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1. Da urgência da discussão
Em termos absolutos, em 2010, segundo o IBGE, a Bahia tinha uma população residente de
14.016.906 pessoas. Dessas, 10.424.460 frequentava escola, enquanto outras 3.592.446 não a
frequentavam. A população residente de 15 anos ou mais era, em 2010, de 10.424.550.
Dessas, as que nunca frequentaram uma escola ou creche totalizavam 1.008.396 pessoas,
equivalente a uma taxa de analfabetismo de 10,51 % da população residente, na faixa etária
dos 15 anos ou mais.
Na Bahia, cuja nota mínima para aprovação é 5,0, não temos avançado significativamente nas
avaliações nacionais. As notas do IDEB no Ensino Fundamental maior, saíram de 2,7 em
2007, para 3,1 em 2013. No Ensino Médio, saiu de 2,8 em 2007, foi a 3,1 em 2009, e voltou
para 2,8 em 2013. Esta, aliás, foi a razão pela qual o Governo do Estado criou, em 2012, o
Programa Ensino Médio em Ação, para fazer reforço escolar em Língua Portuguesa e
Matemática, com alunos de graduação. Mais recentemente, o último índice criado no Brasil, o
Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (IOEB), lançado em 07/10/2015 pelo Centro
de Liderança Pública (CLP), apresenta a Bahia na vigésima quinta posição entre os Estado
brasileiros, com um indicador de 3,6, no antepenúltimo lugar, na frente apenas do Maranhão e
do Pará.
Este cenário aponta uma grande urgência em discutir alfabetização e letramento no Estado,
para não continuarmos nos orgulhando apenas por estar na frente do Piauí, do Maranhão ou
do Pará, como andamos fazendo ultimamente. Sobretudo, poderíamos começar a pensar, por
exemplo, se a nota 5,0 para aprovação no Sistema Estadual de Ensino está nos servindo para
alguma coisa.
Do ponto de vista da Educação de Jovens e Adultos, a UNEB está inserida nas principais
discussões nacionais e internacionais sobre EJA e sobre alfabetização de jovens, adultos e
idosos. Além de contar com um Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEJA) –
atualmente em situação pendente, por razões político administrativas internas – tem
participado, principalmente através do NEJA, de vários processos na área de EJA, incluindo o
processo de criação do Fórum Estadual de EJA, o FÓRUM EJA, iniciado em 1999, como
parte da mobilização proveniente do Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos
(ENEJA), e concluído em setembro de 2002, completando 13 anos agora em 2015.
Através do NEJA, a UNEB também participou dos processos e discussões preparatórias para
a V e a VI CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação de Adultos), que são
conferências que vêm sendo promovidas pela UNESCO desde 1949, e que, em 2009, pela
primeira vez ocorreu no Hemisfério Sul, precisamente em Belém do Pará, Brasil, de 1º a 4 de
dezembro. Esta conferência foi antecedida de intensa mobilização nacional de preparação,
que foi desde as discussões estaduais até a discussão nacional e se estendeu até a Conferência
Regional da América Latina e do Caribe sobre Alfabetização, também preparatória para a VI
CONFINTEA, processos dos quais a UNEB participou sob a liderança do NEJA.
Todas essas inserções da UNEB no campo da EJA – incluindo sua participação nas oito
etapas ocorridas até agora do Programa Todos Pela Alfabetização (TOPA), e em programas
anteriores como o Programa de Aceleração da Aprendizagem (ACLERAÇÃO) ou o Programa
de Alfabetização de Jovens e Adultos (AJA BAHIA) – e também sua participação em outros
programas de alfabetização e formação de professores, a exemplo do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), e os cursos de gradação da Plataforma Freire
(PARFOR), habilitam esta Universidade a discutir Alfabetização e EJA. No entanto, tudo isso
ainda nos mantém num estado de consumidores de discursos e de recursos sobre esses tema
que são produzidos por outros agentes e instituições. Neste caso, sequer conseguimos
construir uma identidade própria nesses ramos de prática, porque nos restringimos à atitude
adesista e reprodutora dos enunciados e dos discursos que, por exemplo, se produzem em
centros como o IEL e o CEFIEL da UNICAMP, muito mais respaldados do que nós na
produção do “discurso legitimo” sobre alfabetização e letramento, por isso mesmo integrantes
da Rede Nacional de Centros de Formação Continuada do Ministério da Educação.
Nós ainda estamos longe deste protagonismo do IEL/CEFIAL, por exemplo. Assim, quando
assumimos um programa de alfabetização de jovens e adultos, como o TOPA, baseamos toda
a nossa prática institucional e pedagógica em discursos e recursos que nós não produzimos e
que são emanados desses outros centros, perante aos quais assumimos uma atitude meramente
laudatória. De qualquer modo, é urgente que a UNEB, com o know-how que tem e pela
quantidade de professores que forma, se sinta parte tanto dos problemas – os indicadores
educacionais da Bahia – quanto parte da solução.
A minha hipótese é que pelo menos parte dos problemas que enfrentamos deve-se ao
arcabouço teórico que utilizamos para amparar nossas práticas. Neste caso, a relação nem
sempre pacífica entre a alfabetização e o letramento, é parte dos resultados que logramos em
nossas ações neste campo. Embora a UNEB seja consignatária do Marco de Ação de Belém
(CONFINTEA VI, 2009), que declara que a alfabetização é um pilar indispensável que
permite que jovens e adultos participem de oportunidades de aprendizagem em todas as fases
do continuum da aprendizagem em suas vidas (p. 7) e para o qual o direito à alfabetização é
parte inerente do direito à educação e ao letramento, na maior parte de nossas justificativas
pedagógicas nós já colocamos a alfabetização numa zona de menor prestígio, diante do
prestígio crescente do termo letramento, de uso corrente hegemônico.
E, diante disso, neste exato momento no Brasil, não temos tanta concordância sobre o que é o
processo de alfabetização, seja de crianças, seja de adultos. Desde os anos 80 do século XX,
somos majoritariamente influenciados pelas premissas oferecidas pela Psicogênese da língua
escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1986) que, no Brasil, primeiramente virou
construtivismo e influenciou a mudança da prática pedagógica de uma ponta a outra do país,
sem produzir os resultados que foram prometidos, e depois, recentemente, ampara toda a
discursividade do letramento, como um prosseguimento do que foi o construtivismo.
A confusão e a má tradução e uso das referências teóricas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky
(op. cit), especialmente do capítulo 6 da referida obra – na qual há uma clara afirmação da
estrutura alfabética e silábica de nossa língua escrita – nos levaram até mesmo a fazer a crítica
ao sistema silábico que constituiu o método Paulo Freire, no modo como ele foi praticado em
sua origem e logrou, assim, alfabetizar em 40 horas, feito que não conseguimos entender até
hoje, dada a complexidade que hoje constitui a noção de alfabetização e letramento.
Ora, se Paulo Freire – cujo método praticado baseava-se tanto numa sistemática de ação,
reflexão social e politização, quanto na estrutura silábica e fônica da língua – se ele tivesse
ficado no bojo dessa complexificação da alfabetização, ele jamais teria alfabetizado em 40
horas. Qual é o resultado disso? É a nossa dificuldade em alfabetizar. E o que isso tem a ver
com a noção corrente de letramento? Eu sei que letramento” é um conceito criado para
referir-se aos usos da língua escrita não somente na escola, mas em todo lugar. Porém, na
Europa, onde ela tem origem (literacia, numeracia) ele mantém um vínculo com as
capacidades individuais de leitura e escrita, cujo primeiro nível se obtém com a alfabetização.
Aqui no Brasil isso ganhou contornos de complexidade crescente, e hoje temos que lançar
mão de especialistas no termo para obter uma tradução razoável dele. Se, na origem, ele dizia
respeito à aquisição da leitura e da escrita pelo sujeito e sobre o uso social que faziam disso,
sua apropriação no Brasil o levou para outro lugar em que não está mais em questão a
competência individual de ler e escrever. É isso que nos diz Kleimam (1995): “letramento
significa uma prática discursiva de determinado grupo social, que está relacionada ao papel da
escrita para tornar significativa essa interação oral, mas que não envolve, necessariamente, as
atividades específicas de ler e escrever” (p. 19-20). Então, nossos alunos de graduação e pós-
graduação estão mais interessados, em suas pesquisas de TCC, dissertações e teses, nessa
performance que não envolve mais capacidades individuais de ler e escrever, mas se basta
com uma imersão difusa nas práticas mediadas pelo escrito. Aceitamos tranquilamente que
uma mulher que recebe Bolsa Família e que, tendo um cartão para receber o benefício, não
sabe sequer digitar a senha no caixa eletrônico sem a ajuda de outras pessoas, que ela seja
admitida como letrada, apenas por participar (de modo muito precário) de relações mediadas
pelo escrito. Mais do que isso: aceitamos que, se uma pessoa sabe para que serve a função da
escrita, seja ela admitida como letrada, como se pode ver no texto Preciso “Ensinar”
Letramento?, de Kleiman (2005).
Ora, isso, de certo modo, trai, por um lado, a história da proposta de alfabetização para todos,
cuja origem pode ser exemplificada na perspectiva já! anunciada na aurora do século XVI,
com a Reforma Protestante, quando Lutero e Melanchton defendiam a educação universal e
pública, capaz de tornar cada pessoa apta a ler e interpretar por si mesma a Bíblia (NUNES,
1994), como uma expressão de autonomia, mas trai também, por outro lado, os nossos
próprios ideais de emancipação, que figuram em nossos discursos.
Referências
CONFINTEA VI. Marco de Ação de Belém. Brasília: UNESCO, 2010. Disponível em:
http://www.unesco.org. Acessado em 16/04/2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. – 17ª ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
_____. A importância do ato de ler. – 30ª ed. – São Paulo: Cortez, 1995.
_____. Educação como prática da liberdade. – 25ª ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.