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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2019.0000313166

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003911-


92.2016.8.26.0082, da Comarca de Boituva, em que são apelantes/apelados RODNEI
IERA RODRIGUES e TATIANA SILVA RODRIGUES, são apelados/apelantes SANTO
LAURINO, MARIA IRACILDA LEITE LAURINO e ANDRÉ MARIN LAURINO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara Reservada de Direito


Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores GRAVA BRAZIL


(Presidente sem voto), SÉRGIO SHIMURA E MAURÍCIO PESSOA.

São Paulo, 25 de abril de 2019.

Ricardo Negrão
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº : 36.463 (EMP-DIG-V)


APEL. Nº : 1003911-92.2016.8.26.0082
COMARCA : BOITUVA
APTE. : RODNEI IERA RODRIGUES (JUST GRAT)
APTE. : TATIANA SILVA RODRIGUES (JUST GRAT)
APTE. : SANTO LAURINO
APTE. : ANDRÉ MARIN LAURINO
APTE. : MARIA IRACILDA LEITE LAURINO
APDO. : OS MESMOS

DISSOLUÇÃO TOTAL DE SOCIEDADE IMPUGNAÇÃO


AOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA
Impossibilidade Elementos dos autos que permitem o
deferimento Beneficio deferido por decisão singular
Decisão mantida Inexistência de outros elementos capazes de
infirmar a hipossuficiência declarada Recurso improvido.

DISSOLUÇÃO TOTAL DE SOCIEDADE Imputação de


falta grave por atos praticados por um dos sócios Hipótese
em quel há alto grau de litígio entre as partes Quebra da
affectio societatis evidenciada Sentença de procedência
parcial mantida Dano material Matéria decidida com
acerto pela r. senteça Dano moral Inocorrência Sentença
de improcedência mantida Recursos desprovidos.

Dispositivo: negaram provimento aos recursos.

Recursos de apelação interpostos por Rodnei Iera Rodrigues


e Tatiana Silva Rodrigues de um lado; Santo Laurino, André Marin Laurino e
Maria Iracilda Leite Laurino, de outro, dirigidos à r. sentença proferida pelo
Dr. Alexandre Chiochetti Ferrari, MM. Juiz de Direito da E. 2ª Vara Cível da
Comarca de Boituva (fl. 365-367), que julgou parcialmente procedente a
denominada “ação de extinção de condomínio cumulada com cobrança de
aluguéis c/c reparação de danos materiais e morais e dissolução de sociedade
comercial” ajuizada por Rodnei Iera Rodrigues e Tatiana Silva Rodrigues em
face de Santo Laurino, André Marin Laurino e Maria Iracilda Leite Laurino
(fl. 1-28 autos apenso).

Opostos embargos de declaração pelos requeridos (fl.


370-374) que foram rejeitados pela decisão de fl. 375.

Resumem-se as razões recursais dos autores apelantes que


a r. sentença seja reformada para que seja fixado os aluguéis em R$ 20.000,00,
conforme avaliação anexa e mais R$ 3.000,00 pelo uso do veículo terapêutico,
bem como seja os requeridos condenados ao pagamento de danos morais e
materiais. Por fim pugnam pelo provimento do recurso (fl. 380-386).

Sem preparo. Autores beneficiários da justiça gratuita (fl.


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111, autos apensados).

Recorrem os requeridos alegando em preliminar, que a


concessão da gratuita de justiça deve ser indeferida. No mérito discorrem sobre
os atos ilícitos praticados pelos apelados, postulando por fim o provimento do
recurso para que a r. sentença seja reformada, para determinar a exclusão do
sócio Rodnei e de sua esposa do quadro social, apurando-se a sua
responsabilidade pelos prejuízos causados aos demais sócios e posterior
condenação.

Subsidiariamente, pretendem seja determinada a


dissolução da sociedade por culpa dos apelados bem como a responsabilização
dos apelados pela degradação da marca, devolução dos valores investido para
inicio das atividades, nos termos do contrato de compra e venda, devolução de
todo investimento durante a projeção da empresa; prestação de contas com
relatórios de todos os pacientes internados, valore recebidos, a receberes e
gastos. Por fim, fazem pedido alternativo de conversão da r. sentença em
diligência para apuração de novas provas (fl. 390-415)

Recurso contra-arrazoado pelos autores em fl. 424-431, pelo


improvimento.

Tempestividade anotada. A r. sentença foi disponibilizada


no Diário de Justiça Eletrônica no dia 9 de maio de 2018 (fl. 369), sobrevindo
embargos de declaração aos 17 de maio de 2018 (fl. 370), rejeitados pela r.
decisão disponibilizada no DJE no dia 12 de junho de 2018 (fl. 377). O recurso
de apelação dos autores foi interposto no dia 25 de junho de 2018 (fl. 380) e o
recurso dos requeridos foi interposto no dia 4 de julho de 2018 (fl. 390), ambos
dentro do prazo legal.

Não há oposição ao julgamento virtual, nos termos da


Resolução nº 772/2017 deste TJSP, disponibilizada no DJE em 9 de agosto de
2017.

É o relatório do essencial.

Os recursos serão analisados em conjunto.

I. DOS CONTORNOS DA LIDE

Cuida-se de ação de exclusão de sócios com apuração de


haveres ajuizada por Santo Laurino, André Marin Laurino e Maria Iracilda
Leite Laurino Santo Laurino em face de Rodnei Iera Rodrigues e Tatiana Silva
Rodrigues.

Do relato inicial, extrai-se que os autores alegando diversas


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irregularidades praticadas pelo requerido Rodnei, sócio administrador da


“Centro Terapêutico Novo Amanhã”, clínica de recuperação para dependentes
químicos. Requereu que sócio Rodnei e sua esposa Tatiana fosse afastamento
da sociedade, bem como requereram a suspensão das atividades da clínica,
exclusão do quadro societário, com pagamento de seus haveres no limite de
suas cotas societárias.

Requereram também a apuração e pagamento de todos os


meses de atividade da clínica, por meio de perícia bem como dos prejuízos
sofridos pela empresa, a declaração de responsabilidade exclusiva dos
requeridos pelos atos noticiados. Alternativamente, postularam a dissolução
parcial da sociedade, com determinação da saída dos requeridos do quadro
societário por meio de exclusão ou a dissolução definitiva, com liquidação desta
e apuração de haveres, em especial a condenação dos requeridos ao pagamento
de indenização aos requerentes pelas perdas financeiras e degradação da
marca, a serem apurados.

O pedido liminar foi indeferido pela decisão de fl. 103-104.

Citados, os requeridos contestaram (fl. 177-191),


requerendo a redistribuição do feito à Comarca de Sorocaba, por dependência
ao processo nº 1017412-71.2017.8.26.0602, por eles ajuizado, impugnando
ainda todos os pontos da exordial, requerendo por fim pela improcedência dos
pedidos.

Réplica ofertada em fl. 319-348.

Os autos foram reunidos no Juízo da 2ª Vara de Boituva,


conforme decisão de fl. 363, por prevenção esolução conjunta.

No processo ajuizado na Comarca de Sorocaba (autos nº nº


1017412-71.2017.8.26.0602), os autores Rodnei e Tatiana manejaram ação de
extinção de condomínio com cobrança de aluguéis e reparação danos materiais
e morais e ainda, pedido de dissolução de sociedade comercial.

Alegaram terem firmado com o requerido Santo Laurino


“Instrumento Particular de Permuta de Bens Imóveis e Cessão de Cotas
Sociais”, transferidas ao requerido André Marin Laurino, passando a também
a integrar a sociedade a 3ª requerida, Maria Iracilda, sendo duas as empresas
que decorreram do negócio realizado.

Relataram que o requerido Santo Laurino seria o investidor


e Rodnei o trabalhador, este, com recebimento de pró-labore. Alegaram ainda
que, nada obstante os investimentos realizados, o requerido Santo Laurino
praticou uma série de condutas danosas e ilegais prejudicando moral e
financeiramente os autores acarretando o fechamento da empresa.

Informaram que mesmo realizada reunião para prestação


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de contas, todas restaram infrutíferas, com acusações de Santo de cometimento


de furto e gastos excessivos, inclusive com atos de difamação contra os autores,
perante as autoridades policiais, prefeitura e Ministério Público.

Em virtude desses fatos, os autores foram expulsos da sede


da empresa que por fim encerrou suas atividades em janeiro de 2017, ocasião
em que os requeridos cederam o imóvel a terceiro. Requereram arbitramento
de aluguel de sua cota parte bem como pelo uso de veículo comum à sociedade
e a sua dissolução com a apuração de haveres, indenização por danos morais e
materiais e lucros cessantes.

Citados regularmente, os requeridos impugnaram a


pretensão dos autores, com os mesmos argumentos lançados na exordial desses
autos, manejando ainda pedido reconvencional (fl. 168-275 autos apensos).

Julgadas em conjunto o Magistrado assim decidiu as ações


(fl. 367):

[..]

Ante o exposto e considerando o mais que dos autos consta,


JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido mais amplo,
de dissolução total de sociedade e liquidação de haveres, neste
autos e nos autos em apenso nº 1017412-71/2017 para fins de
iniciar a fase de liquidação das sociedades Centro Terapêutico
Novo Amanhã Ltda. e R. M. Assistências Social Ltda., conforme
o art. 603, caput , do Código de Processo Civil.

Traslade-se cópia para o apenso.

Não há condenação AP pagamento de honorários advocatícios e


as custas processuais serão rateadas segundo a participação das
partes no capital social, conforme o art. 603, § 1º, do Código de
Processo Civil.

Fixo a data desta sentença como o dia de dissolução total da


sociedade.

Para a apuração de haveres, defino como critério o valor


patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se
por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos
do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do
passivo também a ser apurado de igual forma, conforme o art.
606 do Código de Processo Civil.

Oficie-se à JUCESP, comunicando-se a dissolução das empresas.

Após o trânsito em julgado, tornem os autos conclusos para a


nomeação de perito para apuração do acima determinado.

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Quanto aos pedidos de indenização por danos materiais ou por


perdas e danos, ressalto apenas que eventuais créditos de sócios
que vierem a ser comprovados durante a liquidação e decorrerem
de pagamento de dívidas da sociedade serão solvidas, se sobrar
ativos, após os pagamentos de créditos preferenciais que possam
existir.

II. DA IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA

No tocante ao pedido preliminar de impugnação à justiça


gratuita concedida aos autores apelantes, as alegações suscitadas nas razões
recursais não permitem sua revogação.

As alegações dos requeridos apelantes para a cassação dos


aludidos benefícios aos adversos são as seguintes: a) possuem empresa e
obtiveram rendimentos acima dos parâmetros utilizados para acesso á justiça
gratuita (critério da Defensoria Pública); b) são proprietários de 50% de sítio;
c) foram vistos por diversas vezes andando com veículo Corolla e d) alegaram o
investimento de R$ 92.000,00 na empresa.

Anote-se a possibilidade de concessão dos benefícios da


justiça integral e gratuita às pessoas jurídicas, mesmo àquelas que têm por
objeto atividade econômica, conforme dicção expressa na nova legislação
processual civil (art. 98, caput , CPC).

A Constituição da República estabelece, no capítulo dos


direitos e garantias individuais (art. 5º, LXXIV), “que o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos”; expressão essa generalizada, sem excluir a pessoa jurídica de direito
privado do benefício da assistência jurídica, exigindo apenas que, para obter
essa benesse, seja provada a sua situação econômica de não poder atender ao
custeio das despesas processuais decorrentes da defesa dos seus interesses em
Juízo.

Conforme anotou o eminente e saudoso Juiz Frank


Hungria, em eu voo proferido no Agravo de Instrumento n. 1.078.197-2,
citando o Professor José Cretella Júnior, “A miserabilidade, pobreza ou
insuficiência de recursos não se presume. Prova-se. Provada, porém, por
qualquer dos meios em Direito permitidos, a condição do requerente, passa ela
a ter ato vinculado ou predeterminado do Direito Administrativo direito
subjetivo público, oponível, em abstrato, ao Estado e, em concreto, ao juiz da
causa, de exigir advogado gratuito e o não pagamento de custas, taxas,
emolumentos, selos, não podendo o magistrado e, depois, o tribunal deixar de
processar o feito” (Comentários à Constituição de 1988, Forense Universitária,
1989, II/820).

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Para a pessoa natural a lei exige tão somente a simples


declaração de não poder arcar com as custas do processo, em atenção à
exigência legal prevista no artigo 4º, da Lei nº 1.060/50:

A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante


simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em
condições de pagar as custas do processo e os honorários de
advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.

§ 1º Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar


essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o
décuplo das custas judiciais.

Quanto às pessoas jurídicas, o ônus de demonstrar o estado


de deficiência compete a quem o pleiteia.

Insta salientar também que as microempresas, no caso os


empresários individuais, as de fundo de quintal, as de conotação artesanal, as
prestadoras de pequenos serviços, assim como as constituídas sob a forma de
limitada, com sócios familiares, caracterizam-se extensão da personalidade de
seus sócios quando estes exercem pessoalmente a atividade empresarial e,
neste caso, nenhuma outra formalidade é exigida, a não ser a declaração de
pobreza.

No caso dos autos, os autores apelantes, empresários


individuais trouxeram elementos de provas que os enquadra nas hipóteses
anteriormente mencionadas, de forma que o benefício foi concedido, conforme a
decisão exarada às fl. 111 dos autos nº 1017412-71.2017.8.26.0602 (autos
apenso).

E a r. sentença, também se manifestou sobre essa questão,


conforme consta de fl. 366:

[..]

Quanto à Justiça Gratuita em favor de Rodnei Iera Rodrigues e


outra, entendo que a questão não necessita de reexame. O
benefício foi concedido pelo juízo de Sorocaba, sendo certo que à
vista da impugnação (fls. 128), veio aos autos documento acerca
da situação das declarações IRPF 2017, que dá conta de que
ambos os autores não são declarantes, de modo que fica mantida
a gratuidade judicial.

A simples indicação das suspeitas nas razões recursais, não


comprova, que os autores não são hipossuficientes, de forma que, inexistindo
elementos outros que comprovem que o estado de hipossuficiência foi alterado,
o afastamento da benesse concedida não pode ser acolhido.

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III. DO MÉRITO RECURSAL

No mérito os recursos não vingam.

A r. sentença foi muito clara ao reconhecer a perda total da


affectio societatis, proferindo a seguinte fundamentação (fl. 366-367):

[..]

O pedido de dissolução total da sociedade merece acolhimento.

Somando-se a manifestação de ambas as partes e a conturbada


relação mantida por eles durante todo o período (boletins de
ocorrência de fls. 70/71, 94/95 e pedido de providências junto à
prefeitura municipal de Iperó (fls. 91/93), conclui-se que
terminou, definitivamente, a affectio societatis . Logo, não há
outra providência a se tomar, se não a dissolução total da
sociedade empresarial, já que a clínica fechou suas portas e o
imóvel encontra-se locado à terceira pessoa, conforme informado
pelo autor às fls. 346.

Assim, não paira dúvida de que deve ser decretada a


dissolução total da empresa, já que restou incontroverso a animosidade entre
as partes litigantes, tanto nestes autos como nos autos em apenso
(n°1017412-2017.8.26.0602).

Diante dessa litigiosidade incontroversa é evidente que a


continuidade da atividade empresarial não tem sentido de ser, mesmo porque,
como está comprovado nos autos, a clínica já fechou suas portas e o imóvel
encontra-se locado à terceira pessoa, como consta da informação contida em fl.
346 (autos apensos).

O artigo 1.034, inciso II, do Código Civil, reza que a


sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos
sócios, quando exaurido o fim social, ou verificada a sua inexequibilidade.

Conforme já sentenciado pelo Juízo singular, a empresa


encontra-se inativa, e isso por conta justamente da alta litigiosidade
evidenciada entre as partes, que desborda dos limites desta ação, para se
espraiar em outras demandas, tendo como pano de fundo as discordâncias das
partes litigantes.

Nessas circunstâncias, manter as sociedades em


funcionamento é um ato que somente pode trazer maiores conflitos e prejuízos,
sem que o fim social seja atingido, por ausência do necessário consenso que
deve permear as condutas de todos os sócios durante a execução do contrato
plurilateral de sociedade, pela ausência da chamada "affectio societatis ."

Em julgado da douta 1ª Câmara de Reservada de Direito


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Empresarial, deste Egrégio TJSP, de relatoria do Desembargador Dr. Enio


Zuliani (Ap. 0002563-89.2013.8.26.0008) o entendimento exarado naquela
decisão não diverge desse entendimento, senão vejamos:

"(...) Em casos que tais, porquanto reconhecida a existência da


'affectio societatis' como fator preponderante na constituição da
empresa, não pode tal circunstância ser desconsiderada por
ocasião de sua dissolução. Do contrário, e de que é exemplo a
hipótese em tela, a ruptura da 'affectio societatis' representa
verdadeiro impedimento a que a companhia continue a realizar o
seu fim, com a obtenção de lucros e distribuição de dividendos,
em consonância com o artigo 206, II, 'b', da Lei nº 6.404/76, já
que dificilmente pode prosperar uma sociedade em que a
confiança, a harmonia, a fidelidade e o respeito mútuo entre os
seus sócios tenham sido rompidos" (STJ, EREsp 111.294,
CASTRO FILHO).

Naquela oportunidade, ponderou ainda o Des. Zuliani que:

"[o] que se vislumbra em uma leitura atenta dos autos é a


quebra desse vínculo, tendo em vista as agressões verbais
desferidas ao longo do processo além da desconfiança recíproca,
tornando insustentável o animus de permanecerem em um
vínculo associativo, o que vai de encontro com os ditames da boa-
fé societária que deve reger as relações internas e, também, as
externas."

Pelo teor que consta dos autos, evidente que houve total
inexequibilidade do fim social da empresa, e, para isso, contribuíram todas as
partes.

Desse modo não há como se atribuir culpa a uma das


partes apenas, porque a alta litigiosidade evidenciada não permite esse
acolhimento.

Não é o caso de exclusão de sócios como pretendem os


apelantes requeridos, nem, tampouco, de dissolução por culpa de uma das
partes apenas, com restituição de todos os valores aportados na sociedade.

A affectio societatis é a representação da intenção dos


sócios de contraírem sociedade entre si, o que se dá pela constituição da
empresa em comum, e em consequência pelo contrato social entabulado e
demais atos próprios da constituição da sociedade empresarial.

No magistério de Marcelo Bertoldi, este indica que "a


constituição e manutenção da sociedade pressupõe o envolvimento positivo de
todos os sócios, que se comprometeram a unir suas forças para a consecução
dos objetivos sociais em busca do lucro" . (BERTOLDI, Marcelo e RIBEIRO,
Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 6ª ed. São Paulo:
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Revista dos Tribunais, 2011, p. 163).

Partindo dessa premissa seria a affectio societatis um dos


elementos fundamentais para a constituição da sociedade, logo, não poderá
deixar de sê-lo também para justificar sua dissolução, no dizer de Fábio Ulhôa
Coelho (Curso de Direito Comercial. Direito de empresa sociedades. Vol. 2. 6ª
Ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Pág. 388).

Correto, portanto, o decreto de dissolução total da sociedade


empresarial, tal como lançado na r. sentença.

No tocante aos danos materiais e aos aluguéis, razão não


lhes assiste.

A r. sentença os afastou, e assim deve ser mantido, já que


não há motivos nos autos que permita a adoção do entendimento esposado
pelas partes apelantes.

Constou da r. sentença (fl. 367):

[..]

No que tange ao pedido de aluguel pleiteados pelos sócios Rodnei


e Tatiana, os mesmos têm direitos a metade dos valores
recebidos pelos requerentes desde a data da referida locação,
valores a serem apurados em sede de liquidação de sentença.

[..]

Quanto aos pedidos de indenização por danos materiais ou por


perdas e danos, ressalto apenas que eventuais créditos de sócios
que vierem a ser comprovados durante a liquidação e decorrerem
de pagamento de dívidas da sociedade serão solvidas, se sobrar
ativos, após os pagamentos de créditos preferenciais que possam
existir.

Destarte, não há que se falar em fixação de valores de


aluguel neste momento processual, porque a r. sentença já decidiu que metade
deles pertence aos autores Rodnei e Tatiana, e que devem ser calculados e
apurados em liquidação de sentença.

Consigne-se que é durante a liquidação que se observa a


realização do ativo e o pagamento do passivo da empresa.

Ao tratar da liquidação da sociedade, Marcelo Fortes


Barbosa Filho salienta que "a dissolução da sociedade acarreta, natural e
automaticamente, sua liquidação. Extintos os liames derivados do contrato, é
preciso extrair um resultado econômico-financeiro de cada uma das operações
em andamento, esgotando-as perante terceiros. (...) Dissolvida a sociedade, não
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há mais a busca do implemento do objeto social, devendo, pura e


simplesmente, ser apurado o resultado final e totalizado das operações, além
de restituído, proporcionalmente à quota de cada qual, o capital aos sócios" (cf.
Código Civil Comentado, coord. Min. Cezar Peluso, 8ª ed., Ed. Manole, 2014, p.
966/967).

E o professor Fabio Ulhoa Coelho complementa esse


entendimento ao sustentar que "durante a liquidação, a sociedade empresária
sofre restrição em sua personalidade jurídica, estando autorizada apenas à
prática dos atos tendentes à solução de suas pendências obrigacionais. Nesse
período, o órgão responsável pela manifestação de vontade da pessoa jurídica
não será mais o administrador, e sim o liquidante. Outrossim, deverá aditar ao
seu nome empresarial a expressão "em liquidação" (CC, art. 1.103 e parágrafo
único). Realizado o ativo e pago o passivo, o patrimônio líquido remanescente
será partilhado entre os sócios, proporcionalmente à participação de cada um
no capital social" (cf. Manual de Direito Comercial, 24ª ed., Ed. Saraiva, 2012,
p. 216/217).

Evidente, portanto, que as questões relativas à apuração de


eventuais créditos dos sócios ou seus sucessores, e ao pagamento de dívidas da
sociedade, serão resolvidas por ocasião de sua liquidação, na qual serão
praticados basicamente atos relativos à solução de tais pendências.

Quanto aos danos morais, os pedidos improcedem, cabendo


aqui a transcrição dos fundamentos da r. sentença proferida (fl.367), a
adotados na íntegra, visto que são suficientes para a pacificação da lide, já que
os elementos dos autos não permitem entendimento adverso, como pretendem
os apelante:

[..]

Quanto aos danos morais alegados por ambas as partes, entende-


se que o insucesso na atividade empresarial não viola os direitos
da personalidade. Não há mácula à honra ou à reputação
profissional, tratando-se de dissabor experimentado por ambas
as partes.

Observa-se apenas que o alto grau de litigiosidade entre as


partes evidencia que houve não houve qualquer violação à honra das pessoas
naturais, ou mesmo da pessoa jurídica.

Por fim, não é o caso de determinar que os autos retornem


à Vara de origem para diligências de novas provas, como almejam os
requeridos no pedido alternativa indicado nas suas razões recursais. As provas
dos autos, em conjunto são suficientes para o decreto de dissolução total, tal
como decidido.

Observe-se, finalmente, que “ o julgador não está obrigado a


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responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha


encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. O julgador possui o dever
de enfrentar apenas as questões capazes de infirmar (enfraquecer) a conclusão
adotada na decisão recorrida. Assim, mesmo após a vigência do CPC/2015, não
cabem embargos de declaração contra decisão que não se pronunciou sobre
determinado argumento que era incapaz de infirmar a conclusão adotada.
(STJ. 1ª Seção. EDcl no MS 21.315-DF, Rel. Min. Diva Malerbi, j. 08/06/2016).

IV. DISPOSITIVO

Pelas razões expostas, com as observações necessárias,


nega-se provimento aos recursos.

RICARDO NEGRÃO
RELATOR

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