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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar o caso empírico do projeto de Bancos
Comunitários de Desenvolvimento em Rede (Rede BCDs), no âmbito da implementação
das ações de políticas públicas de finanças solidárias executadas pela, até então,
Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES/MTE)1, entre 2014 a 2017, no
Nordeste brasileiro. O projeto analisado visava fortalecer iniciativas de Bancos
ABSTRACT
This article aims to analyze the empirical case of the Community Network Development
Banks project (Rede BCDs), within the scope of public policy actions for solidarity
finance carried out by, until then, the National Secretariat for Solidarity Economy
(SENAES / MTE), between 2014 and 2017, in the Brazilian Northeast. The analyzed
project aimed to strengthen initiatives of Community Development Banks (BCDs) in the
Northeast Region, while solidary finance practices aimed at the development of
communities, through the support of twenty existing BCDs, in addition to the constitution
of ten new ones. Thus, initially a literature review is presented that locates the study with
respect to the case. Then, data and method of analysis are exposed in two sections to then
discuss the results observed, highlighting the contribution of the study.
1. Introdução
2 São o conjunto de unidades sociais e de relações, diretas e indiretas, entre essas unidades sociais. As
unidades sociais podem ser indivíduos ou grupos de indivíduos, informais e formais, tais como associações,
empresas, países. As relações entre os elementos da rede podem ser transações monetárias, troca de bens e
serviços, transmissão de informações, podem envolver interação face a face ou não (FONTES;
PORTUGUAL, 2009, p. 284).
produção, de geração de serviços e de consumo territorial. Para tanto, ele financia e
orienta a construção de empreendimentos sócio-produtivos e de prestação de serviços
locais, bem como, o próprio consumo local.
Segundo Rigo (et al, 2012), os BCDs são tecnologias sociais3 e suas estruturas de
gestão e a metodologia de concessão e cobrança de empréstimos estão baseadas nas
relações de proximidade entre os atores das localidades, isto é, relações de confiança
mútua tão cara aos empreendimentos ditos de economia solidária. Um dos objetivos da
metodologia de BCDS é fomentar o desenvolvimento local com utilização de um meio
de pagamento exclusivo da comunidade - a “moeda social” - que é utilizada por
moradores, comerciantes, produtores e prestadores de serviços do território, logo
configura uma experiência concreta de gestão social. Gestão social, neste sentido,
compreendida “não apenas enquanto modo ou processo, mas pelas suas finalidades e
pelos seus objetos, implicando em alterações e alternativas para gerar mudanças sociais”
(ARAÚJO, 2014, p 84).
Tais práticas, após incidência política de atores diversos, passaram a ser vistas
pela SENAES/MTE como mecanismo para que as pessoas mais vulneráveis
socioeconomicamente fossem, de fato, incluídas no sistema financeiro e tivessem acesso
ao crédito. Embora a ênfase do estudo não esteja no processo de formulação de agenda
de governo, torna-se importante afirmar que os movimentos sociais ganham espaço para
a incidência dessa temática. Logo, em 2005, o Governo Federal, já com uma estrutura
política, capitaneada pela Secretaria Nacional de Economia Solidária – Ministério do
Trabalho e Emprego (SENAES/MTE) desenvolveu o Projeto de Apoio à implantação e
4 Disponível em:
http://trabalho.gov.br/trabalhador-economia-solidaria/programas-e-acoes/programa-
dedesenvolvimento-regional-territorial-sustentavel-e-economia-solidaria-ppa-2012-2015. Acesso em:
24 de abr. 2018.
Comunitários de Desenvolvimento em Rede (Rede BCDs) no Nordeste, analisado no
presente estudo. Constituindo uma ação empírica dessa política pública de fomento às
finanças solidárias implementada por um conjunto de atores de institucionalidades
diferentes.
2. Objetivos
5 Finanças solidárias é uma manifestação da sociedade, e mais particularmente, elas representam uma emanação de formas próprias
de auto-organização coletiva encontrada por diferentes populações e/ou grupos organizados nos seus respectivos territórios ou
comunidades para fazer a gestão dos seus próprios recursos econômicos com base em princípios de solidariedade, confiança e ajuda
mútua (FRANÇA FILHO; PASSOS, 2013, p. 41).
O primeiro banco comunitário de desenvolvimento no Brasil surgiu em 1998 no
Conjunto Palmeiras, um bairro pobre, com cerca de 30 mil habitantes, localizado na
periferia da cidade de Fortaleza, no estado do Ceará. O Banco Palmas surge pela busca
dos moradores do bairro de um meio que pudesse amenizar a ausência de trabalho e renda
que atingia os moradores do local (MELO NETO; MAGALHÃES, 2006, 2009; SILVA
JUNIOR, 2007; GARCIA, 2012; FRANÇA FILHO; SANTANA, 2013). Hoje, existem
cerca de cento e trinta iniciativas como a do Banco Palmas espalhados pelas cinco regiões
do Brasil.
Por meio da gestão coletiva de suas ações, os BCDs buscam ofertar serviços
financeiros nos territórios onde atuam, visando beneficiar, principalmente, a parcela da
população que não possuem ou têm dificuldades de acesso ao sistema financeiro
convencional. Essa forma de gestão implica na participação de atores institucionais e
individuais da comunidade no compartilhamento do poder de decisão, na gestão do
empreendimento e no empoderamento dos processos, ou seja, é uma gestão fundada na
participação democrática, onde a própria comunidade decide criar o banco, tornando-se
sua gestora e proprietária (FRANÇA FILHO, 2010; LEAL, 2013; RAPOSO; FARIAS,
2015; RIGO; CANÇADO, 2015).
França Filho (2007; 2010), França Filho e Silva Jr (2009) e França Filho e Santana
(2013) definem o banco comunitário como uma prática de finanças solidárias voltada para
o desenvolvimento do seu território de pertencimento, através do envolvimento dos
próprios moradores na gestão coletiva da iniciativa e na oferta de produtos e serviços
diretamente vinculados às reais necessidades da população local. De acordo com Silva Jr
(2007) o BCD é considerado um avanço tecnológico na condução de políticas de
mitigação de exclusão financeira e geração de trabalho e renda. Um dos principais
serviços (ferramentas) trabalhados pelos BCDs são os empréstimos ou pagamento de
serviços ou benefícios por meio das moedas sociais.
A moeda social tem como um dos seus principais objetivos aumentar a circulação
de recursos financeiros na própria comunidade, ampliando a capacidade de
comercialização local, fortalecendo a economia do território, através da internalização de
riqueza, contribuindo assim para geração trabalho e renda na localidade (MELO NETO;
MAGALHÃES, 2009; FRANÇA FILHO, 2010). Nesta mesma linha, Tafuri (2014)
argumenta que ao inovar com a oferta de serviços em moeda própria, aceita
exclusivamente no território de atuação, os BCDs possibilitam o fortalecimento dos
empreendimentos locais, pois leva seus moradores a realizar suas compras em seu
território e não em cidades maiores ou nas grandes redes varejistas.
Para Melo Neto e Magalhães (2009) as moedas sociais apresentam características
que as distinguem das demais experiências:
(1) o circulante local tem lastro em moeda nacional, ou seja, para cada unidade
monetária social emitida, existe, no banco comunitário, um valor
correspondente em real; (2) As moedas são produzidas com componentes de
segurança (papel moeda, marca d'água e número de série); (3) A circulação é
livre no comércio local e, geralmente, quem compra com a moeda social recebe
descontos concedidos pelos comerciantes e produtores para incentivo ao uso
da moeda no município ou bairro; (4) qualquer produtor ou comerciante
cadastrado no banco comunitário poderá trocar moeda social por reais, caso
necessite fazer uma compra ou pagamento fora do município ou bairro (MELO
NETO; MAGALHÃES, 2009, p.09).
6 O Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT foi criado pela Lei 7.998, de janeiro de 1990, com a finalidade
Mesmo diante dos diversos programas criados durante o governo de FHC (1995-
2002), uma parte significativa da população ainda se encontrava excluída dessas políticas
de acesso ao crédito. Assim, diversas experiências iniciam trabalhos de financiamento
coletivos a grupos e famílias que viabilizem o crédito de consumo ou produtivo. São
experiências gestadas pelos movimentos sociais ao longo das últimas décadas na busca
pela diminuição da pobreza e das desigualdades sociais. É o caso do primeiro banco
comunitário do Brasil, Banco Palmas, criado em 1998.
oficiais federais, sob a forma de depósitos especiais remunerados, mediante autorização do Conselho
Deliberativo do FAT - CODEFAT, com o objetivo de financiar programas de apoio à geração e manutenção
de postos de trabalho e renda, geridos pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MINISTÉRIO DO
TRABALHO, 2008).
implementação destaca-se a ação de política pública aqui estudada como uma política de
bottom-up, e uma análise com esse viés parte das seguintes premissas: a) analisa a política
pública a partir da ação dos implementadores, em oposição à excessiva concentração de
estudos acerca dos governos, decisores e atores que se encontram na esfera “central”; b)
concentrar a análise na natureza do problema que a política pública busca responder e c)
descrever e analisar as redes de implementação.
4. Metodologia
Toda análise aqui apresentada perpassa quatro metas do projeto executado sob a
ótica das dimensões elencadas, são elas: a) fortalecimento e estruturação de 20 (vinte)
Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCD´s); b) Criação de 10 (dez) novos
Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs); c) serviço de finanças solidárias e
d) fortalecimento do processo de articulação em rede dos 30 BCDs.
No que tange a primeira meta observa-se que dos vinte bancos comunitários
identificados no projeto para receberem assistência técnica quatro foram substituídos, em
acordo com as comunidades locais, pois não havia mobilização comunitária para a gestão
social do banco comunitário. Há de registrar que o projeto iniciou a execução no final de
2014 e nos anos de 2015 e 2016 vários movimentos sociais se articulam em manifestações
políticas e sociais em disputa por condução de preferências políticas no Brasil. Como
consequência se revela nas comunidades locais inseguranças nas ações de qualquer
projeto vinculado ao governo federal.
Na meta que trata da constituição dos dez novos BCDs, foram constituídos apenas
nove. No início da execução das atividades dessa meta, as comunidades estavam
desarticuladas e desmobilizadas, assim como, as entidades que dão apoio aos BCDs nos
territórios. Esse contexto inviabilizou a constituição de alguns desses novos BCDs, ao
ponto de ser necessário a substituição desses territórios, com vista a atingir a plena
realização das metas do projeto. Durante o acompanhamento verificou-se que uma das
causas que provocaram a desmobilização comunitária e desarticulação das entidades foi
o descompasso entre a implementação de ações previstas no projeto e as demandas locais.
As burocracias institucionais, tais como tempo de contratação das entidades gestoras para
execução dos serviços de finanças solidárias, contratação de profissionais de designers
para a confecção das peças de comunicação, moedas sociais e logos dos BCDs, exigiram
um tempo maior do que o estimado para realização dos processos de constituição dos
novos BCDs, frustrando as expectativas das comunidades.
6. Resultados
Por outro lado, as dimensões também revelam desafios e avanços dos bancos
comunitários de desenvolvimento enquanto práticas de gestão social. Verificou-se que
sustentabilidade do banco comunitário depende diretamente de uma ação estruturante de
uma organização social com recursos ilimitados para a ação, um agente público
fomentador da experiência ou inovações sucessivas que permitam o funcionamento
contínuo da estrutura necessária como fundo de crédito, máquinas e equipamentos,
pessoas disponíveis para acompanhar tecnicamente a execução do crédito de consumo e
produção.
SILVA JÚNIOR, Jeová Torres. Utilidade social e finanças solidárias: uma proposta de
avaliação dos bancos comunitários de desenvolvimento brasileiros. Salvador–2013. 291.p