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ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL: O PROCESSO DE

PASSAGEM DA POLÍTICA OLIGÁRQUICA PARA A POLÍTICA COMPETITIVA


(SÉCULOS XIX – XX)
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ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL: O


PROCESSO DE PASSAGEM DA POLÍTICA OLIGÁRQUICA
PARA A POLÍTICA COMPETITIVA (SÉCULOS XIX – XX)

André Ricardo Barbosa Duarte


Universidade Federal de Itajubá
Pós-graduando (especialização) em Gestão de Pessoas e Projetos
historiador.arb@ig.com.br

Resumo

O artigo tem por objetivo promover uma revisão bibliográfica acerca da formação da
sociedade política no Brasil a partir das características forjadas nas disputas
estabelecidas entre as correntes ideológicas conservadora e liberal na passagem do
século XIX para o XX. Será analisada, também, a transição da sociedade política
oligárquica do regime imperial para a sociedade política competitiva da República,
utilizando para o entendimento desse processo os conceitos de formalismo,
patrimonialismo e sociedade prismática pautado nas diversas abordagens do
pensamento político brasileiro.

Palavras-chaves: Política; Sociedade; Estado

INTRODUÇÃO

No processo de formação do Estado e no desenvolvimento do mercado político


brasileiro, podemos perceber um panorama de negociações políticas sem rupturas
consideráveis, se nos ativermos a dois momentos importantes da história política da
nação: o Império e a República. Na superação de uma etapa eminentemente oligárquica
(1822-1889) – em que a representação e o jogo político eram restritos à aristocracia
escravocrata – para a consolidação de uma política competitiva, quando novos atores
sociais e suas demandas são incorporados à arena política – podendo-se observar a
evolução histórica e a construção do estado brasileiro em seus aspectos políticos e
sociais.

CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 4, ed. 9, jan./abr. 2010


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A trajetória de supremacia do governo civil


desenvolvimento dos
sistemas políticos sul- centralizado.
americanos é usualmente
subdividida da seguinte
forma: política oligárquica
(séc. XIX – 1930), política de FORMALISMO NA SOCIEDADE
massas (1930 – 1980) e POLÍTICA BRASILEIRA:
política democrática (1980 DISCREPÂNCIA E
em diante). A primeira fase COEXISTÊNCIA ENTRE A
caracteriza-se, dentre outras IDEOLOGIA CONSERVADORA E
coisas, pela presença dos O LIBERALISMO.
chamados partidos de
notáveis e pela existência de
um sistema produtivo
fundamentalmente A imagem do Brasil, que se
agroexportador. Já a segunda,
distingue-se pela emergência constrói a partir da perspectiva da
de partidos de massa, ideologia conservadora, é a de um país
incorporação das massas à
política e início do com baixíssima densidade populacional,
desenvolvimento industrial.
(Santana; Cunha, 2009) desprovido de um Estado nacional e
com uma economia organizada de fora
para dentro do país, em virtude do
O processo de Independência do
exclusivo colonial. Nesse sentido, as
Brasil e os posteriores esforços de se
tentativas de se definir e organizar o
edificar um Estado-nação é, antes de
Estado desde 1822, obedeceram a essa
tudo, uma verdadeira conjugação de
visão e aos programas políticos da
acordos entre as elites ideologicamente
corrente política conservadora brasileira
situadas no conservadorismo e/ou no
que tinha como objetivo a consolidação
liberalismo. Estas optaram pelo apoio a
da tradição de sociedade mais
um regime monárquico representativo,
hierárquica, voltada para manutenção da
com claro objetivo de manter o novo
ordem, da autoridade e das diferenças
Estado unido, evitar o predomínio
sociais construídas no período colonial
militar, centralizar a arrecadação de
(1530-1822).
impostos e conter a balcanização
territorial, garantindo assim, a A ideia de uma sociedade
desprovida de laços de identidade e

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solidariedade comuns fez com que os intervenção do setor cafeeiro


do Vale do Paraíba, que se
conservadores construíssem uma expandia desde a década de
ligação “umbilical” do desenvolvimento 1830 e temia os efeitos
desestabilizadores do
e da constituição do patrimônio cultural “experimento republicano”
posto em prática durante o
e público da sociedade brasileira às período regencial.
ações do Estado. Sublevações, polarização
social, danos à propriedade:
esses foram os motivos
suficientes para estimular a
A nossa Independência é aliança política entre os
mais uma imaginação de diferentes grupos de
Estado do que de nação e não proprietários rurais [...].
contesta o princípio de conseqüentemente, o regime
superioridade existente, mas monárquico representou o
trata de expungir os domínio dos fazendeiros.
anacronismos mais visíveis e (Baggio, 1999, p. 134)
de evitar rupturas
incontroláveis, bloqueando a
participação de alguns atores
sociais (escravos e indígenas) O Estado Nação que se
que poderiam reivindicar um
constituiria a partir deste ponto,
lugar na sociedade e,
portanto, na história da absorverá formulas e conceitos de
nação. (Mir, 2004, p. 4)
participação que claramente restringiam
a arena política apenas a atuação da
Por este expediente, firma-se, aristocracia escravocrata que detinham
sob o território e a população, o como característica essencial a
controle do Estado pela aristocracia homogeneidade ideológica. Tal aspecto
escravocrata agrária, que assume o dirimia seus conflitos intraclasse e
processo de formação e consolidação do sustentava a criação de um modelo
Estado nacional brasileiro, revelando, político oligárquico em sua forma de
neste momento, uma clara concepção representação, conservando uma
oligárquica que se efetivaria na estrutura agrária e uma ordem
construção do Estado sob o prisma do escravocrata no processo pós-
i
patrimonialismo . independência.

[...] a monarquia parlamentar


consolidou-se graças à

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O estado que nasce da Constitucional de 1824 é um bom


independência invocando o
liberalismo e modelando as exemplo da dimensão limitada de
suas estruturas políticas de participação que se vislumbrava no
acordo com ele, intensifica a
escravidão, fazendo dela o país. Isso somente era possível pelas
suporte da restauração que
realiza quanto às estruturas coloniais estruturas burocráticas de
econômicas herdadas da administração, que colocam a expansão
colônia [...]. “Restauração
progressiva”, uma vez que territorial, o exclusivo agrário e o
combinava a reatualização da
escravismo como símbolos e
base da economia colonial
com o liberalismo [...] subjetividades de identificação de
(Vianna, 1997, p.13)
poder.

A política oligárquica, executada O Estado brasileiro, erguido à


pela aristocracia escravocrata agrária, luz desta estrutura, adapta a ideologia
utilizou o Estado como mecanismo de liberal ao modelo escravista colonial.
autodefesa e ataque. Colocaram-se Mantém as instituições burocráticas e
como dirigente do processo de econômicas da colônia, associada à
construção deste próprio Estado, certa estabilidade política. Com essa
impondo suas agendas e demandas estratégia, garante a inserção e a
econômicas como interesses da nação manutenção do Estado brasileiro no
de maneira global. Determinaram a mercado mundial, por via do exclusivo
dinâmica da política, filtrando e agrário e da estrutura escravocrata da
contemporizando a ideologia liberal, colônia. Colocava nas mãos das elites
como estratégia oligárquica em todo o agrárias o controle do território e da
período em que a arena política população pós-independência.
manteve-se restrita as suas influências As estruturas econômicas
(1822-1889). Nesse aspecto, verifica-se herdadas da colônia, essencialmente
o domínio de uma política baseada em pautadas na expansão territorial como
modelos institucionais que limitam a estratégia capaz de gerar e acumular as
participação quer seja pela riquezas e instituir o poder cooptam o
representação, quer seja pela atuação liberalismo, que na sociedade civil
direta dos cidadãos – a restritiva Carta funciona como elemento catalisador das

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revoltas e sublevações observadas no quanto é formalístico este período de


período colonial, principalmente a partir edificação do Estado brasileiro. Uma
do século XVIII. Serve à elite clara discrepância entre as instituições
dominante como estratégia utilitária de ideológicas que fomenta a construção
instituição da ordem nacional e de seus deste Estado e a conduta executada.
interesses, permitindo que a empresa
individual atue na constituição dos bens
O formalismo (grifado no
públicos. As iniciativas de empresários original – G.R) corresponde
como o Barão de Mauá na construção ao grau de discrepância entre
o prescrito e o descrito, entre
de infra-estruturas publicas é um bom o poder formal e o poder
efetivo, entre a impressão que
exemplo disso. Tal condição somente nos é dada pela constituição,
foi possível, desde que agentes públicos pelas leis e regulamentos,
organogramas e estatísticas, e
e privados seguissem a racionalidade do os fatos e práticas reais do
governo e da sociedade.
Estado Nação. Quanto maior a discrepância
entre o formal e o efetivo,
Como construir uma nação mais formalístico é o sistema.
livre e moderna paralela à (Guerreiro, 1996, p.334)
outra, escravocrata e
atrasada: a irracional
perplexidade de montar,
Este “liberalismo oligárquico”
operar e fazer funcionar um
país independente com o mantém a defesa da economia de base
colonialismo interno. As
estruturas e categorias do agrária (plantation), a ordem
colonizador se internalizam e escravocrata, assegura os lucros da elite
se tornam modelos para o
novo Estado. Os seus teóricos territorial e a presença internacional do
formulam, antes de um
acordo de nação e mesmo de Estado brasileiro como grande
um Estado, um continuísmo exportador de matéria-prima e
colonial econômico e social.
(Mir, 2004a, p. 38) importador de produtos
industrializados.

Nesta adaptação ambígua do A ascensão, no período regencial


pensamento liberal à ordem de uma categoria social burguesa-
escravocrata que coexiste dentro do liberal-urbana, no âmbito da sociedade
regime imperial, pode-se verificar o civil, através da introdução de novos

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atores sociais (médicos, jornalistas, necessidade de uma


recomposição política das
empresários, militares, etc.) resulta em elites. (Gebara, 1990, p. 56)
focos de tensão a pressionar o Estado a
rever a ordem escravocrata que se
As transformações sociais
sustenta até então. Esses novos
resultantes deste processo criam
elementos de pressão buscam reativar o
pressões externas à política oligárquica
potencial revolucionário que reside no
da elite dominante, a partir dos aspectos
liberalismo – principalmente pela
de igualdade de direitos e de
inserção de valores como igualdade de
participação introduzidos pelo
direitos. Surgem novas coalizões
pensamento liberal, que encontram em
políticas e ideológicas dentro do âmbito
uma “nova elite” intelectual urbana e no
da elite dominante, no processo de
movimento progressista que se verifica
instituição do regime republicano
no interior da sociedade civil, um
(1889) e nos seus desdobramentos
contraponto ao jogo político restrito à
posteriores, que partem das questões
elite agrária.
sociais como forma de representação
A solução monárquica do
dos novos grupos, oriundos das massas
período pós-independência possibilitou
urbanas que se desenvolvem
uma unificação do país e uma
conjuntamente com a inserção – ainda
estabilidade política que, durante o
tímida – da economia brasileira no
período regencial e no processo de
circuito do capitalismo industrial
instituição da república, entra em
internacional.
evidente crise muito influenciado pela
ampliação da participação de novas
[...] iniciava-se uma era categorias sociais mobilizadas. No caso
liberal e reformista pois, o
desenvolvimento econômico da instituição do regime republicano no
fazia surgir, quando não
fortalecia, grupos
Brasil, os novos atores sociais –
interessados em reformas oriundos de uma alta taxa de
políticas. Alguns autores
explicam o surgimento desses mobilização política – procuram
grupos devido aos conflitos
penetrar na arena política, encerrada
entre as cidades e o campo.
Outros autores enfatizam a

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pelas elites agrárias, através de uma igualdade de direitos permitem que os


clara estratégia pretoriana. grupos sociais reivindiquem sua
igualdade de condições políticas,
lançando mão dos mecanismos de
Distingue-se o pretorianismo
como aquela condição em constrangimento institucional que
que, precisamente pela tinham ao alcance de seus
deficiência das instituições
políticas enquanto canal procedimentos e que possibilitasse
capaz de mediar a
confrontação de interesses e adentrar a sociedade política. Revela-se,
de processá-la de maneira nesse momento, um claro desígnio
organizada, cada núcleo ou
foco social de interesses pretoriano que determinou a passagem
(cada “força social”, na
expressão de Huntington) de uma sociedade política oligárquica
atira-se á arena com os para uma sociedade política aberta.
recursos de qualquer natureza
que tenha à mão. (Reis, 1990, Incorpora, paulatinamente, a
p.21)
participação dos grupos sociais
mobilizados, instituindo, desta feita, um
Um bom exemplo deste
mercado político inédito no país.
“pretorianismo” é a inserção dos
militares na arena política brasileira,
principalmente na instituição e [...] o contraste entre a
estabilidade institucional do
construção do regime republicano. São império e a instabilidade
eles que controlam os mecanismos de republicana é revelador de
uma mudança de qualidade
coerção física e os utilizam para mediar na vida política do país [...].
Ao passo que os mecanismos
à confrontação dentro da sociedade e procedimentos
política. institucionais do Brasil
monárquico representam o
A República introduz questões enquadramento de um jogo
político eminentemente
cruciais para o entendimento do oligárquico e de participação
restrita, o período
processo de construção do estado no republicano assiste à
Brasil: a da igualdade de participação incorporação crescente, em
fases diversas, de novas
social e a da inserção de novas categorias e classes sociais à
arena política. Com efeito, o
categorias mobilizadas, dentro da arena processo propriamente de
política. A mobilização e a pressão por formação ou edificação do

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estado, que culmina durante o concentram nas cidades em


império, pode ser descrito crescimento, baterem à porta
como um processo cujo ponto de um sistema político
nevrálgico reside num construído à sua revelia.
problema de integração, isto (Reis, 1990b, p.21)
é, basicamente de afirmação
do desígnio nacionalmente
integrador de certos atores Compõe-se, neste momento, um
políticos contra os desígnios
de autonomia de outros. Mas âmbito político competitivo, em que se
mantém-se como parâmetro expandem a representação e a
constante o fato de que estes
últimos se assemelham, por participação política,
sua extração social, aos
representantes do estado que fundamentalmente, das camadas sociais
se consolida, embora os populares e médias, orientando
interesses de outras
categorias sociais figurem estratégias políticas no sentido de
também como ingredientes
na composição de coalizões.
produzir uma ruptura profunda do
(Reis, 1990a, p.21) sistema político oligárquico. Isto leva as
camadas conservadoras a reagir e tentar
Esta mobilização atinge os reorganizar a sociedade política, sob os
setores médios da sociedade brasileira, antigos pilares oligárquicos, instituindo
que se organizam na busca de modelos uma prática política autoritária e
institucionais que efetivem a populista, conforme podemos observar
participação irrestrita na arena política e nas primeiras décadas do século XX.
que buscam romper com o Neste período, podemos focar um
determinismo oligárquico do período ambiente político dominado pelo
imperial, constituído alheio às camadas populismo que controla as massas
médias e baixas da sociedade civil. populares urbanas por via da concessão
dos direitos trabalhistas e sociais, mas
As transformações sociais
que deflagram inicialmente o concomitantemente suprime os direitos
pretorianismo, ao se
desdobrarem e aprofundarem de participação política.
abre a caixa de Pandora da
mobilização sócio-política e Em um segundo momento da
das demandas de participação republica, observarmos esse mesmo
– e agora é a vez dos
trabalhadores manuais e aspecto, em maior ou menor grau, no
setores populares em geral,
que se expandem e golpe militar de 1964. Estas passagens

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históricas revelam a problemática reafirma o caráter patrimonialista e


questão da democracia versus territorialista do Estado brasileiro.
autoritarismo, que necessariamente nos Um aspecto a ser destacado, diz
remetem à questão do Estado versus a respeito à modernização conservadora
sociedade. É a afirmação de um estado no Brasil, tanto nos sistemas políticos –
patrimonialista e uma cultura política política oligárquica (império)/política
oligárquica, em contradição a uma competitiva (republica) – quanto na
sociedade que se mobiliza cada vez estrutura econômica (agrário
mais e pressiona o Estado em busca de exportador/capitalista industrial), ao
uma arena política ampla e irrestrita que compararmos com os demais estados da
atenda a suas demandas mais urgentes. América Latina, a ex-colônia
portuguesa não experimentou períodos
longos e sucessivos de rebeliões
CONCLUSÃO
populares e caudilhismos, nem
mudanças violentas de governo,
Dentro do aspecto evolutivo da conservando sempre a supremacia do
sociedade política brasileira e do poder do Estado.
Estado, na transição de uma sociedade
O Estado moderno que se
política eminentemente oligárquica
pretendia construir, naquele momento,
(império) para uma sociedade
tanto em sua dimensão política quanto
competitiva (republica), já sendo de
econômica, como se observa no período
clara compreensão que as instituições
pós-independência, restaura uma
burocráticas do Estado brasileiro em sua
estrutura colonial, cujo poder continua
formação mantêm uma estrutura
concentrado nas mãos das elites
ambígua: liberal na ideologia que reside
territoriais. Combinava neste processo,
no controle da economia, mas
principalmente pela supremacia da
oligárquico na sua práxis de condução
monarquia representativa e na
da política e do controle sobre a
concentração das decisões no âmbito do
sociedade. O poder público das elites é
executivo, uma adaptação formal
consolidado através do aparato
economia colonial (agrário
burocrático herdado da colônia que

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exportadora/escravista) ao pensamento manutenção e inserção econômica da


liberal, que remodelava as estruturas nação no cenário internacional, pois os
burocráticas, intensificando a mesmos controlavam as exportações e
escravidão e criando uma ambigüidade detinham o monopólio dos portos,
institucional latente no Estado Nacional mantendo o livre comércio e a
Brasileiro. Residem nesses aspectos um escravidão, determinando por estes
alto grau de heterogeneidade expedientes um sistema político de
administrativa, política e social do domínio oligárquico. Assim, a
Estado, em que antigas estruturas burocracia estatal (Faoro, 1973) se
burocráticas coloniais convivem com confunde com a elite territorial, atuando
uma ideologia liberal que se adapta a na construção do Estado imperial
ela. Típico de uma sociedade brasileiro e tutela a dinâmica de
prismática, onde o formalismo é evolução até a república.
dominante “A sociedade prismática O papel do pensamento liberal
apresenta alto grau de heterogeneidade, durante o período regencial sustenta, na
uma vez que nela coexistem o antigo e o linha do reformismo do Estado e da
moderno, o atrasado e o avançado, o sociedade, a elite que agora absorve as
velho e o novo” (Guerreiro, 1996a, perspectivas do capitalismo que se
p.332). desenvolve no plano internacional. O
No caso do Brasil, a manutenção Estado assiste à ascensão de uma classe
de uma ordem escravocrata, pós- burguesa urbana, materialmente e
independência, tinha por justificativa intelectualmente preparada, que assume
política garantir a unidade territorial e a a “modernização” política e econômica
estabilidade institucional em um país do Estado brasileiro, encampando lutas
que se revelava, cada vez mais, um contra a ordem escravocrata, mas
arquipélago econômico e onde o fluxo irreversivelmente evitando a inserção
interno do mercado e das comunicações das demandas mais urgentes das classes
não abrangia todas as localidades. subalternas.
Ficando a cargo das elites locais
imporem a ordem e garantir a

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O liberalismo de “sociedade marco a partir de 1930, perfazendo a


civil” se manterá imune às
tentações jacobinas, política dos militares pós-1964, está
recusando-se a realizar carregado de elementos autoritários, que
interpelações “para baixo” e a
procurar pontos de ruptura instituiu regimes formalmente
com as elites territorialistas.
Na linguagem da época, nada democráticos na concessão dos direitos
mais parecido com sociais, mas em contrapartida, usurpou
conservador do que um
liberal [...]. Daí que a ação os direitos políticos restringindo as
oposicionista do liberalismo
arenas políticas institucionais de
de orientação americana
acaba por confirmar a debates sobre o país.
percepção, tão cara àquelas
elites políticas, de que um A estratégia de colocar a
sistema de oposições deveria
encontrar a sua resolução sociedade brasileira nos moldes de
mais na busca de ponto de
equilíbrio do que em
expansão capitalista levou os governos
confrontos abertos. (Vianna, imperiais e republicanos a edificarem
1997a, p. 16-17).
um estado burocrático-autoritário,
supostamente capacitado a dirigir o
Evitou desta maneira a
proposto processo de modernização.
balcanização da sociedade brasileira,
Porém conserva as estruturas
mantendo-se as estruturas burocráticas
oligárquicas em suas políticas, com um
que privilegiam a elite dominante. A
executivo centralizador, um corpo
Ibéria que reside na burocracia estatal
burocrático, via de regra, corrupto,
não se dissolve com a instituição do
deficitário e mal aparelhado, um
mercado político competitivo. O Estado
controle sobre os partidos políticos e a
continua economicamente e
manutenção de um modelo
politicamente pautado nos trilhos da
patrimonialista na economia e na
expansão territorial e nas elites
política.
tradicionais, que procuram dirigir o
processo de industrialização,
acrescentando uma clivagem “moderna” [...] Oliveira Vianna sugere
às suas características. Este movimento que, nessa sociedade de
oligarquias “broncas”, a
(de industrialização) que optou pelo democracia política constitui
a grande ilusão. Seu aparato
modelo desenvolvimentista, com seu institucional pesado, lento,

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ineficiente e corrupto não dá patrimonialism and prismatic society


conta dos dinamismos e ruled in the various boarding of
desafios do mundo moderno, brasilian politic thinking.
sua subserviência ao sufrágio
universal e aos partidos [...]
apenas entrega o Estado de Key words: Politics; Society; State
pés e mãos atados aos
interesses privatistas [...].
(Brandão, 2005, p. 247)

Ao lado da modernização REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

econômica, estes mesmos regimes,


estabeleceram e reforçaram um ARAÚJO, T. B. Ensaios sobre o
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Urgências. Rio de Janeiro: Revan/Fase,
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BAGGIO, S. B. A Proclamação da
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que se refere ao desenvolvimento sobre os depoimentos de Antônio Olinto
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estrutural, mas o país conheceu também Revista do Departamento de História da
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i
Sorj (2000) considera como patrimonialismo a
ação de grupos sociais, historicamente, situados
que se apropriam de maneira privada dos
recursos públicos do Estado, podendo esta
condição patrimonial mudar de acordo com os
grupos que o assumem, estando o processo
presente em todas as sociedades em que a
distribuição de renda e poder são desiguais.

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