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Pedro Xavier da Cunha (14101897)

RESUMO

O presente trabalho parte da experiência de coordenação de um grupo de


jovens no CAPS II durante um ano de estágio obrigatório, e procura discutir a dimensão
social do sofrimento psíquico na juventude. O grupo de jovens em questão se
caracterizava como um grupo aberto, com encontros semanais de aproximadamente
duas horas de duração. Os encontros eram realizados em uma sala do próprio CAPS,
consistindo em rodas de conversa; também aconteceram encontros fora do CAPS,
passeios em grupo. As temáticas mais frequentes durante as conversas foram uso de
drogas, internações, diagnósticos e medicações, relações familiares, atividades de
lazer e vontade de sair em grupo. O público-alvo são jovens que frequentam o CAPS,
encaminhados para o grupo através das equipes multiprofissionais de cada distrito; não
há quaisquer outras distinções, no entanto, concretamente, o perfil do grupo era
majoritariamente masculino, com idades variando de 21 a 31 anos e diagnósticos
variados, dentre os quais esquizofrenia era o mais comum; havia uma alta rotatividade
dos membros; havia também uma alta variação no número de participantes em cada
encontro, variando de 4 a 15 pessoas.
Tem-se como objetivo compreender quais as possíveis funções que o grupo de
jovens do CAPS exerce no processo terapêutico e, para além disso, na vida concreta
desses sujeitos. Para isso, se debruça sobre a experiência deste ano de grupo à luz de
de problematizações sobre o que se entende por juventude na contemporaneidade,
das reflexões de Sawaia (2001; 2006; 2010) acerca do ‘sofrimento ético-político’, do
conceito de ‘direito à cidade’ e das contribuições de Goffmann (1988) sobre o conceito
de ‘estigma’, pensando essas relações em termos de atravessamentos possíveis no
processo de constituição do sujeito, com seu sofrimento, mas também com suas
alegrias, esperanças e capacidade criativa, em toda a sua complexidade.
A partir de Esteves & Abramovay (2007), Bourdieu (1983) e Kehl (2007) aborda-
se a questão da juventude em sua pluralidade, enquanto juventudes, e analisa-se o
olhar da sociedade voltado para esses sujeitos, com todas as suas ambiguidades,
desde a mercantilização de seus atributos para consumo estético à oscilação entre a
infantilização e a exigência de responsabilidades que recai sobre eles.
O sofrimento ético-político, proposto por Sawaia, refere-se à dor advinda da
situação social de ser tratado com humilhação, subalternidade, de ser relegado à
condição de apêndice inútil na sociedade. Inserindo-o na discussão sobre desigualdade
social e exclusão, a autora busca resgatar a subjetividade, em suas dimensões afetiva,
estética e imaginativa, para reafirmar o valor irredutível da busca pela liberdade
empreendida por todo e qualquer sujeito, pois “mesmo na miséria os homens não estão
reduzidos à sobrevivência biológica, sem sutilezas psicológicas” (SAWAIA, 2010,
pg.370). Em suas considerações, Sawaia realça a dimensão afetiva nos fenômenos
sociais e, por outro lado, também conduz a discussão sobre o sofrimento humano para
suas gêneses socialmente construídas, servindo de embasamento teórico, junto com
as considerações de Trindade (2012) e Battaus & Oliveira (2016) sobre o direito à
cidade, para repensar a funcionalidade do grupo jovem, sua potência e os possíveis
direcionamentos de seu caráter terapêutico.
Através destes dois trabalhos supracitados sobre o direito à cidade, busca-se
inserir na discussão do sofrimento psíquico a materialidade da exclusão de
determinados sujeitos de determinados espaços urbanos de sociabilidade e os
impactos que isso tem sobre sua experimentação da cidade e sobre as demandas que
trazem ao grupo, ou seja, o que esperam que ele venha a suprir. Tal discussão
contribui para que enxerguemos a multidimensionalidade e os aspectos concretos do
sofrimento psíquico.
Buscando abordar a constituição destes sujeitos sob outra perspectiva, discute-
se sua condição social através do trabalho de Goffman (1988) sobre o ‘estigma’. Por
‘estigma’ entende-se a “situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação
social plena” (GOFFMAN, 1988, pg.7). A noção convencional do conceito - como um
atributo depreciativo próprio a certas pessoas - é repensada em uma linguagem
relacional, como um processo social em que as categorias de ‘normal’ e ‘estigmatizado’
são antes perspectivas intercambiáveis do que pessoas concretas. O conjunto de
expectativas normativas que endereçamos aos outros, condição necessária para a vida
social, implica no fenômeno da dinâmica da diferença vergonhosa como característica
geral deste meio. Assim, “o estigma envolve não tanto um conjunto de indivíduos
concretos que podem ser divididos em duas pilhas, a de estigmatizados e a de
normais, quanto um processo social de dois papéis no qual cada indivíduo participa de
ambos, pelo menos em algumas conexões e em algumas fases da vida. O normal e o
estigmatizado não são pessoas, e sim perspectivas que são geradas em situações
sociais” (GOFFMAN, 1988, pg.148-149). Pensa-se quais os estigmas que atravessam
as relações estabelecidas entre os jovens e seu meio social e como esses
atravessamentos operam na constituição da subjetividade deles ou, nos termos de
Goffman, em suas identidades social, pessoal e de eu.
Concluí-se que ao pensar o transtorno psíquico para além de seu diagnóstico
médico, considerando-o através de uma dimensão social, afetiva e política, levando em
conta a experimentação e implicação concreta que estes jovens têm em seu tecido
social, abre-se uma amplitude de funções que o grupo pode exercer na vida destes
jovens. Averigua-se a multidimensionalidade do sofrimento psíquico destes jovens e
sua inscrição na vida social e nos processos de exclusão a que estes sujeitos estão
submetidos. Também amplia-se a compreensão de dispositivos clínicos ao reconhecer
que a reinserção social - inclusive mencionada na proposta política dos serviços
substitutivos de atenção psicossocial, como o CAPS - se dá, de fato, nos espaços
sociais e não somente em enquadramentos pré-estabelecidos. A partir dos relatos,
percebe-se que a principal função do grupo para os jovens está no âmbito da
socialização, formação de vínculos e criação de espaços de convivência, troca e
diálogo. Nesse sentido, destaca-se a problemática da responsabilização por parte dos
jovens na construção do grupo, como forma de implicação em seus próprios processos
terapêuticos. Reconhece-se que discutir a função do grupo é algo que deve partir do
próprio grupo com suas demandas, desejos e angústias, de modo que cabe ao
coordenador questionar a sua centralidade nessa função de protagonizar a deliberação
sobre quais os caminhos do grupo. Frustrar a autoridade que é outorgada ao
coordenador nas decisões é também uma forma de provocar um desvio nos moldes
como se estruturam a dinâmica relacional destes jovens, tanto em relação aos serviços
de saúde que o acostumaram a exercer um papel passivo, receptivo, beneficiário,
quanto em relação a outras relações interpessoais nas quais não assumem sua
implicação, sua co-responsabilidade e protagonismo pelo que ocorre em suas vidas.
Não é o caso de imputar-lhes essa responsabilidade como um peso, uma culpa, mas
“colocá-la na mesa”, tensionar as decisões - no sentido ético trabalhado por Brito &
Zanella (2017) - discutindo a relação de constituição do próprio grupo e, a partir disso,
expandindo para como se dão as vivências de cada um em outros espaços.

REFERÊNCIAS
- BATTAUS, D.M.A. & OLIVEIRA, E.A.B. O direito à cidade: urbanização excludente e
a política urbana brasileira. 2016.
- BOURDIEU, P. A “juventude” é apenas uma palavra. Em: Questões de Sociologia.
Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
- BRITO, R.D.V.A & ZANELLA, A.V. Formação ética, estética e política em oficinas com
jovens: tensões, transgressões e inquietações na pesquisa-intervenção. 2017.
- ESTEVES, L.C.G. & ABRAMOVAY, M. Juventude, juventudes: pelos outros e por elas
mesmas. Em: Juventude: outros olhares para a diversidade, pg. 20-54. Edições
MEC/Unesco. Brasília, 2007.
- GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Editora
Guanabara. Rio de Janeiro, RJ. 1988.
- KEHL, M.R. A juventude como sintoma da cultura. Em: Revista Outro olhar. 2007.
- SAWAIA, B.B. Psicologia e desigualdade social: uma reflexão sobre liberdade e
transformação social. 2010
- SAWAIA, B.B. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética
exclusão/inclusão. Capítulo do livro “As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e
ética da desigualdade social”. Ed. Vozes - Petrópolis. 2001.
- SAWAIA, B.B. Introduzindo a afetividade na reflexão sobre estética, imaginação e
constituição do sujeito. Capítulo do livro ‘Relações estéticas, atividade criadora e
imaginação: sujeitos e (em) experiência”. Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis/SC. 2006.
- TRINDADE, T. A. Direitos e cidadania: reflexões sobre o direito à cidade. 2012.

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