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TERRITORIALIZAR A POLÍTICA E POLITIZAR O TERRITÓRIO 

A madrugada estancada não amanhece. Não há alívio. O desespero habitual modela esses tecidos de
barro. A pele, aquela mesma pele que é um continente do tamanho da história, brilha teimosa nas
lutas subterrâneas. - Algo está mudando. Ele me disse. – Algo está mudando a muito tempo,
respondi contido. 
- Estão nos cortando em retalhos. - Antônio há muito tempo estamos retalhados em nossos cantos.  
Preciso que me escute um pouco apenas. Prometo garantir meu voto para ti. Olhe para mim. Preciso
que me veja como um todo. Minhas mãos, os calos; meus olhos, o brilho; minha fronte, a altivez;
meus pés, o caminho. Veja! Veja em mim o percurso do meu trabalho à minha casa. Peço que
entenda cada passo como um todo alinhavado. Não sou tão ignorante assim Antônio. 
Homem do céu. Estamos em frangalhos, trapos, retalhos de sonhos e de lutas. Não poderia seguir
contigo, não assim. Sei que falar sonho e luta parece algo comum. Sei que veio aqui com sonhos e
lutas. Me pergunto, como as mesmas palavras podem representar as mesmas coisas e ao mesmo
tempo ser algo diferente? 
Antônio! É preciso cerzir esses retalhos. Cerzir é uma palavra bonita, não é? Cerzir é uma palavra
boa, significa costurar de maneira imperceptível, e também costurar os pedaços dos tecidos
articulado em um núcleo comum. Antônio, qual é o nosso núcleo comum? Qual é nossa estratégia
de lutas e sonhos meu velho?
Já disse, meu voto é teu. Mas isso é suficiente? Será no voto que costuraremos nossos retalhos?  
No meu trabalho humilhação, no transporte humilhação, aqui no bairro humilhação. Nós lutamos
todos os dias contra isso. Essas lutas não aparecem no relatório. São lutas subterrâneas. Temos que
cerzir cada luta dessa numa estratégia entende?  
- Entendo por isso estou aqui. É necessário aprovarmos os projeto de lei para o governo cobrir uma
porcentagem do valor da passagem. Ver o posto de saúde. Isso tudo que conseguimos são vitórias.
Antônio essa luta normal já não é suficiente. Essas lutas veem se acumulando em nome de um
mesmo núcleo comum. Esse tipo de costura já não nos serve mais. Cerzir os retalhos de uma classe
exige fazê-la olhar para o espelho e no jogar dos Búzios olhar para trás. Lá, ainda lá, nossos
inimigos nos deixaram de fora. Sabiam da nossa força, dos acúmulos das nossa vitórias. Antônio
nós somos um continente materializado em cada rua que tu anda, em cada música que escuta, em
cada dança, em cada comida, em cada corpo, em cada trabalhador e trabalhadora. Qual a nossa
estratégia comum Antônio? Temos que colocar cada luta dessa articulada com uma núcleo comum
entende? Será esse núcleo comum que preencherá aquelas palavras “sonhos e lutas”. O que eu
quero dizer com isso? Todos esses fazeres que tu me diz, solidariedade, vitória, eleição, etc mudam
de qualidade quando se costura sobre outro núcleo. 
O que são as lutas subterrâneas? São aquelas que acumulam força, quando cerzidas numa estratégia,
sem chamar a atenção do inimigo, são aquelas que preparam a classe para uma longa jornada de
lutas e principalmente são aquelas que acostumam a classe a lutar pelo poder. Tu sabia que nós já
lutamos pelo poder? Sabia que já haviamos Territórializado a política e Politizado o território? Nós
sabemos qual o poder que nos interessa. Que poder?. O poder do Estado. Sei que vocês acham que
nós não sabemos o que é o Estado, mas no dia a dia a gente sente ele no nosso cangote. Quais são as
lutas subterrâneas? A crise econômica desencadeia uma desestruturação das relações sociais nos
territórios: bairros, fábricas, assentamentos são tomados por uma barbaridade diferenciada na qual o
protesto, os reclames já não encontram ouvintes mediadores. Ou é ou não é.
Você acha Antônio que com essa conversa e esse objetivo que o traz aqui é possível cerzir essas
lutas subterrâneas para tomarmos o poder do Estado? Antônio precisamos de agulhas e linhas de
novo tipo. Essas agulhas e linhas que você apresenta representam uma velha estratégia que não nos
serve mais.
Você fala de política como se ela estivesse do outro lado da rua. Antônio me escute. Antônio me
escute. É necessário territorializar a política politizando o território. Isso não é um jogo de palavras.
Significa que as lutas subterrâneas devem ser cerzidas sobre uma estratégia revolucionária. É nessa
fronteira que se inicia o longo trabalho do militante. É nessa fronteira que as atividades diárias se
relacionam com o todo. A creche comunitária que era curral eleitoral agora é estrutura de
organização e formação de mulheres. Os mutirões de laje, nos quais vocês garantiam a cerveja, se
tornam ingrediente organizativo. As festas e quermesse ... A missa, os terreiros e os cultos
fortalecem um novo tipo de ideologia. Um nova estratégia condiciona as relações sociais das
organizações com a classe. Entende?
- Meu amigo tenho que ir está anoitecendo.
Vá em paz Antônio. Enquanto tu não compreender o papel da noite na política não há porque vir.
Minha vó morreu cega de tanto cerzir a luz de vela.
 
 
 

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