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Análise Comparativa das Obras “Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo
Neto e A Aldeia do Silêncio de Freei Betto”.
A mais famosa obra de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina,
aborda a temática da seca nordestina por meio da visão dos retirantes que fazem o
percurso entre o rio Capibaribe e Recife. O livro foi escrito em 1955, período em que
Juscelino Kubitschek havia criado seu projeto de modernização do país. João Cabral dá
voz ao homem pobre buscando ver essa realidade do ponto de vista do outro. Revela-se,
então, a percepção de que essa modernização não incluiu as classes trabalhadoras e os
mais pobres.
Severino, desde o início é representado como apenas “mais um”. “Somos muitos
Severinos, iguais em tudo na vida”, escreve João Cabral, que, na obra, tenta explicar a
condição periférica do país que só e lembrada na hora das estatísticas, ou como massa
de manobra para ganhar eleições. Logo no início da obra, já se apresenta uma crise de
identidade em que ora Severino é ele mesmo, ora ele é Severino povo retirante, não
mais pertencendo a si.
Severino, em sua viagem como retirante, tenta sair da sua condição de miséria e
morte, provocada pela seca, em busca de uma vida melhor, para o litoral pernambucano,
na ilusão de que o verde de lá o permitiria desviá-lo de sua sina em sua “peregrinação”.
No entanto, os constantes encontros com a morte faz com que ele perceba que a “Vida
Severina” é seu destino, por ser vitima de um sistema social e não do geográfico.
A jornada de Severino marcada pela certeza da morte e a incerteza da vida
autoriza o conceito de Bauman (2005, p.8), segundo o qual “A vida líquida é uma vida
precária, vivida em condições de incerteza constante”.
Severino, na sua caminhada passa pela Zona da Mata, região muito próspera, no
interior do sertão. Deslumbra-se com a natureza verdejante do lugar, mas a morte ali
também prospera. Ao testemunhar o funeral de um lavrador que se realiza no cemitério
local frustra-se e prossegue sua viagem. Chega, então, ao Recife, cansado, senta-se ao
pé do muro de um cemitério e ouve o diálogo entre dois coveiros. Um, de um cemitério
de pessoas mais abastadas (Santo Amaro), o outro responsável pelo enterro de retirantes
(Casa Amarela), onde a morte era constante e sem floreios. Nesse momento da obra,
Severino reflete sobre o que seria melhor, lutar pela vida ou deleitar-se na morte. Pensa
em suicídio, pretendendo atirar-se em um dos rios que cortam a cidade.
A caminhada do retirante permite uma reflexão sobre o território brasileiro que
é composto historicamente, como um país multiétnico, de imensa pluralidade cultural.
A constatação de tamanha diversidade, implica em se ter a clareza de que os fatores
que constituem uma identidade não se constituem por uma rigidez, mas pelo contrário
inserem-se no campo da fluidez de uma pluralidade identitária. “A medida em que os
sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados
por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com
cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente”. (HALL,
1999, p.13)
Na obra Aldeia do Silêncio, Frei Betto traz a riqueza de Guimarães Rosa, com a
criação de novas palavras, a delicadeza de Mario Quintana, na descrição da beleza que
reside nas pequenas coisas. Evoca também Manoel de Barros, com sua capacidade de
observar a natureza.
A estória é protagonizada por Nemo, que escreve suas memórias depois de dar
entrada em um hospital e de ser alfabetizado por uma voluntária durante o seu primeiro
ano de internação. Nemo relata como era sua vida na aldeia onde vivia. Desconhecia a
cidade, seu mundo se resumia à aldeia do silêncio. A estrada de ferro, que passava pelo
povoado, estreitava os laços com a cidade. Devido à ganância dos latifundiários, os
antigos habitantes foram mortos pelo envenenamento do curso das águas e os casebres
destruídos, restando apenas o avô, a mãe, o pai e o irmão. Nemo nasceu depois da
destruição do povoado, conhecendo dele apenas as ruínas e os relatos do avô.
Nemo é um sujeito anônimo, sem documentos, sem posses, sem estudo e sem
profissão. Frei Betto, por meio do seu texto, concede sua voz a alguém que
normalmente não possuiria. Ao expressar-se pelo marginalizado, analfabeto e o não
lembrado, abre-se um espaço para o questionamento sobre o que o silêncio, a
maioria das vezes esconde.
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2007.
MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida Severina e outros poemas. Rio de Janeiro:
Alfaguara, 2007