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CARTILHA DA JORNADA DE

AGROECOLOGIA DO PARANÁ
2019

“Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos”

“Cuidando da Terra, Cultivando Biodiversidade,


Colhendo Soberania Alimentar”

“Construindo o Projeto Popular e


Soberano para a Agricultura”
Cartilha 18ª Jornada de Agroecologia
Produção: 18ª Jornada de Agroecologia
Textos de: Ana Carolina Dartora, Adriane de
Andrade, Ana Paula dos Santos de Oliveira,
Ana Paula Hupp, Cleusa Maria dos Santos
Daiane Silva Oliveira, Daniela Calza, Darci
Frigo, Dominique Guhur, Eduarda Domingues,
Gisele Carneiro, Jaqueline Pereira de Andrade,
José Maria Tardin, Josiane Gonçalves, Islandia
Bezerra, Lais Rossato, Lizely Borges, Naiara
Bittencourt, Nilciney Toná, Priscila Facina Mon-
nerat, Simone Rezende, Valter de Jesus Leite,
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos
e Pela Vida, Rede Sementes da Agroecologia
(ReSA)
Organização: Grupo de Trabalho Cartilha Jor-
nada de Agroecologia do Paraná
Diagramação: Antonio Kanova Jr
www.jornadadeagreocologia.org.br

Curitiba - 2019
Sumário

Apresentação 04

Jornada de Agroecologia: 18 anos de construção e luta 05

Sem Terrinha na luta pela reforma agrária popular e agroecologia: produzindo


alimentos saudáveis para toda a sociedade! 17

Quem planta agroecologia, colhe e come comida adequada e saudável 24

Camponesas Sem Terra: semeando re-existência com agroecologia 26

Educação em agroecologia um desafio histórico necessário: da educação


básica à educação superior 28

Agroecologia e saúde popular 35

A rota das sementes crioulas no Paraná 42

As políticas públicas do PNAE e PAA como referência internacional no combate


à fome e incentivo a agricultura familiar 45

Produção animal agroecológica no Assentamento Santa Maria, em Paranacity 50

Permacultura 57

A necessária política de redução de agrotóxicos 60

Biopirataria e apropriação dos conhecimentos tradicionais 63

Criminalização da luta política popular: uma armadilha na trilha da agroecologia 66

Educação como uma planta em que todos e todas temos que trabalhar 68

Pratique a agroecologia 70
Apresentação

Que bom tê-la(o) aqui

O material que você acaba de ter


contato é a Cartilha da 18ª Jorna-
da de Agroecologia. Realizada anualmente
e práticas ancestrais, exige que o Estado se
responsabilize na execução de políticas e
programas, e tantas outras frentes.
por um conjunto diverso de organizações so-
ciais, movimentos populares, universidade, Elaborado por pessoas de diversas
pesquisadores e agricultores agroecológicos, áreas do conhecimento, cada texto da publi-
a Jornada é um importante momento contato cação aborda cada um destes temas. Ao final
e reafirmação da agroecologia como um ou- você ainda encontra sugestões e orientações
tro projeto político, social, cultural e econô- de como se relacionar com a agroecologia.
mico de agricultura. A gente faz diferente - e E como material para aquecer as
muito melhor - do que modelos sustentados ideias, construir boas reflexões, informar e
na exploração da força de trabalho da(o) tra- gerar novas relações com a agricultura, as
balhador(a) rural, na exploração ilimitada da e os trabalhadores do campo e o consumo
terra, das matas e das águas e na contamina- - a cartilha pode ser lida de várias formas -
ção do consumidor. de uma só vez, dos textos em sequência, ou
Nesta publicação contamos um pouco mesmo de escolhendo um texto de cada vez.
sobre como a agroecologia toca as diversas O que temos, sim, é que fazer é crescer este
esferas da vida: se constitui como prática so- debate, nas nossas casas, nas rodas de con-
cial, luta e ciência, produz alimentos saudá- versa, na escola, na igreja, na associação,
veis, põe o dedo na ferida no enfrentamento pelo bairro e outros tantos lugares. A constru-
das violências contra a mulher, educa, for- ção de um modelo de agricultura moralmente
talece a saúde, cuida da terra, preserva as ético, ambientalmente responsável e social-
águas, resgata e valoriza os conhecimentos mente correto é urgente!

Por uma Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos, Cuidando da Terra,


Cultivando Biodiversidade e Colhendo Soberania Alimentar, e Construindo o
Projeto Popular para a Agricultura!

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Jornada de Agroecologia:
18 anos de construção e luta

José Maria Tardin, Nilciney Toná, Darci Frigo gramas públicos de alimentação agroecoló-
e Naiara Bittencourt.* gica - Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) e Programa Nacional de Alimentação
E ste ano a Jornada de Agroecologia
alcança seu 18º Encontro, soman-
do-se nessa trajetória, e deixando marcas de
Escolar (PNAE); a promulgação da Política
Nacional de Produção Orgânica e Agroecoló-
gica (PNAPO), entre outras.
resistência, lutas e conquistas.
Notadamente no âmbito das regula-
A Jornada surge em contraposição
ções aos transgênicos e agrotóxicos muito
direta ao agronegócio – forma econômica e
vem sendo tragicamente revertido pela ação
política do capital dominar e explorar a agri-
política e jurídica do agronegócio. Especial-
cultura, concentrar a terra, mercantilizar a
mente de 2016 para cá a situação se agrava
natureza, impor um padrão alimentar à hu-
em geral, e mesmo os programas de apoio
manidade e depredar as bases ecológicas da
público a agroecologia vem sendo desestru-
biosfera.
turados.
A Jornada de Agroecologia desde sua
Neste momento importante que vive-
primeira edição se expressa alinhada ao
mos, marco da Jornada de Agroecologia e de
Fórum Social Mundial na perspectiva de que
sua inserção nas lutas dos povos, se faz im-
“um outro mundo é possível”, e a amplos pro-
portante rememorar seu percurso, relembrar
cessos sociais de promoção da agroecologia
seus diferentes momentos e revisitar suas
no Brasil e no mundo.
principais denúncias, afirmações, compro-
Vitórias significativas foram alcança- missos e conquistas.
das, vale destacar:
A Lei Paraná Livre de Transgênicos; a
Criação da Jornada de Agroecologia do
proibição da exportação de soja transgênica
Paraná (Ponta Grossa. 2001)
pelo Porto de Paranaguá; a efetivação da fis-
calização do cultivo comercial ilegal e da pro- A Jornada de Agroecologia resulta de
dução de sementes básicas transgênicas; a amplo processo de diálogo entre mais de 30
fiscalização do cultivo ilegal do milho transgê- Organizações Sociais: Movimentos Sociais
nico; a manutenção da moratória nacional e Populares do Campo, Movimento Sindical
internacional contra a tecnologia “terminator”; da Agricultura Familiar e de Trabalhadores e
a Lei da Rotulagem dos Produtos Transgêni- Trabalhadoras Rurais, Associações e Coo-
cos; o impedimento à transnacional Monsanto perativas da Agricultura Familiar, Pastoral da
a produzir sementes transgênicas em Ponta Terra e da Juventude Rural, Rede ECOVIDA,
Grossa; a desapropriação do Centro de pro- Organizações Não-Governamentais, organi-
dução de transgênicos da Transnacional Syn- zações de estudantes, além de profissionais
genta em Santa Tereza do Oeste; a conquista técnicos, acadêmicos e pesquisadores. Con-
da titulação do Território do Quilombo Paiol tou com apoio de Secretarias Municipais, Es-
de Telha, em Guarapuava; a criação dos pro- taduais e de Ministérios Federais, Empresas
Estatais, e da Cooperação Internacional.

* Este texto teve por base as informações sistematizadas por


Sendo inicialmente Jornada Paranaen-
José Maria Tardin em 2018, e da retomada do Manifesto e se de Agroecologia, perseguiu desde sua gê-
Cartas das Jornadas de Agroecologia, com contribuições de nese os objetivos, a seguir resumidos, de: a)
Nilciney Toná, Darci Frigo e Naiara Bittencourt.

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articular, em torno da proposta da Agricultura Decidiu-se iniciar a realização dos En-
Familiar e Camponesa Ecológica, as organi- contros Anuais nos territórios tipicamente de
zações e instituições do campo democrático- hegemonia do capital no campo nas suas
-popular comprometidas com a construção de expressões do agronegócio, a começar por
um processo de Desenvolvimento Rural Sus- Ponta Grossa, e num momento mais adiante,
tentável, estreitando relações e fortalecendo redefiniu-se por sua realização também em ter-
processos locais e regionais; b) ampliar a ca- ritórios com forte presença do campesinato em
pacidade de expressão política da Agricultura seus processos históricos de lutas contra o ca-
Familiar e Camponesa Ecológica junto ao gran- pital no campo e a promoção da agroecologia.
de público rural e urbano e junto aos organis-
Destaca-se no Manifesto da Jornada
mos estatais; c) intervir, de forma crítica e pro-
(2001), seus princípios, que orientam e em-
positiva, na implantação de políticas públicas
basam sua trajetória:
para o desenvolvimento rural sustentável e de
estímulo à produção e consumo de produtos • Valorização da Agroecologia, como
agroecológicos, pela implementação de ampla orientadora do processo de desenvolvimento
e massiva reforma agrária, pelo fim da violên- sustentável;
cia e impunidade dos criminosos contra traba-
lhadores e trabalhadoras rurais; d) dinamizar • Proibição da produção e comerciali-
a ação da sociedade civil contra os produtos zação de organismos geneticamente modifi-
transgênicos e o uso indiscriminado de agrotó- cados – OGMs – os transgênicos, e seus de-
xicos e fertilizantes sintéticos; e) Apresentar a rivados;
Agricultura Familiar Camponesa Ecológica por • Fim do uso dos agrotóxicos;
sua capacidade de assegurar o abastecimen-
to alimentar da população brasileira e da ge- • Fim da violência e da impunidade
ração de excedentes exportáveis; f) Fortalecer contra agricultores rurais sem-terra, possei-
a organização entre agricultores e agricultoras ros, meeiros, sindicalistas e outros defenso-
e consumidores por vínculos de solidariedade res dos direitos humanos;
e de sistemas socialmente justos de abasteci- • Fim do latifúndio com a realização de
mento alimentar. ampla Reforma Agrária;
Alcançado o consenso na sua articula- • Valorização da Agricultura Familiar
ção, a decisão das Organizações e Movimen- como base da organização sócio-cultural e
tos Sociais foi expressar-se como processo so- econômica da produção agrícola.
cial camponês massivo e popular na forma da
Jornada de Agroecologia, que teve seu lança-
mento público em novembro de 2001 na locali- Primeiro período (2002 a 2004): 1ª a 3ª
dade rural de Itaiacoca, no município de Ponta Jornadas de Agroecologia. Ponta Grossa
Grossa – PR, apresentando seu Manifesto Po-
lítico e seu lema: Terra Livre de Transgênicos e Território do agronegócio da soja e mi-
Sem Agrotóxicos. Confirmou-se, então, a reali- lho com a presença destacada das grandes
zação anual do Encontro de Agroecologia, com corporações transnacionais como Cargill,
amplas e diversas atividades de formação, mo- Monsanto, Bungüe, além de corporações e
bilização e intercâmbio, e com a elaboração grandes cooperativas de leite. É em Ponta
e entrega às autoridades de governo e parla- Grossa que nos anos 80 se situou a sede
mentares da Carta da Jornada de Agroecolo- nacional da UDR – União Democrática Rura-
gia, em que expressa sua análise estrutural lista, que atuou como um braço armado do
e conjuntural da sociedade, as reivindicações latifúndio, com suas milícias e realizou vários
direcionadas a conquista de políticas públicas assassinatos e despejos ilegais no campo por
sistemáticas, permanentes e estruturantes à todo o país.
agroecologia e afirma as prioridades de outras No primeiro Encontro, em 2002, a Con-
lutas a efetivarem no período seguinte. ferência de Abertura foi proferida pela Agroe-

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cológa Ana Maria Primavesi, sendo realizada Os aspectos principais das Cartas das três
no período de 17 a 20 de abril, semana da primeiras jornadas foram:
Luta Internacional dos Povos do Campo, de-
1. Impedir a aprovação do Projeto de
clarado pela Via Campesina Internacional,
Lei de liberação dos transgênicos no Bra-
em memória aos Companheiros Assassina-
sil, que tramitava no Congresso Nacional; 2.
dos no massacre em Eldorado dos Carajás,
Denunciar o cultivo e a comercialização de
no estado do Pará, em 1996. Tudo isto faz o
transgênicos buscando responsabilizar os
local e data serem muito simbólicos para luta
que fazem esse comércio ilegal e as multina-
dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
cionais que detém e disseminam criminosa-
em todo o mundo.
mente esta tecnologia; 3. Dinamizar campa-
O episódio marcante e de ampla reper- nhas municipais pela aprovação de leis que
cussão nacional e internacional foi realizado proíbam os transgênicos e agrotóxicos. Estas
em 2003 com o protesto realizado como ato afirmações deixam claro a centralidade no
de encerramento da Jornada de Agroecologia tema dos transgênicos que vinha sendo ile-
com a destruição dos experimentos de milho galmente dispersados no território nacional a
transgênicos do centro de pesquisa e produ- partir da região sul.
ção de sementes de soja e milho transgêni-
Além disso, a Jornada se soma a Cam-
cos da Monsanto.
panha que estabelece o limite máximo para a
Uma semana depois, um grupo de propriedade da terra no Brasil, e se contrapõe
camponeses e Sem Terras ocuparam esta a violência no campo, propõe uma delegação
mesma área dando prosseguimento aos en- representativa das organizações promotoras
frentamentos com a Monsanto. O coletivo da da Jornada no Encontro Nacional de Agroe-
Jornada de Agroecologia aí estabeleceu am- cologia, e se soma à Campanha Nacional e
plo processo de apoio às famílias, converten- Internacional contra a ALCA. Estas proposi-
do a área no Centro Chico Mendes de Agroe- ções evidenciam o caráter articulador e o ca-
cologia, onde promoveu eventos de formação ráter político geral em que a Jornada se posi-
político-técnica de camponeses, camponesas ciona desde o início.
e jovens do campo.
O contexto a partir da segunda Jornada
Aí se instalou campos de multiplica- era de que amplos setores das camadas po-
ção de sementes crioulas de várias espécies, pulares, movidos pela esperança de mudan-
além de adubos verdes de inverno e verão, ça, garantiram a vitória eleitoral de Lula. Este
plantas medicinais, e fez-se a reconstituição voto constituiu um governo de base popular,
da mata ciliar. O Ato Político de Encerramen- mas não um poder popular, com marcantes
to do Encontro Anual de 2004 se realizou no contradições que se expressam no continuís-
agora Centro Chico Mendes de Agroecologia, mo das políticas que ainda privilegiam os in-
com a distribuição de 5 toneladas de semen- teresses das grandes corporações que domi-
tes crioulas agroecológicas aos participantes. nam o mercado. Neste governo destaca-se
o Ministro da Agricultura Roberto Rodrigues,
Em setembro de 2004, ao completar
como porta-voz do latifúndio e das multinacio-
18 meses desde a ocupação, as atividades
nais detentoras das “sementes” transgênicas.
foram encerradas, dado que as famílias fo-
ram despejadas da área por ordem judicial. A Jornada se posiciona pela urgência e
Em acordo com o Coletivo da Jornada de a permanente mobilização das camadas po-
Agroecologia, a proprietária da área encerrou pulares politizadas e seus movimentos contra
seu contrato de arrendamento com a Mon- a Medida Provisória 113/03 que consolidou
santo, obrigando a empresa a mudar de local a política do fato consumado ao liberar a co-
suas atividades. mercialização da soja transgênica e “concre-
tizou a vitória fatal das multinacionais sobre
o controle da biodiversidade, patrimônio da

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humanidade, e a supressão da soberania ali- de pesquisa e produção de sementes de soja
mentar dos povos”. e milho transgênicos da corporação transna-
cional Syngenta, localizada em Santa Teresa
Na 3ª Jornada se reitera a luta contra
do Oeste. Por estar cultivando transgênicos
os transgênicos, propondo “conquistar de for-
em área proibida por legislação federal no in-
ma definitiva a manutenção do Paraná como
terior do perímetro com raio de dez quilôme-
território livre de transgênicos e articular-se
tros no entorno do Parque Nacional do Iguaçu
em âmbito nacional para garantir a aprovação
- a empresa foi multada pelo IBAMA e respon-
da lei nacional de Biossegurança que incor-
deu por crime ambiental.
pore o princípio da precaução e a soberania
nacional”. O Coletivo da Jornada de Agroecologia
aí promoveu sucessivos eventos de formação
Ainda nesta Jornada se amadurece
e de apoio à produção agroecológica. Por
a compreensão do significado e alcance do
conta desta ocupação, decidiu-se pela reali-
Agronegócio e, em contraposição, se acres-
zação dos Encontros Anuais em Cascavel até
centa ao Lema novo argumento: “Construin-
que se alcançasse a vitória com a desapro-
do um Projeto Popular e Soberano para a
priação da área da transnacional Syngenta,
Agricultura Camponesa”.
As famílias ocupantes foram desaloja-
Convoca também as organizações e
das da área por três vezes por ordem judicial,
movimentos a fortalecer e ampliar a Campa-
até que a Syngenta contratou a empresa de
nha “As Sementes São Patrimônio dos Povos
segurança privada NF – Segurança, que num
a Serviço da Humanidade”, lutando pelo di-
ataque militarizado de surpresa assassinou o
reito de todos os camponeses e camponesas
camponês Valmir Mota de Oliveira (Keno) e
produzirem suas sementes ‘varietais’, preser-
feriu vários outros acampados. Tal episódio
vando e viabilizando a produção própria de
levou a Via Campesina a promover ampla
sementes como garantia do princípio da so-
divulgação das violações da transnacional
berania alimentar, e impedindo que as empre-
desde sua sede internacional na Suíça como
sas transnacionais obtenham o controle oli-
em vários países, até que a Syngenta se viu
gopolista da produção e da comercialização
obrigada a entregar a área por doação ao
de sementes.
Governo do Paraná, em 2008. A mesma está
sob gestão direta do Instituto Agronômico do
Paraná - IAPAR em diálogo com a Via Cam-
Segundo período (2005 a 2008) - 4ª a 7ª
pesina e Jornada de Agroecologia, onde se
Jornadas de Agroecologia - Cascavel
implantou do Centro de Pesquisa em Agroe-
Território do agronegócio da soja e cologia Valmir Mota de Oliveira (Keno).
milho, e base da organização dos ruralistas
Em Cascavel foi decisivo e funda-
através da Sociedade Rural de Cascavel,
mental o apoio da Universidade do Oeste do
que atuou em muitas situações com violência
Estado do Paraná - UNIOESTE, com o en-
em despejos, recorrendo a pistoleiros e até
gajamento de parte influente do seu corpo
o uso de um veículo blindado, o “caveirão”.
docente e estudantil, e de direção, sendo que
Organizados por este sistema, os ruralistas
a maior parte das atividades foram realizadas
sempre se opuseram a realização da Jornada
no seu campus central.
de Agroecologia em Cascavel, promovendo
enfrentamentos diretos e ataques via mídia, Além da luta geral contra os produtos
com destaque através da TV Tarobá – Rede transgênicos, agora acrescentando o proble-
Bandeirantes. ma das tecnologias como “terminator”, dos
enfrentamentos recentes com as transnacio-
O episódio marcante da Jornada de
nais e o significado vital da Biodiversidade
Agroecologia foi seu pleno e imediato com-
para os camponeses e camponesas, e par-
promisso e apoio a ocupação realizada em
ticularmente da luta contra as ilegalidades e
março de 2006 pela Via Campesina ao centro

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Foto: Amaro Korb Rabelo

truculência da Syngenta, as cartas da jornada Terceiro Período (2009 e 2010): 8ª e 9ª


registram outros aspectos fundamentais des- Jornadas de Agroecologia - Francisco
se período. Beltrão
Na 6ª Jornada faz-se um recorte de Território com marcante presença do
classes, ao se afirmar como sendo “um co- agronegócio especialmente com grandes
letivo político que se contrapõe diretamente agroindústrias de carne de suínos e aves –
ao Capitalismo e sua expressão através do Sadia e Perdigão e outras, em explícita con-
Agronegócio, que se reproduz através do la- tradição com histórico campesinato que prota-
tifúndio, do trabalho escravo, da violência, e gonizou as lutas camponesas especialmente
expulsa as famílias do campo, desestabiliza nos anos de 1956 e 1957, conhecida como a
a soberania alimentar do país, degrada e Revolta dos Colonos, dado a criminosa rede
contamina a natureza e os seres humanos”. de grilagem de terras que tinha o governador
Portanto, não tem a ilusão de humanizar e Moisés Lupion como o principal protagonista
tampouco ecologizar o capitalismo, e busca e beneficiário.
na ciência da agroecologia as orientações
É nesta região em que teremos tam-
fundamentais para a reconstrução ecológica
bém dois outros feitos históricos do campe-
da agricultura na sua estratégia de resistên-
sinato. O levante da organização camponesa
cia e luta pela transformação radical da so-
em confronto direto com o sistema sindical
ciedade.
pelego e a organização do Movimento Sin-

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dical Combativo, alcançando vitórias impor- existentes na região e em número crescente
tantes na conquista dos Sindicatos de Tra- em todo estado.
balhadores Rurais da região, e animando e
Foi na 9ª Jornada de Agroecologia,
orientando o mesmo feito por todo o Paraná e
em 2010, que realizou-se o ato de formatura
muitas regiões do Brasil.
da primeira Turma de Tecnólogos em Agroe-
É também na região que se estrutura cologia do Brasil, a partir da ELAA – Esco-
por apoio da igreja católica, a ASSESOAR la Latino-americana de Agroecologia da Via
– Associação de Estudos, Orientação e As- Campesina, localizada no Assentamento
sistência Rural, decisiva na formação e orga- Contestado, Lapa, Paraná, consolidando
nização política e produtiva do campesinato, em definitivo, junto com as experiências de
e precursora pioneira da agroecologia na re- formação de nível técnico em Agroecologia,
gião e no Paraná. a ruptura do latifúndio do conhecimento em
ciências agrárias no país e fortalecendo a ex-
As Jornadas deste período retomam e
pansão da formação técnica no Brasil e na
ampliam a participação dos sujeitos da agri-
América Latina por meio dos IALAs – Insti-
cultura familiar e camponesa, celebram as
tutos Latino-Americanos de Agroecologia na
conquistas históricas e recentes contra as
Venezuela, Paraguai, Nicarágua, Chile, Co-
oligarquias, o latifúndio e o agronegócio, va-
lômbia, e mais o Amazônico no Pará – Brasil,
lorizam as muitas práticas em agroecologia
e as Escolas no Equador e Argentina.

Foto: Amaro Korb Rabelo

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Foto: Amaro Korb Rabelo

Quarto Período (2011 e 2012): É com esta motivação que o MST vai
10ª e 11ª Jornadas de Agroecologia -Lon- levar adiante novos combates contra o lati-
drina fúndio da pecuária e dos usineiros da cana na
Território do agronegócio da soja, do região, reconquistando novos assentamentos
milho e da cana de açúcar, com larga tradi- e fazendo o enfrentamento permanente espe-
ção ruralista, e influência política estadual e cialmente com o grupo Atalla em Porecatu.
nacional por ser a terceira maior cidade da
Londrina sediou duas Jornadas de
região sul do país.
Agroecologia, realizadas no interior do Cam-
Sua realização fortaleceu as lutas cam- pus da UEL – Universidade Estadual de Lon-
ponesas na região, rememorando a Guerri- drina, destacando-se em ambos Encontros, a
lha de Porecatu, de marcante repercussão extraordinária participação de estudantes uni-
na história, levada a efeito por camponeses versitários e secundaristas. Debates sobre o
e camponesas posseiros com a participação protagonismo da juventude ganharam reforço
de militantes do PCB – Partido Comunista do e amplitude, que passam a integrar de forma
Brasil, durante sete anos – 1944 a 1951, con- permanente a continuidade das Jornadas.
tra jagunços, fazendeiros e grileiros, forças
As Jornadas deste período coincidem
policiais do Paraná e de São Paulo. Nesta
com a realização da Conferência da ONU
experiência combativa e radical, os posseiros
Rio +20. É nesse contexto que Estados e
fundam as primeiras Associações de Lavra-
governos nacionais, empresas e organis-
dores – em Porecatu e em Guaraci –, logo
mos multilaterais passaram, de um lado, a
depois totalizando 12 e já nominadas de Li-
atacar direitos conquistados e consolidados,
gas Camponesas, sendo pela primeira vez
a exemplo do direito à água, a alimentação,
no país, utilizado o termo “camponês” para
das mulheres e, de outro, a construir o mito
designar aos trabalhadores rurais sem terras,
da “economia verde” e do “enverdecimento
arrendatários, colono e pequeno proprietário.
da tecnologia”, apresentando como solução à

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crise ambiental fazer coincidir o cuidado da Entretanto, as Cartas afirmam que
Terra com a economia capitalista. Mas, na “Estamos conscientes da impossibilidade de
realidade, é uma falsa solução e mais uma humanizar e ecologizar o capital. Capital é
estratégia para o avanço do capital, como foi exploração do ser humano e depredação da
a revolução verde na agricultura. natureza”.

Foto: Joka Madruga

Quinto Período (2013 e 2014): agroecologia, tendo concluído a quinta tur-


12ª e 13ª Jornadas de Agroecologia - ma, a graduação em Pedagogia da Terra com
Maringá uma turma, e centenas de outras atividades
em agroecologia e de formação política do
Território do agronegócio da soja e
campesinato e da classe trabalhadora.
milho transgênicos, com grande complexo
agroindustrial dominado por corporações Estas Jornadas consolidam a EMS
transnacionais como Cargill e Bunge e a CO- como território de protagonismo camponês
CAMAR – Cooperativa Agroindustrial de Ma- na promoção da Agroecologia e diálogo com
ringá, uma das maiores cooperativas do agro- o público urbano sobre um projeto de campo
negócio do país. que se contrapõe ao agronegócio, e reforça
a importância das iniciativas de formação da
A motivação especial foi pela primeira
juventude para os desafios das lutas dos tra-
vez enfatizar ainda mais a agroecologia com
balhadores e trabalhadoras.
a realização do Encontro Anual da Jorna-
da de Agroecologia num espaço camponês O Movimento Social Agroecológico no
agroecológico – a Escola Milton Santos – Brasil reclama por mais de dez anos pela efe-
EMS, criada pelo MST, onde se realiza desde tivação de política pública estruturante para a
2003 o curso técnico médio e pós-médio em agroecologia. A resposta do Estado brasileiro
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foi o anúncio em 2013 da política que orienta maior escala na Guerra do Contestado (1912-
o Plano Nacional de Agroecologia e Produção 1916), na ação do Estado Novo Getulista
Orgânica –PLANAPO. Seguindo, contudo, a (1938-1945), e nas barbáries da Ditadura Mi-
lógica de editais públicos de difícil acesso e litar (1964-1984), esta última, impositora do
recursos limitados. que se convencionou denominar de “revolu-
ção verde”.
As Jornadas denunciam que, na con-
tramão da agricultura camponesa agroecoló- Realiza-se nesta região, desde 1983,
gica, o Estado repassa ao agronegócio fartos amplo e continuado processo de reorganiza-
recursos públicos que abastece os lucros das ção política do campesinato, com a funda-
corporações de agrotóxicos e transgênicos, ção dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais
máquinas agrícolas e do sistema financeiro. combativos com apoio e orientação da CPT
E ainda que, através do sistema de justiça – Comissão Pastoral da Terra e em seguida
criminaliza as lideranças das Organizações do Departamento Rural da CUT, a reorgani-
e Movimentos Sociais e desestabiliza progra- zação de centenas de associações comunitá-
mas sociais importantes, a exemplo do PAA rias e municipais, a ocupação de latifúndios,
– Programa de Aquisição de Alimentos. e a partir de 1993, um vigoroso processo de
agroecologia que se expressa de múltiplas
maneiras com diversa produção de alimentos
Sexto Período (2015 a 2017): saudáveis e de sementes crioulas, com a rea-
14ª a 16ª Jornadas de Agroecologia - Irati lização anual de Feiras Municipais e Regional
e Lapa de Sementes.
É na Lapa que se situa o Assentamento
Território historicamente camponês,
Contestado, conquistado pelo MST em 1999,
com destaque a ampla presença cabocla e
com mais de 3.300 hectares, que pertenceu
de imigrantes europeus onde se estabeleceu
no século XIX ao barão dos Campos Gerais,
uma forma organizativa peculiar – o sistema
senhor escravista e com forte influência jun-
faxinal – que em anos mais recentes levou
to ao imperador Dom Pedro II, e por último,
a população destas comunidades que resisti-
pertencia a transnacional do setor cerâmico
ram a invasão do agronegócio a se organizar
situada em Campo Largo, a INCEPA. Se so-
como Rede Puxirão dos Povos Faxinalenses.
mando as várias formas de manifestações
Sua história está marcada pelas cha- culturais, de religiosidade, política e de lutas,
gas das violências, que se expressa em que o MST vai rememorar com esta conquis-

Foto: Joka Madruga

13
ta a marcante Guerra Sertaneja do Contes- quando a ação da Polícia Federal prendeu
tado do período de 1912 a 1916, quando o injustamente e criminalizou, por decisão arbi-
campesinato caboclo enfrenta aguerridamen- trária do Juiz Sérgio Moro mais de quarenta
te as forças armadas e policiais do Brasil, que agricultores e servidores públicos, inclusive
protegia aos interesses das oligarquias das da Região de Irati-PR, um dos motivos da rea-
Províncias do Paraná e de Santa Catarina e lização desta 14ª Jornada de Agroecologia.
da transnacional Southern Brazil Lumber and Ao final das investigações todos foram absol-
Colonization Company. vidos por inexistência de qualquer crime, isso
reflete a desestabilização, a nível nacional, do
Vivem no Assentamento Contestado programa. Os dados do Paraná refletem essa
150 famílias, sendo a maioria organizadas realidade: em 2012 no estado foram realiza-
na Cooperativa Terra Livre, e realizam a pro- dos 212 projetos, enquanto em 2014 apenas
dução agroecológica de alimentos, com des- sete, um resultado trágico que atinge frontal-
taque para hortaliças e frutas, abastecendo mente o ciclo de combate à miséria.
instituições filantrópicas na região, e em coo-
peração com o CEFURIA – Centro de For-
mação Urbano Rural Irmã Araújo, abastecem
Aspectos destacados da Carta da 15ª
várias organizações populares nos bairros de
Jornada:
Curitiba.
Essas Jornadas acontecem em um
No Assentamento Contestado há um
momento de grande mudança na conjuntura
sistema amplo de educação escolar a come-
brasileira, que coloca novos e grandes desa-
çar da Ciranda Infantil Curupira, pautada em
fios, pois vivemos uma ruptura democrática.
atividade de cuidado, educação e formação
Assim, denuncia o recente golpe de Estado,
humana com base na agroecologia e na rea-
não reconhece a legitimidade do pretenso go-
lidade do campo e da Reforma Agrária; e o
verno de Michel Temer e apresenta uma série
Colégios Estadual do Campo Contestado e
de retrocessos no Estado.
Escola Municipal do Campo Contestado com
educação infantil, básico e médio. Também reafirmamos a necessidade
de nos somarmos às forças progressistas da
É também no Assentamento Contesta-
sociedade brasileira, com destaque à Fren-
do que está localizada a ELAA – Escola Lati-
te Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo.
no-Americana de Agroecologia da Via Cam-
Posicionamo-nos na defesa da democracia e
pesina, fundada em agosto de 2005, sendo a
dos direitos, resistindo ao golpe e lutando.
primeira escola de graduação em agroecolo-
gia no Brasil, com a formação de Tecnólogos A 16ª Jornada Rememora Keno! E no
em Agroecologia, tendo formado quatro tur- espírito de seu legado, se coloca contra os
mas totalizando 165 formandos, em coopera- incontáveis retrocessos sociais desse perío-
ção com o IFPR – Instituto Federal do Paraná do, com rompimento do pacto da Constituição
e INCRA, e mais uma Turma de Educação do de 1988, que garantia amplos direitos sociais,
Campo com graduação em Licenciatura em especialmente com a Emenda Constitucional
Ciências da Natureza - em cooperação com 95/2016 que congela os investimentos públi-
a UFPR – Litoral. Na ELAA, também se reali- cos sociais por 20 anos.
za centenas de eventos do campesinato e da
classe trabalhadora, tanto em agroecologia No campo, o esfacelamento das polí-
como na formação política e cultural. ticas nacionais voltadas à produção familiar
orgânica ou agroecológica como o Programa
A 14ª Jornada reforça que através do Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA),
sistema de justiça criminaliza as lideranças além da não execução do II Plano Nacional
das Organizações e Movimentos Sociais e de Agroecologia e Produção Orgânica (PLA-
desestabiliza programas sociais, a exemplo NAPO) e do Programa Nacional para Redu-
do PAA – Programa de Aquisição de Alimen- ção de Agrotóxicos (PRONARA).
tos. Um caso emblemático é o que ocorreu
no Estado do Paraná em setembro de 2013, A violência também se escancara no

14
contexto de elevação brutal do número de resistência, com a permanente vigília popular
mortes no campo. No ano de 2017 foram de luta pela democracia e pela liberdade do
contabilizadas 65 mortes. Já no ano de 2016 presidente Lula, que permanece encarcerado
foi diagnosticado pela Comissão Pastoral da na sede da Polícia Federal em Curitiba.
Terra (CPT) o dobro de casos de assassina-
tos de trabalhadores rurais em relação à mé- O poder judiciário, com seus privilé-
dia dos últimos 10 anos – de 2005 a 2015. gios e corrupções, foi tema central de deba-
te e denúncia na 17ª jornada, indicando que
buscava destruir um projeto soberano de país
Sétimo Período (2018 e 2019): 17ª e 18ª que estava em construção. As bases da cons-
Jornadas de Agroecologia - Curitiba trução da Operação Lava-Jato, que hoje se
mostra uma farsa combinada entre procura-
A capital paranaense recebeu a Jorna- dores, juiz e elites, iniciou-se na perseguição
da de Agroecologia pela primeira vez em 2018 dos agricultores familiares na Operação Agro-
com o objetivo central de unificar as lutas dos -Fantasma, que criminalizou injustamente os
trabalhadores e trabalhadoras urbanos e ru- camponeses – e depois absolveu – e atacou
rais na luta por comida de verdade, no cam- o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
po e na cidade. Nos dizeres da carta política,
“construímos a 17ª Jornada de Agroecologia Ainda assim, com os punhos erguidos
e transformamos Curitiba, a capital da arqui- e o sentimento de esperança num difícil ano
tetura do golpe, na capital da luta popular e eleitoral, a 17ª jornada de agroecologia trou-
da luta pela alimentação saudável”. xe a bandeira da esperança, entendendo que
a agroecologia é por si só resistência e resi-
A cidade que teve protagonismo na- liência ao modelo predatório do capital enve-
cional no golpe institucional que derrubou nenado.
ilegitimamente a presidenta Dilma Rousseff e
forjou as bases para a eleição do autoritário As praças públicas e a Universidade
e conservador Jair Bolsonaro à presidência Federal do Paraná – UFPR foram palco de
da república, também se tornou a capital da realização da jornada, entrelaçando o saber

Foto: Leandro Taques

15
acadêmico com o saber camponês e popular Novamente as praças de Curitiba se-
na construção das bases sólidas da agroeco- rão inundadas pela agroecologia: da Reitoria
logia. da UFPR, passando pela Santos Andrade à
Boca Maldita. Nos túneis do tempo da agroe-
Neste ano de 2019, novamente a jor-
cologia, nas trocas de saberes, no diálogo
nada é união ainda mais forte daqueles que
dos grupos de extensão da universidade com
lutam por uma agricultura ecológica, por so-
a sociedade, nos seminários e rodas de con-
berania popular e educação gratuita e de
versas, numa linda feira da reforma agrária,
qualidade para toda a população brasileira.
na recuperação e reviver da culinária da terra,
Assim, no mais adverso dos contextos, na cultura popular, nas marchas pela sobera-
a 18º Jornada em Curitiba retoma a troca de nia – todos repletos de cores e sabores!
saberes, sabores, cores e culturas, afirman-
do a capital paranaense como uma ocupa-
ção permanente da resistência na agricultura Viva as jornadas de agroecológica!
camponesa e agroecológica e na educação. Viva a luta e a esperança dos
Em oposição à política de austeridade econô- trabalhadores e trabalhadoras do campo
mica, do conservadorismo, da privatização, e da cidade!
do ódio e da violência, do agronegócio e seus
Viva àqueles que cuidam da Terra,
transgênicos e agrotóxicos, a jornada é, mais
cultivam biodiversidade e colhem
uma vez, o anúncio e a luta pela liberdade,
soberania alimentar!
por alimento saudável, por paz, por justiça e
por direitos. Viva a 18ª. Jornada de Agroecologia!

Foto: Leandro Taques

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Sem Terrinha na luta pela reforma agrária popular e
agroecologia: produzindo alimentos saudáveis para
toda a sociedade!

Foto: Elitiel Guedes

José Maria Tardin1, Dominique Guhur2,Islan- força para brincar, estudar e crescer, certo?
dia Bezerra3 Comer, beber, respirar ar puro… são necessi-
* O texto teve a linguagem adaptada em diálogo com a Sem dades parecidas com os demais seres vivos
Terrinha Sophia Guhur Braun (10 anos), do Paraná.
da natureza.

O lá Sem Terrinha! Com certeza você Mas você também já deve ter ouvido
já ouviu dizer que “precisa comer que é preciso “alimentar nossa mística”, não
pra ficar forte”, que “saco vazio não para em é? É que, diferentemente dos outros seres vi-
vos, nós humanos estamos sempre nos trans-
pé!”! Ou já brincou de dar comida de mentiri-
formando e criando novas necessidades. Por
nha para bonecas e bonecos – de mentirinha,
isso inventamos a arte, a cultura, o amor….
porque só aquilo que é vivo se alimenta, não
e a mística, entre outras coisas, que também
é? Hummm…. Então podemos dizer que ali-
são necessárias ao nosso viver como seres
mento é aquilo que nos mantém vivos, nos dá
humanos. Já pensou viver sem música? Sem
amor?? Sem mística???
1 Militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Ter- Além disso, você já deve ter reparado
ra – MST, integrante do Setor de Produção, Cooperação e
Meio Ambiente – Frente Nacional de Agroecologia.
que as pessoas não se alimentam sempre da
2 Educadora Popular e militante do Movimento dos Trabalha-
mesma maneira. Procure perguntar a uma
dores Rurais Sem Terra – MST. pessoa bem velhinha como ela se alimentava
3 Educadora colaboradora na Escola LatinoAmericana de quando era criança. Ela pode até lhe dizer,
Agroecologia (ELAA). Professora da Universidade Federal que “naquele tempo”, de antigamente, a ali-
do Paraná/UFPR (Departamento de Nutrição). Vice-Presi-
mentação era mais saudável. Você sabe o
denta Nacional da Associação Brasileira de Agroecologia/
ABA (2018-2019). que essa palavra quer dizer?

17
Aposto que você notou que saudável bém fica? Não são só as coisas vivas que fi-
é parecido com saúde: e saúde é quando não cam doentes? Pois vou te contar um segre-
estamos doentes, claro, mas não é só isso. do: o solo é vivo! É vivo porque nele vivem
Ter saúde é se sentir bem, vivo, animado, fe- milhões de seres muito, mas muito pequeni-
liz… no corpo, na mente, nas emoções, nos ninhos, que só se consegue ver com um mi-
sentimentos… por inteiro! Alimentação sau- croscópio muito poderoso – por isso se diz
dável, então, é aquilo que nos faz bem, que que são seres microscópicos. São as bac-
nos traz e mantém a saúde, que nos faz for- térias, fungos e protozoários. Além, é claro,
tes para não ficarmos doentes, e nos dá fome das minhocas e dos insetos que podemos
de viver! ver quando mexemos na terra. Todos esses
seres se alimentam de folhas, palha, galhos
Aí, você que é Sem Terrinha, já deve
e qualquer resto vegetal que cai ou fica so-
estar se perguntando: e como é que os ali-
bre a terra, e do esterco dos animais, cada
mentos saudáveis são produzidos?
um de um jeito e na sua vez – o que sobra
da alimentação de um tipo de bichinho, vai
alimentar outro tipo, e assim por diante. Ao
A produção de alimentos saudáveis e a final, sobram nutrientes para as plantas (nu-
produção de alimentos não-saudáveis trientes são os alimentos na sua forma mais
Alimentos saudáveis são aqueles pro- simples), e o solo fica fofinho e cheio de ar
duzidos por plantas e animais saudáveis, em para que as raízes possam respirar – é, a raiz
solos saudáveis (solo é a parte da terra em também precisa respirar! Assim, a água da
que as plantas crescem). Você que é Sem chuva também entra facilmente no solo, e fica
Terrinha já sabe que as plantas e os animais armazenada para as plantas irem usando aos
também ficam doentes. Mas… e o solo? Tam- poucos.

Foto: Juliano Vieira

18
Quando existe vida no solo, as plantas nho e um gosto bem diferente (aromatizantes
têm água, ar e nutrientes à vontade, e rara- e saborizantes) – e é por isso que, na maio-
mente ficam fracas e doentes, e assim pou- ria das vezes, esses alimentos também têm
cos insetos vem atacá-las – os que vêm para muito sal (como os salgadinhos tipo “chips,
comer as plantas ou chupar a seiva (que é os molhos, os temperos tipo sazón), ou mui-
como se fosse o sangue das plantas) têm que to açúcar (refrigerantes, balas, doces em ge-
enfrentar “inimigos naturais” (que são insetos ral…) e também muita gordura (bolachinhas
que caçam e se alimentam desses que cha- recheadas, maionese, salgadinhos fritos…).
mamos de “pragas”), além de aranhas, pás- Todos esses produtos interferem no funcio-
saros, sapos, lagartos… O mesmo acontece namento do nosso corpo e acabam causando
com os microrganismos que causam doenças muitas doenças também, além de fazer com
nas plantas. Eles também tem seus “inimigos que a gente deixe de gostar dos alimentos
naturais” que os capturam como alimento, e frescos e naturais: as frutas, verduras, legu-
acabam assim protegendo as plantas. A isso mes, raízes, sementes…
chamamos de “controle biológico natural”.
Então, você já sabe: alimento saudável
Como você pode ver, tudo está muito tem que ser sem veneno, seja na produção lá
ligado. Agora, imagine o que acontece quan- no campo, seja na indústria!
do se usa agrotóxicos – esses venenos que
são usados nas lavouras e criações para ma-
tar o “mato”, os insetos “praga”, as doenças… Alimentação Saudável: um direito de
Toda essa vida que faz a saúde do solo e das todos e todas!
plantas morre. O solo fica duro, e a água da
Antes de começar nossa conversa so-
chuva já não entra (não infiltra), ela escorre
bre o direito à alimentação é importante reto-
e lava os nutrientes. O solo então fica pobre.
mar o que significa Direitos Humanos: são
As raízes não crescem como deveriam, por-
direitos que toda pessoa tem, simplesmente
que falta ar, água e nutrientes. As plantas fi-
pelo fato de ser humana. Esses direitos não
cam fracas e doentes, os insetos aparecem
dependem do lugar onde a pessoa nasceu,
aos montes para comê-las e sugar sua seiva.
se ela é rica ou pobre, negra ou branca, adul-
E assim, cada vez se usa mais agrotóxicos,
to ou criança, se esteve ou não na escola –
mais veneno…. E se é veneno para os mi-
direitos humanos são para TODOS e TODAS!
crorganismos, para os insetos, para as plan-
tas…. Não é veneno pra gente também???? A “Declaração Universal dos Direitos
Pois claro que é! Esse veneno não sai quan- Humanos” diz, entre outras coisas: “Toda
do lavamos os alimentos. Ele envenena quem pessoa tem direito a um modo de vida capaz
produz o alimento e quem come, envenena o de assegurar [garantir] a si e a sua família
solo, o ar e a água! E hoje já sabemos que saúde e bem estar, inclusive alimentação,
causa muitas doenças graves, que antiga- vestuário, habitação, cuidados médicos e os
mente não existiam! Veja só você: o alimento, serviços sociais indispensáveis...” (essa de-
que era pra ser fonte de saúde, pode ser fon- claração se chama universal porque foi assi-
te de doença, se estiver envenenado! nada por todos os países!).
Existem ainda outros tipos de produtos No Brasil, o Direito Humano à Alimen-
que não são naturais, e que são acrescenta- tação Adequada (adequada que dizer boa
dos aos alimentos depois que eles já foram para a saúde, de qualidade, e em quantidade
produzidos, quando eles estão lá na indústria. suficiente) está na nossa maior lei, que é a
Eles são colocados nos alimentos para que Constituição Federal! Assim, o Estado brasi-
não se estraguem rapidamente (são os con- leiro assume o compromisso de garantir uma
servantes e acidulantes), ou para que fiquem alimentação adequada e saudável para todos.
mais bonitos (corantes) ou façam a gente fi- Mas por que é preciso especificar em lei que
car com vontade de comê-los, com um cheiri- todos e todas têm direito à alimentação? Ora,

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Foto: Arquivo comunicação Jornada de Agroecologia

se existe até um ditado popular que diz: “saco esmola), ou seja, era destinada apenas para
vazio não pára em pé”! Quando uma pessoa aquelas crianças consideradas muito pobres.
não tem acesso à comida (ou este acesso é Ao longo do tempo, essa ideia limitada foi
difícil), ela fica prejudicada em vários aspec- ficando para trás e a nova lei trouxe para o
tos! Ela fica fraca e doente e não consegue dia-a-dia das escolas e das famílias, que a
ir para a escola, ou quando vai, mas se está alimentação é um direito! É responsabilida-
com fome, ela não consegue aprender o que de do Estado cuidar da alimentação durante
está sendo ensinado. E assim, esses prejuí- o tempo em que as crianças e adolescentes
zos vão se acumulando ao longo da vida. Até estão na escola. Lembram-se que “saco va-
chegar na sua vida adulta! zio não para em pé”? Mas…. É importante
Politicamente, o acesso a uma alimen- dizer que na alimentação escolar, não pode
tação adequada possibilita que as pessoas ser servido qualquer produto - por exemplos,
pensem e questionem as desigualdades so- produtos que foram muito transformados na
ciais (a existência de pessoas muito ricas e indústria, mas tão transformados, que já não
de pessoas muito pobres)! Que as pessoas sabemos mais do que são feitos, como bis-
sejam capazes de se organizar e participar coitos recheados, salgadinhos tipo chips, ma-
ativamente das lutas por uma sociedade mais carrão instantâneo, entre outros. De acordo
justa, com igualdade e liberdade. Lembre-se: com a Lei – a Política Nacional de Alimenta-
“Saco vazio não para em pé”. Se não para em ção Escolar (PNAE), no cardápio da alimen-
pé, como vai lutar? tação escolar, a “comida de verdade” (natural,
A alimentação escolar, mais conhecida fresquinha) é prioridade! E se esta comida for
como “merenda escolar”, é uma ação pública produzida perto da escola (no assentamento
(política pública) das mais antigas no Brasil ou no acampamento, por exemplo) e ainda,
(existe desde 1953). Já a alimentação como se for comida agroecológica (produzida sem
direito humano passou a fazer parte da nossa agrotóxicos) MELHOR! É muito importante
lei maior (Constituição Federal) só em 2010! quando uma ideia vira lei, e depois sai do pa-
Mas, o que tem a ver a alimentação escolar pel e muda a vida das pessoas! A alimenta-
com o Direito Humano à Alimentação Ade- ção escolar, com esta nova compreensão (de
quada? É importante saber que, antes de que é direito e não favor, nem caridade), junto
2010, a alimentação escolar era reconheci- com a produção e o consumo de alimentos
da como uma ação de “caridade” (um tipo de saudáveis, nos levam à Soberania Alimentar!

20
Alimentação Saudável, Reforma Agrá- das. É produção principalmente para expor-
ria Popular e Agroecologia tação. A produção é feita sempre através de
uma única planta – a monocultura – ou só
Ei Crianças Sem Terrinha!!! Estamos um tipo de animal – a pecuária de bovinos de
de acordo que “Saco vazio não para em pé”!!! corte.
Alimentação e ambiente saudáveis são direi-
tos de todas e todos!!! Usam tecnologias industriais: grandes
máquinas e equipamentos, adubos químicos
Aí vem a mais pesada luta camponesa (que não são encontrados na natureza), se-
que fazemos há séculos no Brasil. Qual é??? mentes transgênicas (alteradas em laborató-
Ora, para a produção de alimentos, to- rio), agrotóxicos, medicamentos, hormônios
das e todos nós sabemos que é preciso que (que modificam o crescimento), rações con-
as camponesas e camponeses tenham aces- centradas. Com essas tecnologias, destroem
so à terra. Então, nossa luta radical é: Refor- as florestas nativas, contaminam o ar, a água,
ma Agrária Popular!!! o solo, os produtos agrícolas e animais e as
pessoas que trabalham no campo com os
Aí é que os inimigos dos camponeses agrotóxicos, como já vimos. Da mesma ma-
e camponesas pegam pesado. É guerra no neira contaminam as pessoas que se alimen-
campo. tam com os produtos que contém agrotóxi-
cos, hormônios, antibióticos e outras drogas.
Guerra que, no passado, foi feita
contra os povos indígenas, os povos Cada vez, tem menos trabalhadores
negros africanos escravizados e os povos empregados pelo agronegócio. Na produção
camponeses imigrantes da Europa. Essa se usa cada vez mais máquinas sofisticadas
guerra segue hoje no campo organizada pelo que geram desempregos e expulsam as pes-
agronegócio. soas que acabam se amontoando nas cida-
des.
Os governos e os grandes empresá-
rios do agronegócio continuam impedindo Nas grandes agroindústrias, muitos
a realização da reforma agrária. Ao mesmo produtos são refinados e também recebem
tempo continuam invadindo territórios dos po- nova carga de contaminantes que intoxicam
vos indígenas, das populações quilombolas e e geram doenças nas pessoas. São os coran-
outras populações tradicionais camponesas. tes, acidulantes, espessantes, conservantes,
além de sal, gordura e açúcar.
O agronegócio produz principalmente
soja, cana, milho, trigo, arroz, café, eucalipto, Então, quem faz a produção diversifi-
pinus, bovinos de corte, em enormes fazen- cada de alimentos para alimentar a popula-

Foto: Joka Madruga

21
Foto: Juliano Viera

ção brasileira? Só pra ter uma ideia, de cada As camponesas e camponeses Sem
100 quilos de alimentos produzidos no Brasil, Terra, os Povos Indígenas, os Povos Quilom-
70 quilos são produzidos pelos camponeses bolas, os Povos Ribeirinhos, os Povos Ser-
e camponesas. Eles é que produzem a diver- tanejos, os Povos dos Pampas e do Cerra-
sidade de alimentos e em quantidades que do, os Povos das Águas e das Florestas, as
abastece a população brasileira garantindo a Mulheres e a Juventude Camponesa – todos
soberania alimentar, e com grandes quantida- os diferentes Povos que formam o campesi-
des a mais que são exportadas para muitos nato precisam se unir mais e mais entre si e
países. com as classes trabalhadoras das cidades e
lutar dia por dia e conquistar a Reforma Agrá-
Mandioca, feijão, milho, café, leite,
ria Popular e as políticas públicas de apoio e
carne de frango e suínos, ovos, a diversidade
incentivo à produção de alimentos saudáveis
de hortaliças e frutas, boa parte do arroz e
com a agroecologia.
da carne bovina, são exemplos da grandiosa
participação dos camponeses e camponesas A reforma agrária popular que liberta
na produção dos alimentos no Brasil. Lem- os Povos do Campo, liberta a terra das cer-
brando: “saco vazio não para em pé”!!! cas dos latifúndios, liberta toda a natureza
das tecnologias que destroem e contaminam,
Agora sabemos muito bem que são os
liberta toda a população dos alimentos conta-
camponeses e camponesas que garantem a
minados que intoxicam e geram doenças nas
alimentação diversificada da população brasi-
pessoas.
leira. Bom, mas não podemos fechar os olhos
para mais um grave problema. É que a maior A reforma agrária popular que restabe-
parte desta produção diversificada de alimen- lece a vida camponesa com dignidade e qua-
tos é feita com o uso das mesmas tecnologias lidade de vida.
do agronegócio que destoem e contaminam
Olha só que beleza: “saco vazio não
a natureza e intoxicam e geram doenças nas
pára em pé”!!! Sim!!! Mas não adianta um
pessoas.
“saco” cheio de produtos com agrotóxicos e
Essa violência acontece por meio da transgênicos.
dominação dos governos e do agronegócio
Daí a reforma agrária popular onde as
que impõem ao campesinato essas tecnolo-
camponesas e camponeses realizam a exis-
gias.
tência com a responsabilidade social de cum-
Aí vem a nossa luta radical neste sécu- prir com a função social da terra produzindo
lo! E qual é? A luta pela Reforma Agrária Po- alimentos saudáveis através da agroecologia.
pular com a produção de alimentos saudáveis
“Saco vazio não pára em pé” com ali-
com a agroecologia.
mentos saudáveis agroecológicos!

22
E preste atenção que a agroecologia animais, a pureza do ar, a reciclagem de toda
somente pode ser praticada pelos campone- a matéria orgânica para recompor a fertilida-
ses e camponesas. E veja porquê? de da terra.
Por quê a agroecologia é uma forma Também cabe à agroecologia orien-
de produção que em primeira ordem exige a tar a organização das agroindústrias (as in-
realização da Reforma Agrária Popular. Uma dústrias que transformam os alimentos) com
reforma agrária radical que distribua a terra tecnologias limpas que garantam a qualidade
para milhões de famílias Sem Terra. E tam- biológica (de alimento vivo!) e nutricional inte-
bém, reconheça e regularize os territórios dos gral e saudável dos alimentos.
Povos Indígenas, dos Povos Negros Quilom-
E nas construções das casas e insta-
bolas, e todas as populações Camponesas
lações necessárias no campo para a arma-
da Terra, das Águas e das Florestas.
zenagem da produção agrícola como para
A agroecologia orienta a organização os animais, a agroecologia orienta o uso dos
social do trabalho das camponesas e campo- materiais naturais, os sistemas de uso e re-
neses de forma associativa, em cooperação ciclagem da água, o tratamento dos resíduos
e solidariedade com as populações das cida- orgânicos e sua reciclagem, o planejamento,
des. A agroecologia não admite a exploração além da reciclagem dos resíduos para a reuti-
do trabalho no campo e nem a exploração da lização industrial. Com a agroecologia, não há
população da cidade com preços injustos dos lixo. Todo material orgânico e inorgânico deve
alimentos. ser reciclado e reincorporado na produção.
A agroecologia é a forma de realizar a A agroecologia também propõe a reor-
produção de alimentos e de todos os demais ganização da distribuição dos alimentos. Pri-
produtos onde todas as tecnologias se orien- meiramente a família camponesa abastece a
tam com base no funcionamento da natureza si mesma. Em seguida, prioriza-se o abaste-
e na organização social e produtiva das cam- cimento da população local (o assentamento/
ponesas e camponeses. acampamento, a cidade) e regional. A partir
daí, a produção que ainda sobra é ofertada
Com a produção agroecológica, a for-
para abastecer as populações que estão a
ma de vida e de trabalho das camponesas e
distâncias cada vez maiores num sistema de
camponeses se integra à natureza de forma
intercâmbio onde uma região complementa
a garantir a produção de alimentos saudáveis
com sua produção as necessidades de outras
para alimentar a população hoje e sempre
regiões.
e garantir ambiente saudável – as florestas
com suas plantas e animais nativos, a água É assim que com a reforma agrária po-
limpa e potável das fontes d’água e dos rios, pular e agroecologia vamos garantindo a so-
a fertilidade natural da terra e do ambiente em berania alimentar para que cada pessoa no
geral, a biodiversidade, a diversidade das se- Brasil possa se nutrir com alimentação sau-
mentes das plantas cultivadas e das raças de dável como um direito de todas e todos!!!

Foto: Matheus Alves

23
Quem planta agroecologia, colhe e come comida
adequada e saudável

Foto: Aurelino Xavier

Islandia Bezerra4 alimentação saudável atribuindo unicamente à


presença – em maior ou menor quantidade - de
O Guia Alimentar para a População
Brasileira traz a seguinte definição
sobre o que vem a ser uma alimentação ade-
nutrientes (macro nutrientes: proteínas, gordu-
ras, carboidratos e fibras e, micronutrientes: vi-
taminas e minerais). Além disso, outros termos
quada e saudável,
também vêm, ao longo dos anos, contribuindo
“...é um direito humano básico que para esta distorção, pode-se citar como exem-
envolve a garantia ao acesso permanente e plo: diet, light, zero, free, fit, low carb – que em
regular, de forma socialmente justa, a uma geral identifica produtos com teores reduzidos
prática alimentar adequada aos aspectos bio- de gorduras e açucares - ou o inverso, “rico
lógicos e sociais do indivíduo e que deve es- em...”, “fonte de...” – para identificar algum
tar em acordo com as necessidades alimen- produto enriquecido. Esta constatação nos dá
tares especiais; ser referenciada pela cultura a oportunidade de refletir sobre o que come-
alimentar e pelas dimensões de gênero, raça mos, como comemos, e por que comemos de-
e etnia; acessível do ponto de vista físico e terminados produtos? É possível atribuir à in-
financeiro; harmônica em quantidade e quali- dústria de alimentos a responsabilidade de ter,
dade, atendendo aos princípios da variedade, equivocadamente, disseminado esta “ideia” de
equilíbrio, moderação e prazer; e baseada que seus produtos (e alguns nem podem ser
em práticas produtivas adequadas e susten- nominados de alimentos, mas sim de produtos
táveis” (BRASIL, p. 08, 2014). No entanto, comestíveis), são mais “saudáveis” do que os
esta não é definitiva, ou seja, segue em cons- alimentos que plantamos, colhemos, prepara-
trução. mos e comemos.

O conceito de “alimentação saudável” O Guia Alimentar também traz de for-


vem sendo, nos últimos anos, amplamente ma bem objetiva, uma classificação dos pro-
disputado. Muitas pessoas fazem referência à dutos/alimentos produzidos nesta modalida-
de industrial. Estes, em geral são produzidos
por “... indústrias de grande porte, envolve di-
4 Professora do Departamento de Nutrição/UFPR; Educado- versas etapas e técnicas de processamento
ra Voluntária da Escola Latino Americana de Agroecologia/ e muitos ingredientes sintéticos e artificiais,
ELAA; Vice-presidente da Associação Brasileira de Agroeco- de uso exclusivamente industrial com base
logia/ABA.

24
em matérias orgânicas como petróleo e car- movimento e prática nos ensina no dia a dia
vão (corantes, aromatizantes, realçadores de a (re)conhecer e, em alguma medida, a res-
sabor e vários tipos de aditivos usados para gatar saberes e/ou inovar, nas formas de pro-
dotar os produtos de propriedades senso- duzir e comer, bem como nas relações que se
riais atraentes) (BRASIL, p. 39, 2014, grifos estabelece com a natureza.
meus). São, portanto, denominados de “pro-
Um exemplo que pode ser citado, no
dutos ultraprocessados”. Não por acaso, para
campo da produção e do comer, é o resgate
o segmento da indústria de alimentos, chiclets
de preparações que tem como ingredientes
é alimento. Fórmulas industriais e totalmente
folhas, flores, frutos, raízes e tubérculos que,
artificializadas, podem ser identificadas pela
nos dias de hoje, não fazem parte do cotidiano
população como “sucos” (lembra daquela
alimentar (ou não faziam até recentemente).
marca?), pois bem. NÃO É SUCO! Aliás, em
As chamadas PANCs (Plantas Alimentícias
sua composição, o que menos tem é fruta. No
Não Convencionais), têm ganhado notorie-
meio termo, estão os alimentos processados.
dade em vários territórios brasileiros, sempre
Que, em geral, “... são produtos derivados di-
associadas às questões da manutenção da
retamente de alimentos e são reconhecidos
sociobiodiversidade, ou ainda, no próprio res-
como versões dos alimentos originais”. Abai-
gate do seu cultivo/consumo. A agroecologia,
xo uma figura para ilustrar sobre o tema.
portanto, tem contribuindo de forma significa-
tiva, com este movimento.
Contudo, é necessário ressaltar a ne-
cessidade de se manter e/ou fortalecer as
estratégias que dão concretude, ou seja, que
materializam a agroecologia e seus movimen-
tos – como o acesso à uma alimentação sau-
dável e adequada - na prática, no dia a dia.
Tal como a Política Nacional de Alimentação
Escolar/PNAE que, a partir da obrigatorieda-
de da compra de no mínimo 30% de alimen-
tos que venham da agricultura familiar, várias
experiências, pelo Brasil a fora, demonstram
o fortalecimento das redes de agroecologia
nos territórios. Por isso, reiteramos a afirma-
tiva de que: quem planta agroecologia, colhe
e come comida adequada e saudável. Agroe-
cologia é vida! É comida!
Referências
Dispor de uma alimentação adequada AZEVEDO, Elaine.; RIBAS, M. Teresa Gomes de Oliveira.
e saudável no dia a dia, tem a ver com as Estamos seguros? Reflexões sobre indicadores de avaliação
escolhas alimentares. Comer é mais que um da segurança alimentar e nutricional. Rev. Nutr., Campinas,
29(2):241-251, mar./abr., 2016.
simples ato mecânico, de levar comida até
boca, mastigar, digerir e nutrir. É um ATO PO- BEZERRA, Islandia. Écomida: alimentação saudável e
agroecologia. Cartilha 14a Jornada de Agreocologia, Irati/
LÍTICO! A agroecologia, portanto, nos opor-
PR. 2015.
tuniza refletir e, sobretudo, praticar - o comer
adequado e saudável - cotidianamente. Sobre BEZERRA, Islandia. SCHNEIDER, Sergio. Produção e Con-
sumo de alimentos: o papel das políticas públicas na relação
esta afirmação, Azevedo e Ribas (2016) cita entre o plantar e comer. Revista Faz Ciência. Vol. 15, nº 20,
que “... uma alimentação adequada significa 2012. p.35-61
interferir nas repercussões socioambientais
BRASIL. ministério da saúde. secretaria de atenção à saú-
do sistema agroalimentar dominante e forta- de. departamento de atenção Básica. Guia alimentar para
lecer a soberania alimentar do País” (p. 249). a população brasileira / ministério da saúde, secretaria de
Neste sentido, a agroecologia como ciência, atenção à saúde, departamento de atenção Básica. – 2. ed.
– Brasília, 2014.

25
Camponesas Sem Terra: semeando re-existência
com agroecologia

Foto: Hudison Oliveira

Priscila Facina Monnerat5 se aprofunda a cada dia, e nos mostra uma


realidade dura e cruel, onde a desigualdade

A s mulheres camponesas do Movi-


mento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra- MST têm transformado suas vidas
social, a exploração, a miséria, a destruição
da vida e a violência só aumentam. Tudo vira
mercadoria e a vida perde seu valor. A con-
e seus territórios de vida, através da luta, do juntura, amplia o sentido das lutas que faze-
feminismo e da agroecologia. Escrevo a par- mos a cada dia, mas também nos exige res-
tir de dentro, como mulher que também está postas rápidas, nos exige mudanças de rotas,
sentindo, pensando, vivendo tudo isto a partir nos exige entender o que está acontecendo
do fazer cotidiano das lutas pela terra, pela para rever nossa ação a cada dia.
reforma agrária, pelo feminismo, pela agroe-
As camponesas e camponeses do
cologia e pela transformação da sociedade.
MST resgatam cotidianamente a verdadeira
Assim como minhas companheiras, transfor-
vocação da agri-cultura, a reprodução da vida.
mando e sendo transformada pela luta em su-
A agroecologia ressignifica a reforma agrária
jeitos políticos do Feminismo Popular Campo-
através da produção de alimentos saudáveis
nês. À nossa volta um mundo em crise, que
diversificados, em quantidade suficiente para
alimentar o campo e a cidade, e aponta para
a superação de grandes dilemas atuais da
5 Engenheira Florestal pela UFLA , Especialista em Agroeco- humanidade, como a desigualdade social, a
logia pela UFSC, Mestre em Geografia pela UFPR, Campo- fome e a destruição da natureza, e segue na
nesa, Agrofloresteira – Setor de Gênero - MST contramão do capitalismo. Esta re-existência

26
vai sendo construída em acampamentos e Esse cotidiano feminino, camponês e
assentamentos, a partir de cada corpo, casa, agroecológico, nos mostra a importância de
lote e comunidade como práticas de um novo refletir sobre uma nova ontologia, diferente da
modo de viver. E mostrar a reinvenção da capitalista, uma ontologia relacional (ESCO-
existência no campo, por isto o uso da pala- BAR, 2016), necessária para relações mais
vra re-existência, assim como fizeram outros justas e onde a vida e os cuidados estão no
autores que são referência para este trabalho centro. O cuidado que deve ser exercido por
(PORTO–GONÇALVES, 2006; LEFF, 2006; todos, ou seja por todos os gêneros.
ESCOBAR, 2016; ALBAN,2008; WALSH,
As mulheres que trabalham com agroe-
2013). É preciso olhar para esta questão, a
cologia têm muito a nos ensinar. Agroecolo-
partir da perspectiva do gênero feminino, e ti-
gia e novas relações de gênero são questões
rando o mercado do centro da análise(OROZ-
centrais em um novo projeto para o campo,
CO, 2012). Mulheres que compreenderam a
e foram sendo incorporadas à luta pela ter-
importância da opção pela agroecologia e das
ra e pela reforma agrária, mas suas concep-
transformações das relações sociais e com a
ções e realizações ainda estão em disputa.
natureza. Estas mulheres ressignificam a ca-
A re-exisistencia cotidiana dá lastro para ou-
tegoria cuidado, uma categoria fundamental
tras formas de luta, e não são menos impor-
para a transformação da sociedade, pois é a
tantes na emergência da transformação em
“gestão e a manutenção cotidiana da vida e
um mundo em crise. A agroecologia amplia
da saúde, a necessidade mais básica e diá-
o cuidado para além do âmbito doméstico,
ria que permite a sustentabilidade da vida”
e transforma a produção em reprodução da
(OROZCO, 2012). O cuidado se constitui
vida, neste contexto as mulheres são funda-
como um elemento material e afetivo, que o
mentais. A produção nos acampamentos e
sistema capitalista tentou diminuir, invisibili-
assentamentos começa pelo autosustento da
zar, desvalorizar e impor como obrigação ex-
família, onde comer é a palavra de ordem. A
clusiva ao gênero feminino.
partir desta ação que parece simples um am-
As mulheres em sua rotina de trabalho plo e profundo processo se inicia, e envolve:
se ocupam desde cedo com o cuidado da fa- reflexão sobre o que produzir, de que forma
mília, com a casa, com o pedaço de terra que produzir; conhecimento e saberes que já exis-
lhes provêm a vida e também com as diver- tem, que são incorporados e transformados;
sas tarefas relacionadas à comunidade, com afeto e cuidado; organização; trabalho; deci-
pouca valorização e nenhuma remuneração. sões políticas; relações sociais e de gênero.

Foto: Fábio Caffe

27
Educação em agroecologia um desafio histórico
necessário: da educação básica à educação superior

Foto: Coletivo das escolas do campo

Josiane Gonçalves6, Valter de Jesus Leite7, na busca pela superação da exploração capi-
Nilciney Toná8, Simone Rezende9 talista do ser humano e da natureza. Trata-se
da luta pela massificação de bases científicas
A necessária relação da educação
com a agroecologia diz respeito ao
projeto societário que pretendemos construir
às novas gerações para subsidiar o processo
de produção social alicerçado em novas rela-
ções sociais, e que objetivam a reconstrução
e transição para formas ecológicas e econo-
micamente sustentáveis de produzir alimen-
6 Assentada da Reforma Agrária, Pedagoga do Campo e Mes-
tos e a vida.
tranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá
(Uem). Técnica em Agropecuária pela Universidade Federal No programa político de Reforma Agrá-
do Paraná. Atuou na coordenação da Escola Milton Santos
de Agroecologia e Educação do Campo - Maringá - Paraná.
ria Popular a agroecologia ocupa centralida-
7 Membro do Setor de Educação do MST, Mestre em Edu- de enquanto elemento fundamental da agri-
cação e Pedagogo do Campo pela Universidade Estadual cultura na defesa de alimentos saudáveis e
do Oeste do Paraná (Unioeste) e Doutorando em Educação como princípio da soberania alimentar. A co-
pela Uem.
nexão entre educação e agroecologia é uma
8 Membro da coordenação da Escola Milton Santos de
das condições para o enraizamento da Re-
Agroecologia. Mestre em Agroecologia e Agrônomo pela
Uem, Especialista em Educação do Campo e Desenvolvi- forma Agrária Popular e da participação das
mento e em Administração de Cooperativas pela Universida- novas gerações em sua construção, portanto,
de de Brasília (Unb). um desafio necessário a ser assumido pelos
9 Assentada da Reforma Agrária, Mestre em Educação pela diversos sujeitos coletivos no enfrentamento
Universidade Federal do Paraná, Pedagoga do Campo pela
Unioeste. Atuou na coordenação da Escola Latino America-
ao modelo de campo do agronegócio e as re-
na de Agroecologia. lações capitalistas. Tarefa que as Escolas do

28
Campo e da Cidade que se identificam com
esta construção, precisam assumir com em-
Cinco razões para integrar a
penho.
agroecologia como uma di-
A agroecologia é a expressão científica mensão do trabalho educativo
e sociocultural do estágio atual de construção escolar:
de alternativas à lógica industrial capitalista
de agricultura (CALDART, 2019). Enquan- 1º por causa da vocação humanis-
to elemento central do projeto societário da ta das escolas do campo, ou seja,
classe trabalhadora, é compreendida pelo “tudo que tem importância para
menos em duas dimensões complementares. defesa e valorização da vida, em
A primeira refere-se à correlação de forças suas diferentes dimensões e na
entre os projetos de sociedade, de um lado o sua diversidade, é de interesse da
negócio da agricultura com a conversão dos escola”;
alimentos em mercadoria; do outro, a produ-
ção de alimentos saudáveis. A produção de 2º por questões éticas, pois há ne-
alimentos para os povos do campo assume cessidade, diante da situação atu-
uma dimensão política fundamental e tem sua al da sociedade de se “aprender a
base na Soberania Alimentar, que coloca em desenhar uma forma mais justa,
questão o modelo hegemônico de agricultura sustentável e saudável de produzir
dominante e a padronização alimentar impos- alimentos em larga escala”;
ta à humanidade, o que não condiz com a his-
tórica realidade dos povos e de sua inserção 3º por questões políticas e de so-
e atuação na agricultura de produção de ali- brevivência, pois as escolas devem
mentos saudáveis e da diversidade da cultura contribuir no processo formativo
alimentar (REZENDE, 2018). tendo como horizonte a construção
e a hegemonia do projeto da agri-

A segunda dimensão diz respeito a
cultura camponesa, uma vez que a
agroecologia como perspectiva de vida e de
própria sobrevivência das escolas
novas relações humanas, geracionais e de
do campo depende dos processos
gênero, tendo a centralidade no ser humano
de territorialização da mesma;
e nas condições de vida no campo e na cida-
de. Quando falamos em alimentação saudá-
4º por questões educativas, pois a
vel, falamos de saúde e cuidado com o corpo
agroecologia, tomada como objeto
humano, das relações fundadas em valores
de estudo e de atividade produtiva,
humanistas, do acesso aos direitos humanos
permite desenvolver uma potencia-
inalienáveis e à cultura (REZENDE, 2018).
lidade formativa superior;
Estes elementos compõem um conjunto de
condições político-organizativas em relação
5º por questões epistemológicas e
ao campo e a cidade, que estão diretamente
pedagógicas, uma vez que ao tra-
vinculadas às lutas pela recuperação e defe-
tar da agroecologia, adentramos
sa dos territórios, por reformas agrária e urba-
um novo campo do conhecimento
na, pela cooperação e a construção de uma
(CALDART, 2016).
unidade política no interior da diversidade cul-
tural dos sujeitos coletivos do campo. E que
a escola pode potencializar conhecimentos
e práticas que contribuam no enfrentamento
das mazelas do capital, de modo a desnatu-
ralizar as relações de opressão e somar-se
para construir novas formas de participação,
mobilização e organização com aspirações
emancipatórias.

29
No plano das duas dimensões, a edu- aproximadamente 30 mil escolas rurais fe-
cação escolar e não escolar, assumem um chadas (UFSCAR, 2017).
papel crucial para avançar no desenvolvimen-
Por isso, há de considerar “a potencia-
to da agroecologia e das forças produtivas da
lidade e a importância política, ética e forma-
agricultura na direção de um desenvolvimen-
tiva de avançar na aproximação entre escolas
to humano igualitário substancial e efetiva-
do campo e agroecologia” e o entendimento
mente sustentável. O desafio é de construir
de “que a construção de relações orgânicas
uma nova cultura, em que a dimensão eco-
entre escolas e processos de produção agrí-
lógica da vida seja base do conjunto das di-
cola fundamentados na agroecologia integra
mensões que integram o ser humano e a vida
o desafio da Educação do Campo” (CAL-
em sociedade. Essa tarefa convoca as diver-
DART, 2016, p. 1).
sas frentes formativas e educacionais, entre
elas a escola, para um abrangente processo Essa relação está em construção, nos
de formação humana, envolvendo a forma- diversos processos formativos existentes
ção (técnica, tecnológica e política), a orga- Brasil afora, seja nas Escolas de Educação
nização (produtiva, política e social – campo Básica, Escolas de Formação Política em
e cidade), e a multiplicação (horizontalização, Agroecologia, Cursos Técnicos e de Educa-
massificação e verticalização) para a afirma- ção Superior, assim como em processos de
ção e articulação de múltiplos sujeitos (ARL, educação não formal.
2017, p. 17 ).
Desde a compreensão e decisão da
Com isso, compreendemos que o de- necessidade da promoção da agroecolo-
safio de massificação ou territorialização da gia, os movimentos populares têm buscado
agricultura camponesa agroecológica (CAL- garantir, para os assentamentos de reforma
DART, 2017; ROSSET, 2018) pelas escolas agrária e territórios camponeses em geral, um
do campo e as diversas iniciativas da Educa- acompanhamento técnico adequado a estes
ção do Campo, é uma tarefa inadiável e am- objetivos e de modo não esporádico e des-
plia o sentido da existência da Educação do contínuo. Considerando ainda a necessidade
Campo e da própria escola do campo, justa- e possibilidade de escolarização da juventu-
mente por serem, Agroecologia e a Educação de do campo, e de que a formação técnica na
do Campo, integrantes de um mesmo proje- área agrária no Brasil tradicionalmente tem
to societário. Se uma caminhar sem a outra, formado para o modelo predominante (neste
segue incompleta no âmbito político, pedagó- momento o modelo do agronegócio), os su-
gico e formativo. Esta vinculação, ao mesmo jeitos do campo demandarão às instituições
tempo firma as raízes da Educação do Cam- públicas esta formação, com perspectiva de
po, fortalecendo seu desenvolvimento, e co- que os egressos incidissem nos processos de
loca novos desafios para sua construção polí- desenvolvimento das comunidades.
tica, organizativa e pedagógica na atualidade
(CALDART, 2019). Portanto, podemos tratar da formação
em Agroecologia como um dos aspectos da
Ressaltamos que a própria existên- luta de classes contra a lógica hegemônica
cia da escola pública do campo depende da do capital no campo, traduzido no agronegó-
territorialização da agricultura camponesa, cio (TONÁ, 2016).
considerando que a expansão do agrone-
gócio com a elevada concentração de terras Neste sentido, os movimentos sociais
culmina no constante êxodo rural e no gran- tomam a iniciativa de capacitar seus próprios
de índice de fechamento de escolas no cam- integrantes, em especial a juventude, com
po brasileiro. Somente no estado do Paraná, cursos de educação profissional, na área da
entre 2009 e 2015, foram fechadas mais de produção através de cursos técnicos de nível
450 escolas (MEC, 2015), sendo no Brasil, médio, pós-médio e tecnólogos em Agroeco-
de 2002 até o primeiro semestre de 2017, logia, de modo que possam tornar-se técnicos
militantes educadores/as da agroecologia.

30
Estudantes da Escola Itinerante Valmir Motta de Oliveira, durante mutirão na horta no tempo trabalho.
Foto: Coletivo das escolas do campo

Com o desafio da formação técnica educativo no vínculo orgânico com processos


em Agroecologia, além de cursos técnicos mais avançados de territorialização da agri-
formais de diferentes modalidades, foram es- cultura camponesa de base agroecológica e
truturados Escolas/Centros de Formação em associativa, pela sua potencialidade na cone-
Agroecologia. No Paraná, por exemplo, se xão viva entre estudo, trabalho, luta e cultura
constituiu uma rede de centros de formação, (CALDART, 2019). Entre elas mencionamos:
com o centro de Desenvolvimento Susten- as Escolas Municipais do Campo localizadas
tável e Capacitação em Agroecologia-CEA- no Extremo Sul da Bahia, que a partir de um
GRO, com duas unidades, uma em Cantaga- trabalho desenvolvido pela Escola Popular
lo e outra em Rio Bonito do Iguaçu; a Escola de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brune-
José Gomes/Instituto Técnico de Educação e tto, produziram o caderno de educação em
Pesquisa na Reforma Agrária-ITEPA, em São agroecologia, “Agroecologia na Educação
Miguel do Iguaçu; Escola Milton Santos-EMS, Básica: Questão Propositiva de Conteúdo e
em Maringá; e a Escola Latinoamericana de Metodologia” que orienta o trabalho educativo
Agroecologia-ELAA, na Lapa. Espaços em vinculado a agroecologia por meio das dife-
interface com outras escolas e centros em di- rentes disciplinas e faixas etárias que envolve
versos estados e em outros países do mundo. a educação básica (RIBEIRO et all., 2017);
as oito escolas públicas do campo de Ensino
No âmbito da educação básica, diver-
Médio nos assentamentos do Estado do Cea-
sos esforços coletivos estão em construção
rá (SILVA, 2017); alguns Colégios Estaduais
para avançar na forma e conteúdo do traba-
do Campo de Assentamento e as Escolas
lho pedagógico que objetiva um ambiente
Itinerantes do Paraná com o projeto político

31
pedagógico por Ciclos de Formação Humana não se restringe a aspectos puramente eco-
com Complexos de Estudo (LEITE & SAPE- lógicos, incorpora aspectos econômicos, so-
LLI, 2017). E mais recentemente, encontra- ciais, políticos, ecológicos, culturais e éticos
-se em nível de elaboração por um coletivo (SAQUET, 2008).
multisetorial do MST na Região Sul, um “Guia
É necessário que os coletivos esco-
de Estudos sobre Agroecologia Camponesa
lares concebam cada vez mais a incorpora-
para a Educação Básica”, que objetiva sub-
ção da agricultura camponesa agroecológi-
sidiar a formação de educadores e educado-
ca como ponto de partida para a educação
ras do campo com intuito de engajar práticas
de perspectiva politécnica enquanto “[...]
de inserção da Agroecologia no currículo da
um complexo tecnológico, necessariamente
Educação Básica.
conectado a outros complexos, a outras in-
Embora, realidades diversas, de norte dústrias, no sentido das práticas, dos conhe-
a sul do país, com limitações e potencialida- cimentos tecnológicos e científicos de base”
des de acordo as circunstâncias singulares (IEJC, 2015, p. 53). A partir da escola, podem
de cada local, estas experiências educativas ser exercitados processos de estudo e de tra-
perseguem e orientam-se pela Pedagogia balho com vínculos necessários entre nature-
do Movimento, tendo por chave de vínculo za, produção, política e cultura, e igualmente
com a realidade no âmbito teórico e práti- possibilitando a análise e a compreensão das
co, as matrizes formativas do ser humano: contradições no seio das relações sociais ca-
trabalho (socialmente produtivo), luta social, pitalistas.
organização coletiva, cultura e história que
fundamentam a construção do ambiente
educativo da escola. Nesta lógica, a agroe-
cologia é incorporada no processo formativo
na perspectiva do trabalho como princípio
educativo, logo, a agroecologia assume a di-
mensão da materialização do vínculo entre
educação e trabalho, educação e vida (CAL-
DART, 2017). A re-conexão da escola com a
vida por meio dos processos de estudo e tra-
balho com a agroecologia, proporciona uma
densidade formativa com alto valor científico
e cultural, exatamente, pela natureza inter-
disciplinar da agroecologia e o conjunto di-
verso e complexo de conhecimentos que a
integra (CALDART, 2018).
Esta concepção tem permitido com-
preender, enquanto chave de análise da
agroecologia, a realidade com suas inter-re-
lações e na abordagem dos agroecossiste-
mas como totalidade (CALDART, 2018). O
que exige um trabalho interdisciplinar para
acessar a complexidade dos conhecimentos
das diferentes ciências que integram a unida-
de de análise e de campo do conhecimento
da agroecologia, seja a ecologia, a biologia,
As crianças EI Semeando Saber
a química, a agronomia, a antropologia, a his- preparando salada de frutas posterior ao
tória, a sociologia, entre outras. (CALDART, debate da alimentação saudável
2016; ARL, 2015). Ou seja, a agroecologia Foto: Coletivo das escolas do campo

32
As iniciativas de inserção da agroeco-
logia no trabalho escolar, comprovam a exi-
gência de tornar a agroecologia como uma
dimensão integrada ao currículo escolar, de
modo, sistemático e planejado na organiza-
ção do trabalho pedagógico, não como algo
à parte, uma ação ou programa a mais, mas
como uma das dimensões cruciais do trabalho
educativo com o conhecimento que permita
a compreensão sobre como se produzem os
fenômenos da natureza e as relações sociais,
como a vida se movimenta e se transforma
(CALDART, 2018).
Não sem, limites, um conjunto diver-
so de práticas educativas que articulam, es-
tudo, trabalho e auto-organização dos estu-
dantes, nas escolas que ensaiam a inserção
da agroecologia no currículo tendo por base
o referencial político e pedagógico abordado
anteriormente, como: proteção das fontes e
nascentes; criação de hortas, hortas-manda-
las, mandala ornamental de plantas medici-
nais, aromáticas e condimentares, de agroflo-
restas; construção de pomar-bosque, feiras
de alimentos, dinheiro solidário, o uso do
solo e a produção de alimentos sem o uso de
agrotóxicos; a classificação do lixo e o apro-
veitamento dos resíduos orgânicos, a reutili-
zação da água, bem como a destinação dos Educanda regando a horta durante tempo
materiais recicláveis; dentre outros (LEITE & trabalho na Escola Itinerante Paulo Freire.
SAPELLI, 2017). Foto: Coletivo das escolas do campo

São práticas pedagógicas que promo-


vem processos de pesquisa articulados aos Compreende-se que a Agroecologia e
conteúdos escolares, à auto-organização dos a Educação do Campo são facetas da mes-
estudantes por meio do estudo e do trabalho ma luta social, a ser realizada por dentro dos
coletivo, aos interesses das comunidades e espaços formais de educação, seja a escola,
às questões latentes a serem refletidas sobre a universidade, institutos, de maneira combi-
o próprio futuro da humanidade. nada para além destes espaços, em nas co-
As escolas que tem assumido este munidades, bairros, em toda sociedade. Por-
desafio coletivo necessário, demonstram que tanto, educar em tempos difíceis e sombrios,
a incorporação da agroecologia enquanto di- de retrocessos na política educacional e nos
mensão integrante do projeto político peda- direitos humanos requer educar nas contradi-
gógico, é uma questão de ousadia e de de- ções atuais e na resistência, com os pés no
cisão político do coletivo escolar. Pois, nas chão, ao passo que mira os olhos no horizon-
mais adversas condições não abrem mão do te humanista e na formação de lutadores e
conteúdo socialmente necessário para avan- construtores de novas relações sociais.
çar no processo formativo, combinado com Por esta via, os estudantes, por meio
os germens do projeto de sociedade fundado do trabalho educativo, vivenciem as contradi-
na substantiva justiça social. ções, lutem por melhores condições de vida

33
e de acesso à cultura, apropriando-se do mo-
vimento e do devir dos fenômenos da natu-
reza, sociais, políticos e econômicos de seu
tempo e, pela via das contradições existentes
na vida social na interface com os fundamen-
tos da agroecologia, os conteúdos escolares
possam adquirir vivacidade formativa. Não
significa transferir para escola o papel da for-
mação política ou da formação de agroeco-
lógicos, mas desenvolver, dentro dos seus
limites, a inserção da escola nesta grandiosa
tarefa de humanização, de modo que inde-
pendente do ambiente e espaço de inserção
desses sujeitos, eles possuam consciência,
controle e decisão política sobre o consumo
de alimento, o seu corpo, suas relações e a
produção da vida como um todo, sendo cam-
ponês ou não.

Estudantes do Colégio Iraci Salete


durante tempo trabalho
Foto: Coletivo das escolas do campo

Referências tórias à agroecologia no caminho para a transformação da


escola. In: CALDART, Roseli Salete (org.). Caminhos para a
ARL, Valdemar. Para uma agroecologia popular e transfor- transformação da Escola 4 – Trabalho, agroecologia e estu-
madora. In: SAPELLI, M. L. S (Org.). Agroecologia: do saber do nas escolas do campo. 1 Ed. São Paulo: Expressão Po-
popular ao conhecimento científico para o cuidado com a ter- pular, 2017.
ra e com a vida. Caderno de Educação do Campo. Volume
2. Guarapuava, Apprehendere, 2017. REZENDE, Simone. Agroecologia como perspectiva de vida
e de novas relações humanas (entrevista). In. Revista Culti-
CALDART, Roseli Salete. Escolas do Campo e Agroecologia: vares. Caderno de Experiências Cultivar Nº5 – Max Editora
uma agenda de trabalho com a vida e pela vida! Apontamen- e Impressões Digitais – São Paulo: SP, fevereiro de 2018.
tos construídos a partir da análise feita no texto “Sobre a
especificidade da Educação do Campo e os desafios do mo- RIBEIRO, Dionara Soares; TIEPOLO, Elisiane Vitória; VAR-
mento atual”, de julho 2015. Veranópolis/RS, 2016 (mimeo) GAS, Maria Cristina; SILVA, Nívia, Regina da Silva (Orgs.).
Agroecologia na Educação Básica questões propositivas de
CALDART, Roseli Salete (et al). Apresentação. In: CAL- conteúdo e metodologia. 1º ed – São Paulo: Outras Expres-
DART, Roseli Salete (org.). Caminhos para a transformação sões, 2017.
da Escola 4 – Trabalho, agroecologia e estudo nas escolas
do campo. 1 Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2017. SAQUET, A. A. Reflexões sobre agroecologia no Brasil. In:
ALVES, A.F; CARRIJO, B.R. e CANDIOTTO, L.Z.P. Desen-
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Belo Horizonte: Autêntica, 2018. SILVA, Paulo Roberto de Souza. Trabalho, educação e
agroecologia nos campos experimentais das escolas de En-
IEJC. Instituto de Educação Josué de Castro. Seminário so- sino Médio dos assentamentos do Ceará.In: CALDART, Ro-
bre formas de organização do Plano de estudos, Educação seli Salete (org.). Caminhos para a transformação da Escola
Politécnica e Agricultura Camponesa. In: CALDART, R, STE- 4 – Trabalho, agroecologia e estudo nas escolas do campo.
DILE, M. E., DAROS, D. (orgs.). Caminhos para a transfor- 1 Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2017.
mação da Escola 2: Agricultura Camponesa, educação po-
litécnica e escolas do campo. 1 ed. São Paulo: Expressão TONÁ, Nilciney. Contribuição dos egressos da Escola Milton
Popular, 2015. Santos para a promoção da Agroecologia e desenvolvimento
dos assentamentos de reforma agrária no Paraná. Disserta-
LEITE, Valter de Jesus. SAPELLI, Marlene Lúcia Siebert. ção (Mestrado Profissional em Agroecologia). Universidade
Possibilidades de trabalho pedagógico com práticas introdu- Estadual de Maringá, Maringá, 2016.

34
Agroecologia e saúde popular

Foto: MST

Adriane de Andrade10 e Daiane Silva Oliveira11 de interesses opostos. De um lado, o agro-


negócio estruturado na expansão de terras,
A qui traremos uma síntese sobre
a Agroecologia baseada na com-
preensão que o Movimento Dos Trabalha-
na produção e exportação em larga escala,
na monocultura e no uso de quantidades ex-
cessivas de agrotóxicos. De outro lado, o da
dores Rurais Sem Terra – MST, tem sobre a
agricultura camponesa que visa a produção
mesma, perpassando pelos desafios que tri-
de alimentação saudável agroecológica, a so-
lhamos e ainda temos pela frente. Estamos
berania alimentar, a distribuição de terras por
num momento da conjuntura em que o siste-
meio da Reforma Agrária Popular, a preserva-
ma capitalista atua de modo hegemônico no
ção do meio ambiente, a volta das famílias ao
mundo. É de suma importância compreender
campo e o bem viver social.
as contradições postas por este sistema e as-
sim atuar sobre elas, a fim de garantir a so- O agronegócio se desenvolve acelera-
brevivência dos povos. damente e tem causado, de forma violenta,
junto a outras ações do sistema capitalista,
Sabemos que existe um processo de
a exploração desenfreada dos recursos na-
disputa territorial que ocorre no campo bra-
turais, o empobrecimento e endividamento
sileiro com enfrentamento de dois projetos
das populações camponesas, o êxodo rural
e as migrações causada pela crise estrutural,
a qual coloca em questão o sistema vigente e
10 Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Para- seus limites.
ná. E-mail: deandraadriane@gmail.com
Neste contexto, fazer enfrentamen-
11 Especialista em Estudos Latinos Americanos pela Univer- to ao modelo capitalista na agricultura, se
sidade Federal de Juiz de Fora - MG. E-mail: daianeoli25@ apresenta como luta necessária, visto que no
gmail.com

35
atual período histórico é impossível pensar a de interesses opostos. De um lado, o agro-
construção de uma nova sociedade, sem a negócio estruturado na expansão de terras,
dimensão ecológica da vida, inserida em um na produção e exportação em larga escala,
projeto de transformação radical de socieda- na monocultura e no uso de quantidades ex-
de do qual depende a continuidade da vida. cessivas de agrotóxicos. De outro lado, o da
agricultura camponesa que visa a produção
Esta construção exige aliar o proces-
de alimentação saudável agroecológica, a so-
so de luta histórica da classe trabalhadora
berania alimentar, a distribuição de terras por
ao percurso do campesinato, conscientes da
meio da Reforma Agrária Popular, a preserva-
necessidade de sua atuação direta, no de-
ção do meio ambiente, a volta das famílias ao
senvolvimento de novas formas de produção
campo e o bem viver social.
e transformação do mundo. Os movimentos
sociais populares do campo, vinculados à Via O agronegócio se desenvolve acelera-
Campesina, assumem um papel fundamental damente e tem causado, de forma violenta,
e estratégico de fazer o enfrentamento ao sis- junto a outras ações do sistema capitalista,
tema capitalista no campo, por meio das lutas a exploração desenfreada dos recursos na-
e da construção da agroecologia como uma turais, o empobrecimento e endividamento
nova matriz produtiva e como possibilidade das populações camponesas, o êxodo rural
de reconstruir relações mais equilibrada entre e as migrações causada pela crise estrutural,
ser humano e natureza. a qual coloca em questão o sistema vigente e
seus limites.
Neste sentido de construção de alter-
nativas que possibilitem uma vida digna às Neste contexto, fazer enfrentamen-
famílias camponesas, o MST vem discutin- to ao modelo capitalista na agricultura, se
do, desde o ano 2000, que a Agroecologia apresenta como luta necessária, visto que no
esteja pautada na organização de uma nova atual período histórico é impossível pensar a
matriz tecnológica para a agricultura e que te- construção de uma nova sociedade, sem a
nha como base o resgate da relação ser hu- dimensão ecológica da vida, inserida em um
mano – natureza e os saberes populares na projeto de transformação radical de socieda-
construção de novos conhecimentos, pois a de do qual depende a continuidade da vida.
mesma deve ser entendida a partir de todas
Esta construção exige aliar o proces-
as suas dimensões: sociais, políticas, produ-
so de luta histórica da classe trabalhadora
tivas, econômicas, culturais e étnicas. Enfim,
ao percurso do campesinato, conscientes da
que a agroecologia venha contrapor este mo-
necessidade de sua atuação direta, no de-
delo/projeto capitalista e neoliberal.
senvolvimento de novas formas de produção
Aqui traremos uma síntese sobre a e transformação do mundo. Os movimentos
Agroecologia baseada na compreensão que sociais populares do campo, vinculados à Via
o Movimento Dos Trabalhadores Rurais Sem Campesina, assumem um papel fundamental
Terra – MST, tem sobre a mesma, perpas- e estratégico de fazer o enfrentamento ao sis-
sando pelos desafios que trilhamos e ainda tema capitalista no campo, por meio das lutas
temos pela frente. Estamos num momento e da construção da agroecologia como uma
da conjuntura em que o sistema capitalista nova matriz produtiva e como possibilidade
atua de modo hegemônico no mundo. É de de reconstruir relações mais equilibrada entre
suma importância compreender as contradi- ser humano e natureza.
ções postas por este sistema e assim atuar
Neste sentido de construção de alter-
sobre elas, a fim de garantir a sobrevivência
nativas que possibilitem uma vida digna às
dos povos.
famílias camponesas, o MST vem discutin-
Sabemos que existe um processo de do, desde o ano 2000, que a Agroecologia
disputa territorial que ocorre no campo bra- esteja pautada na organização de uma nova
sileiro com enfrentamento de dois projetos matriz tecnológica para a agricultura e que te-

36
cuidado dos camponeses e camponesas, ao


resgate dos conhecimentos ancestrais e das
A agroecologia como base para ervas medicinais.
a sustentabilidade e organiza-
ção social e produtiva da agri-
cultura familiar e camponesa, Saúde Popular- Lutar pela
em oposição ao modelo do agrone- saúde é lutar pela vida
gócio. A agroecologia é um modo de
Aqui faremos um breve relato de dife-
produzir e se relacionar na agricultu-
rentes práticas relacionadas a saúde popu-
ra, que preserva a biodiversidade, os
lar nos acampamentos e assentamentos do
ecossistemas e o patrimônio genéti-
MST. Para iniciarmos, acreditamos ser impor-
co, que produz alimentos saudáveis, tante revisitarmos alguns dos conceitos que
livre de transgênicos e agrotóxicos, o movimento vem construindo sobre o tema
que valoriza saberes e culturas dos “saúde”. Trata-se de um conceito em movi-
povos do campo, das águas e das mento. Não é algo dado e sim algo que vem
florestas e defende a vida”. (Encon- se construindo, que abrange desde os atendi-
tro Unitário dos Trabalhadores, Tra- mentos médicos relacionados aos postos de
balhadoras e Povos do Campo, das saúde até as outras técnicas utilizadas como
Águas e das Florestas-20 a 22 de a retomada da utilização de plantas medici-
agosto de 2012, Brasília, Brasil) nais. São conhecimentos passados de gera-
ção em geração, de forma basicamente oral.
Há também a promoção e prevenção da saú-
de e também outras práticas que vêm sen-
do incorporadas nos assentamentos como a
bioenergia, auriculoterapia, homeopatia, etc.
nha como base o resgate da relação ser hu-
mano – natureza e os saberes populares na O Movimento Sem Terra, ao longo se
construção de novos conhecimentos, pois a sua trajetória, foi organizando trabalhadores
mesma deve ser entendida a partir de todas e trabalhadoras para conquistar a terra e fa-
as suas dimensões: sociais, políticas, produ- zer a Reforma Agrária, porém com o passar
tivas, econômicas, culturais e étnicas. Enfim, dos anos, se percebeu que era preciso muito
que a agroecologia venha contrapor este mo- mais, pois outros direitos à classe trabalha-
delo/projeto capitalista e neoliberal. dora eram negados, como a educação e as
políticas públicas de saúde. Para buscar solu-
A Agroecologia é posta em prática ções para os problemas que surgiam, o MST
principalmente pelas mulheres que fazem começa a organizar no interior de suas bases
este enfrentamento ao agronegócio com a algumas comissões, que mais tarde se cons-
produção diversificada de alimentos, o cui- tituíam como setores.
dado com a preservação e germinação das
sementes, o cuidado com as plantas, e com O MST compreende que a saúde vai
a vida. Está afirmação está visível nas pala- além da ausência de doença e está interliga-
vras de Maria Natividade, proferidas em 28 da com a qualidade de vida das pessoas e
de maio de 2019. “Porque dentro da agroe- da sociedade. É por este motivo que se en-
cologia você tem a conscientização de cui- tende que o conceito de saúde é mais amplo,
dar das fontes, da água, do rio, dos animais e nele está inserido o debate da agroecologia e
não só do ser humano em si, cuida do geral, produção de alimentos saudáveis, o debate
está dentro de uma proposta, de uma ética”. sobre o cuidado com as plantas medicinais, o
cuidado com a vida e a natureza. É a capaci-
Além de todas estas dimensões já dade de lutar contra tudo que nos oprime seja
especificadas acima, a agroecologia está di- está opressão no corpo, nos sentimentos, na
retamente ligada à saúde popular e ao auto- sexualidade ou nas relações.

37

Saúde é o cuidado com a natureza, com a família, com as crianças com os mais
velhos, com a comunidade, com a relação com os outros e com nós mesmos. É o
respeito à nossa casa, nossas comunidades, nossa terra, nossos rios, a natureza, a
nossa história, lutas, desejos e sonhos. Saúde é a condição de vida com plenitude,
é o cultivo do cuidado com a vida e com a humanidade, em condições técnicas, sociais
e econômicas adequadas ao desenvolvimento da igualdade e equidade, respeitando a
diversidade de culturas, hábitos, valores, tecnologias e conhecimento em equilíbrio com
e na natureza.” (MST- Caderno de formação em saúde-2007).

Aqui cabe destacar a importância das de gênero na família e na comunidade. Esta


práticas de cura no cotidiano agroecológico, organicidade é para superar os desafios que
que ampliam a autonomia no campo da saú- este momento de luta apresenta. Não basta
de, já que cada vez mais estamos vivendo criar organicidade, é necessário dar funciona-
numa sociedade extremamente medicaliza- lidade a mesma (MST, 2009).
da. Portanto, é urgente também levantarmos
No Estado do Paraná, já algum tempo
a bandeira por uma saúde integral no campo,
o MST, assim como outros movimentos so-
que inclui além dos cuidados de prevenção,
ciais como o MASA (Movimento de Aprendi-
a alimentação diversificada e saudável, ou
zes de Sabedoria)12, vem trabalhando com
seja alimentos limpos e livres dos agrotóxi-
diferentes experiências de saúde popular/in-
cos, acesso à água limpa, o cuidado com as
tegral. Nessa cartilha iremos focar em duas
pessoas e com o ambiente e um conjunto de
experiências de iniciativas de saúde coleti-
terapias da medicina popular.
va, o da bioenergia e a fitoterapia. A primeira
Ainda é válido ressaltar que para o chamada de “Bioenergia” vem cada vez mais
MST, a medicina popular com a utilização das ganhando adeptos no MST. Para isso traze-
plantas vem da observação das experiências mos a experiência de Dona Maria do Setor
e saberes camponeses, por meio da relação de Saúde do Assentamento Contestado na
com a natureza, na busca de construir alter- Lapa- PR, que vai explicar como funciona a
nativas que supram as necessidades básicas técnica:
de saúde. A valorização destes saberes po-
Maria Natividade, uma das compa-
pulares é uma ferramenta importantíssima na
nheiras responsável pelo trabalho da saúde
luta da resistência das camponesas e campo-
no Assentamento Contestado, explica o que
neses para garantir seus direitos básicos com
é o trabalho com a bioenergia e a importância
qualidade de vida.
dele para a saúde popular.
Considerando a estrutura organizati-
va e as linhas políticas do setor de saúde, é
importante garantir o trabalho conjuntamen- 12 Movimento Aprendizes de Sabedoria (MASA), formado
te com os setores de educação e produção, por Benzedeiras e Benzedores, Curandeiras e Curadores,
Costureiras e Costureiros de rendidura e/ou machucadura,
frente de massa e os outros setores. O setor
Rezadeiras e Rezadores, Remedieiras e Remedieiros, Mas-
de saúde também agrega o setor de gênero, sagistas tradicionais, parteiras e Aprendizes de benzedura
que envolve também as questões relaciona- representados como Detentores do Ofício Tradicional de
das à violência contra a mulher, a organiza- Cura e de Saúde Popular, da região centro sul do Estado
do Paraná e que fazem parte da Rede Puxirão de Povos e
ção das mulheres e os debates nas relações
Comunidades Tradicionais do Paraná.

38

A bioenergia dentro da saúde popular veio para equilibrar a saúde dos pobres, porque
bioenergia é um trabalho de energia os pontos energéticos de cada um e aí, por isso
precisa uma dupla trabalhar com este método natural e energético, e isso dentro da
saúde popular é fundamental. Por que ali a bioenergia para quem faz o cursinho vai
ter que entender, a importância da saúde popular, o que é as ervas medicinais, o que é
fitoterapias, o que é tinturas, pomadas tudo você aprende dentro deste curso. E como o
cuidado, pra mim o que mais orienta é como a gente trabalhar a bioenergia é cuidado com
a natureza e o ser humano por inteiro, por isso é que trabalha a energia do ser humano
através dos pontos energéticos, a bioenergia é tudo isso, o cuidado do ser humano por in-
teiro, mais também do ambiente inteiro, você pode tratar não só os animais como também
as plantas, é um curso aprofundado que veio para equilibra mais também curar os pobres,
por que é um trabalho com a natureza e com as ervas medicinais, ele é fundamental por
isso precisa que mais gente se envolva e faça este curso pra se ajuda, o primeiro passa é
se ajudar e entender e ajudar os outros.(entrevistada Maria Natividade, 28/05/19

No Assentamento Contestado, o gru- beres de cura que há 10 anos lutam pelo reco-
po que realiza este trabalho hoje é forma- nhecimento do Ofício Tradicional de Cura no
do por mulheres, sendo que elas atendem Paraná. Dentre as várias conquistas do movi-
as famílias duas vezes por mês. Uma vez mento as mais emblemáticas são a conquista
por semana, Dona Maria aplica auriculotera- de três leis municipais, denominadas “Lei das
pia em uma sala no posto de saúde que foi Benzedeiras” (Rebouças -Lei 1401/2010, São
inaugurado há pouco tempo. Cultivam uma João do Triunfo- Lei 1370/2011 e em Irati -Lei
horta de plantas medicinais ao lado do pos- 4543/2018), e mais recentemente a Lei Esta-
to, que fornece plantas para chás e para a dual 10309/2018. São leis que reconhecem o
fabricação de tinturas e pomadas (MONNE- ofício de cura e garantem o livre acesso à cole-
RAT, 2019). ta de plantas medicinais nativas. A luta do mo-
vimento está pautada no reconhecimento do
Outra experiência com a Fitoterapia ofício, já que por muitos anos as benzedeiras
está relacionada ao Movimento Aprendizes foram discriminadas, perseguidas pela igreja
de Sabedoria, formado por detentores de sa- e pelos médicos. Hoje lutam para continuar

Foto: Arquivos MST

39
exercendo seu ofício, atendendo nas comuni- Através dos encontros municipais e
dades onde estão espalhadas e transmitindo comunitários as benzedeiras trocam o conhe-
o conhecimento sobre as plantas medicinais cimento para quem tem interesse em apren-
as novas gerações. São consideradas, nos der. Nos encontros há um momento especí-
municípios em que a lei vigora, agentes de fico da troca de saberes entre os que estão
saúde e colaboram para a disseminação da presentes. Nesse momento as benzedeiras
saúde popular. Ao todo, nos três municípios se tornam educadoras e aprendizes, trocam
foram mapeadas 481 benzedeiras. saberes sobre o uso de plantas, formas de
fazer emplastos, garrafadas, simpatias, re-
Na fala abaixo podemos verificar a im-
médios e todo conhecimento é transmitido
portância dessas mulheres para a construção
a quem tiver interesse em aprender. O mo-
da saúde integral popular nos municípios.
vimento conquistou recentemente um viveiro
Segundo Benzedeiras Agda Cavalheiro: municipal em Rebouças, onde há várias plan-
tas medicinais e que pode ser utilizado pelas
benzedeiras e por quem precisar de mudas


no município.
Só depois que entrou o movimen-
to das benzedeiras e tivemos apoio Essas são algumas das iniciativas de
do ministério público, conquistamos saúde popular relacionadas à agroecologia
nossa liberdade. A lei de reconheci- em nosso território. Percebe-se que a lógica
mento do nosso ofício em Rebouças e é a do cuidado. Cuidado com a natureza, cui-
São João do Triunfo foi pioneira no Brasil dado com as plantas, com a água e com o
e a carteirinha das benzedeiras que nos ser humano. O cuidado também com o que
deu essa liberdade e agora a gente pode comemos é fundamental, pois nossa saúde
trabalhar tranquilamente sem medo. Atra- está diretamente ligada ao que comemos. A
vés dos encontros organizados pelo mo- luta está relacionada à busca pelo retorno da
vimento das benzedeiras a gente faz tro- autonomia do cuidado, para que possamos
ca de remédio benzimento é muito bom, construir outros caminhos possíveis, em bus-
atualmente eu sou coordenadora geral do ca de uma saúde popular.
Movimento de Aprendizes de Sabedoria
representante de Rio Bonito- Rebouças/
PR. Foi através desses encontros que Referências
nos explicaram sobre nossos direitos que Caderno de Formação em Saúde: Coletivo de Saúde e Gê-
conquistamos a carteirinha junto a prefei- nero do Paraná. Curitiba, 2007.
tura. Como benzedeira, eu atendo gente Encontro Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Po-
de todo o tipo, vem gente de longe, uns vos do Campo, das Águas e das Florestas, 20 a 22 de agosto
vens por parente, por ouvir falar, outros de 2012, Brasília, Brasil.
pegam na internet… mas o gosto que a SILVA, Fernanda Borges da. Saúde Popular no Assentamen-
gente tem é de ajudar as pessoas, princi- to Contestado: Produção Audiovisual Sobre a Cura por Meio
palmente os mais pobres, os que não tem da Natureza. Londrina: Universidade Estadual de Londrina;
2018.
dinheiro para pagar um médico, uma con-
sulta, um remédio. Para uma benzedeira MONNERAT, Priscila Facina. Mulheres camponesas e agroe-
não tem dia nem noite é a hora que preci- cologia no MST do Paraná: os territórios do cotidiano da luta
e da luta no cotidiano. Dissertação de Mestrado. Programa
sar, se alguém bater na porta eu atendo, de Pós Graduação em Geografia, Universidade Federal do
sem cobrar nada em troca, afinal cuidar Paraná: Curitiba, 2019.
da vida é nossa missão!” (Dona Agda,
Benzedeira, de Irati, 2017)

40
Foto: Adriane de Andrade

C o nst ruindo caminhos


“É fu n d a me n tal diminuir a dist ância ent re o
q u e s e d iz e o q u e se f az, de t al maneira que num
d a d o mo men to a t ua f ala seja a t ua prát ica”.
Paulo Freire

41
A rota das sementes crioulas no Paraná

Foto: Thaís Eigenmann

Rede Sementes da Agroecologia - ReSA

C onservação da agrobiodiversidade
e a defesa das sementes crioulas.
Esta é a bandeira sob a qual mais de 25 insti-
tuições, movimentos e coletivos do estado do
Paraná se organizam desde 2015, quando a
Rede Sementes da Agroecologia (ReSA) se
enraíza enquanto rede. De forma descentra-
lizada, informal, com respeito aos diversos
processos culturais e de organização local,
a ReSA apresenta alguns dos caminhos per-
corridos pelas sementes no estado, planta-
das em diferentes e férteis solos.
A inspiração de constituição da rede
veio da campanha “Patrimônio dos Povos
a Serviço da Humanidade”, lançada pela
Via Campesina no Fórum Mundial Social de
2003. A campanha tinha o importante objetivo
de articular ações territoriais para garantir a
soberania alimentar dos povos. Essa garan-
tia, de continuidade da vida, vinha a partir da
proteção do bem mais fundamental: a própria
semente.
Reconhecer as famílias guardiãs, res-
gatar variedades em extinção ou perdidas, Foto: Luiza Damigo

42
criar e fortalecer espaços para conservação Neste sentido, as sementes são patrimônio da
das espécies e troca de experiências – como humanidade e direito fundamental para a ma-
as casas e bancos comunitários de semen- nutenção da vida.
tes, fomentar o melhoramento e variedades
O lugar de culminância das diferentes
adaptadas aos sistemas agroecológicos, inci-
rotas percorridas pelas sementes e de quem
dir politicamente e dialogar com a sociedade
as semeia são as festas e feiras do estado.
civil foram algumas das ações postas em prá-
Elas são o momento político mais expressivo
tica pela ReSA desde então.
da Rede, pois possibilitam o forte diálogo com
A missão da rede é articular as di- a sociedade, a troca de saberes e experiên-
versas iniciativas de conservação, melhora- cias, de conexão entre outras organizações,
mento, produção, comercialização e troca de grupos, coletivos e pessoas das mais distintas
sementes, trabalhando pela manutenção do regiões. Enquanto espaço articulador, as fes-
direito de camponesas e camponeses, famí- tas e feiras possibilitam o acesso à informa-
lias agricultoras, povos indígenas e comuni- ção e a unificação das lutas pelos direitos dos
dades tradicionais, que tenham compromisso povos e garantia da soberania alimentar.
com o fortalecimento da Agroecologia nos
Em 2017 foram em torno de 15 espaços
territórios, no acesso e preservação de suas
de comercialização e troca de sementes com
sementes. As ações caminham em direção
uma circulação de 25 mil pessoas. No ano se-
ao fortalecimento e inserção nos espaços de
guinte foram 23 festas e feiras, com mais de
luta política.
40 mil visitantes e a presença de 700 famí-
A ReSA compreende que sementes lias guardiãs de todo Paraná. Em 2019 serão
são todas as formas de vida utilizadas para a mais de 20 festas em diversos municípios do
multiplicação de uma espécie, ou seja, grãos, estado e a 17ª Feira Regional de Sementes
tubérculos, ovos e animais, são considerados Crioulas e da Agrobiodiversidade, realizada
sementes e fundamentais para a manutenção no município de Rebouças e organizada pelo
da biodiversidade e a produção de alimentos. Coletivo Triunfo.

Na foto abaixo Isac Miola, agricultor e guardião de sementes do município de Dois Vizinhos, trabalha selecionando
e melhorando sementes crioulas e ampliando a agrobiodiversidade na região. É conhecido pela extensa variedade
de sementes que guarda e conserva, frequentando boa parte das festas e feiras de sementes crioulas no Paraná.
Foto: Luiza Damigo

43
Também em 2017 a ReSA recebe o referência outros estados que já aprovaram
prêmio Juliana Santilli em defesa da agrobio- legislação específica, são vitórias a serem
diversidade, oferecido pelo Instituto Socioam- celebradas e replicadas nos territórios. Neste
biental. A premiação tem o intuito de celebrar caminho, a ReSA se coloca como interlocuto-
iniciativas, individuais ou coletivas, que fazem ra necessária e imprescindível nas pautas da
a diferença, promovendo a ampliação, a con- agrobiodiversidade paranaense, sendo extre-
servação, o acesso, a distribuição ou o uso mamente representativa da sociedade civil e
de produtos da agrobiodiversidade. dos guardiões e guardiãs de nosso patrimô-
nio genético e dos conhecimentos tradicio-
O fortalecimento de espaços como as
nais associados.
festas e feiras, a criação de bancos de se-
mentes comunitários, incidência política no Enquanto Rede e através da articu-
âmbito legislativo e a implementação de me- lação e do diálogo das diferentes iniciativas
renda escolar 100% orgânica são algumas relacionadas à preservação, produção, repro-
das estratégias de ação da rede. Pautas níti- dução, comercialização e troca de sementes
das e apresentadas na Assembleia Legislati- agroecológicas, a ReSA luta para assegurar
va do Estado do Paraná, a partir de projeto de aos povos o livre acesso às sementes, como
lei propostos e em tramitação na Casa. direito humano, garantindo a produção sau-
dável de alimentos e a sua preservação para
As políticas estaduais de agroecolo-
as presentes e futuras gerações.
gia e redução de agrotóxicos, tomando como

Objetivos da Rede Sementes da Agroecologia

• Viabilizar estratégias do Banco Comunitário de Sementes;


• Resgate de sementes crioulas e animais;
• Melhoramento das sementes crioulas e varietais para o sistema agroecológico.
• Articular a oferta e demanda por sementes agroecológicas ;
• Divulgação de festas, feiras e outros eventos relacionados;
• Incidência política nas instâncias de tomada de decisão;
• Articulação entre as diversas unidades de beneficiamento de sementes;
• Revitalização das unidades de beneficiamento de sementes;
• Elaboração de materiais informativos e didáticos relacionados ao tema;
• Acesso aos bancos estatais e federais de germoplasma;
• Fortalecer a troca de experiência através de intercâmbio e seminários.

Missão da Rede Sementes da Agroecologia

Articular as diversas iniciativas voltadas à preservação, melhoramento, produção,


conservação, comercialização e troca de sementes, incidindo politicamente na manutenção
do direito dos agricultores e agricultoras agroecológicas com relação ao acesso e soberania
das sementes para a produção de alimentos.

44
As políticas públicas do PNAE e PAA como
referência internacional no combate à fome e
incentivo a agricultura familiar

Ana Paula dos Santos de Oliveira13 e Jaqueli-


ne Pereira de Andrade14

D esde 2003, as políticas públicas


como o PAA (Programa de Aqui-
sição de Alimentos) e o PNAE (Programa
Nacional de Alimentação Escolar) vêm trans-
formando a realidade das e dos agricultores
familiares no campo brasileiro. Tais políticas
surgiram com a finalidade de erradicar a fome
no país a partir do programa do governo fede-
ral Fome Zero, vez que fortaleceram a agri-
cultura familiar na produção e escoamento
dos alimentos, bem como visam garantir a se-
gurança alimentar das famílias de baixa ren-
da e alimentação escolar em todas as etapas
da educação básica pública.
O PAA foi criado pelo artigo 19 da Lei
nº 10.696, de 02 de julho de 2003 e possui
como objetivos: a promoção do acesso à ali-
mentação e o incentivo a agricultura familiar.
O programa é executado atualmente com re-
cursos da Secretaria de Agricultura Familiar e
Cooperativismo inserida no Ministério da Agri-
cultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA),
em parceria com estados, municípios e com a
Companhia Nacional de Abastecimento (Co-
nab).
Essa política pública é uma ação da
Conab que adquire produtos da agricultura
familiar para serem distribuídos em creches,

13 Graduanda em Direito na Universidade Federal do Para-


ná (UFPR) pela turma Nilce de Souza Magalhães do Progra-
ma Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).
14 Graduanda em Direito na Universidade Federal do Para-
ná (UFPR) pela turma Nilce de Souza Magalhães do Progra- Foto: Adilson Matos
ma Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).

45
famílias de baixa renda, hospitais e escolas. Aliás, a produção agroecológica e or-
O programa é voltado para agricultores e gânica também passou a ser incentivada pelo
agricultoras enquadrados no Programa Na- PAA a partir da Resolução nº 12 do Grupo
cional da Agricultura Familiar (PRONAF), por Gestor, de 21 de maio de 2004. Segundo a
meio de associações ou cooperativas. Para qual, “no caso de produtos agroecológicos ou
isso, o PAA utiliza mecanismos de comer- orgânicos, admitem-se preços de referência
cialização que favorecem a aquisição direta com um acréscimo de até 30% sobre os de-
de produtos de agricultores familiares ou de mais, devendo a aquisição desses produtos
suas organizações, com dispensa de licita- ser informada em separado das convencio-
ção, estimulando os processos de agregação nais para análise e avaliação deste Grupo
de valor à produção, e os destina às pessoas Gestor”. O incentivo à produção agroecológi-
em situação de insegurança alimentar e nutri- ca e orgânica na agricultura familiar cumpre o
cional e àquelas atendidas pela rede socioas- importante papel de promover uma transição
sistencial, pelos equipamentos públicos de agrícola sustentável, economicamente viável
segurança alimentar e nutricional e pela rede e socialmente justa nesse segmento da agri-
pública e filantrópica de ensino. cultura.
O PAA também contribui para a cons- Com a implementação e investimen-
tituição de estoques públicos de alimentos to nos programas, junto a outras iniciativas,
produzidos por agricultores familiares e para foi possível retirar o Brasil do Mapa da Fome
a formação de estoques pelas organizações em 2014, o que tornou o país uma referên-
da agricultura familiar. O programa fortalece cia de combate à fome e pobreza para diver-
circuitos locais e regionais e redes de comer- sos países da América Latina. Inspirados no
cialização; valoriza a biodiversidade; incenti- modelo brasileiro, países como El Salvador,
va hábitos alimentares saudáveis e estimula Guatemala, Honduras, e outros, têm construí-
o cooperativismo e o associativismo. do programas semelhantes para combater a
fome e fortalecer a agricultura familiar.

Foto: Adilson Matos

46
Foto: Adilson Matos

Já a política pública do PNAE (Progra- Tal mudança, significou um enorme


ma Nacional de Alimentação Escolar) teve avanço tanto para a melhoria da qualidade
seu surgimento no ano de 1955, e era então da alimentação dos estudantes, por priorizar
denominado “Programa Merenda Escolar”. alimentos de produção regional, com maior
Hoje o Programa é vinculado ao Fundo Na- qualidade, e também por respeitar e estimu-
cional de Educação (FNDE), e ao Ministério lar o desenvolvimento econômico sustentável
da Educação (MEC), e garantido pela Lei Fe- das comunidades e pequenos produtores re-
deral nº 11.947/2009. gionais, por dar a oportunidade de indivíduos
ou seus grupos organizados, fornecerem sua
O PNAE foi criado para contribuir com
produção, in natura, ou agroindustrial.
o desenvolvimento e aprendizagem dos estu-
dantes, através do oferecimento de alimenta- Dessa maneira, o PNAE contribui para
ção escolar e ações de educação alimentar e o desenvolvimento do aprendizado de crian-
nutricional em todas as etapas da educação ças e jovens - tendo em vista que, ao oferecer
básica pública. alimentação escolar - em quantidade e quali-
dade - garante a permanência dos alunos na
O repasse do recurso para aquisição
escola e diminui os riscos de desnutrição, ao
exclusiva de gêneros alimentícios é feito pelo
passo que cumpre a função de apoio para a
governo federal, que os transfere aos esta-
melhoria de indicadores sociais, por ser uma
dos, municípios e escolas federais, com base
política socioeconômica de desenvolvimento
no Censo Escolar realizado no ano anterior
regional a médio e longo prazo.
ao do atendimento. O cardápio escolar é ela-
borado por nutricionista, respeitando os hábi- Ademais, é uma política que insere a
tos alimentares locais e culturais e atenden- participação do/a trabalhador/a rural, que la-
do as necessidades nutricionais específicas, vra e cultiva a terra de sol a sol, em detrimen-
conforme percentuais mínimos estabelecidos to de grandes empresas ligadas ao agrone-
em lei. gócio, demonstrando de certa maneira, uma
reparação pela própria situação marginaliza-
A partir das alterações ocorridas na lei
da em que muitos desses agricultores se en-
em 2011, houve um crescimento de oferta do
contram, pelo pouco acesso para comerciali-
programa, incentivando à aquisição de produ-
zação do excedente de sua produção.
tos da agricultura familiar. Na nova redação, o
programa prevê que as secretarias estaduais Um exemplo de contribuição para o
de educação, prefeituras, escolas federais, desenvolvimento dos grupos que acessam o
devem destinar pelo menos 30% dos recur- programa, e também de suas regionais, é das
sos para a compra direta dos núcleos de pro- cooperativas da Rede de Reforma Agrária no
dução familiar, individuais ou coletivos. estado do Paraná. De acordo com os dados

47
das geleias, doces e polpas de frutas. “Tudo
produção agroecológica certificada”, destaca.
Segundo o FNDE, para acessar o
PNAE, a escola precisa estar cadastrada no
Censo Escolar realizado pelo Instituto Na-
cional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep/MEC), já os agricultores,
suas associações ou cooperativas, podem
acessar o programa, via edital de chamada
pública, possuindo a DAP (Declaração de Ap-
tidão ao PRONAF) física ou jurídica.
Desde a sua implementação, as polí-
ticas públicas do PAA e PNAE apresentaram
um amplo desenvolvimento local e regional.
Inúmeros estudos apontam, que desde a
produção dos alimentos até o consumo, as
famílias, grupos e indivíduos, envolvidos,
aumentaram a geração de renda, obtiveram
a prática do consumo de alimentos saudá-
Foto: Adilson Matos veis, desenvolveram redes locais de comér-
cio através da Economia Popular e Solidária,
proporcionaram uma maior participação das
mulheres nos grupos produtivos e em es-
obtidos via Central das Cooperativas do Pa-
paços diretivos, possibilitaram que famílias
raná, as cooperativas atendem mais de 900
com vulnerabilidade social tivessem acesso
escolas estaduais, num número aproximado
à alimentação com diversidade de produtos
de 500 mil alunos da rede. Se somadas esco-
agroecológicos, que estudantes da rede de
las municipais e estaduais, os alimentos pro-
ensino pública de ensino tivessem merendas
duzidos em áreas de Reforma agrária estão
com alimentos orgânicos e entre outras coi-
presentes na merenda escolar de 1 milhão de
sas, o que retrata a importância em nível na-
crianças e jovens, em mais de 250 municípios
cional da criação e manutenção das políticas.
do estado.
Todavia, desde 2016 recursos direcio-
O acampamento José Lutzenberger,
nados para as políticas públicas da agricul-
no município de Antonina, é uma das áreas
tura familiar foram drasticamente reduzidos
da Reforma Agrária que participa do PNAE.
sob a justificativa do ajuste fiscal, o que vem
O acampamento, por meio da Associação Fi-
inviabilizando a continuidade dos programas.
lhos da Terra, atende a quatro municípios pela
O corte orçamentário do PAA foi um dos mais
rede estadual (Guaratuba, Morretes, Antoni-
debatidos e publicizados. Em 2016, o recur-
na e Pontal do Sul) e outros três (Matinhos,
so destinado para o programa foi de 526 mi-
Antonina e Guaratuba) pela rede municipal
lhões, já em 2017 o orçamento ficou em 318
de educação. A cada semana são enviados
milhões e em 2018 girou em torno de 750 mil,
para a rede estadual 1080 kg de tubérculos,
ou seja, um corte de 99,76% - o que pratica-
1545 kg de frutas, 390 kg de hortaliças e 45
mente extingue o programa.
kg de tempero, informa Ana Paula Rodrigues.
Por ser a mais antiga política pública
A agricultora explica que para a rede
de segurança alimentar e nutricional do Bra-
municipal a quantidade varia de acordo com
sil, o PNAE reuniu ao longo dos anos avan-
a demanda da nutricionista escolar e, além
ços e estruturas que lhe renderam o título de
dos alimentos in natura, também são envia-
referência para outros países, como o maior

48
programa de alimentação e nutrição da Amé- mas similares, como a aquisição de alimen-
rica do Sul, reconhecido internacionalmente tos da agricultura familiar para a alimentação
no âmbito da Organização das Nações Uni- escolar, é uma decisão política. Diante deste
das para a Alimentação e a Agricultura (FAO). cenário, principalmente em relação ao PAA,
Com isso, apesar do período político de cor- o governo escolhe não mais trabalhar com a
tes nos programas sociais, o governo ainda erradicação da fome e com o fortalecimento
mantém a destinação orçamentária para a da produção da agricultura familiar. Além dis-
política. Contudo, é importante destacar que so, quebra o vínculo direto do produtor com o
alguns municípios não aplicam a verba re- consumidor o que gera consequências tanto
passado pelo governo federal, como é o caso para a população vulnerável que tinha aces-
de São Paulo, que em 2017, dos R$ 108 mi- so à alimentação saudável, quanto para os
lhões que constavam do orçamento, somente agricultores que tinham incentivo a mais para
R$ 28,5 foram aplicados (26,2%), outros R$ produção e escoamento.
5,5 milhões (5,2%) foram congelados. Ainda,
É preciso garantir que tais políticas
são diversos os relatos sobre a demora em as
públicas sejam mantidas e desenvolvidas no
prefeituras efetuarem o pagamento dos pro-
Brasil. Para isso é imprescindível que no bojo
dutos fornecidos pelos agricultores. Assim, é
das lutas sociais estejam as pautas da sobe-
necessário a sociedade estar atenta e lutar
rania e segurança alimentar, do incentivo a
pela permanência desse programa que é tão
agricultura familiar, da agroecologia. E enfim,
importante para o país.
seguir sendo um país livre da miséria e refe-
Não há dúvidas de que investir no Pro- rência mundial na produção e distribuição de
grama de Aquisição de Alimentos e em progra- alimentos.

Fotos: Henrique Kugler

49
Produção animal agroecológica no Assentamento
Santa Maria, em Paranacity

Daniela Calza15 -estar dos animais e garantir a qualidade de


produção, livre de agrotóxico e transgênicos.
N o Brasil a agricultura familiar e
camponesa é responsável pela
produção de alimentos, tanto de origem ve-
Neste sentido uma das práticas de pro-
dução agroecológica trabalhada em diversos
getal quanto animal. A atividade leiteira sem- Assentamentos e unidades de produção fa-
pre foi realizada pelos camponeses, mesmo miliar é o Pastoreio Racional Voisin (PRV).
sendo apenas para consumo da família. Mas Sendo uma eficaz tecnologia para a criação
no mercado mundial atual o leite é conside- animal de herbívoros de forma agroecológica.
rado uma commodity. No entanto pelas ca-
Mas o que é o PRV? É um método de
racterísticas deste produto e da maneira que
manejo racional dos pastos baseado na inte-
é produzida, seja pelas diferenças entre re-
gração do solo-pasto-animal, conduzido pelo
giões, estações do ano, promovem constan-
humano. Este manejo consiste na permanen-
tes variações no preço e qualidade do leite.
te mudança de lotes de animais nos piquetes
Mudanças ambientais afetam muito a quan-
em uso com a finalidade de aproveitar a maior
tidade e a qualidade da produção, isso inter-
quantidade de pasto produzida, aumentar o
fere na padronização exigida pelo mercado,
depósito de material orgânico (bosta e urina)
muitos confundem essa variação e dificulda-
evitar o consumo do rebrote e garantir que os
de de padronização com menor qualidade. E
animais consumam a pastagem de melhor
o que ocorre é que a padronização não é feita
qualidade, ou seja a planta estará no ponto
pela qualidade, ela é determinada pelo lucro,
ótimo de repouso, aonde a concentração dos
o que traz graves consequências para quem
nutrientes é maior.
produz e para quem consome.
O fundamento do PRV é o cuidado ne-
O agronegócio se interessou por esta
cessários para o pasto, para que ele possa
atividade a partir de 1990, com o crescimen-
dar os máximos rendimentos no momento de
to dos sistemas de confinamento no Brasil.
sua maior produção e de sua melhor qualida-
A partir disso, muitos agricultores se viram
de. Por isso se utilizam critérios para ocupar
com a atividade inviável, pelos altos custos
as parcelas e se priorizam tempos de ocupa-
de produção e investimentos para produção
ção curtos para evitar a degradação da pasta-
em grande escala e que atenda a legislação
gem por excesso de pisoteio ou consumo de
vigente.
rebrote das gramíneas. O manejo do PRV é
Porém surge o esforço das organiza- garantido respeitando suas leis, existem qua-
ções dos trabalhadores do campo, junto a tro leis universais do pastoreio racional Voi-
pesquisa com universidades e pesquisado- sin. As duas primeiras leis dizem respeito ao
res, apoiadores da agricultura familiar e cam- pasto, e as outras duas se referem ao gado.
ponesa, para avançar em um modelo de pro-
dução sustentável para a produção de leite,
que viabilize, a partir da cooperação e a da
agroecologia de forma a se respeitar o bem- O que é o PRV?

É um método de manejo racional dos


pastos baseado na integração do solo-
15 Tecnóloga em Agroecologia, especialista em Produção -pasto-animal, conduzido pelo humano.
de Leite Agroecológico, mestranda em Agroecologia pela
UEM.

50
Para se cumprir as leis universais do Além a da produção a partir da divisão
PRV é necessário fazer a divisão da área em da área e manejo do PRV, é necessário que
no mínimo 60 piquetes, em cada piquete e esse seja realizado com outras técnicas alia-
com estudo da área para as divisões das par- da, como por exemplo a introdução de siste-
celas (com o uso de cerca elétrica e que se- mas Silvipastoris.
jam principalmente quadrados), corredores,
água e sombreamento com árvores.

1
° Lei do Repouso:
tempo necessário para que as raízes dos pastos possam armazenar suas reservas
e permitam um rebrote vigoroso. E para que atinja sua maior produção de pasto.

2
° Lei da Ocupação:
Tempo que o animal permanecer na parcela, este deve ser suficientemente rápido
para que o animal não consuma o rebrote do pasto (não pode passa de 1 a 2 dias
na mesma parcela)

3
° Lei do Rendimento Máximo: É necessário organizar o rebanho em dois grupos,
que os animais de maior exigência nutricional, as vacas em lactação entram primeiro
na parcela (Desnate) em seguida o lote de animais com menor exigência, exemplo
vacas secas (Repasse). Os rendimentos serão máximos quando não permanecem
por mais de um dia no piquete.

4
° Lei do Rendimento Regular: esse deve respeitar a troca de parcela ou piquete a
partir do ponto ótimo de repouso, assim não se utiliza por sequência o piquete ao
lado, a não ser que o pasto apresente estar em seu “ponto ótimo de repouso”, ou
seja nunca terá uma ordem sequencial do piquete sem considerar o estado da plan-
ta, a foto a seguir mostra um pouco desse manejo e respeito às leis do PRV.

Piquete pastoreado e ao lado piquete em espera para atingir o ponto ótimo de


repouso em piquetes da Unidade de PRV da COPAVI, em janeiro de 2019.
Foto Daniela Calza

51
Sistemas Silvipastoris: Nos siste- ria (COPAVI). Esta organização tem por ob-
mas silvipastoris as árvores são intencio- jetivo garantir a sustentabilidade econômica
nalmente utilizadas como componentes da e social das famílias associadas à Coopera-
pastagem, em associação com forrageiras tiva. Todas as atividades produtivas realiza-
herbáceas/arbustivas e com os animais, das no assentamento seguem os princípios
numa mesma área de maneira simultânea da agroecologia e contam com certificação
ou sequencial. de produção orgânica realizada pela rede
de agroecologia e certificação participativa
Em um sistema silvipastoril as árvores
da Rede Ecovida desde 2000 para a produ-
não são apenas um componente para forne-
ção vegetal. E desde 2017 vem trabalhando
cer sombra aos animais, estas devem cum-
a produção orgânica do leite, no entanto foi
prir três funções fundamentais:
certificada oficialmente a produção em maio
Essas duas tecnologias mereceriam de 2019.
uma descrição maior dos seus princípios,
A Cooperativa está organizada nos
modo de fazer, orientações, no entanto va-
seguintes setores: a) setor de apoio (admi-
mos tentar exemplificar esses modelos em
nistrativo, comércio, padaria e refeitório),
um exemplo prático e em desenvolvimento
b) setor de sustento familiar (horta e pomar
no Assentamento Santa Maria, em Parana-
agroflorestal) e pecuária leiteira) cana e de-
city, na região noroeste do Paraná.
rivados (responsável pela produção e bene-
Desde seu princípio, após ocupação ficiamento da cana de açúcar, transforman-
em 1993, o Assentamento Santa Maria, está do em melado, cachaça e açúcar mascavo,
organizado de forma coletiva, através da além de cultivos anuais consorciados junto
Cooperativa de Produção Agropecuária Vitó- ao plantio da cana).

Piquetes usados para o trabalho, com sistema silvipastoril com leucena em março de 2018.
Foto: Daniela Calza

52
A Produção de leite agroecológico no

1
assentamento: A produção leiteira da COPA-
º Função produtiva: referen-
VI é realizada à base de pasto sob manejo
te aos produtos arbóreos
do Pastoreio Racional Voisin (PRV), desde
tais como madeira, frutos,
2003, quando iniciou a orientação técnica
sementes e folhas, além de
do professor Luiz Carlos Pinheiro Machado
proporcionar alimento forrageiro
a mudança no sistema de produção de leite.
para os animais.
Nos últimos anos têm sido implantados sis-
temas silvipastoris na unidade de produção
leiteira junto ao PRV.

2
A implantação tem sido feita com di-
ferentes espécies arbóreas, cultivadas em º Função ecológica: a qual
consórcios com cana de açúcar ou plantadas diz respeito ao aspecto am-
diretamente nos piquetes com alporques de biental, quando promovem
alto porte com Leucena (Leucaena leucoce- ciclagem de nutrientes no
phala) ou mudas de eucalipto, mogno africa- solo, atividade microbiana no solo,
no, entre outros, visando conforto térmico e manutenção de umidade, diminui-
diversificação da alimentação dos animais. ção da variação térmica e favoreci-
Atualmente a área de pastagem ocupa 32 ha, mento da presença de animais sil-
sendo um desafio a implantação de silvipas- vestres.
toril em toda essa área, que hoje corresponde
em torno de 20% sombreada.

3
No processo de organização da pro-
dução agroecológica também foi realizada a º Função de promoção do
substituição gradual de animais da raça Ho- bem-estar animal: a presen-
landês do rebanho por raças mais rústicas e ça das árvores nos sistemas
mais resistentes aos efeitos do estresse tér- agropecuários interfere no
mico, já que a região é caracterizada por al- metabolismo e comportamento ani-
tas temperaturas durante o ano e períodos de mal, como por exemplo: manuten-
estiagem no inverno. ção térmica, cuidado corporal, ex-
pressão da dinâmica de hierarquia
Para desenvolver a atividade de pro- nos grupos, e consecutivo aumento
dução leiteira, é fundamental se ter uma boa da produção
administração, ela é o que norteia todas as
outras necessidades. A pirâmide de produ-
ção, apresenta uma ilustração desta ideia.
Sanidade: A sanidade á a base do
processo produtivo, pois os animais estando
em ótimas condições de saúde poderão ex-
pressar suas qualidades e potencialidades. Aprendizado, da teoria à prática:
A promoção de saúde deve ser feita de for- Dentre várias lições já aprendidas nestes
ma preventiva. Para isso se faz necessário anos da atividade, a principal é essa da pre-
à promoção de condições de higiene animal, venção, quando se faz um manejo adequado
do ordenhador, ambiental e instalações, bem da pastagem há diminuição de endoparasi-
como alimentação, água, sombra, seguran- tas, como carrapatos, mosca do chifre, tam-
ça, comportamentos naturais entre outros, os bém procurar não deixar matérias, restos de
quais asseguram bem-estar animal, as vaci- cerca nos piquetes e arredores, evita-se le-
nações são obrigatórias. sões e tratamento de bicheiras.

53
A seguir algumas práticas adotada pela la; homeopatia (Sthaphysagria 18CH); raspa-
atividade de pecuária leiteira da COPAVI. gem e manejo adequado nos piquetes.
Como prevenir e controlar os pa- » Mosca do chifre: EM (Microrganis-
rasitas externos (ectoparasitas) dos ani- mos Eficientes). Raspagem do estábulo.
mais? Por exemplo o carrapato: Com a troca
» Berne: homeopatia (Sthaphysagria
constante dos piquetes, se faz uma rotação
18CH); catação.
de pastagens que causam a quebra no ciclo
de vida do carrapato, também se faz uso de Como previne e controla os vermes in-
plantas, homeopatia, manejo adequado do testinais (endoparasitas) dos animais? Rota-
esterco de animais, controle biológico. ção de pastagens, fitoterapia/Uso de plantas,
homeopatia. Exemplos: Bananeira, “Cina ma-
» Carrapato: bouveria bassiana, banha
rítima em 200 CH”
de porco com essência de plantas (aplicado
sobre área do corpo do animal, EM (Microrga- As doenças mais comuns e os trata-
nismos Eficientes) pulverizado no ambiente e mentos utilizados.
colocado no bebedouro dos animais; Citrone-

Diarreias Mastite

Prevenção: Prevenção: Manejo adequado da orde-


- Rodízio de piquetes dos animais, man- nha, com pré (Com cloro) e pós diping
ter ambiente limpo, com bagaço, ade- (Com iodo e linhaça). Manutenção da or-
quado aos animais. denhadeira mecânica, Teste da caneca
- Manter higiene adequada das mamadei- todos os dias, e de CMT a cada 15 dias.
ras, garantir a temperatura adequada do Secagem correta dos animais, pelo me-
leite fornecido( 36°C a 40°C), bem como nos 2 meses antes do parto, e se cons-
a posição adequada da mamadeira. tar no CMT mastite se faz o tratamento
com homeopatia (Silicia 30CH, Pulsatila
Tratamento: 18CH, Phytolaca 18 CH); Controle pre-
- Homeopatia: Avaliam-se o animal, os ventivo, testes, complexo homeopático).
sintomas.. Ou convencional separado os animais
(isso é feito em casos mais graves, e no
máximo 1 x ano ano/animal. (Se repetir
o problema, o animal é descartado.)

Miiase (Bicheiras)
Babesiose
Prevenção:
Evitar os animais ficarem concentrados Prevenção:
sempre em um mesmo local, evitar lixo, - rodízio de piquetes dos animais,
matérias que podem cortar os animais e manterem ambiente limpo adequado,
provocar ferimentos. sem carrapato.

Tratamentos: Tratamento:
Retirada das larvas, limpeza com iodo, - Quando surge é tratado com medi-
pomada de própolis feita na propriedade. camento convencional (1 x e sepa-
rado o animal)

54
Vacas mestiças em lactação no pastoreio em área de silvipastoril com Mogno Africano (Kaya senegalensis) em pi-
quetes da Unidade de PRV da COPAVI, em janeiro de 2019.
Foto Daniela Calza

Alimentação: Atualmente o manejo produção, ela e a sanidade devem andar


alimentar é feito exclusivamente à base pas- juntos, se o animal não estiver bem nutrido
to, com suplementação no período de inver- compromete sua saúde). Porém aí está uma
no, quando há escassez de pastagem. A pro- dificuldade, encontrar milho e soja orgânico,
dução média de leite do rebanho, pode variar ou uma porcentagem permitida convencional
de 8 L/dia por animal no período de baixa (SEM TRANSGENIA) com preço acessível.
produção de pasto (inverno) e até 10 L/vaca/ Por isso esse manejo deve ser priorizado
dia no verão, quando há maior oferta de forra- para as bezerras e vacas de alta produção,
gem. Essa média pode ser melhorada, a par- e investir sempre na melhoria da pastagem
tir do aumento da fertilidade do solo, conforto e na utilização do excedente de forragem do
aos animais e manejo reprodutivo adequado. verão para o inverno (Exemplo feno ou sila-
gem de pasto).
Outro aprendizado importante: De-
ve-se ter atenção especial a essa condição Sobre a fertilidade das pastagens: O
de estiagem prolongada, no verão o pasto é manejo adequado das pastagens, seguindo
suficiente, mas deve-se neste período inves- corretamente os princípios do PRV e a intro-
tir em capineira e legumineira para o inverno, dução das espécies arbóreas contribui para
sendo que em abril até meados de setembro melhor fertilidade do solo e por fim melhor
se torna obrigatória a suplementação (não é produção de pastos.
substituir o pasto, e sim acrescentar além do
Acesso à água: esta deve sempre es-
pasto, alimento no cocho) com anapier/ cana/
tar disponível aos animais, para economia na
leucena, amora, milho, ração etc.
implantação se usa um bebedouro (formato
Ainda sobre a alimentação: O uso circular) acessível para cada 4 piquetes. Im-
de feno e ração concentrada é importante ser portante: um animal adulto demanda 80 litros
fornecida logo que se faz o manejo alimen- de água por dia para manutenção de seu cor-
tar com leite aos bezerros, para esse formar po, e mais 5 para cada litro de leite produzido!!
rúmen, e ter ganho de peso ideal (lembran-
do que as bezerras serão as vacas do futu-
ro, um adequado tratamento neste período Produção do conhecimento
determinará a qualidade do animal adulto). agroecológico
É recomendado também as vacas de maior
produção, ou seja, acima da média também A partir das diversas organizações de
receberem suplementação, para manter o movimentos sociais, foi construído a Escola
pico de lactação e manutenção do animal Latina Americana de Agroecologia – ELAA.
(lembrando que alimentação é a base da Que tem em seus princípios o estudo voltado

55
para a formação técnica e militante de tecnó- comparado ao solo sob PRV a campo aberto,
logos em agroecologia, entendendo que teo- apresentando potencial de recuperação de
ria e pratica são fundamentais no processo solos arenosos. Os indicadores de qualidade
de construção do conhecimento. Diante dis- do solo que mais evidenciaram o potencial
so, e da referência de produção agroecológi- da arborização em pastagens foram a ativi-
ca da COPAVI, foi implantado em 2010, um dade biológica, a compactação, a infiltração
sistema silvipastoril formado por alporques de água no solo e o teor de matéria orgânica.
de grande porte de Leucena, fruto do traba- Como também e a tecnóloga Daniela Calza
lho de conclusão de curso do Educando da (Assentada no assentamento Santa Maria),
ELAA Edmarilson Rodrigues. Em menos de a qual desenvolveu sua pesquisa de mestra-
4 anos já foi possível observar mudanças na do em Agroecologia pela Universidade Esta-
qualidade do solo e da pastagem, tanto em dual de Maringá - UEM. O trabalho mostrou a
diversidade de vida biológica (rola bostas e existência de efeitos do sistema silvipastoril
minhocas) e de pastagem diversificada e com Leucaena leucocephala em relação aos
com maior produção de massa verde. Após parâmetros fisiológicos e comportamentais
oito anos de implantação, em 2018 foi pos- das vacas leiteiras da COPAVI, o trabalho
sível esta área servir como objeto de estudo ainda concluiu que os sistemas silvipastoris
para o Engenheiro agrônomo Donizete Alves junto ao manejo de pastagem com PRV se
(Assentado no assentamento Santa Maria), mostram uma importante opção para melhor
pela Universidade Federal da Fronteira Sul. O rendimento, produção de leite e bem-estar
qual concluiu que o solo sob PRV arborizado animal.
apresentou os melhores resultados quando

Jovens assentados(as), estudantes durante início de coleta de dados da pesquisa


de mestrado sobre o efeito do sistema silvipastoril de leucena Leucena (Leucaena
leucocephala) nos parâmetros fisiológicos, produtivos e comportamentais de vacas
mestiças. Foto: Rafael Cardoso.

56
Permacultura

Foto: Catiane de Medeiros

Gisele Carneiro16 paços, pensando na sustentabilidade e nas

V
gerações futuras. O nome vem de duas pala-
ocê Já refletiu sobre os impactos
vras: cultura e permanência, ou seja: “cultura
ambientais causados por cada
permanente”.
construção erigida, no campo e na cidade?
Sobre a extração e esgotamento de recursos A permacultura envolve o conhecimen-
da natureza e geração de resíduos poluen- to científico, e este conhecimento científico
tes? E se houvesse a possibilidade de viver dialoga com conhecimentos milenares, popu-
em locais nos quais fosse possível comunhão lares e ancestrais. Busca-se sintonia com a
com a natureza e se promovesse o mínimo natureza e se nutre um sentimento de grati-
de impacto ambiental negativo? Você já pen- dão por tudo o que ela oferece: água, vento,
sou em morar numa casa ecológica? sol, terra, vegetação. Cria-se conexão e rela-
ção de cuidado com tudo o que está ao redor:
Estamos falando de bioconstruções,
as pessoas do lugar, o tempero e o chá do
que fazem parte da permacultura, ou seja:
quintal, os animais, enfim: a biodiversidade
uma ciência que se dedica a pensar formas
como um todo.
diferentes de ocupar os espaços, para que
seres humanos possam conviver de for-
ma harmoniosa com plantas, animais, terra,
água, enfim: com todos os seres da nature-
za. Envolve o manejo de recursos naturais, Princípios básicos e fazem parte da
ecologia, o uso de energias renováveis. Tra- ética da permacultura
ta-se de uma forma diferente de ocupar es- Cuidado com a terra
Cuidado com as pessoas
16 Assistente social, educadora popular, terapeuta reikiana Cuidado com o futuro
no empreendimento de economia solidária “União Terapêuti- Partilha do excedente
ca”, da Rede Mandala. Atua no Centro de Formação Urbano
Rural Irmã Araújo (Cefuria).

57
Bioconstrução Permacultura possibilita conexão com
a natureza e aquisição de um conhecimento e
Bioconstrução, é o nome que se dá
de um modo de vida que é transmitido de ge-
aos ambientes sustentáveis de convívio hu-
ração a geração, rompendo-se com um ciclo
mano. Existem técnicas de construção que
de desumanização que é vivido nos grandes
pensam o espaço de forma planejada e uti-
centros urbanos ou nas áreas rurais onde rei-
liza-se material encontrado no local, como
nam as monoculturas.
terra, palha, bambu, madeira reaproveitada,
dentre outros. Você deve estar pensando que a
permacultura possa ser algo distante, que
A bioconstrução é técnica incorporada
somente famílias de alta renda podem ter
pela permacultura. Envolve divisão da área
acesso, mas esse é um engano. As biocons-
de forma racional, ou seja: leva em conta to-
truções são acessíveis a todas as pessoas,
pografia do terreno, o vento, a disponibilidade
independentemente de sua renda. Pode ser
ou não de água.
uma estratégia de moradia popular e já é rea-
As construções se dão sob a forma de lidade em assentamentos da reforma agrária,
mutirão, desde o preparo de materiais para nos quais as famílias puderam melhorar sua
construção até a execução. O trabalho em qualidade de vida e ao mesmo tempo apren-
mutirão tem muitos aspectos importantes: der que todo o planeta se beneficia quando a
proporciona envolvimento direto das famílias, natureza é cuidada e seres vivos vivem em
favorece a socialização, a solidariedade, pro- comunhão.
move rapidez e diminui o custo da constru-
ção. Além disso, as pessoas envolvidas no
mutirão se socializam e se empoderam, por- Como são as bioconstruções?
que aprendem técnicas e podem ser multipli-
Há várias técnicas de bioconstrução,
cadoras.
que envolvem dar um destino sustentável
A permacultura não é só construção para os resíduos que todos nós produzimos e
ecologicamente correta, envolve também causar impactos positivos na natureza.
uma mudança cultural, porque nos desafia a
repensar nossos hábitos e a desconfiar que
não há normalidade nas nossas rotinas apa-
rentemente inofensivas, como despejar lixo Técnicas de Bioconstrução
na natureza ou lançar dejetos para as águas
levarem. Envolve prestar atenção nos hábi- Fossas ecológicas;
tos cristalizados, buscar reconexão com a na-
Banheiro seco, com serragem;
tureza, como faziam nossos ancestrais, e agir
de forma diferente. Tratamento de esgoto – esgoto que vira
A mudança cultural também ocorre adubo;
porque a prática toca em valores enraizados Armazenamento de água de chuva e
na sociedade capitalista: a competição e o coberturas vegetais.
individualismo. Tais valores fazem com que
seres humanos se isolem, busquem resolver
individualmente seus problemas, enxerguem
as pessoas próximas como inimigas e rivais. Aqui não explicaremos sobre cada téc-
Viver em comunidade e trabalhar em coope- nica, mas logo adiante estão as referências
ração, em comunhão com as outras pessoas de textos, cartilhas e vídeos que você poderá
e com demais seres viventes é libertador e consultar e aprofundar o seu conhecimento.
favorece a saúde.

58
Para concluir
Finalizamos destacando a importância
de não mais produzirmos impactos negativos
na natureza, mas promovermos impacto po-
sitivo. Ou seja: além de preservar a nature-
za, buscar restaurar o que está danificado,
reconstruindo meios de vida e a integridade
ecológica da Terra. A permacultura nos orien-
ta nessa direção.
Segundo a Carta da Terra, II – 5 é ur-
gente “proteger e restaurar a integridade dos
sistemas ecológicos da Terra, com especial
preocupação pela diversidade biológica e pe-
los processos naturais que sustentam a vida”.

Referências:
Curso de bioconstrução. Ministério do Meio Ambiente. Se-
cretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentá-
vel. Departamento de Desenvolvimento Rural Sustentável.
Texto elaborado por Cecilia Pronpt. Disponível em : https://
comosereformaumplaneta.files.wordpress.com/2013/09/cur-
so-de-bioconstruc3a7c3a3o.pdf Acesso em 28 jun.2019

Carta da Terra - http://www.mma.gov.br/estruturas/agen-


da21/_arquivos/carta_terra.pdf

Vídeo “Permacultura no MST” - Pemacultura: assentamento


sustentável. Arquitetura, bioconstrução - mst. 20 de junho
de 2010. Disponível em https://www.youtube.com/watch?-
v=HDCruWQucag

Vídeo: Construção de casas ecológicas com o MTST. 30 e


junho de 2018. Disponível em https://www.youtube.com/wa-
tch?v=gTQl7FCkEhY

UFSC – O que é permacultura? Disponível em http://perma-


cultura.ufsc.br/o-que-e-permacultura/

59
A necessária política de redução de agrotóxicos

Foto: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Campanha Permanente Contra os Agrotóxi- agrotóxicos (Lei 7.802/1989) a fim de acelerar


cos e Pela Vida as liberações comerciais, possibilitar a venda
de agrotóxicos com “riscos aceitáveis”, dar
L iberar agrotóxicos tem se mostrado
como a grande prioridade do Ministé-
rio da Agricultura e Pecuária (MAPA) no gover-
superpoderes ao Ministério da Agricultura em
detrimento da ANVISA e do IBAMA, legalizar
as misturas de agrotóxicos e possibilitar o re-
no de Jair Bolsonaro. Já são 290 (atualização
ceituário agronômico “de gaveta”, isto é, prévio
agosto/2019) produtos de agrotóxicos libera-
à ocorrência da praga.
dos somente neste ano de 2019, caracterizan-
do-o como o governo que proporcionalmente Neste ano também houve o processo
mais liberou a comercialização de agrotóxicos de reavaliação da ANVISA sobre o glifosato e
no país. Dentre os produtos liberados, cerca o 2,4D, os dois agrotóxicos mais utilizados no
de 26% são proibidos na União Europeia, se- Brasil. O 2,4D, um dos componentes do agen-
gundo o Greenpeace. te laranja, conhecido pelo seu uso na guerra
do Vietnã, é classificado pela Agência Inter-
A atual ministra da agricultura, que no
nacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC),
ano passado era a presidenta da Frente Parla-
parte da Organização Mundial de Saúde,
mentar Agropecuária (FPA), a denominada po-
como possivelmente cancerígeno, além de ser
pularmente de “bancada ruralista”, neste novo
associado a problemas hormonais e reprodu-
papel não tem medido esforços para acelerar
tivos. O glifosato, cujo conglomerado transna-
a liberação desses agrotóxicos. Ela já havia
cional que mais vende é a Bayer-Monsanto, já
sido a principal articuladora para a aprovação
foi considerado em 2015 como “potencialmen-
do “Pacote do Veneno” na comissão especial
te cancerígeno” pela IARC e, mesmo assim, a
da Câmara dos Deputados, com proposta de
ANVISA ainda afirma que o produto não causa
texto substitutivo do deputado federal para-
danos à saúde humana. Ambos os agrotóxicos
naense Luiz Nishimori. O substitutivo é origi-
foram mantidos com registro no mercado bra-
nado de várias propostas legislativas, dentre
sileiro, com parecer favorável da ANVISA.
elas o Projeto de Lei nº 6.299/2002 de autoria
de Blairo Maggi, o “rei da soja” e ex-ministro O glifosato é um dos principais agrotóxi-
da agricultura do governo de Michel Temer. cos utilizados nas culturas de soja e de milho,
A nova proposta altera a atual legislação de ambas com o maior número de variedades

60
transgênicas modificadas para tolerar este e ma de Análise de Resíduos de Agrotóxicos
outros tipos de herbicidas. É preciso lembrar, em Alimentos19 pela Secretaria de Estado da
portanto, que somente de plantas genetica- Saúde do Paraná, constatou-se que as frutas
mente modificadas são autorizadas comercial- e verduras como o alface, o morango e a uva
mente 86 variedades pela Comissão Nacional excederam os limites máximos de resíduos de
Técnica de Biossegurança (CTNBio) no Brasil, agrotóxicos em alimentos. Ou seja, estão aci-
sendo que destas 66 são modificadas para to- ma do permitido ou não autorizado pela legis-
lerar herbicidas. lação brasileira.
A utilização massiva de agrotóxicos im- Mas não é só o veneno que avança,
plica não apenas a elevação de veneno em a resistência dos agricultores e agricultoras,
nossos alimentos, mas de danos coletivos pesquisadores/as, ambientalistas, comunida-
imensuráveis à água e aos polinizadores, es- des tradicionais e consumidores/as cresce e
senciais para a reprodução de vida e da bio- pressiona por mais saúde e agroecologia, em
diversidade. De acordo com laudo divulgado especial na esfera do Legislativo para estraté-
pela Companhia Integrada de Desenvolvi- gias de redução de agrotóxicos, seja em âmbi-
mento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc)17, to local, regional ou nacional.
a mortalidade em massa de abelhas ocorreu
Em resistência ao “Pacote do Veneno”
por contaminação pelo agrotóxico Fipronil,
tramita, também na Câmara dos Deputados, a
produto muito usado em lavouras de soja. Na
proposta que institui a Política Nacional de Re-
mesma linha, pesquisadores da Universidade
dução de Agrotóxicos (PNARA), que visa criar
de São Paulo relacionaram a morte de meio
medidas de restrição da aplicação de agrotóxi-
bilhão de abelhas com uso indiscriminado de
cos e incentivos à transição para modelos sus-
agrotóxico18.
tentáveis de produção agrícola, como a agroe-
Já em relação à contaminação das cologia. O Projeto de Lei nº 6.670/2016 foi
águas em todo o país, dados alarmantes do proposto pela Associação Brasileira de Saúde
Ministério da Saúde foram compilados pela Coletiva (ABRASCO), e é fruto de mobilização
Repórter Brasil, Agência Pública e Public Eye e organização social construída no âmbito da
a partir do Sistema de Informação de Vigilân- Comissão Nacional de Agroecologia e Produ-
cia da Qualidade da Água para Consumo Hu- ção Orgânica (CNAPO).
mano (Sisagua), que reúne os resultados de
Nesse sentido, iniciativas legislativas
testes feitos pelas empresas de abastecimen-
municipais e estaduais que visam a vedação
to. Os testes identificaram que as águas bra-
ou diminuição do uso de agrotóxicos na agri-
sileiras possuem contaminação por ao menos
cultura vêm se fortalecendo com a incidência
27 tipos de agrotóxicos, sendo que em 1 de
da sociedade civil. Um exemplo importante é a
cada 4 municípios do Brasil, estão contamina-
Lei Estadual nº 16.820/2019 que veda a pulve-
das. O Paraná é um dos estados cujos dados
rização aérea de agrotóxicos em todo o estado
são mais preocupantes , vez que 326 dos 399
do Ceará. Nessa mesma linha a Assembleia
dos municípios foram identificadas as 27 varie-
Legislativa do Estado do Paraná aprovou na
dades de agrotóxicos.
Comissão de Constitucionalidade e Justiça
Além disso, no Paraná, de acordo com tramitação do Projeto de Lei (PL) 02/2018, de
relatório divulgado pelo PARA/PR - Progra- autoria do deputado Tadeu Veneri (PT), que
proíbe a pulverização aérea em todo o esta-
do, entretanto essa ainda é uma vitória parcial,
pois depende de aprovação no plenário da Câ-
17 SPAUTZ, Dagmara. Laudo comprova que agrotóxico cau-
sou morte de abelhas em SC. NS Total. Disponível em:>ht- mara para se tornar lei estadual.
tps://www.nsctotal.com.br/colunistas/dagmara-spautz/laudo-
-comprova-que-agrotoxico-causou-morte-de-abelhas-em-sc
<acesso. Mai. 2019.
18 ARAGAKI, Caroline. Morte de meio bilhão de abelhas
é consequência de agrotóxicos. Jornal da USP, 05, abr 19 BRASIL, Secretaria da Saúde. Programa de Análise de
.2019.Disponívelem:>https://jornal.usp.br/atualidades/mor- Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos - PARA. Disponível
te-de-meio-bilhao-de-abelhas-e-consequencia-de-agrotoxi- em: >http://www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteu-
cos/>acesso. Mai. 2019. do.php?conteudo=558<acesso em Mai. 2019.

61
A aprovação de legislações como essas são de grande importância para a sociedade no
sentido de refletir sobre os impactos que os agrotóxicos têm causado a saúde humana e à bio-
diversidade. Todos nós podemos incidir nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas
estaduais e no Congresso Nacional para pressionar por Políticas municipais, estaduais e nacional
de redução de agrotóxicos, saiba mais em: https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/Cartilha-
-A5---AGROTOXICOS-%28web%29.pdf

Pacote do Veneno x Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA)

Pacote do Veneno PNARA


- Mudança do termo “agrotóxico” para “pesticida”; - Estímulo aos Sistemas de Produção e Tecnolo-
gias Agropecuárias Sustentáveis (SPTAS);
- A vedação da importação e produção de agrotó-
xicos restringe-se aos “riscos inaceitáveis”. Atual- - Remoção de subsídios e de benefícios tributá-
mente, a lei define claramente a proibição para rios para a utilização de agrotóxicos;
agrotóxicos que revelem características terato-
gênicas, carcinogênicas, mutagênicas, distúrbios - Criação do Sistema Nacional de Informações
hormonais e danos ao aparelho reprodutor. sobre Agrotóxicos e Agentes de Controle Biológi-
co (SINAG);
- Maior poder ao MAPA, que seria o órgão res-
ponsável pelo registro dos agrotóxicos. Hoje o re- - Incentivo às compras governamentais de ali-
gistro passa pelo IBAMA, pela ANVISA e MAPA. mentos oriundos de sistemas de produção sem
O MAPA passa a ser o órgão registrador e IBAMA agrotóxico, de base orgânica ou agroecológica;
e ANVISA podem apenas avaliar ou homologar - Estipulação de metas para redução de área
avaliações; plantada e agrotóxicos; dos casos de intoxicação;
- Permanece o registro eterno de agrotóxicos no do número de casos e dos níveis de resíduos de
Brasil. Restringe a reavaliação a ocorrência de agrotóxicos encontrados nos recursos hídricos
avisos de órgãos internacionais; e, em especial, nos mananciais de captação de
água potável; do uso de agrotóxicos com efeitos
- Atualmente, não existe um prazo fixo para que sobre organismos benéficos, principalmente os
os órgãos do Governo Federal se manifestem so- polinizadores; da utilização de agrotóxicos com
bre pedido de pesquisa ou de liberação comer- maiores níveis de toxicidade;
cial de agrotóxicos. O PL delimita uma série de
prazos rápidos (até 2 anos)e ainda prevê pena - Ampliação gradativa de produtos orgâ nicos
deresponsabilidade aos órgãos federais regis- no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
trantes se não cumpridos os prazos de registro e no Programa Nacional de Alimentação Escolar
e reavaliação.- Quando não houver a manifesta- (PNAE), com incentivo econômico de 30%;
ção conclusiva pelos órgãos responsáveis pela - Incentivo econômico superior a 20% aos produ-
Agricultura, Meio Ambiente e Saúde dentro dos tos agroecológicos nas demais compras do go-
prazos estabelecidos para registro de um agro- verno federal; - Vedação de procedimentos por
tóxico, este receberá uma autorização temporá- parte das instituições financeiras que vinculem
ria. Na prática pode criar a indústria dos registros ou induzam a utilização de pacotes tecnológicos
temporários. baseados em produtos agroquímicos na contrata-
- Quando não houver a manifestação conclusiva ção do crédito rural oficial e do seguro rural;
pelos órgãos responsáveis pela Agricultura, Aprimoramento do Programa de Análise de Resí-
Meio Ambiente e Saúde dentro dos prazos duos de Agrotóxicos de Alimentos - PARA, a ser
estabelecidos para registro de um agrotóxico, este implementado pela Agência
receberá uma autorização temporária. Na prática
pode criar a indústria dos registros temporários. Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA
- Os agrotóxicos destinados exclusivamente à ex- - Avaliação periódica de agrotóxicos ao menos a
portação serão dispensados de registro no órgão cada 10 anos.
registrante. Também são dispensados da apre-
sentação dos estudos agronômicos, toxicológicos
e ambientais.

62
Biopirataria e apropriação dos conhecimentos
tradicionais

Foto: ISA

Ana Carolina Dartora20 Essa espécie, que era usada pelos indígenas
para a fabricação de corantes, foi levada para
A Biopirataria pode ser definida como
a utilização de recursos naturais e
conhecimento tradicional sobre esses recur-
a Europa pelos portugueses. Iniciou-se aí a
exploração da planta e a utilização do conhe-
cimento tradicional.
sos sem a autorização do Estado, o que fere
a Soberania Nacional e sem a autorização Por ter uma grande biodiversidade,
dos povos e comunidades tradicionais, ferin- ainda hoje há uma grande exploração dos
do a autonomia desses povos. recursos naturais sem autorização no nosso
país. Com os avanços na área da biotecnolo-
O tráfico de animais, a extração de
gia, a exploração tornou-se ainda maior, uma
princípios ativos e a utilização do conheci-
vez que transportar material genético é mais
mento da população indígena sem autoriza-
“simples” do que transportar um animal ou
ção são exemplos de biopirataria.
uma planta, por exemplo.
A biopirataria no Brasil teve início com
A exploração ilegal dos recursos na-
a invasão europeia, quando ocorreu uma in-
turais e do conhecimento tradicional gera
tensa exploração de pau-brasil, uma espécie
grandes prejuízos para o país, para os povos
de porte médio da família das leguminosas.
indígenas, para as comunidades tradicionais
e para os/as camponeses/as, tanto econômi-
cos quanto ambientais. No que diz respeito à
20 Feminista Negra, Mestra em Educação, Secretária da economia, o país é prejudicado porque a co-
Mulher Trabalhadora e Direitos LGBTI do Sindicato dos Tra- mercialização dos produtos gera lucros que
balhadores em Educação Pública do Paraná APP-Sindicato.

63
não são repartidos de forma justa para o país a sua ação hepática, que a empresa passou
detentor do recurso e para as comunidades a reivindicar como descoberta sua, obtendo
tradicionais. patente e exclusividade de vendas.
A biopirataria também causa danos ao Acontece que o uso do quebra-pedra é
meio ambiente, pois coloca em risco a bio- conhecido há muito tempo na Índia contra vá-
diversidade. Ao explorar fortemente uma es- rios problemas do fígado, entre eles os vários
pécie, sua população diminui e, consequente- tipos de hepatite, porque estimula a regenera-
mente, elevam-se os riscos de extinção. ção do próprio tecido do órgão, embora sem
ação específica contra o vírus da hepatite B.
Existem diversos produtos farmacêu-
ticos feitos com produtos nativos do Brasil, O filanto ocorre naturalmente em vá-
talvez o principal exemplo atual seja o do rias regiões do Brasil também, e na Amazônia
jaborandi, que contém a molécula pilocarpi- sua ação contra a hepatite B já é conhecida,
na, medicamento fundamental para o com- tanto que um laboratório público nacional, a
bate ao glaucoma, fabricado pela Merck. O Farmanguinhos (parte da Fiocruz), preparou
jaborandi é extraído em grande escala (e no início dos anos 90 um projeto para a sua
hoje cultivado até em plantações) no Mara- produção como fármaco em escala comer-
nhão, processado rudimentarmente no Piauí cial, justamente para esta finalidade, quando
e exportado para os Estados Unidos, onde é descobriu a patente norte-americana, no en-
transformado em medicamento para comer- tanto, ela simplesmente desistiu da proposta.
cialização em escala global.
Também existem bactérias brasileiras
O exemplo do jaborandi é trágico não na mira dos biopiratas, segundo levantamen-
só pela dificuldade na repartição de benefí- to sobre a biopirataria internacional publicado
cios, mas pelo desastre ecológico represen- em fevereiro de 1995 pela RAFI (hoje, o Grupo
tado pela extração desenfreada das popu- ETC), há uma série de bactérias extraídas do
lações nativas desse arbusto brasileiro por Brasil e já patenteadas nos Estados Unidos.
coletores pobres a serviço da Merck. Isso sig- Alguns exemplos de patentes sobre micror-
nificou a perda de diversidade interna (entre a ganismos brasileiros depositados na Ame-
espécie) e entre ecossistemas, pela substitui- rican Type Culture Collection (ATCC, centro
ção de ecossistemas tropicais maranhenses oficial nos EUA para depósitos de culturas de
por plantações a perder de vista de jaborandi, microrganismos e de tecidos): microrganismo
pois a empresa não conseguiu sintetizar qui- (Ampullariella) de solo depositado pela Dow
micamente os princípios ativos da planta. Chemical, patenteado para a produção de
isomerase de glucose; microrganismo de solo
Outro exemplo é o do quebra-pedra, ou
da Bristol Labs, patenteado para a produção
erva-pombinha, é uma planta conhecida cien-
do remédio streptonigrin; microrganismo de
tificamente como Phyllanthus niruri Linn, do
solo depositado pela Warner-Lambert/Parke
gênero filanto, e contém substâncias úteis ao
Davis, patenteado para a produção do com-
tratamento da hepatite B, entre outros usos.
plexo CL 1565 de antibióticos; microrganismo
Em 1985, o P. niruri Linn foi patenteado nos
de origem não identificada depositado pela
Estados Unidos, e em 1986, em toda a Euro-
Kaken Pharmaceuticals, patenteado para a
pa, para suas aplicações específicas contra a
produção do remédio antitumoral heterogly-
hepatite B, por uma empresa norte-america-
cans.
na, a Fox Chase Cancer Center, sediada na
Filadélfia. O Viagra também tem seus concorren-
tes amazônicos, um deles já patenteado no
A Fox Chase levantou alguns estudos
Japão. Trata-se da planta muirapuama (Pty-
feitos na Índia, onde são mencionadas ou-
chopetalum spp.), tida como afrodisíaca. A
tras aplicações médicas da planta, mas não
patente foi solicitada no escritório nipônico de

64
patentes em 20.7.1993 pela Taisho Pharma- Um laboratório farmacêutico ou uma
ceutical Co. Ltd., e depois na Austrália, Ca- empresa que desenvolve e vende sementes
nadá, Coréia, Estados Unidos e Comunidade agrícolas, por exemplo, descobre uma plan-
Europeia (PCT Gazette, nº 4/1994, p. 1.600). ta com grande valor comercial e declara que
No resumo do pedido por direitos monopóli- seu uso é uma inovação ou até uma “inven-
cos sobre sua suposta invenção. ção” sua.
O muirapuama é a raiz de um ar- Ela então usa as leis de propriedade
busto da família Olacaceae, que cresce na intelectual para se intitular dona exclusiva de
bacia do rio Amazonas, Brasil, cuja vegeta- sua exploração em quantos países puder.
ção original inclui Ptychopetalum olacoídes,
O Brasil conta com leis fortes de prote-
P. uncinatum e Liriosma ovata. Seu extrato
ção para esse tipo de patentes, de marcas e
é conhecido de tempos antigos como tônico
de cultivares, no entanto a biopirataria, assim,
e afrodisíaco, mas apresenta problemas de,
é o roubo, ou mais formalmente a apropria-
por exemplo, baixa eficácia da droga. Agora,
ção, por mais imprópria que seja de materiais
os inventores atuais descobriram que o ex-
biológicos, genéticos e/ou dos conhecimen-
trato contendo pelo menos 0,033% de beta-
tos comunitários associados a eles em de-
-sitosterol, preparado pela condensação de
sacordo com as normas sociais, ambientais
uma solução obtida pela maceração de uma
e culturais vigentes, e sem o consentimento
droga crua picada contendo muirapuama com
prévio fundamentado de todas as partes in-
50-99% de etanol, tem efeitos tônicos e afro-
teressadas.
disíacos mais potentes do que aqueles dos
extratos convencionais e extratos secos.
No Brasil, existe a Lei 13.123/2015, o
marco nacional da biodiversidade, que é ape-
Referências:
lidada pelos movimentos sociais e comunida-
des tradicionais como Lei da Biopirataria, jus- HATHAWAY, David. Vozes Críticas da Sociedade Civil, de
Alejandra Ana Rotania e Jurema Werneck [organização] Rio
tamente por facilitar o acesso ao patrimônio de Janeiro: E-papers Serviços Editoriais, 2004.
genético e ao conhecimento tradicional asso-
ALBAGLI, Sarita. Geopolítica da biodiversidade. Brasília:
ciado e dificultar a repartição de benefícios. Edições Ibama, 1998. ANTUNES, Paulo de Bessa. Diversi-
dade biológica e conhecimento tradicional associado. Rio de
A lei ainda desprotege comunidades Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2002. 175p.
camponesas, vez que caracteriza o patrimô-
DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade intelectual: a tutela
nio genético com fins agrícolas como de co-
jurídica da biotecnologia. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tri-
nhecimento tradicional de origem não identi- bunais, 2004. 363p. GRUPO ETC. “Del confinamiento global
ficável, de forma que as sementes e mudas al autoconfinamiento: Una crítica al CBD y las Directrices de
crioulas e seu conhecimento tradicional asso- Bonn sobre acceso y reparto de beneficios”. In: Communiqué
nº 83, Enero/Febrero 2004. No site: http://www.etcgroup.org/
ciado ficam desprotegidas, já que não é ne- es/content/del-confinamiento-global-al-autoconfinamiento-u-
cessário o consentimento das comunidades e na-crítica-al-cbd-y-lasdirectrices-de-bonn
povos para o acesso, e a repartição de bene- GRUPO ETC. “Microbial Genetic Resources. Industrial Pa-
fícios se dá somente de forma indireta, para o tents on Microbes from the South; Deposits in the ATCC”.
Fundo Nacional de Repartição de Benefícios. 01 February 1995. No site: http://www.etcgroup.org/content/
microbial-genetic-resources
O mecanismo mais utilizado neste
LIMA, André e Nurit Bensusan (organizadores). Quem Cala
roubo dos recursos da diversidade cultural e Consente? subsídios para a proteção aos conhecimentos
biológica é a patente, ou uma das outras for- tradicionais. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2003.
mas de propriedade intelectual à disposição
no mercado, como a Lei de Cultivares ou os
direitos de marca etc.

65
Criminalização da luta política popular:
uma armadilha na trilha da agroecologia

Foto: Arquivo MST

Eduarda Domingues e Fernando Prioste21 nalização da luta política popular é uma ar-
madilha armada na trilha da agroecologia. O
T em um ditado que diz: aos amigos
tudo, aos inimigos a lei. Essa fra-
se resume muitos dos desafios que o campo
agronegócio e seus apoiadores querem tratar
agroecologistas como criminosos, para estig-
matizar as pessoas que lutam e suas lutas,
popular agroecológico enfrenta nas lutas por
tratando-os como se fossem criminosos.
justiça social. Isso, porque, em geral, o agro-
negócio quer estar livre de regras jurídicas Por isso é preciso ter atenção para o
para ter lucros cada vez maiores, e quer que cenário de criminalização existente na so-
agricultores e agricultoras agroecológicas ciedade brasileira, e entender o papel que
sejam obrigados a seguir muitas e complica- cumpriu nos últimos anos. Não é nenhuma
das leis para terem dificuldades de produzir novidade a criminalização dos movimentos
e vender seus produtos. Na verdade, deveria populares que lutam pela justiça social e a
ser ao contrário, pois a agroecologia produz soberania popular. Lutadoras e lutadores do
alimentos com a natureza e para a natureza, povo sempre foram noticiados pela mídia
e o agronegócio produz lucro no mercado hegemônica como baderneiros, criminosos
destruindo a natureza. e, em regra, são tratados assim pela justiça
brasileira. Logo, é importante compreender
Esse ditado também serve para en-
a forma como a criminalização das lutas tem
tender a situação da prisão do Ex-presiden-
sido usada como instrumento para legitimar o
te Lula. O Ex-juiz Sérgio Moro fui muito duro
desmonte de direitos historicamente conquis-
com ele, mas pediu para o Ministério Públi-
tados.
co pegar leve com o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso. Essa situação também Foi exatamente isso que aconteceu
aconteceu com agricultores e agricultoras com a Operação Agro-Fantasma, em 2013.
que foram presas, a mando do ex-juiz Sérgio Nesse caso 11 pessoas, entre agricultores/
Moro, na conhecida Operação Agrofantasma, as familiares e funcionários da Companhia
que teve um forte impacto negativo no PAA. Nacional de Abastecimento (Conab), foram
presos acusados de estelionato, associação
É diante desse cenário que a crimi-
criminosa, falsificação de documento público,
falsidade ideológica, peculato e prevaricação.
As graves acusações, que não tinham pro-
21 Estudante de direito e assentada da reforma agrária e vas, diziam que haveria corrupção no Progra-
Fernando Prioste, advogado popular da Terra de Direitos.

66
ma de Aquisição de Alimentos (PAA). Essas legitimamos essas notícias de alguma forma
prisões ocorreram sem qualquer fundamento, acabamos por reforçar a criminalização.
o que foi comprovado com a absolvição dos
Também é importante saber que to-
agricultores no final de 2016. O problema é
das as pessoas devem ser consideradas ino-
que mesmo com a absolvição, pois a justiça
centes até que se prove o contrário, em um
reconheceu que não existia crime, quem vai
processo justo. Ou seja, uma acusação não
restabelecer a moral e a honra das pessoas
é uma condenação. Também é importante
que passaram mais de um mês na cadeia in-
saber que as pessoas só podem ser presas
justamente?
após julgados todos os recursos, e que a pri-
Desde então o PAA passou por cor- são preventiva só pode ocorrer em situações
tes orçamentários drásticos que inviabilizam excepcionais, como quando a pessoa acusa-
o Programa, afetando milhares de famílias da comprovadamente tenta fugir ou destruir
agricultoras no país. No ano de 2013 o gover- provas do processo.
no aplicou R$ 224.517.124 para a aquisição
Com essas informações acima temos
de alimentos e no ano de 2018, apenas R$
condição de agir para rebater as medidas
63.330.078 foi destinado ao PAA. Nesses 5
de criminalização contra a luta popular. Mas
anos ocorreu redução de R$ 161.187.046 na
também é preciso ir além, é necessário que
aquisição de alimentos provenientes da agri-
movimentos sociais e outras organizações
cultura familiar. Além disso, a operação criou
populares tenham visão e, principalmente,
ainda mais burocracia no PAA, como sabe
ação crítica junto aos órgãos da justiça, como
quem trabalha com o programa.
o Poder Judiciário, o Ministério Público e a
Da mesma forma acontece com a cri- Defensoria Pública. Esses também são ór-
minalização do Ex-presidente Lula, preso gãos públicos que devem ser disputados pelo
político da Lava Jato desde abril de 2018. A campo popular, e suas ações ilegais também
prisão do Lula foi necessária para que a di- precisam ser devidamente apuradas.
reita ganhasse as eleições, e foi feita pelo
Devemos estar sempre atentos às es-
Ex-Juiz Moro, atual Ministro da Justiça do
tratégias do agronegócio, que ataca e crimi-
Governo Bolsonaro. A prisão de Lula e a vi-
naliza as agricultoras e agricultores agroeco-
tória de Bolsonaro foram fundamentais para
lógicos, as lutadoras e os lutadores do povo.
extinguir, por exemplo, o Conselho Nacional
Sabemos bem que ao defender os direitos do
de Desenvolvimento Rural Sustentável (Con-
povo, e ao levantarmos a bandeira da susten-
draf), a Comissão Nacional de Agroecologia
tabilidade, estaremos nadando contra a maré
e Produção Orgânica (CNAPO) e a Comis-
do capital. Mas não estamos sozinhos. Con-
são Nacional de Desenvolvimento Sustentá-
tamos com companheiras e companheiros,
vel dos Povos e Comunidades Tradicionais
advogadas e advogados populares que se
(CNPCT), dentre outros.
somam à nossa luta na esperança de cons-
Mas se a criminalização é uma ferra- truir um futuro melhor.
menta de conservadores para atacar o cam-
Como fruto dessa resistência, nes-
po popular progressista, o que podemos fazer
te ano teremos a formatura da Turma Nilce
para nos defender?
de Souza Magalhães, pelo curso de direito
A primeira coisa que temos que ter na UFPR. Assim como várias outras turmas
atenção é com a mídia e as redes sociais que compostas por beneficiários da reforma agrá-
espalham informações. Não podemos acredi- ria, a Turma Nilce se somará ao campo da
tar em tudo que a mídia hegemônica diz, como advocacia popular.
a Globo, ou nas notícias que circulam pelo Fa-
Para enfrentar a criminalização é im-
cebook, WhatsApp, Instagram, etc. Temos que
portante empoderar a população sobre seus
ter uma postura crítica sobre tudo o que lemos,
direitos, para isso também é importante saber
em especial quando existem acusações de
como funciona a justiça e para que serve a
crimes, inclusive de nossos inimigos. Quando
criminalização dos movimentos sociais.

67
Educação como uma planta em que todos e todas
temos que trabalhar

Foto: Joka Madruga

Ana Paula Hupp22 e Cleusa Maria dos Santos23 anos de existência: o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária - Pronera. E é
D urante muitos anos, camponeses
e camponesas, sofreram violações
de direitos. Lhes foram negados a terra, o
através dessa importante Política Pública que
se forma, também neste ano, a primeira tur-
ma de bacharéis em direito pela Universidade
trabalho digno, a alimentação saudável e de
Federal do Paraná.
qualidade, e, também negaram o acesso à
educação. Transformar esses processos de O Pronera é fruto de grandes mobili-
violações levou os camponeses a se orga- zações e lutas que ocorreram na década de
nizarem e a semearam intensas jornadas de 1990, quando movimentos campesinos, sin-
lutas. dicatos rurais e comunidades tradicionais, em
prol da educação, pautaram a necessidade
Como resultado, nasceram grandes
de ampliação da oferta educacional aos agri-
conquistas e, neste ano de 2019, uma das
cultores e agricultoras. A partir destas mobi-
principais políticas públicas de acesso à edu-
lizações e reivindicações sobre a educação
cação aos povos campesinos completa 21
do/no campo, foi organizado o I Encontro Na-
cional de Educadoras e Educadores da Re-
forma Agrária (Enera), realizado em 1997 na
22 Integrante da Turma Nilce de Souza Magalhães - turma Universidade de Brasília (UnB), momento em
de direito na UFPR, através do PRONERA - e do Movimento que foi debatida a necessidade de criação
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra.
de um programa especial de educação volta-
23 Militante do Movimento dos Trabalhadores e Trabalha-
doras Rurais Sem Terra, acadêmica do Curso de Direito da do aos beneficiários da reforma agrária. Em
UFPR, Turma Nilce de Souza Magalhães - PRONERA. 2001 o programa foi criado, incorporado jun-

68
to ao INCRA, discutindo como plano inicial a para menos de R$ 12 milhões em 2017. Este
Educação de Jovens e Adultos (EJA). E, em ano, serão apenas 7.850 milhões destinados
2010 o programa se torna uma política públi- à educação do campo.
ca permanente de educação para Reforma
Se pensarmos que o Brasil deixou
Agrária.
de arrecadar em torno de 2 bilhões de reais
Por meio do Pronera, jovens e adultos com o incentivos fiscais aos agrotóxicos só
de assentamentos, acampamentos e comu- em 2018 relativos ao COFINS, o argumento
nidades tradicionais do campo têm acesso a que o país vive um crise e por isso se jus-
cursos de educação básica (alfabetização, tifica tirar dinheiro da educação na verdade
ensinos fundamental e médio), cursos técni- acoberta o que realmente o conhecimento re-
cos profissionalizantes de nível médio, cursos presenta. Basta imaginar a ameaça que era
superiores e de pós-graduação (especializa- para um Senhor de engenho um negro que
ção e mestrado), além da capacitação/forma- aprendesse a ler e escrever, e então tomasse
ção continuada de professores/educadores consciência da sua situação enquanto um ser
para atuarem nas áreas de reforma agrária. escravizado, e começasse a se rebelar contra
o sistema.
Nestas duas décadas de programa fo-
ram mais de 186 mil camponeses beneficia- Os ataques à educação, de modo ge-
dos nas modalidades de Educação de Jovens ral, acentuam as desigualdades e prejudicam
e Adultos (EJA), ensino médio, técnico, supe- os trabalhadores e trabalhadoras, além dos
rior e pós graduação. Os estudantes do Pro- setores empobrecidos e vulneráveis da popu-
nera estão em mais de mil municípios do país lação.
e estão distribuídos nos mais de 490 cursos,
Portanto, defender educação como
tais como agronomia, pedagogia, história,
uma prática de liberdade, requer o envolvi-
agroecologia, direito, medicina veterinária,
mento da comunidade, da família, dos es-
etc.
tudantes. Trata-se de um trabalho coletivo,
No entanto, nos últimos anos o Progra- buscando não somente o conhecimento que
ma tem corrido sérios riscos de continuidade, está nos livros, mas também o conhecimento
dado os cortes orçamentários iniciados com acerca de como viver o mundo. Sendo essen-
a Emenda Constitucional nº 95/2016, que cial a luta coletiva para que políticas públicas
prevê o congelamento de gastos com a edu- como a do Pronera não sejam sucateadas ou
cação, saúde, assistência social e em outras eliminadas pelo governo, é um constante pro-
políticas sociais por 20 anos; os fechamen- cesso de lutas e manutenção dos direitos até
tos das escolas do campo, o que precariza o aqui conquistados. Os frutos destes proces-
ensino básico e permanência dos educandos sos vêm como exemplo da turma de Direito
na vida escolar; a proposta de escola sem na UFPR. É uma conquista de todos aqueles
partido, que acaba por gerar criminalização que acreditaram no acesso a educação a to-
do pensamento crítico, das nossas experiên- dos os povos, em uma educação libertadora,
cias enquanto sujeitos de luta; bem como as inclusiva e diversa.
investidas desse novo (des)governo, com os
Pois como diria Paulo Freire:
cortes de 30% dos orçamentos das Universi-
dades Públicas e seu projeto de militarização


das escolas.
a educação só pode ser
Diante deste cenário, cursos em an-
libertadora quando todos tomam
damento ficam inviabilizados de prosseguir
posse do conhecimento como
nas etapas e outros sequer possuem pers-
se esta fosse uma plantação em
pectivas de iniciar. Para se ter uma ideia, os
que todos temos de trabalhar”.
recursos orçamentários para a educação no
campo diminuíram de R$ 70 milhões em 2008

69
Pratique a agroecologia

Bel Coelho é chef de cozinha, conhecida


internacionalmente, e apresentadora de
TV. Tem participado ativamente do deba-
te sobre a ação do agronegócio e impac-
tos dos agrotóxicos. Na conversa abaixo a
chef sugere como adotar uma consciência
de consumo de alimentos saudáveis.

Ao que a cidadã/ o cidadão deve estar


atento na hora de consumir?
Bel Coelho: Ele tem que estar atento a ca-
deia do alimento. Desde a terra, de onde é
produzido o alimento, passando pelo saúde
e bem-estar do produtor. Deve considerar a
logística para circulação e distribuição, até
a chegada final do produto para o consumi-
dor. Saber como este produto foi produzido
não é simples e fácil sempre, mas esse é o Foto: arquivo pessoal
ideal. É começar a perguntar e criar essa
consciência para quem, inclusive, comer-
cializa alimentos.
É preciso pesquisar de onde vem o alimen-
to. Começar a perguntar. Às vezes não vai Quais são os comportamentos que de-
ter a resposta que quer ter sobre a cadeia vem ser adotados pelo cidadão da cida-
de produção do alimento, mas o passo mais de e do campo para consumo de alimen-
importante é pesquisar. Um outro passo é tos saudáveis e produzidos por uma
visitar produtores de alimentos próximos da lógica de respeito à natureza e ao traba-
cidade onde você vive.] lhador do campo?
Bel Coelho: Tem que existir uma mudança
de comportamento, que é mais trabalhosa,
Por que é necessário o entendimento
que é da pesquisa e da conexão entre o ho-
e envolvimento da/o cidadão da cidade
mem da cidade com o do campo, para criar
sobre as realidades do campo?
empatia entre quem produz seu alimento e
Bel Coelho: O consumidor final, o cidadão, quem consome. É de uma mudança árdua
é fundamental nessa cadeia do alimento na verdade, mas é uma mudança de com-
justamente para exigir um alimento melhor, portamento, que tem que vir de um lado ou
com menos veneno, de qualidade e que de outro. Consumidor se aproximar do pro-
também que preza o bem estar do produtor. dutor e o produtor do consumidor final.
Receita Bel Coelho
Nhoque de mandioca ao
molho de pinhão

Ingredientes

»1 kg de mandioca (aipim ou macaxeira) Foto: internet


em pedaços
Modo de preparo
» 2 gema de ovo caipiras peneiradas
Em uma panela com água fervente, co-
» 1 1/2 xícara de farinha de trigo
zinhe a mandioca em fogo médio até
» 50 gramas de queijo parmesão ralado ficar macia. Escorra e passe por um es-
premedor de batata. Junte as gemas e
» 400 gramas de champignon cortado metade da farinha. Adicione o parmesão
em quatro e sal. Misture para incorporar. Acres-
cente o restante da farinha aos poucos,
mexendo até obter uma massa consis-
Receita tente. Faça as bolinhas do nhoque com
as mãos. Cozinhe em água fervente até
» 6 colheres (sopa) de manteiga subirem à superfície. Escorra.
» 1 1/2 xícara de cebola picada

» 200 gramas de alho-poró fatiado fino Prepare o molho.

» 1 1/4 xícara de pinhão pré-cozido, fa- Em uma frigideira antiaderente, em fogo


tiado (comprado pronto) médio, doure o cogumelo em metade
da manteiga. Junte a cebola, o alho-
» 1 xícara de vinho branco -poró e a manteiga restante. Refogue
rapidamente. Adicione o pinhão e refo-
» 3 colheres (sopa) de ervas picadas
gue por mais cinco minutos. Despeje o
(salsinha, tomilho e ciboulette)
vinho branco e deixe evaporar. Tempe-
» 800 mililitros de creme de leite re com as ervas, sal e pimenta. Junte o
creme de leite e deixe reduzir até formar
» sal a gosto um molho encorpado. Ajuste o sal e a
pimenta. Misture o nhoque ao molho e
» pimenta-do-reino a gosto
sirva.
» açaí

71
Receitas para a agricultura ecológica

Lais Rossato24 maceração total. Coar o preparado e mistu-


rar com 5 colheres e sopa de sabão de coco

em pó ou sabão em pó comum, acrescen-

A Agroecologia, ainda que em seu


aspecto técnico, não cabe em
livros de receita. As condições de cada
tando então os 2 litros de água restantes.
Modo de uso: Pulverizar a cada 7 dias sobre
as plantas atacadas por insetos em geral.
agroecossistema são muito específicas e
são muitos fatores que desencadeiam nos
resultados positivos ou negativos da produ-
CRAVO-DE-DEFUNTO
ção. Por isso reforça-se sempre que há toda
uma construção social, um diálogo de sabe- »200g de cravo-defunto;
res um olhar amplo e aguçado para o meio
ambiente e as pessoas para que a Agroe- »1 litro de álcool.
cologia possa ser colocada em prática em Modo de preparo: utilizar 200g de planta
nossas comunidades. verde e macerar, deixar por 12 horas em 1
Ainda assim, nos processos de tran- litro e álcool. Diluir este preparado na pro-
sição e mesmo quando a natureza nos sur- porção de 20/1 (20 litros de água para 1 litro
preende com fenômenos e alguns desequi- do preparado) quando for pulverizar.
líbrios existem algumas ‘cartas na manga’ Indicação: Repelente contra vários insetos.
das quais podemos nos valer para intervir
e restabelecer o equilíbrio, visando uma O cravo-de-defunto também pode ser plan-
produção bonita e saudável de alimentos tando no meio dos cultivos, cumprindo a
agroecológicos. Na sequência estão descri- função de repelente e fazendo um trabalho
tas algumas receitas de repelentes e inse- de combate a alguns agentes prejudiciais
ticidas naturais, bem como as orientações do solo.
para utilização de microorganismos eficien-
tes e a construção do minhocário domésti-
co. ARRUDA

Receita de repelente natural » 8 ramos de 30 cm de comprimento com


folhas;
PIMENTA
» 1 litro de água;
» 500g de pimenta vermelha;
» Um pouco de sabão de coco ou sabão em
» 4 litros de água; barra.
» 5 colheres (de sopa) de sabão de coco Modo de preparo: Bater os ramos de fo-
em pó ou sabão em pó comum. lhas de arruda no liquidificador com 1 litro
Modo de preparo: Bater as pimentas em de água. Coar com pano fino e completar
um liquidificador com 2 litros de água até a com 19 litros de solução com sabão de
coco ou sabão em barra.
Indicação: contra pulgões, cochonilhas
24 Educanda da Escola Latino Americana de Agroecolo- (sem carapaça), alguns ácaros e formigas.
gia. Formada em Tecnóloga em Agroecologia no ano de
2019 , pelo Instituto Federal do Paraná.
Inseticidas naturais

CALDA DE FUMO INSETICIDA DE RAÍZES DE TIMBÓ


» 10cm de fumo de corda; » 500g de raízes de timbó;
» 1 litro de água; » 2 copos e meio de álcool.
» 10ml de álcool.
Modo de preparar: picar um pedaço de Modo de preparar: picar os 500g de raí-
fumo com 10 cm de comprimento, colocar zes de timbó em pedaços finos e deixar
em 10ml de álcool e 1 litro de água; deixar secar a sombra por 3 ou 4 dias. Depois de
curtir por 1 dia para ocorrer a extração da seco, triturar ou amassar e colocar com o
nicotina. álcool em um vidro com tampa. Tampar e
deixar descansar por 24 horas.
Modo de usar: quanto pronta, colocar em
10 litros de água e pulverizar sobre a plan- Modo de usar: antes de usar, filtrar o pro-
ta. Se necessário, coar a solução. duto com um pano fino. Usar 100ml do
produto para cada 10 litros de água e pul-
Função: controle de pulgões, lagartas,
verizar sobre as plantas.
piolhos, vaquinha e cochonilhas.
Indicação: Inseticida.

CALDA DE NIM
» 25g – 50g de sementes de Nim;
» 1 litro de água.

Modo de preparar: Moer as sementes e


deixar repousar (amarradas em um pano),
em 1 litro de água por um dia. Coar e pul-
verizar sobre as plantas atacadas. Existe
também o óleo de nim disponível em ca-
sas agropecuárias.
Indicação: contra pragas de hortaliças,
traças, lagartas, pulgões, gafanhotos.

73
Preparado de microrganismos eficientes (EMs)

O s microrganismos eficientes
são seres muito pequenos
(fungos e bactérias) que vivem natural-
loca-se em seguida o açúcar ou garapa
ou melado dividindo proporcionalmente
nas 5 garrafas e então completa-se com
mente em solos férteis e em plantas. Es- água não clorada/tratada. Fecham-se as
ses microrganismos podem ser utilizados garrafas e deixa-se num lugar a sombra. É
na agricultura e na criação animal. Os mi- necessário abrir todos os dias para soltar
crorganismos eficientes são capturados o gás da fermentação, caso isso não seja
em uma mata (preferencialmente virgem) feito a garrafa explode! Entre 15 e 20 dias
e, depois disso, ativados com melado, ga- a fermentação vai acabar e os EMs esta-
rapa ou açúcar mascavo. rão prontos para o uso.

VANTAGENS DO USO DO EM: Modo de usar: Para pulverizar coloca-se


10 ml (2 colheres bem cheias ou 2 tampi-
» É uma técnica acessível e de baixo custo;
nhas de garrafa) de microorganismo + 10
» É de fácil preparo na propriedade. ml de melado + 10 litros de água, mistura-
-se bem e pulveriza-se.
Os microrganismos eficientes podem ser
Ingredientes
utilizados diretamente em plantas de qual-
» 700 g de arroz; quer idade, no solo ou em sementes. Eles
que fazem a decomposição da matéria or-
» 100 ml de melado ou 500 ml de garapa gânica, aumentando a fertilidade da terra.
ou 200 g de açúcar mascavo. Chamados de eficientes por agirem muito
rápido, proporcionam uma melhoria nas
propriedades químicas, físicas e biológi-
Modo de fazer: Cozinha-se o arroz sem cas do solo e podem garantir uma colheita
sal. Espalha-se o arroz cozido em uma com excelentes resultados.
bandeja ou em pedaços de bambu cortado
ao meio, ou uma caixa de madeira, cobre-
-se com uma tela fina. Na mata, afasta-se Importante saber: Não usar água com
a serrapilheira (aquela camada de folhas cloro, pois irá matar os microrganismos.
e matéria orgânica que fica sobre o solo) Para tirar o cloro da água, a sugestão é
e deposita-se o recipiente, então se cobre deixá-la em um recipiente aberto ao sol
com serrapilheira e deixa na mata por 15 durante 24 horas. A aplicação dos micror-
dias. Depois se separa o arroz por cor: ar- ganismos eficientes deve ser feita no final
roz rosa, azul, amarelo e laranjado são os da tarde, em dias nublados ou após chu-
microorganismos eficientes. Arroz cinza, va. Ao iniciar o uso de microrganismos efi-
marrom e preto são microorganismos de- cientes, faça um número maior de aplica-
generativos e podem ser descartados ali ções. Ano após ano, reduza a freqüência
na própria mata. de aplicações, pois o sistema solo-planta
Para ativar os EMs distribui-se o arroz co- se manterá em equilíbrio.
lorido em 5 garrafas PET de 2 litros, co-

74
Minhocário doméstico

PARA QUE SERVE? camada de matéria orgânica seca no bal-


de do meio, assim que ele encher passará
A s minhocas se alimentam de
matéria orgânica e produzem
húmus e chorume no final do seu proces-
a usar o de cima e quando esse encher
trocar pelo do meio que estará decompos-
to, sempre trocando os 2 baldes de cima
so digestivo, são excelentes fertilizantes
(vazio por cheio).
orgânicos capazes de melhorar as carac-
terísticas físicas, químicas e biológicas do O balde do fundo acumulará o chorume
solo. que diluído em água pode ser utilizado
como biofertilizante na terra (1 medida
para cada 10 medidas de água) ou nas fo-
MATERIAIS lhas (1 medida para cada 20 medidas de
água).
» 3 baldes de 20 litros com tampa (podem
ser reutilizados); O húmus, ou seja, a parte sólida resultante
da decomposição é um poderoso adubo,
» Furadeira e brocas de madeira de 6mm
podendo ser usado em canteiros, para fei-
e 2mm (caso não tenha furadeira, é pos-
tura de mudas (misturado a areia ou terra
sível fazer os furos com pregos e ou quei-
de barranco), nos berços (covas) de horta-
mando com uma pequena barra de metal
liças e árvores.
aquecida);
» 1 torneira plástica pequena;
DICAS
» Não coloque no minhocário: cítricos (cas-
MODO DE FAZER
ca de limão, laranja, tangerina, abacaxi),
1º Faça furos no fundo de 2 dos baldes cebola, alho, carnes, grandes quantidades
com a broca de 6mm e faça furos em 1 de alimentos cozidos e processados.
das tampas com a broca de 2mm.
» É sempre necessário colocar matéria or-
2º Corte o centro de 1 tampa deixando gânica seca (folhas, capim ou serragem)
uma borda de 3 centímetros. para contribuir no equilíbrio da composta-
gem.
3º Fure a lateral do balde que ficará por
baixo (que não tem furos no fundo) para » A borra de café é ótima para as minho-
encaixar a torneira. cas e evita o aparecimento de formigas, o
filtro de papel também pode ser colocado.
4º Empilhe os baldes, coloque uma cama-
da de 3 dedos de terra, coloque as minho-
cas coletadas e coloque uma camada de
Referências
lixo orgânico, depois cubra com folhas se-
cas, no balde do meio. Saberes Populares: manejo agroecológico, comida de
verdade, plantas medicinais e remédios do mato. Rea-
lização AUÊ Estudos em Agricultura Urbana UFMG e
REDE Agroecologia no campo e na cidade, 2016.
COMO USAR Transição agroecológica em sistemas familiares de pro-
dução. / Organizadores: Silvana Cassia Hoeller; Valentim
Em um primeiro momento, você vai colocar
Silva. Matinhos: Editora UFPR Litoral, 2013.
o lixo orgânico, sempre coberto por uma

75
Comidas agroecológicas

ENTREVERO DE PINHÃO BOLO DE BANANA INTEGRAL


COM CARNE DE PORCO
Ingredientes
Ingredientes:
» 5 bananas agroecológicas
» 1/2 kg de carne de porco cortada em
» 2 ovos caipiras
cubos;
» 1/2 xícara (chá) de leite desnatado ou
» 100 g de bacon em cubos pequenos;
soro ou água
» 1/2 kg de pinhão cozido e cortado ao
» 1/2 xícara de (chá) de óleo vegetal
meio;
» 2 xícaras (chá) de açúcar mascavo ou
» 2 cebolas picadas;
demerara
» 8 dentes de alho picados;
» 1 xícara (chá) de farinha de trigo inte-
» 1 pimentão verde em cubos; gral
» 1 pimentão vermelho em cubos; » 1 xícara (chá) de aveia
» 1 cenoura em rodelas; » 1 colher (sopa) de fermento
» 3 tomates em cubos; » Canela em pó a gosto
» Salsinha;
» Sal a gosto. Modo de preparo
1º Bata no liquidificador as 3 bananas
com casca, os ovos, o leite e o óleo;
Modo de preparo
2º Depois, acrescente o açúcar e bata
1º Cozinhar o pinhão, descascar, cortar
mais um pouco;
ao meio e reservar;
3º Em uma vasilha coloque a farinha de
2º Refogar a carne de porco e reservar;
trigo, a aveia e o fermento e acrescente
3º Em uma panela, de preferência de fer- a mistura do liquidificador, mexendo bem
ro, refogar o bacon, juntar os pimentões, com uma colher de pau;
a cebola e a cenoura pré-cozida e refogar
4º Em uma forma média quadrada, un-
bem.
tada e enfarinhada, coloque metade da
4º Acrescentar o alho até dourar; massa, as 2 bananas restantes cortadas
em rodelas finas e salpique a canela;
5º Depois colocar a carne, o pinhão e o
tomate. Misturar e checar o sal; 5º Coloque o restante da massa e leve ao
forno quente, asse em média 40 minutos
6º Colocar por cima um pouco de salsi-
nha e servir com arroz.
OMELETE DE PANC’S –PLANTAS 2º Adoce com mel ou açúcar mascavo;
ALIMENTÍCIAS NÃO CONVENCIONAIS
3º Não é necessário coar, está pronto pra
Ingredientes servir.
» Ovos
» PANC’s: Dente-de-leão, Tansagem, Ora- PÃO INTEGRAL DE BETERRABA
-pro-nóbis, Assa-peixe, Flor de Ypê, Capu-
Ingredientes
chinha ou o que estiver disponível no local
» 200g de beterraba agroecológica cozida;
» Cenoura e/ou tomate
» 350g de farinha de trigo integral;
» 350g farinha de trigo comum;
Modo de preparo
» 200g de farelos e/ou sementes (aveia,
1º Lave e corte as PANC’s em tiras bem
linhaça, girassol, amendoim, chia, etc);
finas;
» 2 ovos caipiras;
2º Rale a cenoura e corte o tomate em
cubinhos; » 2 colheres (sopa) açúcar mascavo;
3º Bata os ovos até que fique homogêneo; »1 colher (sopa) rasa de sal;
4º Refogue as PANCs em óleo ou banha » 2 colheres (sopa) fermento biológico;
quente, acrescente o tomate e/ou cenoura;
» 7 colheres azeite de oliva (ou outro
5º Adicione os ovos batidos e sal a gosto; óleo vegetal não transgênico ou banha
de porco);
6º Deixe em fogo médio até dar o ponto.
* É possível acrescentar ingredientes na
receita como cebola, alho, temperos em Modo de preparo
geral, outros legumes, conforme a dispo-
nibilidade e a criatividade. 1º Escorra a água da beterraba e reser-
ve. No liquidificador coloque a beterraba
cozida e fria, junte o açúcar, o fermento, o
azeite de oliva e os ovos. Bata por apro-
SUCO DE INHAME COM LIMÃO
ximadamente 5 minutos, ou até ficar uma
Ingredientes mistura homogênea. Para ajudar a bater,
utilizar o caldo de cozimento da beterraba.
» 1 xícara de inhame descascado e corta-
do em cubos; 2º Coloque numa bacia os demais ingre-
dientes e acrescente a mistura do liquidi-
» 500 ml de água filtrada;
ficador, sovando a massa por 10 minutos;
» Suco de ½ limão;
3º Molde os pães e coloque na forma;
» 2 colheres de sopa de mel ou açúcar
4º Deixar crescer até dobrar de tamanho;
mascavo.
5º Assar em forno alto por 30 - 40 minutos.
Para o pão integral pode-se utilizar ou-
Modo de preparo
tras plantas, como mandioca, batatas,
1º Bata todos os ingredientes no liquidifi- abóbora. No caso de folhas, como espi-
cador; nafre não há necessidade do cozimento.
Feiras Agroecológicas
Feira Agroecológica Cascavel:
Todas as quintas-feiras, na Unioeste.
Horário: das 8h as 12h.

Feira Agroecológica Londrina:


Feira do produtor:
- aos domingos. Horário: das 6h às 14h
- aos sábados. Horário: das 6h às 14h.
No Distrito de Lerrovile

Feira agroecológica Matinhos:


Matinfeira, acontece às quartas feiras
Horário: das 7h30 às 11h30, ao lado do
mercado do peixe.

Cesta Agroecológica - Comer é um ato político!


A Cesta Agroecológica Campo Cidade, na cidade de Curitiba,
consiste na entrega coletiva semanal de uma variedade de
produtos entre alimentos (in natura ou beneficiados), bebidas
e cosméticos naturais de cerca de 270 itens. Seu formato é
aberto e a/o consumidor/a escolhe a cada semana os itens
disponíveis, de acordo com sua necessidade. A maioria dos
produtos in natura vem do Assentamento Contestado, na
Lapa, via Cooperativa Terra Livre. Todos eles são certificados
participativamente como orgânicos, pela Rede Ecovida.

Para divulgar, consumir ou apoiar a Agroecologia e a ação


desses empreendimentos, acesse produtosdaterrapr.com.br e/
ou siga instagram.com/produtos_da_terra_pr

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