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tais pessoas ajuda muito as outras. Inúmeras discussões fúteis e consumidoras de energia
surgem porque nós não estamos conscientes das nossas sombras e assim as projetamos nos
outros. Toda disputa política também é baseada nesse estado de coisas.
Mas esse conhecimento é somente o primeiro passo da individuação. Quando uma
pessoa integrou mais ou menos a sombra dela, o inconsciente dela assume uma outra
forma: ele se manifesta como a imagem do parceiro do sexo oposto – para um homem, em
uma figura feminina chamada por Jung de anima; e, para a mulher, em uma figura de
homem chamada de animus. Esses componentes inconscientes da personalidade não são
sempre projetados no parceiro do sexo oposto. Em tempos passados, eles eram
freqüentemente experimentados como divindades pertencentes à religião predominante,
como, por exemplo, a imagem de uma deusa, da Virgem Maria medieval, ou de Dioniso ou
Cristo. Isso é consubstanciado por muitos sonhos e visões. A projeção da anima e do
animus em figuras religiosas era, de muitos modos, muito útil, porque ela protegia as
pessoas de sobrevalorizar e endeusar o sexo oposto, o que resultava em que havia mais
espaço para relacionamentos realistas, diretos. No entanto, há um lado negativo nisso, que
era que as pessoas eram somente capazes de conscientemente perceber o aspecto geral,
coletivo, desse fator interno e falhavam em ver ou experienciar os seus aspectos
individuais. Na galanteria da Idade Média, o amor cortês era uma primeira tentativa de
avançar nesse problema. O cavaleiro escolhia a dama de seu coração e a servia como a uma
deusa, mas ela era uma mulher com características individuais, uma encarnação da anima
dele, não a anima. Desse modo, ele obtinha a oportunidade de travar contato com as
características específicas da própria natureza feminina interna dele. No entanto, essa
primeira tentativa de individualização da anima foi rapidamente suprimida pela Igreja.
Hoje, os símbolos religiosos que poderiam servir como um veículo para as
projeções da anima e do animus perderam o significado para muitas pessoas. Anima e
animus retornaram ao inconsciente dos homens e mulheres, onde, como Jung mostrou, eles
criam complicações nos relacionamentos das pessoas. A isso nós podemos atribuir o
enorme número de casamentos destruídos que nós vemos ao nosso redor hoje em dia.
Quando a anima mostra os aspectos negativos dela – e isso ela faz especialmente
quando o homem não está consciente dela – ela se manifesta como estados irracionais,
humores frígidos ou sentimentais, ataques histéricos, fantasias sexuais distantes da
realidade; e ainda pior, ela leva o homem a escolher a parceira errada. Ela pode até levá-lo
a um estado de possessão. Hitler, com os ataques histéricos, irracionais dele, que levaram a
mente dele a um modo feminino, é um bem conhecido exemplo disso. Em outros casos, a
anima torna os homens reclamões e depressivos, infantilmente ciumentos como uma
mulher com sentimentos de inferioridade, ou vaidosos. Tudo isso afeta os outros,
particularmente, as mulheres, de um modo extremamente irritante.
Um animus inconsciente torna as mulheres briguentas, estúpidas e algumas vezes
brutais; ou ainda ele as faz falar constantemente tangenciando o assunto em questão – todas
as coisas que os homens não gostam nas mulheres. Por meio da influência da anima e do
animus, ambos se envolvem em mentiras.
No atual movimento de liberação das mulheres, o animus desempenha um papel
muito proeminente. Com freqüência, o chefe tirânico contra o qual as mulheres lutam não é
tanto um homem externo, mas o animus tirânico dentro delas mesmas, que elas projetaram
nele. Tais mulheres até parecem atrair os tiranos nos ambientes delas ou a escolhê-los como
parceiros. Elas falham em ver que isso está ligado à veneração interna do próprio animus
delas, que está suprimindo a feminilidade delas. A mesma coisa também algumas vezes é
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verdadeira para os homens. Eles se tornam homossexuais que debocham das mulheres e
nunca vêem que o comportamento frio, sem consideração e tirânico que eles criticam nas
mulheres está assentado dentro deles mesmos.
Quando homens e mulheres conseguem conhecer mais a respeito da própria anima e
animus deles, eles se entendem melhor com o sexo oposto e também redimem essas figuras
de dentro deles. Isso significa que um homem pode desenvolver qualidades femininas
positivas como uma maior sensibilidade e capacidade para relacionamento pessoal, assim
como habilidades artísticas e criativas – uma vez que a anima também é a mediadora entre
a consciência racional dele e os níveis mais profundos do inconsciente. Como Beatriz na
vida de Dante, a anima se torna o guia para as profundezas e a altura espirituais da alma. De
um modo similar, o animus da mulher pode dar a ela coragem, prontidão, força e inspiração
intelectual e criatividade.
Assim enquanto a integração da sombra tem o efeito de nos tornar mais capazes de
nos relacionarmos melhor com membros do nosso próprio sexo, a integração do animus e
da anima preenche a lacuna na compreensão entre os dois sexos e evita muitas tragédias
infantis e desnecessárias. Todos os que trabalham em profissões sociais conhecem como as
gerações que cresceram em lares rompidos ou infelizes sofrem.
Por meio desses exemplos, eu tentei mostrar que o processo de individuação pode
eliminar muitos sérios distúrbios na nossa vida social. No entanto, eu devo admitir que é
tarefa extremamente difícil levar as pessoas ao ponto de elas verem a própria sombra delas,
e é ainda mais difícil torná-las conscientes do animus ou anima delas. As pessoas parecem
ter uma grande resistência em pensar honestamente acerca delas. Quando as coisas nas
vidas delas dão errado, eles tendem com uma probabilidade muito maior a culpar
circunstâncias externas.
Até esse ponto, o processo de individuação pareceu consistir primariamente na
retirada das projeções ilusórias de outras pessoas e em desistir dos nossos preconceitos
infantis sobre elas. Nós nos tornamos mais reflexivos e mais razoáveis, mas também menos
dependentes dos outros. No entanto, nós ainda temos que descobrir uma base instintiva para
as pessoas se relacionarem de forma ativa umas com as outras. Somente quando nós
avançarmos um passo além nas profundezas do inconsciente é que nós encontraremos o
fator arquetípico que une toda a humanidade e que constitui a base para os nossos instintos
sociais. Nós nos referimos à essência interna que Jung chamou de Self.
A partir do momento em que o homem ou a mulher tenta começar o trabalho com o
animus ou com a anima, ele ou ela é levado a encarar conflitos críticos e profundos, para os
quais parece não haver soluções. Quando o ego encara o seu sofrimento, em vez de fugir
dele, o mais profundo nível da psique, o seu, assim falado, núcleo atômico – um centro que
parece regular o sistema psíquico total do indivíduo – é ativado. Jung observou que, nos
sonhos e fantasias dos pacientes dele, em tempos de sérias crises, perda de orientação ou
um conflito maior, um símbolo freqüentemente aparecia e expressava a unidade e a
totalidade. Ele tinha uma forma retangular ou redonda, que nós denominávamos com o
termo sânscrito mandala. O aparecimento desse símbolo é acompanhado por um equilíbrio
e uma ordem internas. É uma imagem que representa a unidade do cosmos e do indivíduo,
assim como o significado de toda a vida. Como tal, ela desempenha um papel central nas
religiões orientais. O Indologista Giuseppe Tucci a chama de ordem psicocósmica. No
Ocidente nós encontramos o mesmo símbolo, mas aqui ele representa ou um deus ou uma
estrutura do mundo. No último caso, a estrutura do mundo é uma imagem do seu criador e,
no sentido mais profundo também corresponde à estrutura da psique humana. Esse símbolo
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de totalidade pode ser geralmente descrito nesses termos: “Deus (e o cosmos) é uma esfera
espiritual infinita (bola) cuja periferia não está em lugar algum e cujo centro está em todo
lugar”. Na filosofia alemã do período Romântico tardio, essa concepção também foi vista
como uma descrição do ego transcendente, criativo (não do ego geralmente cotidiano). Do
ponto de vista empírico, esse centro parece ser o núcleo que regula o equilíbrio do nosso
sistema psíquico; desse núcleo vem a função de cura e de ordenamento dos sonhos. Ele é
geralmente percebido como o fim último e o sentido da vida e dá origem à experiência
religiosa que se assemelha ao satori do Zen Budismo.
Esse núcleo mais central da psique, o Self, aparece em sonhos e fantasias, não
somente em uma forma matemática abstrata, mas também como uma pessoa. Na psique dos
homens, ele aparece como um homem divino ou semidivino – um velho sábio, um líder,
um professor. Na psique das mulheres ele se apresenta como um tipo de figura de mãe
cósmica, como uma sábia mãe terra, ou como Sophia. Em ambos os casos, o Self com
freqüência têm características hermafroditas, porque ele une todos os opostos, até mesmo o
masculino e o feminino.
Toda vez que o Self é constelado no inconsciente de uma pessoa, ele traz com ele
uma solução criativa única para o problema dele ou dela. Desse modo, ele é a causa de um
grande salto para a frente na direção da consciência e da liberdade. Por essa razão, Jung via
nele o fator central de todo o desenvolvimento humano. Entrar em contato com o Self é,
sem dúvida, o objetivo supremo do processo de individuação. O fato de o Self ser a fonte
de toda criatividade é de grande importância não só para o indivíduo, mas também para a
comunidade. A polarização da criatividade individual e do comportamento coletivo social
parece já ter existido no nível animal de desenvolvimento. O zoólogo Adolf Portmann
mostrou que todas as inovações nos padrões de comportamento coletivos dos animais
surgem do espírito empreendedor independente de indivíduos que tentaram algo novo
assumindo um risco próprio.
Assim, a criatividade individual parece ser muito mais antiga do que a consciência
do ego dos seres humanos. Por exemplo, um pássaro que pertence a uma espécie que
normalmente migra para a África do Sul passa um inverno na Europa. Se ele morre, nada
além ocorre. No entanto, se ele sobrevive, outros indivíduos começam a fazer a mesma
coisa, e ao final, isso pode levar a uma mudança no padrão habitual do grupo. Biólogos
japoneses estudando um grupo de macacos morando em uma ilha observaram uma única
jovem fêmea que induziu o grupo inteiro a lavar a comida deles na água do mar antes de
comer. Um assim chamado ser vivo anormal parece destinado à derrota, enquanto
indivíduos criativos estão destinados a enriquecer a comunidade deles. Nessa medida, o
problema do indivíduo versus a sociedade já existia entre nossos antepassados animais, e
indivíduos isolados sempre ou ameaçaram ou enriqueceram as suas tribos.
Quando indivíduos humanos isolados agem de um modo destrutivo contra a
comunidade, nós vemos por meio de um exame mais próximo do inconsciente deles que
eles são governados por um complexo autônomo – que é o que era conhecido em tempos
passados como uma possessão demoníaca. Essa condição de ser controlado por um
complexo, uma possessão, sempre provoca medo e ódio em outras pessoas e gera o
isolamento. O indivíduo criativo, em oposição, geralmente tem uma íntima conexão com o
Self. No seu trabalho sobre xamanismo, Mircea Eliade compilou um abundante material
que claramente documenta esse fato. Os xamãs do Norte são, como os médicos de outros
povos primitivos, em sua maior parte, indivíduos que foram “chamados” por deuses ou
espíritos das tribos deles. Em seguida a uma série crise psíquica, que os isolou da
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comunidade deles – algumas vezes eles também procuram o isolamento eles mesmos – eles
aprendem sob a condução de um médico mais velho como travar um diálogo apropriado
com esses poderes, que hoje em dia nós chamamos de conteúdos arquetípicos do
inconsciente. Eles não são possuídos por esses poderes, exceto durante um curto estado de
transe voluntário. Eles não perdem o status normal deles como seres humanos, mas
adquirem o conhecimento que diz respeito aos poderes do além (do inconsciente) e são,
assim, capazes de funcionar como profetas e curadores, e, em muitas regiões, também
como os artistas e poetas da tribo deles.
Nesse nível cultural primitivo, animais mágicos são com freqüência símbolos do
Self. No Norte, é geralmente o urso que é a encarnação do Self para o xamã, porque ele é
uma grande divindade natural. O xamã adquire a criatividade e o poder de cura dele do
urso. Na África, leões e elefantes representam o Self, e, algumas vezes, também outros
animais mágicos encarnam o poder divino supremo da psique e da natureza. A partir do
fato de o Self aparecer na forma animal nos sonhos e visões de homens curadores e nos
indivíduos criativos, deduz-se que ele é primeiramente percebido como uma força
inconsciente puramente instintiva, maior e mais poderosa do que o ego, mas inteiramente
inconsciente. Ele encarna a completa sabedoria da natureza, mas não possui a luz da
consciência humana.
Na natureza, não há um instinto animal que não tenha a sua forma particular na qual
nós podemos ver o seu propósito e o seu significado. Além disso, impulsos instintivos não
aparecem sem certas restrições; eles têm a seqüência temporal própria deles, os seus
objetivos, mecanismos e restrições especiais. Para os seres humanos, as formas restritivas
dos instintos são os costumes religiosos e os tabus. Quando nós olhamos para o lado de
dentro deles, nós vemos que eles expressam o sentido de nossos instintos quando eles se
manifestam em símbolos e fantasias. Assim, parece que a religião foi originalmente um
sistema regulatório psicológico que ordenava os nossos instintos e impulsos. Somente
quando um sistema religioso se enrijece em um formalismo rígido é que ele se torna
antagônico aos instintos e negativo. Normalmente, mente e instinto constituem um par de
opostos compensatório.complementando ou contrabalançando harmoniosamente um ao
outro. Em incontáveis exemplos históricos a tensão de opostos entre mente e instinto se
tornou negativa, que é o que aconteceu nos últimos dois séculos na nossa própria cultura
também. Em tais casos, o inconsciente traz novos símbolos religiosos que vêm preencher a
lacuna entre os dois e restaurar à humanidade a memória da sua natureza original.
Geralmente é um símbolo do Self, a inteireza psíquica, que reúne os opostos que se
separaram um do outro.
Enquanto o totem animal expressa uma forma profundamente inconsciente dessa
inteireza, dessa unidade e coesão sociais, nós encontramos no seu lugar, em um nível
cultural mais elevado, o que Jung chamou de Anthropos. Como o totem animal, o
Anthropos é visto como um ancestral da humanidade, que une todas as pessoas. Em muitos
mitos, ele é até mesmo o material cru do qual todo o cosmos é formado. Ele é visto como o
princípio vital e o significado de toda existência humana e é considerado o totem de toda a
humanidade, não só de uma tribo.
Em muitos mitos de criação, pertencentes aos mais variados povos, é contado que o
universo foi originalmente formado das partes de uma gigantesca figura humana. Na Edda
germânica, era o gigante Ymir: “Da carne de Ymir, a Terra surgiu, as montanhas, dos ossos
dele...” Na China, o cosmos foi formado do duende P’na Ku, que era ao mesmo tempo um
gigante. P’na significa “casca de ovo” assim como “tornar sólido” e ku significa
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inconsciente coletivo mais profundo nos salvarão e produzirão uma nova forma de
comunidade humana. Mas as forças divisoras daqueles que estão possuídos por demônios,
isto é, por complexos inconscientes unilaterais e as idéias e emoções distorcidas que são
parte deles – também são poderosas. Não há sentido em negar a existência deles ou em
lutar contra eles. O “verdadeiro ser humano”, como Jung chamava o Self, nunca tomará
parte no jogo de “pastor e ovelha”, porque ele tem o suficiente para fazer apenas com ele
mesmo. Ele mergulha fundo nos níveis da psique mais profundos, onde na verdade ele é um
com a humanidade toda, além do alcance das lutas de poder diárias. Desse nível vem a
criatividade. Uma pessoa só pode ser criativa em conexão com o “homem comum” dentro
dela mesma – e é por isso, talvez, que dessas profundezas, nós possamos ser capazes de
renovar a nossa cultura.