteterapia realizadas com um amígdala. O output da amígdala vai através do
adolescente com déficit de habilidades tálamo para o córtex órbito-frontal, responsável
visoconstrutivas, buscando-se verificar o pela regulação das emoções, e para o córtex
conteúdo emocional dos trabalhos apresentados pré-frontal, que lida com a memória de trabalho
e fornecer base para o trabalho arteterapêutico afetiva, antecipando as conseqüências de
com indivíduos que apresentem esses tipos de emoções positivas ou negativas. Diferentes
déficits. São apresentados também os emoções produzem diferentes tipos de padrões
mecanismos envolvidos na percepção e de ativação no cérebro. Emoções aversivas são
execução musical e alguns déficits relacionados. geralmente processadas no hemisfério direito e
emoções relativas à recompensa no hemisfério
1. Percepção e expressão artística esquerdo. O giro cingulado anterior também é
ativado com emoções de irritação ou raiva
As atividades em Arteterapia envolvem (CARLSON, 2001 apud LUSEBRINK, 2004).
diferentes aspectos do processamento de A memória perceptual baseia-se em três
informação tais como motor, somatosensorial, níveis hierárquicos de conhecimento obtidos
emocional, cognitivo e da expressão visual em através dos sentidos e armazenados no córtex
diferentes níveis de complexidade. LUSEBRINK posterior. A recordação envolve as vias ventrais
(2004) evidencia as principais áreas cerebrais e dorsais, as quais têm conexões diretas com o
envolvidas no processo de Arteterapia, em córtex pré-frontal (FUSTER, 2003; CARLSON,
relação tanto à percepção quanto à expressão 2001 apud LUSEBRINK, 2004). A integração
artística. No processamento da informação entre a informação sensorial e a formação de
visual, o córtex estriado, ou visual primário, é memórias declarativas ocorre no hipocampo, o
responsável por processar a direção, movimento, qual recebe e processa a informação vinda das
textura e cor do estímulo visual. O córtex de áreas associativas sensoriais no lobo parietal, da
associação visual, ou extra-estriado, reúne e amígdala, dos gânglios basais e outras áreas
analisa as informações recebidas de diferentes subcorticais, formando associações entre as
módulos em um estímulo complexo. A representações e enviando de volta para o
informação visual é posteriormente dividida em córtex associativo, no qual as memórias serão
dois canais: 1) o canal ventral, que conduz ao consolidadas e modificadas (FUSTER, 2003;
córtex de associação visual secundário no lobo CARLSON, 2001 apud LUSEBRINK, 2004).
temporal inferior e responde às características LUSEBRINK (2004), baseando-se em seu
da forma, integrando-a com a cor e; 2) o canal modelo do Continuum de terapias expressivas
(Expressive Therapies Continuum- ETC), conceituais, bem como na resolução de
considera que a expressão em Arteterapia problemas representando-se em imagens as
envolve três níveis de complexidade: cinestésico/ relações temporais e espaciais entre objetos e
sensorial (C/S); perceptual/afetivo (P/A) e eventos. Poderia também, no nível simbólico,
cognitivo/ simbólico (C/Si). Considera também contribuir para a exploração dos aspectos
um quarto nível, denominado criativo, que passa simbólicos da memória e elementos emocionais
pelos demais, envolvendo a interação entre os reprimidos ou dissociados, a partir da ativação
hemisférios cerebrais e contribuindo para o (top down) dos córtex sensoriais primários.
envolvimento prazeroso na atividade proposta
que, por si, favorece a saúde. As intervenções 2. Alguns déficits neuropsicológicos que
arteterapêuticas podem assim: 1) auxiliar na afetam a expressão artística
reabilitação de prejuízos físicos; 2) promover a
saúde física, emocional e mental e; 3) favorecer Pode-se apreender que como o processo
o desenvolvimento cognitivo e emocional. artístico envolve diferentes áreas cerebrais,
Segundo LUSEBRINK (2004), o nível C/S déficits relacionados a qualquer uma dessas
envolve a ação motora e movimento necessários áreas podem afetar a percepção e a produção
à expressão artística e sua relação com o artística. CHATTERJEE (2004) analisa alguns
feedback visual obtido a partir da modificação da destes déficits a partir da avaliação da produção
mídia artística. A ação cinética pode funcionar na de artistas com variadas síndromes
reabilitação como um agente reconstitutivo, neuropsicológicas. A autora enfatiza que os
estimulando memórias motoras, relacionadas artistas estão sujeitos aos mesmos déficits
inclusive ao gânglio basal. O gânglio basal visoespaciais do que outros indivíduos, sendo
associado aos movimentos motores pode se que a diferença está em que os artistas
constituir em uma ponte entre o córtex de expressam mais enfaticamente esses déficits.
associação motora e o córtex somatossensorial, CHATTERJEE (2004) aponta para duas
permitindo o acesso a memórias episódicas distinções importantes para avaliar os déficits e
quando as vias transcorticais forem prejudicadas descreve alguns dos déficits mais importantes. A
(MENZEN, 2001 apud LUSEBRINK, 2004). primeira é em relação à natureza descritiva ou
O nível P/A, por sua vez, se refere aos expressiva da representação artística, sendo a
elementos formais da expressão visual, tais descritiva relacionada à representação do mundo
como forma, cor e linhas e está relacionado à e a expressiva à representação dos estados
ativação do córtex de associação visual. Refere- mentais do artista. A segunda distinção refere-se
se também aos estados de humor apreendidos a à motivação na produção de imagens visuais,
partir das disposições desses elementos formais podendo ser perceptual, relacionada à
de forma consistente entre indivíduos diferentes. informação sensorial (cor, forma, textura, etc.),
A Arteterapia pode, então, prover um acesso ou conceitual, relacionada à abstração e ao
consciente ao estado de humor de determinado conteúdo simbólico.
indivíduo. Pode-se também, dependendo da A acromatopsia, por exemplo, é um
característica enfocada (espacial ou formal), transtorno de déficit visual específico para o
enfatizar qualquer uma das duas vias do processamento de cores. Este déficit pode ser
processamento de informações visuais congênito ou ocorrer por lesão cerebral e é
(LUSEBRINK, 2004). Como a expressão visual caracterizado por eletrorretinográfia fotópica
envolve a organização de formas primárias dos anormal (ERG) com preservação da função
campos receptivos das células visuais e a mediada pelos bastonetes, falta de discriminação
formação de gestalts a partir do feedback visual de cor, baixa acuidade visual e fotodisforia
(ZEKI, 1999 apud LUSEBRINK, 2004), a (CHATTERJEE, 2004; WISZNIEWSKI; LEWIS;
Arteterapia pode auxiliar na elaboração e LUPSKI, 2007). CHATTERJEE (2004) aponta
definição de formas através do tato ou da que mesmo a perda da capacidade de
exploração visual de objetos. LUSEBRINK percepção de cores, por si só, não
(2004) enfatiza também que desenhos de necessariamente implica em um dano funcional
indivíduos com lesão no hemisfério esquerdo para um artista, que pode mesmo com este
tendem a ser esquemáticos e repetitivos, déficit ter sucesso em seus trabalhos.
enquanto lesões no hemisfério direito prejudicam A negligência espacial unilateral
a percepção de gestalts completas. (heminegligência), por sua vez, é a falha ao se
De acordo com LUSEBRINK (2004), o nível orientar para ou responder a um estímulo no
C/Si envolve ativação do córtex frontal. O espaço contralesional. Geralmente ocorre em
componente cognitivo relaciona-se com as lesões do hemisfério direito. Os artistas também
operações seqüenciais e analíticas, pensamento estão sujeitos a estes déficits mesmo com sua
lógico e abstração. O componente simbólico habilidade mais desenvolvida e seus anos de
relaciona-se com a formação de conceitos prática. Um exemplo de caso bem conhecido na
multidimensionais e intuitivos não sendo literatura foi o do diretor italiano Frederico Fellini
processado de forma consciente. Neste que teve um derrame no hemisfério direito com
contexto, a Arteterapia poderia facilitar a heminegligência esquerda e que representou em
elaboração de pensamentos abstratos e seus cartuns a natureza e consciência de seus
déficits (CANTAGALLO; SALA, 1998). Os avaliação neuropsicológica no Laboratório de
artistas com heminegligência demonstram este Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND) da
déficit em suas expressões artísticas utilizando- Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
se somente um lado do campo visual ou Os resultados da avaliação da inteligência foram
negligenciando neste campo alguns atributos compatíveis com a natureza de suas dificuldades
visuais específicos (CHATTERJEE, 2004). cognitivas avaliadas e com o diagnóstico de
Já a agnosia visual consiste na incapacidade TNVA. I.L. apresentou todas as características
de se reconhecer os estímulos visuais a despeito diagnósticas do TNVA, exceto quanto à ausência
de preservação da consciência, inteligência e de dificuldades de integração social, o que foi
linguagem e da percepção visual normal indicado como um bom prognóstico.
(DAMASIO; TRANEL; RIZZO, 2000). As Sessão 1: Aquecimento com indução ao
agnosias visuais podem ser diferenciadas relaxamento conduzindo à pergunta: “Quem sou
classicamente de acordo com sua natureza, em eu?”. Utilização de músicas eruditas como fundo
agnosias aperceptivas, e agnosias associativas. musical. Atividade: expressar alguma imagem ou
De acordo com os estímulos, podem ser figura que o represente. Material: papel A4
diferenciadas em: a) agnosia visual para objetos, branco e pardo, cartolina, cola com glitter, durex
que é a dificuldade em reconhecer ou associar colorido, purpurina, tinta guache, pincel, tesoura,
objetos; b) simultanagnosia, que consiste na revistas, papel camurça, giz de cera, lápis de
dificuldade com objetos ou figuras complexas e cor, cola, espumas coloridas.
múltiplas; c) prosopoagnosia, que é a dificuldade I.L. trabalhou com calma e não teve
no reconhecimento, pareamento ou associação dificuldade em visualizar o que queria expressar.
de faces e; d) agnosia para cores, que consiste Deixou o material cair algumas vezes e tinha
na dificuldade no reconhecimento de cores dificuldade em utilizar a tesoura. Não explorou
(BAUER; KORTENKAMP, 1998). muito o material utilizando-se somente de tinta
Déficits visoconstrutivos também podem guache e dois recortes de revistas sobre uma
afetar a expressão artística e são característicos folha A4 parda: um alpinista segurando a
do transtorno não-verbal de aprendizagem bandeira do Brasil no alto de uma montanha e o
(TNVA). De acordo com ROURKE ET AL. rosto de um bebê. No alto, desenhou nuvens em
(2002), o TNVA pode ser definido como uma azul, pois disse não perceber que havia tinta
síndrome caracterizada por um grupo de déficits branca, e o sol amarelo no canto esquerdo do
neuropsicológicos primários, secundários e papel. I.L. falou que o alpinista representa a
terciários que levam a dificuldades acadêmicas, aventura. I.L. disse gostar muito de aventuras e
sócio-emocionais e adaptativas distintas de de esportes radicais e narrou algumas situações
outros subtipos de transtornos de aprendizagem. em que ele se aventurou. A figura do bebê,
Os déficits primários ocorrem em algumas segundo ele, representa sua curiosidade. Ele se
dimensões da percepção tátil, percepção visual, diz muito curioso, querendo saber de onde vêm
habilidades psicomotoras complexas e na as coisas (p. ex. se foi Deus que criou o mundo
habilidade de lidar com circunstâncias novas. ou não, de onde a terra surgiu). Ele mostrou a
Estes conduzem a déficits secundários na frase que na revista correspondia à gravura:
atenção tátil e visual e limitações no “Porque é a curiosidade e a vontade de descobrir
comportamento exploratório, os quais, por sua o mundo que garantem as novas conquistas”.
vez, conduzem a déficits terciários. Os déficits Para I.L. as nuvens representam a paz. Ele disse
terciários se constituem em déficits na memória que havia muita violência no mundo e que isso
tátil e visual e em funções executivas que levam, era ruim, mas que não tinha muito como mudar
por sua vez, a dificuldades nas dimensões de isso. Ele relata que em todo desenho que faz ele
conteúdo e função da linguagem. O TNVA coloca nuvens. O sol, segundo ele é a luz do dia.
caracteriza-se, pois, como uma entidade Sessão 2: Aquecimento com indução ao
heterogênea, da qual fazem parte: transtornos relaxamento visando voltar à atenção pra o seu
somatosensoriais (como agnosia digital e nome, o que ele representa e de onde ele veio.
desorientação d-e), dificuldades visoespaciais, Atividade: fazer um crachá com o seu nome.
na construção de inferências não-verbais e com Material: papel A4, cartolina colorida, cola com
conceitos de numerosidade e aritmética, além de glitter, durex colorido, purpurina, tinta guache,
déficits sócio-cognitivos. pincel, tesoura, revistas, papel camurça, giz de
cera, lápis de cor, cola branca, espumas
3. Caso Clínico coloridas, barbante.
I.L. a princípio não sabia exatamente como
I.L. sexo masculino, 14 anos, foi faria o crachá. Depois começou a falar em voz
diagnosticado aos 8 anos com Déficit de Atenção alta sobre como faria, buscando planejar suas
e Hiperatividade (TDAH). Cursa a 6ª série do ações para concretizar este objetivo. Teve
ensino fundamental de uma escola privada de dificuldade ao utilizar a tesoura para cortar o
Belo Horizonte. I.L. apresentou atraso na barbante e para furar a cartolina. Refez o
aquisição da linguagem oral e dificuldades de trabalho. Ele cortou um pedaço de cartolina
alfabetização e tem dificuldade para memorizar verde e depois furou o papel e colocou o
fatos aritméticos. I.L. foi submetido a uma barbante. Depois recortou as letras de seu nome
em uma revista e colou na cartolina. Utilizou disse que a paz deve ser cultivada não só fora
poucos recursos e já se deu por satisfeito. Teve de casa, mas também dentro de casa e dentro
dificuldades em saber exatamente qual o de nós mesmos, pois em nós havia tanto a
tamanho da letra que deveria utilizar. Ele disse violência quanto a paz. Segundo ele, neve e
não saber o que seu nome significava e nem vulcão representavam água fria e água quente.
quem o escolheu, mas disse gosta de seu nome. Sessão 5: Aquecimento com indução ao
Sessão 3: Aquecimento com indução ao relaxamento, com músicas de fundo, conduzindo
relaxamento conduzindo às propriedades da às propriedades do fogo. Atividade: expressar
terra a partir do manuseio da argila. Utilização de qualquer imagem que lhe veio à mente durante o
músicas eruditas como fundo musical. Atividade: relaxamento e que represente o fogo e suas
expressar em uma escultura de argila alguma propriedades. Material: Velas coloridas, giz de
imagem que lhe veio à mente durante o cera, prato de isopor e água.
relaxamento. Material: Argila I.L. realizou a atividade com certa dificuldade
I.L. desenvolveu a atividade de forma calma, em lidar com o giz de cera e as velas e derretê-
mas apresentou algumas dificuldades para los formando imagens na água. Apesar disso,
expressar com a argila o que havia visualizado. conseguiu realizar o que queria. Ele disse que no
Incentivei-o a tentar fazer o que ele queria, início foi difícil de pensar nas coisas boas que o
dizendo-lhe que o importante era ele se fogo poderia trazer e que só lhe estava vindo
expressar e saber o que queria fazer com a imagens de coisas ruins, tais como peixes e
argila. Ele resolveu continuar e fez tudo o que pássaros mortos. Ele tentou representar uma
queria, mesmo que não saísse conforme havia flor, mas segundo ele foi mais difícil. A flor
imaginado. Ele pensou em representar o planeta representaria as plantas da natureza. Ele disse
Terra entre o sol e a lua, e todos os demais que a natureza estava sendo destruída. Ele
planetas do sistema solar enfileirados. Ele disse representou uma caverna e disse que o fogo era
que era porque pensou na terra da argila. Ele usado pelos homens das cavernas. No final da
representou também um astronauta e um atividade representou um samurai, o qual
foguete com dois palitos de fósforo na base. Ele representava alguém que buscava a honra, que
disse que o astronauta é uma pessoa curiosa e tinha um código de ética e ele gostava disso.
que busca descobrir as coisas. Ele gostou de Sessão 6: Aquecimento com indução ao
utilizar a argila e disse que quando não relaxamento, utilizando-se músicas de fundo e
conseguiu fazer o que queria não se sentiu conduzindo às propriedades do ar. Atividade:
incomodado, mas achou difícil de medir a expressar qualquer imagem que lhe veio à
quantidade de argila necessária para fazer as mente durante o relaxamento e que represente o
figuras. As representações de I.L. são ar e suas propriedades. Material: Arame
rudimentares e a figura humana apresenta-se I.L. conseguiu realizar a atividade sem
com olhos desproporcionais ao rosto. maiores dificuldades. Ele realizou a atividade de
Sessão 4: Aquecimento com indução ao forma tranqüila, porém não se demorou muito.
relaxamento, com músicas de fundo, conduzindo Ele teve facilidade para pensar em uma imagem.
às propriedades da água. Atividade: expressar Ele representou com o arame um balão e uma
através de pintura uma imagem que represente a nuvem. Segundo ele o balão poderia voar até as
água e suas propriedades. Material: Cartolina nuvens. O desenho representava os sonhos. Os
branca e tinta guache sonhos, segundo I.L., poderiam alcançar as
I.L. teve dificuldade em lidar com as tintas e nuvens, mas esta nuvem também representava
com o pincel. Tentou explorar as cores e a um limite para o balão. I.L. disse que tem o
mistura de tintas para criar cores novas. Às sonho de ser piloto de avião.
vezes falava que estava tentando representar
algo, mas que não conseguia fazer direito. Resultados e Conclusões
Achou muito difícil pintar dentro dos limites da
cartolina. I.L. disse que tentou representar um O caso apresentado nos fornece um
pôr do sol, pois era algo bonito. Ele misturou as exemplo de aplicação da Arteterapia em um
tintas vermelha e amarela e pintou uma faixa no adolescente que apresenta um quadro de TNVA,
centro da cartolina com a nova cor. Ele tentou com déficits visoconstrutivos que comprometem
representar um vulcão com lavas escorrendo em sua expressão artística. Como o trabalho
cima do solo verde. Teve dificuldade em arteterapêutico se encontra em fase inicial, não
desenhar o formato do vulcão, representando-o se pode chegar a uma conclusão definitiva
com forma retangular. Pintou flocos de neve com acerca das questões emocionais expressas nos
tinta branca e desenhou também um pássaro trabalhos artísticos. Porém, podem-se antever
branco. I.L. disse que a água pode apagar o fogo algumas possibilidades de intervenção e levantar
e que a gente não vive sem água. Para ele a algumas hipóteses. Foram utilizados nas
água representa a paz e por isso desenhou um primeiras sessões diferentes tipos de materiais
pássaro branco, representando uma pomba para que se pudesse ter uma visão geral sobre
branca da paz. Ele disse que há muita violência como o adolescente poderia lidar com eles.
no mundo e que não tem muito o que se fazer e O adolescente demonstrou dificuldade em
que há também muitos desastres ambientais. Ele lidar com alguns tipos de materiais como, por
exemplo, ao fazer recortes com a tesoura e em Conhecer as bases cerebrais subjacentes ao
manipular a argila e o pincel. Muitas vezes processo artístico que podem sustentar
queria expressar uma imagem que lhe veio à teoricamente as expressões e intervenções em
mente, mas não teve recursos suficientes para Arteterapia pode auxiliar o trabalho do
expressá-la de acordo com o que queria. Sua arteterapeuta, para que seja mais consciente e
expressão artística é marcada por uma direcionado de acordo com cada condição e
desproporção entre os elementos, não tendo situações específicas. Em outra via, os estudos
muita noção de tamanho. Apresentou também de caso em Arteterapia com pacientes
dificuldade em expressar algumas formas mais neurológicos também podem contribuir para um
gerais, como no caso do vulcão. A despeito maior entendimento acerca do processamento
disso, a expressão de cores apresentou-se visual e da percepção e produção artísticas.
preservada. Em relação ao comportamento
exploratório, não utilizou muitos dos materiais Referências Bibliográficas
disponíveis e às vezes ignorou a existência de
algum material que precisava, não aproveitando
BAUER, R.M.; KORTENKAMP, S.R. The
tanto os recursos do meio.
agnosias. In P.J. SNYDER; D.P.
Levando-se em consideração os níveis de
NUSSBAUM, (Eds.), Clinical
expressão apontados por LUSEBRINK (2004),
Neuropsychology Hospital Practice
pode-se inferir que o adolescente apresenta um
Guidebook. Washington, DC: American
comprometimento principalmente no nível C/S,
Psychological Association, 1998.
tendo dificuldade em associar a ação motora e o
CANTAGALLO, A. & SALA, S.D. Preserved
feedback visual, e no nível P/A, em relação aos
insight in an artist with Extrapersonal
elementos formais da expressão visual, com
spatial neglect. Cortex, 34, 163-189, 1998.
preservação do processamento de cores. Os
CARLSON, N. R. Physiology of behavior.
trabalhos apresentados também demonstram um
7ª ed. Boston: Allyn & Bacon, 2001.
prejuízo do desenho em relação à expressão de
CHATTERJEE, A. The neuropsychology of
gestalts completas, o que vai ao encontro com o
visual artistic production.
fato de que no TNVA há prejuízos principalmente
Neuropsychologia 42, 1568–1583, 2004.
relacionados ao hemisfério direito, nas áreas de
DAMASIO, AR; TRANEL, D; RIZZO, M.
substância branca. O nível C/Si, relacionado aos
Disorders of complex visual processing: In:
aspectos simbólicos e conteúdos emocionais,
Mesulam, MM (Ed.) Principles of
parece estar preservado.
behavioral and Cognitive Neurology, 2ª
Apesar de suas limitações, o adolescente
ed., Oxford University Press, New York, pp.
conseguiu expressar seus conteúdos emocionais
332-372, 2000.
e alguns temas foram recorrentes em seus
FUSTER, J. M. Cortex and mind: Unifying
trabalhos, tais como os desastres ambientais, a
cognition. New York: Oxford University
violência e a paz. Dois heróis aparecem em seus
Press, 2003.
trabalhos: o astronauta e o samurai. Mesmo que
JUNG, C.G. O Homem e seus Símbolos. 5ª
ainda não se possam fazer muitas inferências,
Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
pois o processo está em seu início, percebe-se
LUSEBRINK, V. B. Art Therapy and the
que muitos dos símbolos que aparecem nos
Brain: An Attempt to Understand the
trabalhos remetem a uma necessidade de
Underlying Processes of Art Expression in
diferenciação, típica da fase da adolescência. Os
Therapy. Art Therapy: Journal of the
foguetes espaciais, por exemplo, aparecem com
American Art Therapy Association, 21(3),
frequência nos sonhos como encarnações
125-135, 2004.
simbólicas da necessidade de desprendimento,
MENZEN, K. H. Grundlagen der
independência e liberação (JUNG, 1996).
Kunsttherapy. Munchen, Germany: Ernst
Antes de se iniciar um trabalho
Reinhardt Verlag, 2001.
arteterapêutico torna-se importante atentar para
ROURKE, B.P.; AHMAD, S.A.; COLLINS,
a presença de qualquer déficit neurológico que
D.W.; HAYMAN-ABELLO, B.A.; HAYMAN-
possa modificar a qualidade da produção
ABELLO, S.E.; WARRINER, E.M. (2002).
artística e direcionar as atividades de acordo
Child clinical/pediatric neuropsychology:
com a necessidade de cada indivíduo. A partir do
Some recent advances. Annu. Rev.
caso clínico apresentado pôde-se vislumbrar
Psychol., 53, 309-339, 2002.
que, apesar das dificuldades visoespaciais e
WISZNIEWSKI, W.; LEWIS, R. A.; LUPSKI,
visoconstrutivas apresentadas, o adolescente
J. R. Achromatopsia: the CNGB3 p.T383fsX
conseguiu expressar em seus trabalhos seus
mutation results from a founder eVect and is
conflitos emocionais. Durante as sessões não se
responsible for the visual phenotype in the
enfatizou a técnica e estética, mas sim a
original report of uniparental disomy 14. Hum
liberdade para expressão dos sentimentos e a
Genet, 121, 433–439, 2007.
criatividade, criando-se um ambiente que
ZEKI, S. Inner vision: An exploration of art
permitisse a elaboração de conflitos, o que é
and the brain. New York: Oxford University
característico do trabalho em Arteterapia.
Press, 1999.
Anexo 1. Trabalhos realizados por I.L. durante as sessões de Arteterapia.

Sessão 1 Sessão 2

Sessão 3

Sessão 4 Sessão 5

Sessão 6

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