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Rui Alexandre

Grácio

A ARGUMENTAÇÃO
NA INTERAÇÃO

Prefácio de
Moisés Olímpio Ferreira e Kelly Cristina de Oliveira

Coleção contradiscursos
Rui Alexandre

Grácio

A argumentação
na interação

Prefácio de
Moisés Olímpio Ferreira e Kelly Cristina de Oliveira
Ficha técnica

Título:
A argumentação na interação

Autor:
Rui Alexandre Grácio

Capa:
Grácio Editor

Coordenação editorial:
Grácio Editor

Design gráfico:
Grácio Editor

1ª edição: junho de 2016

ISBN: 978-989-8377-90-6

© Grácio Editor
Travessa da Vila União, 16, 7.º drt
3030-217 COIMBRA
Telef.: 239 084 370
e-mail: editor@ruigracio.com
sítio: www.ruigracio.com

Reservados todos os direitos


Índice

Prefácio ........................................................................................................7

I. PERSPETIVAS TEÓRICAS:
A ARGUMENTAÇÃO NA INTERAÇÃO
1. A argumentação na interação ...............................................................15
2. «Não fujas ao assunto!» — o que é que o teorizador ...............................
da argumentação retórica pode aprender com este imperativo..........57
3. Compreensão, argumentação e retórica...............................................71

II. RACIONALIDADE RETÓRICO-ARGUMENTATIVA


4. Um espelho da liberdade: uma imagem ..................................................
argumentativa do pensamento .............................................................93
5. Da epistemologia à racionalidade retórica: .............................................
a argumentação na sua condição civil................................................109
6. Retórica e objetividade........................................................................127

III. ANÁLISE, METODOLOGIA DE ANÁLISE E ENSINO


7. A importância da Nova Retórica ..............................................................
para a compreensão de textos opinativos .........................................143
8. Já estais saciados! — a figura retórico-argumentativa .........................
da ironia no corpus Paulinum ............................................................155
9. Recursos metodológicos ao serviço de uma .............................................
interação discursiva: análise argumentativa .........................................
do texto «o meu sonho» de Alcione Araújo..........................................181
10. Reflexões sobre o ensino da argumentação......................................189

IV. OUTRAS REFLEXÕES


11. Estudos culturais, perspetivismo e compromisso cívico..................199
12. A ideia de «um mundo melhor» e o fascismo pós-moderno .............207
13. Virtudes do ócio .................................................................................213
PREFÁCIO

Moisés Olímpio Ferreira


Kelly Cristina de Oliveira

Rui Alexandre Lalanda Martins Grácio, doutor em Ciências da Comu-


nicação pela Universidade do Minho, é reconhecido pesquisador e autor de
extensa produção acadêmica no domínio dos estudos da Retórica e da Argu-
mentação, desde a obra Racionalidade Argumentativa, de 1993. Hoje, não
são poucos os livros, os ensaios, os artigos, as traduções, que constituem
um todo orgânica e coerentemente integrado. Desse conjunto de trabalhos,
vale a pena destacar: Consequências da Retórica (1998), Discursividade e
perspectivas. Questões de argumentação (2009), A interacção argumenta-
tiva (2010), Para uma teoria geral da argumentação: questões teóricas e
aplicações didácticas (2010 – tese de doutorado), Fenomenologia, Herme-
nêutica, Retórica e Argumentação (2011), Teorias da argumentação (2012),
Vocabulário Crítico de Argumentação (2013), Perspetivismo e Argumenta-
ção (2013), Discursos, Análises e Contradiscursos (2016) e, agora, Argu-
mentação na interação, uma coletânea de artigos que bem reflete as
motivações teóricas e metodológicas em que Grácio se insere.
A longa trajetória das pesquisas do autor aponta para um itinerário
metodológico que emerge adverso à domesticação, formalização, sistemati-
zação normativa, padronização absoluta, que há muito tempo se vê em
grande parte dos estudos da Argumentação, conectando-a, por sua vez, à
vida prática, às perspectivações, multilateralidade e multidimensionali-
dade do contexto sócio-histórico-cultural e, portanto, desafiando a maré das
formalizações e critérios que insistem despojá-la de sua própria natureza.
Não é possível passar pelo título da obra que agora é presenteada ao
público sem sermos arrojados ao cerne da questão de que se ocupa o autor,
já que ancora a Argumentação, de pronto, na interação, ou seja, para além
de todo mecanicismo técnico e instrumental que lhe possa dar a feição de
receituário de estratégias de caráter esquemático e arbitrário, tendo em
vista que a troca verbal assenta-se sempre em situações argumentativas
cujos aspectos são determinados pela tensão da dinâmica interativa e,
naturalmente, pela pluralidade e problematicidade desse dinamismo prá-
tico (contextos, orador, auditório, convicções, paixões, valores, perspecti-
vações, avaliações dos discursos, tempo útil de decisão etc.) que excedem a

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MOISÉS OLÍMPIO FERREIRA E KELLY CRISTINA DE OLIVEIRA

toda programação prévia a que se pode confiar. Dessa maneira, Grácio


focaliza o uso deliberativo da Argumentação no âmbito da vida comum, no
mutualismo dialógico, na comunicação interativa, sempre fugidio da lógica
da Verdade e dos dogmatismos.
O livro está dividido em quatro partes. Na primeira, Perspectivas teó-
ricas: a argumentação na interação, encontramos algumas reflexões a res-
peito da Argumentação a partir das investigações que o autor tem
desenvolvido em seus diversos ensaios. Inicia-se com a questão: “onde está
a argumentação?”. Para além dos itinerários metodológicos que a situam,
diferentemente, no raciocínio, na língua, na comunicação ou no discurso,
Grácio a situa alhures: na coexistência humana, na interação “como crí-
tica do discurso de um pelo discurso do outro” (p. 15), retirando-a, assim,
por um lado, do pan-argumentativismo, em que falar é igual a argumen-
tar, e, por outro lado, das arraias das formas restritas de abordagem, cen-
tradas em raciocínios desconectados das perspectivas inerentes à situação
argumentativa. Desse modo, as pesquisas do autor partem do princípio de
que argumentar é inserir-se numa dimensão prática, empírica, existen-
cial, sociológica e, por isso, elas priorizam encontrar, na dinâmica real das
argumentações, a discussão dos assuntos em questão (produto do choque
entre discursos), o intercâmbio dos argumentadores, os meios usados para
interagir (por meio do discurso, por exemplo, mas não só), as perspectivas,
o que e como debatem, as formas de negociação das dissonâncias, as pro-
postas e as contrapropostas, eximindo-se das análises argumentativas
puramente centradas em um ou em outro de seus elementos constitutivos
(como os raciocínios, da Lógica Formal; as esquematizações de base cogni-
tiva, da Lógica Natural; o encadeamento linguístico de proposições, de
Ducrot; os meios verbais de persuasão inseridos na materialidade discur-
siva, de Amossy etc.), ou na decodificação de interpretações, ou mesmo na
exposição descritiva das funcionalidades, das estratégias, dos mecanismos
linguísticos e discursivos utilizados para a construção do sentido.
Com relação ao discurso, Rui Grácio defende que, apesar de toda a sua
importância, não deve ser ele o ponto de partida para se pensar a Argu-
mentação, pois o que constitui a sua essência são os encontros sociais, as
atividades conjuntas, participativas de interlocutores interessados na cons-
trução do espaço de argumentação, por meio de discursos poligeridos, que
são “tecidos na permeabilidade face ao discurso do outro” e “se inserem
num modo de comunicação essencialmente dialogal e multilateral” (p. 28),
revelando posições em confronto.
Por sua vez, negando a neutralidade do falar, é-nos apresentada a
Argumentatividade que, inerente ao discurso, ainda que manipulado para
o efeito de objetividade, é constituída por formas de orientar e de fazer

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tomar posição. As forças projetiva, configurativa e conclusiva ou ilativa


que a compõem não são as mesmas que fundamentam a Argumentação,
concebida sob a perspectiva interacionista (tematização e enquadramento
do assunto e da dissensão, dissonâncias posicionais diante da questão e
suas tensões, progressão do debate até a circunscrição interdiscursiva, tur-
nos e disciplina temporal, enquadramento situacional discursivo e extra-
discursivo etc.), cuja base é, naturalmente, dialogal e poligerida, o que
difere do discurso argumentado, de base dialógica mas monogerido e mono-
logal, pois, apesar de sua importância por fazer circular posições e argu-
mentos no espaço público (e Grácio a reconhece, propondo ao lado do
itinerário para análise da interação argumentativa, um outro para a aná-
lise do discurso argumentado), é ele destituído da dinâmica da crítica do
discurso de um pelo discurso do outro. Assim, a Argumentação, agora defi-
nida a partir do disciplinado caráter crítico em relação ao discurso do outro,
é “mais do que expressão de uma opinião através de um discurso argu-
mentado, é confrontação de posições seguida de uma troca crítica focada
nas posições e argumentos expressos pelas partes e que na interação são
levados à discussão” (p. 36). Fica evidente, portanto, que, para além da
Argumentação na Língua ou no Discurso, o autor propõe a Argumentação
na Interação.
No capítulo “Não fujas ao assunto!” O que é que o teorizador da argu-
mentação retórica pode aprender com este imperativo, voltamos o olhar ao
ponto central de toda produção argumentativa, à unidade fundamental do
estudo e das análises das argumentações na perspectiva interacionista: o
assunto em questão, a partir da problematização do conceito de falácia.
Ora, o recurso ao argumentum ad personam é movimento de fuga ao
assunto ou procedimento estratégico que busca macular a imagem do ethos
do oponente para, então, enfraquecer o seu discurso? É falácia ou técnica
producente que põe a nu a distância irremediável entre os argumentado-
res, ainda que reprovada por critérios éticos? Como a perspectiva intera-
cionista do discurso e do contradiscurso entende a acusação de ignoratio
elenchi? Falta argumentativa? Ou jogo retórico de (re)alinhamento do
assunto? De fato, se as perspectivas em torno do assunto são mais rele-
vantes do que o raciocínio em si, já que, como defende Grácio, o raciocínio
do interlocutor pode até ser bom, mas a perspectiva não ser grande coisa -
e isso é facilmente demonstrável quando uma questão é levantada diante
um silogismo retórico, por exemplo, bem elaborado -, então a “fuga do
assunto” (até então definida por sentidos pejorativos) não pode mais ser
entendida a partir de critérios puramente racionais de valência instru-
mental da argumentação, que estabelecem normas e condutas rígidas, que
deixam pouco (ou nenhum) espaço para escolhas dos argumentadores e,

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MOISÉS OLÍMPIO FERREIRA E KELLY CRISTINA DE OLIVEIRA

portanto, reduzem a argumentação a formas proposicionais e a questões


de raciocínio, o que é francamente incompatível com a visão da razoabi-
lidade prática, complexa e multidimensional, que exige ajustes e reajus-
tes quanto aos assuntos em questão e aos seus procedimentos.
Argumentar é, na visão interacionista, ter uma “conduta de ensaio que
visa à concretização do possível” (p. 10), tendo como princípio a ideia de
que “nas argumentações se trata de abordar os assuntos de vários pris-
mas e de procurar encontrar uma focalização ajustada ao caso...” (p. 66),
ainda que realizadas em assimetrias de forças entre os interlocutores.
Diante disso, Grácio não deixa de pensar a respeito da relação exis-
tente entre compreensão e os procedimentos retórico-argumentativos,
chegando mesmo a propor a tríade compreensão-argumentação-retórica,
entendendo a compreensão na comunicação, de relação intersubjetiva,
como núcleo teórico da Hermenêutica. Ora, a ligação entre esses campos
de estudo se dá pelo fato de que a intercompreensão situa-se na zona de
partilha e é fundamentalmente constituída em atividades cooperativa,
coletiva, comunitária, ou seja, não há compreensão se não houver ele-
mentos compartilháveis, em que entram em jogo não só o prévio (o dado,
o recebido, o pré-construído) mas também o projetivo, o imaginário e o sim-
bólico; tanto os horizontes temporais quanto as diferenças espaciais, que,
em conjunto, remetem à situacionalidade, tão cara à comunicação retó-
rica, cujo edifício se constrói na base da intercomunicação ethos-pathos,
pelo embate de imagens que deles emergem no terreno do fortuito, do
vário e do diverso discurso social, e pelos apelos passionais que perpassam
o discurso, ainda que este, por razões estratégicas, pretenda mostrar-se
erguido na base das relações (quase-)lógicas.
Nesse contexto, a Argumentação lidará com as questões, com os con-
flitos das interpretações próprios da dimensão prática, da coexistência de
pessoas com opiniões divergentes, que, para gerirem as distâncias e as
aproximações, deverão estar interessados na discutibilidade, na negocia-
ção retórica bilateralmente dimensionada, para que se possa passar da
interpretação, da compreensão na comunicação, à decisão. Ou seja, o cen-
tro das atenções da Retórica-Argumentação não pode ser desconectado
das dimensões social e contextual, regidas tanto pelas posições em con-
fronto quanto pela contingência, pela incerteza, pela multidimensionali-
dade, em que urge a tomada de decisão, dadas as condições de delimitação
impostas pela “corrida contra o relógio”.
É nessa perspectiva que Grácio lê a obra de Chaïm Perelman, ou seja,
a partir da condição pragmática inerente à Argumentação, dependente
das opiniões e convicções, dos hábitos e comportamentos, das paixões e
aspirações dos auditórios, do modo como cada um se insere e se posiciona

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PREFÁCIO

no mundo. Com as características do raciocínio prático, a Nova Retórica


ensina a convivência com o sentido múltiplo, com os conflitos interpretati-
vos, com a variedade cotidiana, com os condicionamentos de épocas e de
espaços. Ligada a todos os domínios, ela situa-se numa terceira via (nem
na da verdade demonstrativa, nem na do irracional): a do razoável, que
preza por escolhas precedidas por deliberação e discussão. A racionalidade
argumentativa, inserida num âmbito maior, no da racionalidade socioló-
gica, estabelece plataformas de coexistência em que a liberdade humana é
posta em relevância; ela busca a razoabilidade, a plausibilidade, o justo (e
não necessariamente o verdadeiro). Trata-se de proposta de uma nova
maneira de conceber a razão e a tematização pluralista da racionalidade
que lida com a problematicidade, que nos insere nos vários domínios das
atividades humanas e nos permite ler os usos múltiplos que fazemos da
linguagem. Como sempre estamos inseridos em contextos sócio-históricos,
ligados e afeiçoados a crenças e valores que nos unem e nos separam, é
certo que não há garantias de que o conflitual seja eliminado, não há opi-
nião caucionada cuja eficácia esteja previamente garantida, de modo que,
admitir opiniões divergentes é substituir a filosofia da evidência pela filo-
sofia do razoável, apropriada à convivência humana pluralista.
Nesse contexto intersubjetivo, não é possível falar, portanto, de obje-
tividade no discurso sem levar em conta os procedimentos de saliência
(seletividade) e de filtragem. Trata-se de operações que, em conjunto, são
responsáveis pela impessoalidade, neutralidade, universalidade, sem que
isso signifique, entretanto, que elas deixem de ser estratégias que reivin-
dicam ao discurso a similitude do modelo lógico, ou seja, ao camuflar a
manobra do gesto retórico, constrói-se a necessidade. Noutros termos, os
procedimentos dão à argumentação o feitio dos modos de raciocínio lógico-
-formais para, assim, aumentar, pela ligação imaginária que comumente
se faz entre a ideia de necessidade lógica e o pensamento racional, o seu
impacto persuasivo.
As partes finais do livro contêm aplicações teóricas em textos (discur-
sos argumentados). Nelas, o leitor poderá percorrer, ao lado de Rui Grácio,
não só os caminhos da análise e da metodologia de análise, mas também
pelos das reflexões sobre o ensino da Argumentação. Neste ponto, sobressai
a questão: O que leva as pessoas a argumentar? Certamente é menos a
aprendizagem de conteúdos e de técnicas do que a expressão de posiciona-
mentos perante os pontos de vista contrários. De fato, é mais do que pres-
crever métodos eficazes para alcançar soluções, pois saber argumentar é,
antes de mais nada, ter capacidade alargada de intercomunicação pers-
pectivada nas mais diversas situações e condições, é ter os ouvidos abertos
à divergência, é querer interagir transformando e transformando-se.

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MOISÉS OLÍMPIO FERREIRA E KELLY CRISTINA DE OLIVEIRA

É, sem dúvida, portanto, pela dinâmica de formação do espírito demo-


crático pela via do ensino da Argumentação que a educação para a cida-
dania pode se dar e, assim, ser força de resistência à alienação das
capacidades de posicionamento e de decisão diante de questões relevantes
comuns a todos e à tendência pós-moderna de pôr em destaque a mentali-
dade fragmentada e instrumental, sempre associada ao adestramento para
a produção, em detrimento de toda formação humanística, em sua valori-
zação da complexidade, de seu dinamismo, da presença ativa e transfor-
madora do homem, muito além da resposta pronta, confinada ao previsível
ou predeterminado.

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