Você está na página 1de 50

Universidade Federal de Juiz de Fora

Instituto de Ciências Exatas


Departamento de Matemática

William Massayuki Sakaguchi Yamashita

Introdução as Leis de Conservação e


Aplicações

Juiz de Fora

2014
William Massayuki Sakaguchi Yamashita

Introdução as Leis de Conservação e


Aplicações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Departamento de Matemática da Univer-
sidade Federal de Juiz de Fora, como parte
integrante dos requisitos necessários para ob-
tenção do grau de Bacharel em Matemática.

Orientadora: Dra. Lucy Tiemi Takahashi.

Juiz de Fora

2014
Yamashita, William Massayuki Sakaguchi.

Introdução as Leis de
Conservação e Aplicações / William Yamashita.
2014. 49f. : il.

Trabalho de Conclusão de Curso (Departamento de Matemática) – Universidade Federal de


Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2014.

1.Leis de Conservação. 2.Equações Diferenciais Parciais.


3.Ondas de Choque. 4.Ondas de Rarefação. I. Título.
AGRADECIMENTOS

Ao finalizar este Trabalho de Conclusão de Curso indicando o final do percurso da


Graduação, meta conseguida com muito esforço e trabalho, para o qual interviram pessoas
que colaboraram para cumprir este objetivo.

Quero agradecer a minha orientadora, Dra. Lucy T. Takahashi e o professor Dr.


Grigori Chapiro pela paciência, tempo, apoio e dedicação para me orientar. Muito obri-
gado Professores. Aos professores Dr. Eduard Toon e Drª. Valéria Mattos da Rosa por
aceitarem participar da banca examinadora.

Agradeço ao Departamento de Matemática da Universidade Federal de Juiz de Fora,


aos professores, pessoal administrativo e funcionários que contribuíram na minha forma-
ção.

A meus pais, minha mãe Regina, que sempre acreditou e me apoiou nos meus objeti-
vos, ao meu pai e ao meu avô, que mesmo não estando aqui, sei que me protegem.

A todos meus amigos, que compartilharam comigo tempo de estudo, conversas e


brincadeiras, tornando estes anos de estudos mais leves.

É claro, não poderia esquecer aos meus amigos especiais: a Gisele pelos 5 anos de
muito estudo, amizade e paciência, aos meus irmãos Wilker e Pedretti pelas diversões,
festas e muito futebol, à Karen, Ceili e Marina pelas conversas, brincadeiras e abraços,
ao Gladston pelas ajudas e brincadeiras e ao ICEberg F. C. time formado por amigos
do ICE que me proporcionou muita experiência no futebol, além de diversão e amizades.
Obrigado a todos os amigos que fiz nestes 5 anos em Juiz de Fora.
RESUMO

Muitos fenômenos que ocorrem na Ótica, Eletricidade, Ondulatória, Magnetismo, Me-


cânica, Fluídos, Biologia, e etc., podem ser descritos através de uma equação diferencial
parcial. Muitas destas equações diferenciais parciais são obtidas através de Leis de Conser-
vação. Leis de conservação são essencialmente leis de balanceamento, expressando o fato
de que alguma quantidade mensurável se mantém constante, ou seja, conservada. Assim,
o objetivo deste trabalho é apresentar um estudo introdutório às Leis de Conservação.
Começamos abordando os conceitos básicos e estudos dos casos lineares e não-lineares.
Apresentamos os conceitos de dois importantes componentes no estudo de soluções de
leis de conservação: as ondas de choque e as ondas de rarefação. Apresentamos tam-
bém o conceito de problema de Riemann e solução fraca para as leis de conservação.
Como aplicações desses conceitos, descrevemos os fenômenos que aparecem nas soluções
das equações que modelam o fluxo de trânsito nas cidades e escoamento em meios porosos.

Palavras–chave: Leis de Conservação. Equações Diferenciais Parciais. Ondas de Choque.


Ondas de Rarefação.
ABSTRACT

Many phenomena occurring in Optics, Electricity, Undulating, Magnetism, Mechanics,


Fluids, Biology, and others, they can be described by a partial differential equation.
Many of these partial differential equations are obtained by Conservation Laws. Laws
of conservation laws are essentially balanced, expressing the fact that some measurable
quantity remains constant, in other words, it’s conserved. The objective of this work is
to present an introductory study of the Laws of Conservation. We begin by addressing
the basics and studies of linear and nonlinear cases. We introduce the concepts of two
important components in the study of solutions of conservation laws: the shock waves and
rarefaction waves. We also present the concept of Riemann problem and weak solution
to the conservation laws. As applications of these concepts, describe the phenomena that
appear in the solutions of the equations that model the flow of traffic in cities and flow
in porous media.

Key-words: Conservation Laws. Partial Differential Equations. Shock waves. Rarefaction


waves.
LISTA DE FIGURAS

2.1 Um fluido que atravessa um tubo com velocidade constante c em uma


dimensão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

2.2 Interseção das características. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2.3 Construção das características. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

2.4 Condição inicial para o problema de Riemann. . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.5 Solução do problema de Riemann no plano xt. . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3.1 (a) Curvas características. (b) Curva de choque. . . . . . . . . . . . . . . . 29

3.2 Curvas características para uma onda de contato. . . . . . . . . . . . . . . 32

4.1 Curvas características para uma onda de rarefação. . . . . . . . . . . . . . 37

5.1 Gráfico da função de fluxo com a modelagem acima. . . . . . . . . . . . . . 40

5.2 Característica para o caso do tráfego com sinal fechado. . . . . . . . . . . . 41

5.3 Curva do choque para o caso 0 < u0 < u1 /2. . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

5.4 A região sem características quando o sinal passa da luz vermelha para a
luz verde. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

5.5 A solução para o PVI 5.9. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44


SUMÁRIO

1 Introdução 10

2 Leis de Conservação 13

2.1 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2.1.1 Equação de Burgers . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.1.2 Equação da Continuidade: Caso Homogêneo . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.1.3 Equação da Continuidade: Caso Não-Homogêneo . . . . . . . . . . . . 15

2.2 Leis de Conservação Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.2.1 O Problema Homogêneo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.2.2 O Problema Não-homogêneo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2.3 Leis de Conservação Não-Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

2.4 Problema de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.5 Soluções Fracas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3 Choques 27

3.1 Condição de Choque de Rankine-Hugoniot . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3.2 Condição de Entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

3.3 Contato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

4 Rarefação 33

5 Aplicações de Leis de Conservação 38


5.1 Um Modelo de Fluxo de Trânsito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

5.1.1 Tráfego no sinal fechado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

5.1.2 Tráfego no sinal aberto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

5.2 Escoamanto em um meio poroso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

6 Conclusão 47

Referências 48
10

1 Introdução

Muitos fenômenos que ocorrem na Ótica, Eletricidade, Ondulatória, Magnetismo,


Mecânica, Fluídos, Biologia, e etc., podem ser descritos através de uma equação diferencial
parcial.

Uma equação diferencial parcial (EDP) é uma equação matemática envolvendo deri-
vadas parciais, ou seja, uma expressão da forma
( )
∂u ∂ 2 u ∂ mu
F x1 , ..., xn , u, , , ..., = 0, (1.1)
∂xi ∂xi ∂xj ∂xi ...∂xim

onde x = (x1 , ..., xn ) pertence a algum domínio Ω ⊂ Rn e u : Ω −→ R é uma função


com derivadas parciais até a ordem m. Uma solução para uma equação diferencial parcial
é uma função que satisfaz a equação. Dizemos que uma equação diferencial parcial tem
ordem m quando a derivada parcial de ordem mais alta tem ordem m. Uma das distinções
mais fundamentais entre equações diferenciais parciais é aquela entre equações lineares e
não lineares [2].

Definição 1.1. Dizemos que a EDP 1.1 é linear se F é linear em relação a u e a todas
as suas derivadas parciais. Caso contrário, a EDP é não linear.

Dependendo do tipo da não linearidade, as EDP’s não lineares são classificadas da


seguinte forma

• Equações semilineares: quando F é não linear somente com relação a u, mas é linear
com relação a todas as suas derivadas parciais.

• Equações quasilineares: quando F é linear somente com relação às derivadas parciais


da ordem da equação.

• Equações totalmente não-lineares: quando F é não-linear com relação às derivadas


parciais da ordem da equação.
11

Exemplo 1.1. Alguns exemplos de Equações Diferenciais Parciais

1. Equação do calor: ut = a2 uxx

2. Equação do calor: ut = a2 (uxx + uyy )

3. Equação da Onda: utt = a2 uxx

4. Equação da Onda: utt = a2 (uxx + uyy )

5. Equação de Laplace: uxx + uyy = 0

6. Equação de Laplace: uxx + uyy + uzz = 0

Consideremos a EDP linear de 2ª ordem nas variáveis independentes x, y e na variável


dependente u = (x, y) sobre um conjunto Ω ⊂ R2 , da seguinte forma

Auxx + Buxy + Cuyy + Dux + Euy + F u + G = 0, (1.2)

onde os coeficientes são as funções A, B, C, D, E e F dependem das variáveis x, y e para


todo (x, y) ∈ ω, temos que

A2 (x, y) + B 2 (x, y) + C 2 (x, y) ̸= 0

e G = G(x, y) é uma função real definida sobre Ω ⊂ R2 . As EDP’s lineares de 2ª ordem


podem ser classificadas, dependendo de ∆ = B 2 − 4AC, como Hiperbólica (∆ > 0),
Elíptica (∆ < 0) e Parabólica (∆ = 0), [15].

Muitas das equações diferenciais parciais que aparecem nas ciências naturais são ob-
tidas através de Leis de Conservação.

Leis de conservação são essencialmente leis de balanceamento, expressando o fato de


que alguma quantidade mensurável ser balanceada (ou seja, conservada). Aqui, o termo
substância pode indicar uma substância realmente material, ou até mesmo um conceito
abstrato, tal como energia ou uma população de animais. Por exemplo, a primeira lei
da termodinâmica é a lei de conservação da energia: a variação de energia interna de
um sistema é igual ao calor total adicionado ao sistema mais o trabalho realizado sobre
o sistema. Como um outro exemplo, considere um fluido escoando em alguma região
do espaço, consistindo de substâncias sofrendo reações químicas: para cada substância
química individual, a taxa de variação da quantidade total da substância na região é igual
12

à taxa com que a substância flui para dentro da região, menos a taxa com que ela flui para
fora da região, mais a taxa com que ela é criada, ou consumida, pelas reações químicas.
Como último exemplo, a taxa de variação de uma dada população de animais em uma
região é igual à taxa de nascimentos, menos a taxa de mortes, mais a taxa de migração
para dentro ou fora da região.

Matematicamente, leis de conservação traduzem-se em equações integrais, de onde


podem ser deduzidas equações diferenciais, na maior parte dos casos. Estas equações
descrevem como o processo evolui com o tempo.

Neste trabalho, nossa atenção está focada nos conceitos sobre Leis de Conservação.
No Capítulo 2, daremos uma introdução sobre Leis de Conservação, com os conceitos
básicos e estudos dos casos lineares e não-lineares. No Capítulo 3, estudaremos as soluções
em forma Ondas de Choques. Apresentaremos condições para que esta solução exista e
um caso particular de choque. No Capítulo 4, passaremos para soluções na forma de
Rarefações. No Capítulo 5, faremos aplicações simples em fluxo de trânsito e escomento
em meios porosos. No Capítulo 6, teremos nossas considerações finais.
13

2 Leis de Conservação

Neste capítulo, serão apresentadas propriedades matemáticas para a aproximação da


solução de equações na forma conservativa.

A modelagem dinâmica de fenômenos físicos é frequentemente baseada em princípios


físicos chamados Leis de Conservação, que podem ser escritas na forma

ut + f (u)x = 0, (2.1)

onde u = (u1 , ..., un ) ∈ Rn representa as variáveis de estado, n > 1, (x, t) ∈ Q := R × R+ ,


f : Rn → Rn .

Uma dificuldade que estas equações apresentam é que nem sempre elas admitem
soluções clássicas. As soluções deste tipo de equação são estudadas para o problema de
Riemann, cuja solução é uma sequência de ondas. Introduziremos de forma gradativa os
conceitos de ondas viajantes, de choque, de contato e de rarefação, presentes no estudo
de fenômenos de ondas não-lineares.

A seguir apresentaremos alguns exemplos importantes de Leis de Conservação. Depois


falaremos de Leis de Conservação Lineares em geral e algumas técnicas que nos ajudem
a resolvê-las.

2.1 Exemplos

Como nosso primeiro exemplo apresentaremos a Equação de Burgers. A seguir,


teremos uma equação de primeira ordem, chamada Equação de Continuidade, mostrando
em primeiro lugar como ela é obtida da Lei de Conservação da Massa. Teremos dois casos
para analisar, o caso homogêneo e o não-homogêneo.
14

2.1.1 Equação de Burgers

Um exemplo de grande importância dentro das Leis de Conservação, é a Equação


de Burgers, atualmente chamada de Equação de Burgers sem viscosidade. Ela é dada por

ut + uux = 0. (2.2)

Esta equação foi introduzida originalmente por J. M. Burgers em seus estudos sobre
turbulência em fluidos, aparecendo como um modelo básico em diversos outros fenômenos
onde efeitos de adveccção não-lineares e difusão linear desempenham papel importante
[14].

2.1.2 Equação da Continuidade: Caso Homogêneo

Em uma dimensão, essa equação pode ser obtida, por exemplo, com um problema
de dinâmica de gás. Um fluido em um tubo, onde as propriedades do gás como densidade
e velocidade são assumidas constantes através de cada seção do tubo. Seja x a distância
ao longo do tubo e seja ρ(x, t) a densidade do gás no ponto x e tempo t.

A taxa de transferência de massa de um fluido especificado ao longo de uma certa


direção é chamada o fluxo de massa. A densidade do fluxo de massa ϕ é a taxa de
transferência de massa por unidade de área. V é o campo de velocidades de escoamento
do fluido, o fluxo de massa é dado por

ϕ = ρV. (2.3)

Estamos assumindo que o transporte da substância no espaço é totalmente devido ao


movimento do fluido, isto é, à convecção. Note que a densidade ρ(x, t) de um fluido,
assim como o seu campo de velocidades V (x, t), são funções da posição no espaço e do
instante de tempo considerado, onde x = (x1 , x2 , ..., xn ) ∈ Rn (n ≤ 3 no modelo físico) e
t ∈ R.

A lei de conservação da massa pode ser expressa matematicamente em forma integral


da seguinte forma. Seja Ω ⊂ Rn uma região do espaço fixada por onde o fluido atravessa;
Ω é comumente chamado de um volume de controle. Aplicado a este volume de controle,
o princípio físico fundamental de que a massa é conservada significa que
15

Taxa de transferência de Taxa de variação


(i) massa através da fronteira = da massa dentro do (ii)
do volume de controle volume de controle.

O lado esquerdo (i) é dado pela integral do fluxo


∫ ∫
− ϕ(x, t)dS = − ρV dS. (2.4)
∂Ω ∂Ω

Como o fluxo é para fora da região, o sinal é negativo. O lado direito (ii) é dado por

d ∫ ∫
ρ(x, t)dV , pois a massa é m(t) = ρ(x, t)dV .
dt Ω Ω

Assim, obtemos a equação integral


∫ ∫
d
ρV dS + ρ(x, t)dV = 0. (2.5)
dt
∂Ω Ω

Esta é a nossa Lei de Conservação da Massa.

Agora, utilizando o Teorema da Divergência, para obtermos a equação diferencial.


∫ ∫
ρV = div(ρV ) (2.6)
∂Ω Ω

Aplicando em (2.5) ∫
∂ρ
⇒ [ + div(ρV )] = 0. (2.7)
∂t

Como isto é válido para qualquer volume de controle Ω arbitrário, obtemos a Equação
de Continuidade
∂ρ
+ div(ρV ) = 0. (2.8)
∂t

Ela é equivalente à Lei de Conservação da Massa: elas expressam o mesmo fenômeno


em formulações diferentes, uma integral e outra diferencial [2].

2.1.3 Equação da Continuidade: Caso Não-Homogêneo

Existe a possibilidade de que massa seja criada ou destruída através de alguma


fonte interna ou externa (por exemplo, reações químicas, processos nucleares, etc.) [2].
Neste caso, o princípio físico de conservação da massa precisa ser reescrito como
16

(i) (ii) (iii)


Taxa de transferência de Taxa de criação ou Taxa de variação
massa através da fronteira + destruição de massa dentro = da massa dentro do
do volume de controle do volume de controle volume de controle.

Se F (x, t) é a taxa de criação ou destruição de massa (a taxa tem sinal negativo se


ocorre destruição de massa). A lei de conservação de massa torna-se
∫ ∫ ∫
d
ρ + ρV = F, (2.9)
dt
Ω ∂Ω Ω

e a correspondente equação diferencial, através do Teorema da Divergência (2.6), é a


Equação de Continuidade Não-Homogênea
∂ρ
+ div(ρV ) = F. (2.10)
∂t

2.2 Leis de Conservação Lineares

2.2.1 O Problema Homogêneo

Dada a Equação (2.10), se o campo de velocidades do fluido é um campo vetorial


constante, digamos V (x) ≡ c, onde c ∈ Rn , e não existe uma fonte de criação ou destruição
de massa, isto é, F ≡ 0, a equação de continuidade torna-se

∂ρ ∑ ∂ρ
n
(x, t) + ci (x, t) = 0, (2.11)
∂t i=1
∂x

ou, em notação mais compacta,

ρt (x, t) + c · ∇ρ(x, t) = 0. (2.12)

Esta equação é chamada a Equação do Transporte ou Equação da Advecção. Ela é uma


equação linear de primeira ordem com coeficientes constantes.

Exemplo 2.1. Caso Unidimensional.

Imaginando um fluido restrito a movimento em apenas uma dimensão (um fluido


contido dentro de um tubo ou cano muito longo Figura 2.1), a equação da continuidade
torna-se
ut (x, t) + cux (x, t) = 0,
17

onde (x, t) ∈ R × R e c é a velocidade escalar do fluido.

Figura 2.1: Um fluido que atravessa um tubo com velocidade constante c em uma di-
mensão.

Teorema 2.1. A solução geral da equação de transporte

ut + cux = 0, em R × R (2.13)

é u(x, t) = f (x − ct), para alguma função f : R −→ R de classe C 1 .

Prova. Seja u(x, t) = f (x − ct), mostraremos que u é solução para a equação de


transporte. Logo,

ut = f ′ (x − ct).(−c) e ux = f ′ (x − ct)
⇒ ut = f ′ (x − ct).(−c) = ux .(−c) ⇒ ut + cux = 0.

Reciprocamente, seja u(x, t) solução para a equação de transporte. Definimos uma função
z : R → R por z(s) = u(x0 + cs, t0 + s), (x0 , t0 ) ∈ R × R fixo. Então,
∂u ∂u
z ′ (s) = (c) + = cux + ut = 0.
∂x ∂t
Portanto, z na variável s é uma função constante.

Definimos uma função diferenciável f : R → R por f (x) = u(x, 0).

f (x − ct) = u(x − ct, 0) = z(−t) = z(0) = u(x, t). 

Este tipo de solução, é o que chamamos de Solução em Forma de uma Onda Viajante.

Definição 2.2. A variável ξ = x − ct é dita variável viajante, onde a velocidade de


propagação é constante e será denotada por c. Uma solução de uma Equação Diferencial
Parcial que pode ser escrita na forma u(ξ) é chamada Solução na forma de uma Onda
Viajante. A forma da solução será a mesma para todo o tempo t, [13].
18

Ondas viajantes são ondas que se movem à uma velocidade constante. Soluções na
forma de uma onda viajante são um tipo especial de soluções de EDPs, que aparecem em
diversos problemas da matemática aplicada [3, 4, 8].

Definição 2.3. Problema de Cauchy ou Problema de Valor Inicial (PVI) consiste de


um sistema de Equação Diferencial Parcial atrelado à uma Condição Inicial previamente
fixada.

Exemplo 2.2. O Problema de Cauchy para a Equação (2.13) é


{
ut + cux = 0 se x ∈ R, t ∈ R,
(2.14)
u(x, 0) = u0 (x) se x ∈ R.

A Equação do Sistema (2.14) é uma equação diferencial parcial escalar, linear com coefi-
cientes constantes.

Definição 2.4. Uma solução clássica do problema de Cauchy é uma função u : R×R+ −→
Ω ⊂ Rn tal que

(i) u é contínua para todos x e t > 0;


(ii) ux e ut existem e são contínuas para todos x e t > 0;
(2.15)
(iii) u satisfaça (2.14) para todos x e t > 0;
(iv) u(x, 0) = u0 (x) para todo x.

Corolário 2.5. Seja f : R −→ R uma função de classe C 1 . O problema de valor inicial


{
ut + cux = 0 se x ∈ R, t ∈ R,
(2.16)
u(x, 0) = f (x) se x ∈ R

tem solução única u(x, t) = f (x − ct).

Observação 2.1. Pela demonstaração do Teorema 2.1, temos que z é constante em s.


Em particular, fixando (x0 , t0 ), u é constante ao longo da reta que passa por (x0 , t0 ) e tem
inclinação c. Isto é, r : (x0 , t0 ) + s(c, 1), s ∈ R, estas são as retas x − ct = constante.

Portanto, se soubermos o valor de u em um ponto desta reta, saberemos o valor de u


em todos os pontos da reta. Isto nos diz que a informação sobre o valor de u em um ponto
da reta é transmitida para todos os pontos da reta; se o parâmetro t é interpretado como
representando o tempo decorrido, então podemos dizer que a informação é transmitida
com velocidade c. Esta reta é chamada uma reta característica do problema.
19

Exemplo 2.3. Caso n-dimensional.

Agora para o caso n-dimensional, a equação de transporte com coeficientes constantes


é

n
ut (x, t) + ci uxi (x, t) = 0, x ∈ Rn , t∈R (2.17)
i=1

ou, em notação mais compacta,

ut (x, t) + c · ∇u(x, t) = 0, x ∈ Rn , t ∈ R, (2.18)

onde c = (c1 , ..., cn ) ∈ Rn é um vetor fixado. Uma solução para esta equação é uma função
diferenciável u : Rn × R −→ R. O tratamento da equação do transporte n-dimensional
com coeficientes constantes é completamente análogo ao caso unidimensional.

Teorema 2.6. A solução geral da Equação do Transporte (2.18)

ut (x, t) + c · ∇u(x, t) = 0, x ∈ Rn , t ∈ R,

é u(x, t) = f (x − ct), para alguma função f : Rn −→ R de classe C 1 .

Corolário 2.7. Seja f : Rn −→ R uma função de classe C 1 . O problema de valor inicial


{
ut (x, t) + c · ∇u(x, t) = 0 se x ∈ Rn , t ∈ R,
(2.19)
u(x, 0) = f (x) se x ∈ Rn

tem solução única u(x, t) = f (x − ct).

2.2.2 O Problema Não-homogêneo

O problema de valor inicial não-homogêneo da Equação do Transporte


{
ut (x, t) + c · ∇u(x, t) = f (x, t) se x ∈ Rn , t ∈ R,
(2.20)
u(x, 0) = g(x) se x ∈ Rn

pode ser resolvido de modo análogo ao usado para resolver o caso homogêneo, [6].

Proposição 2.8. Sejam f : Rn −→ R e g : Rn −→ R funções de classe C 1 . O Problema


de Valor Inicial (2.20)
{
ut (x, t) + c · ∇u(x, t) = f (x, t) se x ∈ Rn , t ∈ R,
u(x, 0) = g(x) se x ∈ Rn
20

tem solução única


∫ t
u(x, t) = g(x − ct) + f (x + (s − t)c, s)ds. (2.21)
0

Prova. Seja u(x, t) como (2.21). Fazendo t = 0, temos que


∫ 0
u(x, 0) = g(x) + f (x + sc, s)ds.
0

Agora, derivando (2.21) em relação a t, obtemos


∫t
ut (x, t) = −c · ∇g(x − ct) − 0 c · ∇f (x + (s − t)c, s)ds + f (x, t)
∫t
= −c[∇g(x − ct) − 0 ∇f (x + (s − t)c, s)ds] + f (x, t)
∫t
= −c · ∇[g(x − ct) + 0 f (x + (s − t)c, s)ds] + f (x, t)
= −c · ∇u(x, t) + f (x, t).

Reciprocamente, seja u(x, t) uma solução para o PVI (2.20).

Definimos uma função diferenciável v : R −→ Rn × R tal que v(s) = u(x0 + sc, t0 + s).
Derivando v(s), temos

v ′ (s) = c · ∇u(x0 + sc, t0 + s) + ut (x0 + sc, t0 + s) = f (x0 + sc, t0 + s).

Logo,

u(x0 , t0 ) − g(x0 − t0 c) = u(x0 , t0 ) − u(x0 − t0 , 0) = v(0) − v(−t0 )


∫0 ∫0
= ( −t0 v ′ (s)ds) = −t0 f (x0 + sc, t0 + s)ds
fazendo uma mudança de variáveis ξ = t0 + s,
∫t
u(x0 , t0 ) − g(x0 − t0 c) = 0 0 f (x0 + (s − t0 )c, s)ds. 

2.3 Leis de Conservação Não-Lineares

Nesta seção, estudaremos equações diferenciais parciais não-lineares. A grande dife-


rença é que a função f é não-linear, o que dará origem as curvas características. Con-
sideraremos por simplicidade f ∈ C 2 (R), f uma função convexa, Q := R × R+ [16].
Consideremos o problema de valor inicial,
{
ut + f (u)x = 0 em Q,
(2.22)
u(x, 0) = u0 (x) sobre R.
21

Proposição 2.9. As únicas funções suaves C 1 que satisfazem a equação ut + (f (u))x = 0


do PVI (2.22) em Q são aquelas que são não-decrescentes em x para cada t > 0 fixo.

Prova. Seja u ∈ C 1 (Q) solução de ut + (f (u))x = 0 do PVI (2.22). Considere um


ponto (x0 , t0 ) ∈ Q e o PVI

 dx = f ′ (u(x, t)) para t > 0,
dt (2.23)
 x(t ) = x .
0 0

A única solução x(t) é uma curva característica da Equação de (2.22). Ao longo desta
curva temos que
d dx
u(x(t), t) = ut + ux = ut + f ′ (u)ux = 0.
dt dt
dx
Então u é constante ao longo das características. Logo, (t) = f ′ (u(x0 , t0 )) para t > 0
dt
também é constante. Note-se que características são linhas retas no plano xt. Como
existem pontos (x1 , t1 ), (x2 , t1 ), onde x2 > x1 , tal que

u1 := u(x1 , t1 ) > u(x2 , t1 ) =: u2 .


dx1 ′ dx2
Logo, f (u1 ) > f ′ (u2 ) = para todo t > 0.
dt dt
Consequentemente, as características se interceptam em algum t2 > t1 , contradizendo
a suavidade de u.

Figura 2.2: Interseção das características.

Lembrando que

• u é constante ao longo de qualquer característica x(t);


dx
• = f ′ (u(x, t)) para t > 0.
dt
22

Seja (x, t) ∈ Q um ponto dado. O conjunto


{
u = u0 (y)
x − y = f ′ (u)t ⇒ y = x − f ′ (u)t.

Então u = u(x, t) é implicitamente dado pela equação

u = u0 (x − f ′ (u)t), para (x, t) ∈ Q,

ver a Figura 2.3 para uma explicação da construção.

Figura 2.3: Construção das características.

Se u0 ∈ C 1 (R) com u0 e u′0 limitados sobre R, usamos o Teorema da Função Implí-


cita para resolver esta equação para u como uma função diferenciável de x e t (com t
suficientemente pequeno). Em particular

u = u0 (x − f ′ (u)t), (x, t) ∈ Q,
f ′ (u)u′0
ut = u′0 [−f ′′ (u)ut t − f ′ (u)] ⇒ ut = − , (2.24)
1 + f ′′ (u)u′0 t
u′0
ux = u′0 [1 − f ′′ (u)ux t] ⇒ ux = .
1 + f ′′ (u)u′0 t

Desta expressão, pela Proposição 2.9, se f ′′ (u)u′0 ≥ 0, então ut e ux permanecem


delimitadas: as características divergem e nenhuma descontinuidade ocorre. Por outro
lado, se f ′′ (u)u′0 < 0, então as derivadas explodem quando 1 + f ′′ (u)u0 t → 0.
23

2.4 Problema de Riemann

O problema de Riemann para o sistema de Leis de Conservação, centrado na


posição x = 0, é um caso particular do problema de Cauchy em que as condições iniciais
são tomadas constantes por partes possuindo um salto na origem.

Exemplo 2.4. Para o Sistema (2.14), o problema de Riemann é




 ut + cux ={0, se x ∈ R, t ∈ R

ul , se x < 0, (2.25)

 u(x, 0) =
 u , se x > 0,
r

onde ul e ur são valores constantes. No caso, ul é chamado de estado inicial à esquerda e


ur de estado inicial à direita [16].

Figura 2.4: Condição inicial para o problema de Riemann.

Note que a condição inicial tem uma descontinuidade em x = 0. O caso trivial


acontece quando ul = ur . Da Proposição 2.9, no PVI (2.23), determinamos uma curva
característica particular x = ct que separa as curvas características à esquerda, nas quais
a solução tem valor ul , daquelas curvas à direita, nas quais a solução assume o valor ur .

A solução do problema de Riemann (2.25) é simplesmente


{
ul , se x − ct < 0,
u(x, t) = u0 (x − ct) = (2.26)
ur , se x − ct > 0.

Esta solução pode ser representada no plano xt, como ilustra a Figura 2.5.
24

Figura 2.5: Solução do problema de Riemann no plano xt.

Por qualquer ponto x0 no eixo x passa uma reta característica. Como c é constante
essas retas serão todas paralelas umas as outras. Para o problema de Riemann, a ca-
racterística que passa por x = 0 é significante, pois é a única através da qual a solução
muda.

2.5 Soluções Fracas

Observemos que a Solução (2.26) não pode ser uma solução clássica de (2.25) em todo
o plano xt, por não ser diferenciável ao longo da reta x = ct. Para função da forma de
(2.26) que satisfaz a equação diferencial em parte do domínio chamamos de solução fraca
de (2.25). Para função que satisfaz (2.25) em todo domínio chamamos de solução clássica.
A seguir damos uma breve interpretação do significado de uma solução fraca [1].

Consideremos o seguinte PVI


{
ut + f (u)x = 0, em Q = R × R+
(2.27)
u(x, 0) = u0 (x) sobre R.

Definição 2.10. Definimos o conjunto das Funções Testes de (2.27), C01 , como

C01 := {ϕ ∈ C 1 : {(x, t) ∈ Q : ϕ(x, t) ̸= 0} ⊂ [a, b] × [0, T ] para algum a, b e T }.

Logo, ϕ é continuamente diferenciável e pode se anular fora de algum retângulo no


25

plano xt.

Definição 2.11. O Suporte da Função ϕ, supp(ϕ), em relação a Q é o fecho do conjunto


dos pontos (x, t) ∈ Q tais que ϕ(x, t) ̸= 0. Dizemos que ϕ tem Suporte Compacto em Q
se supp(ϕ) é um conjunto compacto.

Consideremos a Equação (2.1)

ut + f (u)x = 0.

Multiplicando (2.1) por ϕ ∈ C01 e integrando em relação à x de −∞ a ∞ e em relação à


t de 0 a ∞, obtemos ∫ ∫
∞ ∞
[ut + f (u)x ]ϕ(x, t)dxdt. (2.28)
0 −∞

Como ϕ ∈ C01 e tem suporte compacto, podemos escrever


∫ T ∫ b
[ut + f (u)x ]ϕ(x, t)dxdt = 0,
0 a
∫ b∫ T ∫ T∫ b
ut ϕ(x, t)dtdx + f (u)x ϕ(x, t)dxdt = 0.
a 0 0 a

Integrando por partes as integrais na equação acima, obtemos


∫ b{ ∫ T }
0= [uϕ(x, t)]t=0 −
t=T
uϕt (x, t)dt dx
a 0
∫ T{ ∫ b }
+ [f (u)ϕ(x, t)]x=a −
x=b
f (u)ϕx (x, t)dx dt.
0 a
∫ b ∫ b ∫ b∫ T
⇒0= u(x, T )ϕ(x, T )dx − u(x, 0)ϕ(x, 0)dx − uϕt (x, t)dtdx
a a a 0
∫ T ∫ T ∫ T∫ b
+ f (u)ϕ(b, t)dt − f (u)ϕ(a, t)dt − f (u)ϕx (x, t)dxdt. (2.29)
0 0 0 a

Como ϕ(x, T ) = ϕ(a, t) = ϕ(b, t) = 0, podemos escrever (2.28) e (2.29) como


∫ ∞∫ ∞ ∫ ∞
[uϕt + f (u)ϕx ]dxdt + u0 ϕ0 dx = 0, (2.30)
0 −∞ −∞

onde u0 = u(x, 0) é a condição inicial e ϕ0 é uma notação para ϕ(x, 0).

Note que o suporte de ϕ está contido em [a, b] × [0, T ] e ϕ é definida em Q, logo,


ϕ(x, 0) não precisa ser zero. Assim, o que apresentamos acima é a demonstração da
seguinte proposição.

Proposição 2.12. Se u é uma solução clássica para o PVI (2.27), então u satisfaz (2.30)
26

para todo ϕ ∈ C01 .

Invertendo os cálculos realizados acima, partindo de (2.30), até obtermos a Equação


(2.28) e usando o fato de ϕ ∈ C01 ser arbitrária, mostramos que u deve satisfazer a EDP
(2.1), demonstrando assim, o seguinte resultado.

Proposição 2.13. Se u é continuamente diferenciável em relação a x e t e satisfaz a


Equação (2.30) para todo ϕ ∈ C01 , então ϕ é uma solução clássica do PVI (2.27).

Devemos estar cientes de que podem existir soluções na forma (2.30) que não são
soluções clássicas para o PVI (2.27), por exemplo, funções que satisfazem a Equação
(2.30) podem não ser diferenciáveis. Por essa razão fazemos a seguinte definição.

Definição 2.14. Se u satisfaz a Equação (2.30) para todo ϕ ∈ C01 , u é dito ser uma
Solução Fraca para o Problema de Valor Inicial (2.27).
27

3 Choques

Neste capítulo, abordaremos um tipo de solução para EDP’s, solução por Onda de
Choque. Apresentaremos condições pra que tal solução ocorra, Condição de Entropia, e
uma forma particular da solução chamada de soluções por Onda de Contatos.

3.1 Condição de Choque de Rankine-Hugoniot

Sejam u uma densidade e f um fluxo de massa. Além disso, seja f = f (u) uma
determinada relação [16]. Seja a Equação (2.1)

ut + f (u)x = 0.

Usando a forma integral da lei de conservação (2.5), temos que

∫b
d
u(x, t)dx = f (a, t) − f (b, t). (3.1)
dt
a

Suponha que u é descontínua através de uma curva suave x(t). Nesse caso, a Equação
(3.1) é escrita como

∫b ∫
x(t) ∫b
d d{ }
u(x, t)dx = u(x, t)dx + u(x, t)dx
dt dt
a a x(t)+


x(t) ∫b
dx dx
= ut dx + u(x(t)− , t) + ut dx − u(x(t)+ , t)
dt dt
a x(t)+
x(t)−
∫ ∫b
dx
= ut dx + ut dx + (x(t)− − x(t)+ ) = f (a, t) − f (b, t)
dt
a x(t)+
28

Fazendo a → x(t)− e b → x(t)+ , temos


dx
(x(t)+ − x(t)− ) = f (x(t)+ , t) − f (x(t)− , t). (3.2)
dt
Logo,
dx f (x(t)+ , t) − f (x(t)− , t) [f ]
= =: . (3.3)
dt x(t) − x(t)
+ − [u]
Definição 3.1. A Equação (3.3) é denominado Condição de Choque de Rankine-Hugoniot
(Condição R-H). É uma consequência direta do princípio de conservação através do cho-
que. Fisicamente, dx/dt é interpretado como velocidade da onda de choque.

Definição 3.2. Uma solução contínua por partes u(x, t) de (2.22) com salto ao longo de
uma curva x(t) satisfazendo a condição de salto de Rankine-Hugoniot é denominada uma
Solução Onda de Choque da Lei de Conservação.

Exemplo 3.1. Como exemplo de aplicação, podemos encontrar a solução do seguinte


PVI 

 2
se x ∈ R, t ∈ R+ ,
 ut + u ux = 0, {
2, se x ≤ 0, (3.4)

 u(x, 0) = u (x) =
 0
1, se x > 0.

As características para o problema são dadas por x(t) = f ′ (u0 (x0 ))t+x0 , onde f ′ (u) =
u2 , o que dá
{
4t + x0 , se x0 ≤ 0,
x(t) = (3.5)
t + x0 , se x0 > 0.

u3
Para esta equação, f (u) = e x(0) = 0, e a condição R-H (3.3) é
3
dx fr − fl 1
3
− 83
= = ,
dt ur − ul 1−2
dx 7 7
= ⇒ x(t) = t. (3.6)
dt 3 3
A solução do PVI é dada por
{
2, se x < 73 t,
u(x, t) = (3.7)
1, se x > 73 t.

As curvas características no plano xt ficam como


29

Figura 3.1: (a) Curvas características. (b) Curva de choque.

3.2 Condição de Entropia

Soluções fracas para problemas de valor inicial podem não ser únicas, elas podem
conter descontinuidades que são propagadas da descontinuidade da condição inicial ou
obtidas da interseção das características.

Como nosso objetivo é calcular numericamente as soluções das Leis de Conservação,


precisamos escolher qual é a solução “correta”, no caso em que as soluções não são únicas.
Essa escolha é feita utilizando a condição de entropia, ou seja, escolhemos a solução
entrópica do problema como solução correta [10].

Uma maneira de escolher a solução fisicamente correta é decidir pela solução viscosa.
Esta solução é definida como o limite quando ϵ → 0 das funções uϵ (x, t) onde uϵ (x, t) é
solução da EDP
uϵt + f (uϵ )x = ϵuϵxx , (3.8)

com condição inicial uϵ (x, 0) = uϵ0 (x) [16]. Uma das características mais importante da
solução viscosa é o seguinte resultado.

Proposição 3.3. Toda solução viscosa do Problema 3.8, é uma solução fraca.

Prova. Consideramos a Equação Viscosa (3.8), multiplicando-a por uma função teste
pertencente a C02 (onde ϕ e ϕx são nulas fora de algum retângulo fechado [a, b] × [0, T ])
e realizando a integração como em (2.30) (mais duas integrações por partes no termo
30

viscoso), obtemos
∫ ∞∫ ∞ ∫ ∞ ∫ ∞ ∫ ∞
− [u ϕt + f (u )ϕx ]dxdt −
ϵ ϵ
uϵ0 ϕ0 dx =ϵ uϵ ϕxx dxdt. (3.9)
0 −∞ −∞ 0 −∞

Fazendo ϵ → 0, então como por hipótese uϵ → u e f (uϵ ) → f (u), vemos que a solução
viscosa u é uma solução fraca para a Equação (2.1) ut + f (u)x = 0. 

Definição 3.4. Condição de Entropia I (Lax): Uma descontinuidade propagando com


dx
velocidade s = dt
dada pela condição R-H satisfaz a condição de entropia se

f ′ (ul ) > s > f ′ (ur ), (3.10)

onde ul e ur são os valores das solução s à esquerda e à direita da descontinuidade,


respectivamente [12].

Note que f ′ (u) é a velocidade característica.

Observação 3.1. De uma maneira geral, para qualquer função de fluxo f (u) convexa, ou
seja, f ′′ (u) ≥ 0 ou f ′ (u) crescente, para todo u, qualquer salto de ul para ur com ul > ur
que satisfaz a condição R-H, satisfaz a Condição de Entropia I, e qualquer salto de ul
para ur com ul < ur que satisfaz a condição R-H, não satisfaz a Condição de Entropia I.

Observação 3.2. A principal dificuldade das Leis de Conservação não é a existência de


soluções, mas a unicidade delas.

Definição 3.5. Condição de Entropia II (Oleinik): u(x, t) é a solução entrópica de (2.30)


se toda a descontinuidade tem a seguinte propriedade
f (u) − f (ul ) f (u) − f (ur )
≥s≥ (3.11)
u − ul u − ur
para todo u entre ul e ur , onde ul e ur são os valores da solução u à esquerda e à direita
da descontinuidade, respectivamente [12].

Como no caso em que f (u) é convexa, no caso não convexo, a solução u é única, sendo
uma solução viscosa se u satisfaz a condição de entropia definida pela Equação (3.11)
sobre todos os saltos.

Outra forma de a condição entropia baseia-se na propagação das características de


um leque de rarefação, que será apresentado no próximo capítulo. Se u(x, t) é uma função
crescente de x em alguma região, então as características espalham se f ′′ > 0. A taxa de
propagação pode ser quantificada, e dá a seguinte condição, também devido à Oleinik.
31

Definição 3.6. Condição de Entropia III (Oleinik): u(x, t) é a solução entrópica se existe
uma contante E > 0 tal que para todo a > 0, t > 0 e x ∈ R,
u(x + a, t) − u(x, t) E
< . (3.12)
a t

Mais tarde, vamos mostrar a unicidade para o PVI (2.22) dentro da classe de so-
luções fracas que satisfazem a Condição de Entropia III (3.12). Chamamos a solução
correspondente de solução de entropia fraca [16].

Para funções de fluxo convexo f , a Desigualdade (3.12) captura o comportamento ao


longo de características, bem como a desigualdade de choque de Lax (3.10), ul > ur .
Para soluções suaves devemos ter u′0 ≥ 0 e o método de características dá

u′0
ux = ,
1 + f ′′ (u)u′0 t

já calculado em (2.24).

Assim, se u0 = 0, então ux = 0 ao longo da característica correspondente e se u′0 > 0


então
u′0 1 E 1
ux < ′′ ′
= ′′ ≤ com E = . (3.13)
1 + f (u)u0 t f t t inf f ′′
Se um choque ocorre em algum t > 0, então (3.12) implica (tendo a suficientemente
pequeno) que a solução só pode saltar para baixo, dando ul > ur [16].

Ao lidar com soluções descontínuas, temos que ter cuidado com a aplicação de trans-
formações.

3.3 Contato

Como tipo particular de descontinuidade para o Problema de Riemann, temos a


Descontinuidade de Contato. Este tipo de descontinuidade ocorre quando a velocidade
f ′ (u) é constante para todo u ∈ Q no PVI



 ut + f (u)x{= 0, em Q,
ul , se x < 0, (3.14)

 u(x, 0) =
 ur , se x > 0.
32

As curvas características são paralelas, pois f ′ (ul ) = f ′ (ur ), podemos ver isso na Figura
3.2.

Figura 3.2: Curvas características para uma onda de contato.

Definição 3.7. Soluções do Problema (3.14) são chamados Soluções por Ondas de Con-
tato.
33

4 Rarefação

Além da interseção das características, uma outra particularidade das equações não-
lineares, é a possibilidade de existir regiões do plano xt onde essas curvas não estão defi-
nidas. Modificaremos o método das características nessas regiões de modo que possamos
obter soluções do problema em todo o plano xt. Essa modificação gera o que chamamos
de ondas de rarefação [16].

Seja −∞ < ul < ur < ∞ e considere o PVI





 ut + f (u)x{= 0, em Q,
ul , se x < 0, (4.1)


 u(x, 0) = ur , se x > 0.

Primeiramente, damos um argumento intuitivo. Seja u = u(x, t) que denota a única


solução entrópica de (4.1). Então, para cada k > 0, as funções de translações

uk (x, t) = u(kx, kt) (4.2)

são também soluções de (4.1) satisfazendo a Condição de Entropia III (3.12). Então, a
unicidade dá u(x, t) = uk (x, t) = u(kx, kt) para todo k > 0 e para todo (x, t) ∈ Q.
1
Portanto, u(x, ) = u(kx, 1) para todo k > 0 e para todo x ∈ Q.
k
Consequentemente, u precisa ser da forma
x
u(x, t) = r(η) com η = . (4.3)
t
Formalmente, de ut + f (u)x = 0, isto dá para r a equação
dr d dr
−η + f (r) = {−η + f ′ (r)} = 0 em R (4.4)
dη dη dη
34

e as condições de contorno

r(−∞) = ul , r(+∞) = ur . (4.5)

Definição 4.1. A solução do problema de valor contorno (4.4 e 4.5) é chamado de Solução
por Onda de Rarefação.

Queremos obter uma forma fraca apropriada para o problema do valor contorno (4.4)
e (4.5). Esta forma fraca nos permite considerar a Equação (4.4) para uma classe maior
de não-linearidades de f . O ponto de partida é a formulação fraca para (4.1).

Encontremos u ∈ L∞ (Q), ul ≤ u ≤ ur em quase todo Q, tal que


∫ ∫ 0 ∫ ∞
{uφt + f (u)φx }dxdt + ul φ(x, 0)dx + ur φ(x, 0)dx = 0 (4.6)
Q −∞ 0

para toda função teste admissível.

Suponha que esse problema tem uma única solução de entropia fraca u, que satisfaz
u ∈ C(Q\O) e u(x, 0) = ul para x < 0 e u(x, 0) = ur para x > 0. Novamente por um
argumento de translação simples verifica-se que

uk (x, t) := u(kx, kt)

é também uma solução de entropia fraca para qualquer k > 0. Como antes, isso implica
que o solução fraca deve ser da forma
x
u(x, t) = r(η) com η = ,
t
onde r ∈ L∞ (R) ∩ C(R). A condição inicial e a continuidade implicam que r satisfaz as
Condições de Contorno (4.5). Na identidade da integral, nós agora escolhemos as funções
teste.

Isto é,
φ(x, t) = φ1 (η).φ2 (t),

onde φ1 ∈ C0∞ (R) e φ2 ∈ C0∞ (R+ ). Para estas funções teste, temos

{uφt + f (u)φx }dxdt = 0.
Q
35

Desde que
dφ1 1 dφ2
φt = − η φ2 + φ1
dη t dt
e
dφ1 1
φx = φ2 ,
dη t
obtemos ∫ ∞ {∫ ( [ ] ) }
dφ2 dφ1 dφ1
r(η) t φ1 − η φ2 + f (r) φ2 dη dt = 0
0 R dt dη dη
ou ∫ ∞ (∫ ) ∫ ∞ {∫ }
dφ2 dφ1
t rφ1 dη dt + φ2 (f (r) − ηr) dη dt = 0.
0 dt R 0 R dη
As integrais internas (com respeito a η) não dependem de t. Por isso, podemos integrar
o primeiro termo por partes. Isso leva à seguinte identidade integral para r (descartamos
o índice 1 por conveniência)
∫ { }

(f (r) − ηr) − rφ dη = 0 para todo φ ∈ C0∞ (R). (4.7)
R dη

Definição 4.2. (Formulação Fraca para uma Onda de Rarefação) Uma função r : R −→ R
é chamada de uma onda de rarefação correspondente as Condições de Contorno (4.5) se

(i) r ∈ C 1 (R),
(ii) Im(r) ∈ [ul , ur ] e r(−∞) = ul , r(+∞) = ur ,
(iii) r satisfaz a identidade (4.7).

Pela razão de r ∈ C 1 (R), a Identidade (4.7) implica


d
f (r) − ηr ∈ C 1 (R) e então {f (r) − ηr} + r = 0 sobre R (4.8)

no sentido clássico. Para obter a segunda parte de (4.8), escrevemos a Identidade (4.7) e
integramos por partes ∫ ∫

rφdη = R(η) ,
R R dη
∫η
onde R(η) = 0
r(s)ds. Logo,
∫ { ∫ η }

f (r) − ηr + r(s)ds dη = 0
R 0 dη

e usamos o seguinte Lema 4.3.


36

Lema 4.3. Seja I ⊆ R um intervalo e seja h ∈ Lloc (I). Suponha




h = 0 para todo ξ ∈ C0∞ (I). (4.9)
I dη
Então h é constante em quase todo I.

Prova. Sejam φ, φ1 ∈ C0∞ (I) tal que I φ1 = 1. Seja
∫ η{ ∫ }
ξ(η) = φ1 (x) φ(y)dy − φ(x) dx.
0 I

Então ∫

= φ1 (η) φ(y)dy − φ(η)
dη I
e ∫ ∫ { ∫ }

h = h φ1 φ − φ = 0
I dη I I
∫ { ∫ } ∫
⇒ hφ1 φ = hφ.
I I I

Seja c := I
hφ1 . Então
∫ ∫
cφ = hφ, para todo φ ∈ C0∞ (I),
I I

o que implica que h = c em quase todo I.

Proposição 4.4. Seja f ∈ C 2 ((ul , ur )) ∩ C([ul , ur ]) que satisfaz f ′′ > 0. Então existe
uma onda de rarefação r da forma


 ul , se η ≤ ηl ,

r(η) = ′ −1 (4.10)
(f ) (η), se ηl < η < ηr ,


 ur , se η ≥ ηr ,

onde ηl := fr′ (ul ) ≥ −∞ e ηr := fl′ (ur ) ≤ ∞.

Prova. As hipóteses sobre f implicam que f ′ é C 1 e estritamente crescente (f ′′ > 0)


em (ul , ur ). Consequentemente, o limite à direita de ul e o limite à esquerda de ur
satisfazem
lim f ′ (u) = fr′ (ul ) ≥ −∞ e lim f ′ (u) = fl′ (ur ) ≤ +∞.
u↓ul u↑ur

Seja A ⊆ R que denota o intervalo de f ′ , isto é

A = {a ∈ R : ∃u ∈ (ul , ur ) tal que f ′ (u) = a}.


37

Figura 4.1: Curvas características para uma onda de rarefação.

Claramente, A = (fr′ (ul ), fl′ (ur )) = (ηl , ηr ). Agora, definimos r : (ηl , ηr ) −→ R por
f ′ (r(η)) = η ou r(η) = (f ′ )−1 (η) para η ∈ (ηl , ηr ).

Então Im(r) ∈ (ul , ur ) e

lim r(η) = ul e lim r(η) = ur .


η↓ηl η↑ηr

Nós estendemos essa função de ul para η ≤ ηl (se ηl > −∞) e de ur para η ≥ ηr (se ηr < ∞)
e obtemos (4.10). Para mostrar que (4.10) realmente é uma onda de rarefação, verificamos
as condições da definição anterior (4.8). A partir da construção, nós imediatamente vemos
que (i) e (ii) são satisfeitas. Para verificar (iii), nós mostraremos que r satisfaz (4.8). As
condições de suavidade sobre f implicam
1
r ∈ C 1 (ηl , ηr ) com r′ (η) = , for ηl < η < ηr .
f ′′ (r(η))

Assim, (4.8) é satisfeita em (ηl , ηr ). Suponha que ηl > −∞. Obviamente (4.8) também
está satisfeito em (−∞, ηl ). Em η = ηl , temos

(f (r) − ηr)′ (ηl− ) = −ul

e { }
′ ′ dr dr
(f (r) − ηr) (ηl+ ) = lim f (r(η)) − η − r(η) = −ul .
η↓ηl dη dη
Logo, f (r) − ηr é diferenciável em ηl e satisfaz (4.8). Analogamente, obtemos o resultado
para ηr . 
38

5 Aplicações de Leis de
Conservação

Faremos algumas aplicações com os conceitos de Leis de Conservação [5, 10].

5.1 Um Modelo de Fluxo de Trânsito

Nesta seção, deduziremos a lei de conservação, a equação constitutiva para o modelo de


fluxo de trânsito, estudaremos os exemplos de tráfego após a abertura e após o fechamento
de um sinal (semáforo) [5].

A popularização do uso de automóveis e a falta de infra-estrutura das cidades para


comportar o aumento de tráfego “repentino”, tornaram os problemas de congestionamentos
cada vez mais agudos. Com o objetivo de amenizar as consequências desses problemas,
a partir de meados do século passado estudos científicos procuram responder algumas
perguntas tais como: Quanto tempo um sinal (semáforo) pode ficar fechado sem compro-
meter o fluxo de trânsito das vias urbanas? Como desenvolver um sistema progressivo de
sinais de trânsito (as chamadas “onda verde”) em grandes vias urbanas? Onde construir
entradas e saídas das vias principais? As respostas a estas e a muitas outras perguntas
relacionadas permitem entender e solucionar, parcial ou totalmente, os problemas gerados
pelo complexo fenômeno do tráfego.

Trataremos de problemas de tráfego mais simples como o fluxo de trânsito em uma rua
de mão única com apenas uma faixa, sem entradas e sem saídas laterais. A formulação
matemática desse problema ocorreu por volta da metade dos anos 50. Estudos mais
detalhados desse problema podem ser encontrados em [9, 17].

Vamos considerar o trânsito em uma via de mão única com apenas uma faixa em um
trecho que não tem entradas e saídas. Vamos representar por u(x, t) a densidade de carros
39

(número de carros por quilômetro) na posição x no tempo t. Esta função em princípio é


uma função discreta pois carros são objetos discretos, contudo, vamos supor que u(x, t)
é uma representação contínua da densidade de tráfego. A lei de conservação geral para a
densidade de tráfego u(x, t) é dada por

ut (x, t) + ϕx (x, t) = f (x, t). (5.1)

A função fonte f (x, t) neste caso representa a taxa de carros que entram ou saem do trecho
da via analisado. Como, por hipótese, não existem entradas e saídas no trecho analisado,
temos f (x, t) = 0.

A função de fluxo ϕ(x, t) representa a taxa com que os carros passam na posição x
no tempo t. Para um observador fixo ao longo da via, a taxa com que os carros passam
por ele depende da densidade de tráfego u e da velocidade v. Se v é medido em km/hora
temos que o fluxo ϕ é dado por

ϕ = u(carros/km).v(km/hora) = uv carros/hora.

A velocidade v depende de vários fatores tais como condições climáticas, densidade de


tráfego, hora do dia, entre outros. Por simplicidade vamos supor que a velocidade v dos
carros depende somente da densidade de tráfego, ou seja, quanto maior o número de carros
menor a velocidade.

Para deduzir nosso modelo, suponha que se a densidade de tráfego é nula (u = 0) ou


quase nula, a velocidade máxima que cada carro pode atingir é v1 . Além disso, suponha
que a densidade máxima u1 de carros/km só é atingida quando o trânsito estiver total-
mente parado, ou seja, v = 0. Dessa forma a velocidade v é uma função linear de u e é
dada por
v1
v = v1 −u, 0 ≤ u ≤ u1 . (5.2)
u1
Segue que a função de fluxo ϕ = uv é dada pela expressão
( )
u2
ϕ(u) = v1 u − . (5.3)
u1

Calculando ϕx e substituindo na lei de conservação geral obtemos que a lei de conservação


que modela a densidade de tráfego com aproximação linear da velocidade é dada por
( )
2u
ut + v1 1 − ux = 0. (5.4)
u1
40

5.1.1 Tráfego no sinal fechado

Vamos supor uma via como considerada no Modelo 5.4, com as seguintes condições:
(i) os carros que já estão parados estão alinhados com densidade máxima u1 carros/km.
(ii) os carros que chegam têm densidade uniforme u0 carros/km. Como u1 é máxima
temos 0 < u0 < u1 .

Figura 5.1: Gráfico da função de fluxo com a modelagem acima.

A lei de conservação para este problema é a lei definida pela Equação 5.4, e o PVI é
 ( )
 2u

 ut + v1 1 − u1 ux = 0, x ∈ R, t ∈ R ,
+

{
(5.5)

 u0 , se x < 0,

 u(x, 0) =
u1 , se x > 0.
( ) ( )
′ 2u ′ 2u0
Calculando ϕ = v1 1− em u0 e u1 , temos que ϕ (u0 ) = v1 1− e ϕ′ (u1 ) = −v1 .
u1 u1
Logo, as características são dadas por
 ( )

 v1 1 − 2u0 t + x0 , se x0 < 0,
x(t) = u1 (5.6)

 −v1 t + x0 , se x0 > 0.

Observe que a característica pode ter inclinação positiva ou negativa dependendo de


v1 (1−2u/u1 ) ser positivo ou negativo. Se u0 < u1 /2, a inclinação é positiva e se u0 > u1 /2,
a inclinação é negativa. Os diagramas das características são mostrados na Figura 5.2.
Como as características se cruzam na origem, o curva de choque é obtido pela Condição
41

Figura 5.2: Característica para o caso do tráfego com sinal fechado.

R-H (3.3)
dxs ϕ(ur ) − ϕ(ul ) v1 u0
= = v1 − (u1 + u0 ) = −v1 . (5.7)
dt ur − ul u1 u1
Integrando em relação a t, temos que a curva de choque é a reta xs (t) = −v1 uu10 t. A
interpretação física para o caminho de choque obtido é que a velocidade com que a última
fila de carros parados se propaga para trás é v1 uu01 km/hora. A solução para pontos (x, t)
com x < −v1 uu01 t e para pontos (x, t) com x > −v1 uu01 t são obtidas pelo método das
características. Portanto, a solução é
{
u0 , se x < −v1 uu01 t,
u(x, t) = (5.8)
u1 , se x > −v1 uu01 t.

O choque para o caso 0 < u0 < u1 /2 é mostrado na Figura 5.3.

Figura 5.3: Curva do choque para o caso 0 < u0 < u1 /2.

5.1.2 Tráfego no sinal aberto

Usaremos as ideias do problema acima, agora quando o sinal (semáforo) passa de


fechado para aberto (na mudança da luz vermelha para a luz verde).
42

Suponha que num sinal fechado os carros estão alinhados de tal forma que a densidade
máxima de u1 carros/km tenha sido atingida e que não existe tráfego à frente do sinal, ou
seja, a densidade de carros é zero nesta região. Suponha ainda que o sinal está localizado
na posição x = 0 e que abre no tempo t = 0. Usaremos o Modelo 5.4 para resolver o PVI.

Consideremos v = v1 (1 − u/u1 ), onde v1 é a velocidade máxima permitida na via,


e obtemos a função de fluxo ϕ = v1 (u − u2 /u1 ). Temos o seguinte PVI que descreve o
tráfego após a abertura do sinal
 ( )
 2u

 ut + v1 1 − u1 ux = 0, x ∈ R, t ∈ R ,
+

{
u1 , se x ≤ 0, (5.9)



 u(x, 0) =
0, se x > 0.

Segue que as características são dadas por


{
−v1 t + x0 , se x0 ≤ 0,
x(t) = (5.10)
v1 t + x 0 , se x0 > 0.

Observe que como o tempo começa a ser contado a partir da abertura do sinal, temos
x(0) = 0. Assim as características que atingem a origem são as retas x(t) = −v1 t e
x(t) = v1 t, como mostra a Figura 5.4, a região entre as duas retas não tem características.

Figura 5.4: A região sem características quando o sinal passa da luz vermelha para a
luz verde.

Antes de construirmos a onda de rarefação vamos analisar a solução na região onde


temos características. Se x > 0 só existem retas características se x ≥ v1 t e nesta região
a densidade é zero pois u(x, t) = 0. Isto significa dizer que nenhum carro atingiu esta
região. De fato, se um carro é o primeiro da fila, quando o sinal abre ele leva um tempo
43

t = x/v1 para atingir o ponto x, portanto, não existe carro no ponto x para t < x/v1 . A
reta x(t) = v1 t pode ser interpretada como sendo a onda que propaga, para a região de
densidade nula, a informação é que o sinal abriu.

Vamos agora analisar a solução na região x < 0, as retas características só existem


para x ≤ v1 t, nesta região a densidade de carros é máxima pois u(x, t) = u1 . Isto significa
que após a abertura do sinal existe um intervalo de tempo em que o carro permanece
parado. De fato, se um carro está parado na posição x, quando o sinal abre, ele leva um
tempo t = −x/v1 para andar. A reta x(t) = −v1 t pode ser interpretada como sendo a
onda que propaga, para a região de densidade máxima, a informação é que o sinal abriu.

Mostraremos que a solução será na forma de onda de rarefação (Proposição 4.4), ou


seja, da forma 

 se η ≤ ηl ,
 ul ,
r(η) = ′ −1 (5.11)
(f ) (η), se ηl < η < ηr ,


 u, se η ≥ ηr .
r

Como vimos na Seção 4 (Equação 4.3), seja u(x, t) = r(η), onde η = xt . Logo

−1 ′
ut (x, t) = ηr (η) e
t
1 ′
ux (x, t) = r (η).
t
Substituindo na 1ª Equação de (5.9), obtemos
( )
−1 ′ 2r(η) 1 ′
ηr (η) + v1 1 − r (η) = 0
t u1 t
2v1 r(η)
⇒ r′ (η) = 0 ou − η + v1 − =0
u1
u1
⇒ r′ (η) = 0 ou r(η) = (v1 − η)
2v1( )
1 η
⇒ (i) r′ (η) = 0 ou (ii) r(η) = u1 1 − .
2 v1

Mostraremos que (i) não pode ocorrer.

De fato, seja r′ (η) = 0. Isso implica que r(η) = K, K constante. Pelo método das
características, temos que r(η) = u1 , se η ≤ ηl e r(η) = 0, se η ≥ ηr . Se r(η) = K em
44

ηl < η < ηr , temos que a solução do problema é dado por




 u1 , se η ≤ ηl ,

r(η) = K, se ηl < η < ηr ,


 0, se η ≥ η .
r

Ou seja, r(η) é uma função contínua por partes. Como r(η) deve satisfazer a condição
R-H, se considerarmos a condição R-H ao longo da reta η = ηl temos s1 = v1 [(k 2 /u1 ) −
u1 ]/[u1 −K] e se considerarmos a condição R-H ao longo da reta η = ηr temos s2 = −K/u1 ,
o que significa que a função r(η) dada em (i) não satisfaz a condição R-H. Logo, r(η) não
é constante.

Assim, r(η) = u(x, t), se −v1 t < x < v1 t, e obtemos a solução do problema


 u1 , se x ≤ −v1 t,

 1 ( )
x
u(x, t) = u1 1 − , se − v1 t < x < v1 t, (5.12)

 2 v1 t


0, se x ≥ −v1 t.

A solução é representada na Figura 5.5.

Figura 5.5: A solução para o PVI 5.9.

Se consideramos um carro que em t = 0 está na posição x = −x0 , o diagrama das


características no plano xt pode ser interpretado como segue: O carro permanece parado
até que onda de propagação da informação de sinal aberto chegue a ele. Isto leva um
tempo t = x0 /u1 .

Após esse tempo o carro anda na região em “leque”, onde sua velocidade cresce con-
tinuamente até atingir a velocidade máxima v1 , pois u(x, t) = 0 quando a velocidade é
máxima.
45

5.2 Escoamanto em um meio poroso

Estudaremos, agora, uma aplicação bem simplifica de um escoamento em um meio


poroso [10].

Tradicionalmente quando nos referimos ao escoamento de óleo, água e gás, chamado


de fluxo multifásico, porém na verdade trata-se de um escoamento bifásico, onde uma das
fases é gasosa e a outra líquida.

Uma aplicação clássica do escoamento bifásico em um meio poroso é a simulação de


reservatório de petróleo. Em um primeiro estágio, chamado de recuperação primária, o
reservatório é perfurado permitindo que o óleo saia do reservatório apenas devido à grande
diferença de pressão. O fator de recuperação de petróleo durante a fase de recuperação
primária é tipicamente 5% a 15% do volume total do reservatório, [11].

Após este estágio, existe ainda uma quantidade muito grande de óleo no meio poroso.
O método padrão de recuperação secundária é injetar água dentro do reservatório através
de poços de injeção. Esta água tem o objetivo de empurrar o óleo para fora do reservatório
através dos poços de produção.

A equação de Buckley-Leverett é um modelo simples deste tipo de escoamento, [11].


Em uma dimensão espacial, a equação é como em 2.1 dado por ut + f (u)x = 0, com

u2
f (u) = , (5.13)
u2 + a · (1 − u)2
onde a < 1 é uma constante. Aqui, u representa a saturação da água, isto é, 0 < u < 1.

Considerando um meio poroso saturado, isto é, completamente tomado de fluido, a


solução u da Equação (2.1)-(5.13) nos diz a saturação do óleo u0 = 1 − u.

Note que a função de Fluxo (5.13) é não convexa. A velocidade característica é


{ }
′ 2u u[u(1 + a) − a]
f (u) = 2 1− 2 . (5.14)
u + a(1 − u)2 u + a(1 − u)2

Como o problema a ser modelado é físico, espera-se encontrar uma solução fisicamente
correta.

Considere o Problema de Riemann com estados iniciais ul = 1 e ur = 0. As velocidades


46

características f ′ (u), são decritas pela Equação (5.14), assim, obtemos


 { { }}
 2u u[u(1 + a) − a]

 ut + u2 + a(1 − u)2 1 − u2 + a(1 − u)2
 ux = 0, x ∈ R, t ∈ R+ ,
{
(5.15)

 1, se x < 0,

 u(x, 0) =
0, se x > 0.

Avaliando a Equação (5.14) em ul e ur , temos que f ′ (ul ) = f ′ (1) = 2 e f ′ (ur ) = f ′ (0) = 0.

As características são dadas por


{
2t + x0 , se x0 < 0,
x(t) = (5.16)
x0 , se x0 > 0.

Pela Condição R-H (3.3), temos que a velocidade do choque é s = dx/dt = [f (ul ) −
f (ur )]/[ul − ur ] = 1 e integrando em relação a t, temos que o caminho de choque é a reta
xs = t. Além disso, s satisfaz a Condição de Entropia I (3.10), pois 2 = f ′ (ul ) > s = 1 >
0 = f ′ (ur ), o que garante que a solução é realmente um choque.

Portanto, a solução é {
1, se x < t,
u(x, t) = (5.17)
0, se x > t.

A interpretação física da solução do perfil com o choque s diz que assim que a água
é bombeada para dentro do reservatório, ela desloca imediatamente uma porção de óleo.
Atrás do choque, existe uma mistura de água e óleo com cada vez menos óleo a medida
que o tempo t evolui, e no poço de produção (digamos x = 1) obtem-se petróleo.
47

6 Conclusão

Neste trabalho foram apresentadas as ideias básicas sobre a teoria Leis de Conservação.
Também demos aplicações em áreas distintas, uma no trânsito de carros e outra em
escoamento em meios porosos.

No Capítulo 2, começamos com exemplos importantes e definições básicas sobre Leis


de Conservação. Dividimos o estudo em linear e não-linear, homogêneo e não-homogêneo.
Terminamos apresentado o Problema de Riemann e as Soluções Fracas.

No Capítulo 3, abordamos a solução por Onda de Choque. Mostramos quais condi-


ções ela deve ter, Condição R-H (3.3) e Condição de Entropia. Finalizando com o caso
particular de onda de Contato, onde as velocidades dos estados a direita e a esquerda são
iguais.

No Capítulo 4, apresentamos outro tipo de solução para equações não-lineares, a


Rarefação. Isto ocorre completas as regiões em que não existem características, formando
um “leque” de rarefação.

No Capítulo 5, fizemos aplicações das Leis de Conservação. Descrevemos o modelo


para o fluxo de carros no trânsito, tendo um semáfaro como divisor. Primeiramente,
estudamos o momento em que os carros param no sinal vermelho do semáfaro, temos
a solução por choque, e depois quando eles partem no sinal verde, obtemos a solução
por rarefação. Como segunda aplicação, temos escoamento em meios porosos, em que
descrevemos o modelo e sua solução na extração de um reservatório óleo.

A continuidade natural deste trabalho, seria estudar Sistemas de Leis de Conservação


e Métodos Numéricos para uma melhor compreensão destes sistemas.
48

Referências

[1] D. de J. Bezerra. Métodos numéricos para leis de conservação. Master’s thesis,


IMECC/UNICAMP, 2003.

[2] R. J. Biezuner. Equações diferenciais parciais i/ii. Notas de Aula, UFMG, 2010.

[3] G. Chapiro. Gas-solid combustion in insulated porous media. PhD thesis, Instituto
Nacional de Matemática Pura e Aplicada, 2009.

[4] G. Chapiro, A. A. Mailybaev, A. J. de Souza, D. Marchesin, and J. Bruining. Asymp-


totic approximation of long-time solution for low-temperature filtration combustion.
Computational geosciences, 16(3):799–808, 2012.

[5] C. S. Eschenazi. Leis de conservação e aplicações ao tráfego nas cidades. Notas de


Aula, UFMG, 2011.

[6] L. C. Evans. Partial differential equations. graduate studies in mathematics. Ameri-


can Mathematical Society, 2, 1998.

[7] G. B. Folland. Introduction to partial differential equations. Princeton University


Press, 1995.

[8] A. E. R. Gutierrez. Aplicação do método de complementaridade não linear para o


estudo de combustão de oxigênio in situ. Master’s thesis, UFJF, 2013.

[9] R. Haberman. Mathematical models: Mechanical vibrations, population dynamics


and traffic flow. SIAM, 1998.

[10] A. F. da S. Junior. Método dos volumes finitos para equação de convecção e difusão
em uma dimensão espacial. Master’s thesis, Modelagem Computacional em Ciência
e Tecnologia/UFF, 2012.

[11] R. J. LeVeque. Finite volume methods for hyperbolic problems, volume 31. Cambridge
University Press, 2002.

[12] R.J. LeVeque. Numerical methods for conservation laws. Birkhäuse Verlag, 1992.

[13] J. D. Murray. Mathematical biology. Springer Berlin, 3rd edition, 1993.

[14] B. C. Pasa. Equação de burgers: propriedades e comportamento assintótico. Master’s


thesis, PPGMAp/UFRGS, 2005.

[15] U. Sodré. Equações diferenciais parciais. Notas de Aula, Sercomtel, Rio de Janeiro,
2003.
49

[16] C.J. van Duijn. An introduction to conservation laws: theory and applications to
multi-phase flow. Lecture notes, Delft University of Technology, 2000.

[17] G. B. Whitham. Linear and nonlinear waves. JohnWiley & Sons, 1976.

Você também pode gostar