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SERVIÇOS DE GESTÃO DE PROJECTOS PARA A

IMPLEMENTAÇÃO EFICAZ DO PRODESI EM ANGOLA

Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e


Produção Alimentar

11 de Abril de 2020
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Índice
Introdução ..............................................................................................................................................................6

1 Modernização da Agricultura ..........................................................................................................................9

2 Os produtores Rurais de Angola e sua Tipologia .......................................................................................12

2.1 Agricultores Familiares e Camponeses ....................................................................................................12


2.1.1 Agricultores familiares de subsistência ou camponeses ................................................................14
2.1.2 Agricultores familiares de transição ...............................................................................................15

2.2 Produtores Comerciais de Pequena e Média Dimensão ..........................................................................15

2.3 Produtores Empresariais Nacionais .........................................................................................................17

2.4 Produtores Empresariais de Grande Dimensão .......................................................................................18

3 Limitações e Recomendações para a Agricultura ......................................................................................20

3.1 Zoneamento Agrícola de Risco Climático ................................................................................................20


3.1.1 Recomendações .............................................................................................................................21

3.2 Propriedade da Terra e Concessão de Uso pelo Estado .........................................................................21


3.2.1 Recomendações .............................................................................................................................23

3.3 Fertilidade dos Solos ................................................................................................................................24


3.3.1 Correctivos de Solos ......................................................................................................................24
3.3.2 Adubos e Fertilizantes ....................................................................................................................26
3.3.3 Recomendações .............................................................................................................................28

3.4 Máquinas e Equipamentos Agrícolas .......................................................................................................30


3.4.1 Recomendações .............................................................................................................................32

3.5 Sementes ..................................................................................................................................................33


3.5.1 Recomendações .............................................................................................................................34

3.6 Cooperativismo Agropecuário ..................................................................................................................35


3.6.1 Recomendações .............................................................................................................................39

3.7 Assistência Técnica, Capacitação e Formação no Campo ......................................................................40


3.7.1 Assistência Técnica e Extensão Rural ...........................................................................................40
3.7.2 Capacitação de Agricultores e Formação de Mão de Obra ...........................................................42
3.7.3 Recomendações .............................................................................................................................43

3.8 Armazenagem e Comercialização da Produção ......................................................................................45


3.8.1 Recomendações .............................................................................................................................51

4 Análise das Cadeias de Valor Selecionadas ...............................................................................................54

4.1 Milho..........................................................................................................................................................55

4.2 Massambala ..............................................................................................................................................61

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4.3 Arroz..........................................................................................................................................................63

4.4 Trigo ..........................................................................................................................................................66

4.5 Açúcar .......................................................................................................................................................68

5 Financiamento Agroindustrial e Crédito Rural............................................................................................71

5.1 Recomendações .......................................................................................................................................77

5.2 Projectos Prioritários para Financiamento ................................................................................................79

6 Programa de Desenvolvimento Rural ..........................................................................................................83

7 Indicadores......................................................................................................................................................86

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Índice de Tabelas
Tabela 1 – Milho: Área semeada, produção e produtividade na campanha 2018/2019 .......................................55

Tabela 2 – Massambala: Área semeada, produção e produtividade na campanha 2018/2019 ...........................62

Tabela 3 – Arroz: Área semeada, produção e produtividade na campanha 2018/2019 .......................................63

Tabela 4 – Trigo: Área semeada, produção e produtividade na campanha 2018/2019 .......................................66

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Índice de Figuras
Figura 1 – Exemplo de Motocultivador ..................................................................................................................16

Figura 2 – Mercado do 30......................................................................................................................................50

Figura 3 – Lista dos maiores importadores de Milho ............................................................................................56

Figura 4 – Cadeia de Valor do Milho a Montante do Produtor em Angola ............................................................58

Figura 5 – Cadeia de Valor do Milho a Jusante do Produtor em Angola ..............................................................59

Figura 6 – Promotores que submeteram projectos potenciais ao PRODESI (Milho) ...........................................61

Figura 7 – Empresas com candidaturas aprovadas no Alívio Económico (Milho) ................................................61

Figura 8 – Lista dos maiores importadores de Arroz ............................................................................................64

Figura 9 – Promotores que submeteram projectos potenciais ao PRODESI (Arroz) ...........................................65

Figura 10 – Empresas com candidaturas aprovadas no Alívio Económico (Arroz) ..............................................66

Figura 11 – Lista dos maiores importadores de Trigo ...........................................................................................67

Figura 12 – Empresas com candidaturas aprovadas no Alívio Económico (Trigo) ..............................................68

Figura 13 – Plantadora de Tracção Animal ...........................................................................................................83

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Introdução
O aumento da produção e da produtividade agropecuária são alguns dos principais desafios do
PRODESI. Apesar dos avanços na produção agrícola observados na última década, restrições políticas,
económicas e culturais, têm dificultado ainda mais o crescimento de forma sustentável e robusta,
colocando Angola com uma das mais baixas produtividades agrícolas e com maior dependência de
importações de alimentos entre os países do continente Africano.

Para a elaboração deste trabalho foram realizadas reuniões e visitas técnicas com diversos
representantes da cadeia de valor da agricultura nas províncias de Huambo, Bié, Huíla e Luanda, além
de reuniões com representantes de órgãos governamentais, entidades de agricultores familiares e
empresariais, organismos de cooperação internacional, do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD),
da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Banco de
Desenvolvimento de Angola (BDA). Este trabalho também se baseou em diversos estudos recentes que
procuraram identificar os factores que limitam a produção agropecuária em Angola, com destaque para:

Estes estudos fazem um bom diagnóstico da situação agropecuária no país, atribuindo o baixo volume
de produção e de produtividade à:

• Falta de recursos disponibilizados para o Ministério da Agricultura e Florestas (MINAGRIF);

• Sobreposição de competências e de atribuições governamentais entre os Ministérios;

• Insegurança jurídica da propriedade da terra;

• Elevados índices de analfabetismo e de pobreza no campo;

• Falta de mão de obra qualificada para actuar no campo, tanto de profissionais de ciências
agrárias quanto de trabalhadores rurais especializados;

• Pouca disponibilidade e dificuldade para o acesso ao crédito rural;

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• Pequena área média cultivada pelos agricultores familiares, maioritários no país, cuja produção
seria focada na subsistência;

• Escassez de produtores rurais empresariais no país;

• Baixo uso de insumos modernos, como sementes melhoradas, adubos, fertilizantes e


agrotóxicos para controle de pragas e doenças;

• Produção baseada no uso de tracção manual, com baixos índices de mecanização;

• Inexistência de uma política de garantia de preços para os produtores;

• Inexistência de seguros agrícolas;

• Péssimas condições de transitabilidade das estradas rurais;

• Falta de silos e armazéns para armazenar e conservar a produção;

• Rede de venda de insumos agrícolas pouco desenvolvida; e

• Poucos intermediários para a aquisição da produção nas regiões produtoras.

Para tentar superar algumas destas limitações dos produtores, o Governo tem adoptado alguns
programas de:

A maioria dos projectos estatais de produção e industrialização agropecuária, além de terem despendido
volumes elevados de recursos públicos, ainda não estão em operação, seja por motivos operacionais,
de gestão, de falta de matéria prima ou de recursos financeiros para a sua conclusão. O apoio directo
aos agricultores familiares, apesar de ter contribuído para um pequeno aumento da produção e da
produtividade nos últimos anos, apresenta resultados muito aquém das necessidades do país e do seu
potencial produtivo.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

O PRODESI pretende alterar este quadro, trazendo inovações nas políticas públicas. Para isso, conta
com recursos e, principalmente, vontade política do Governo em modificar o cenário de dependência de
importações, especialmente de produtos alimentares e outros bens que podem ser produzidos no país.
Uma iniciativa que está em curso é o Portal dos Produtores, criado para identificar a produção nacional
e incentivar a sua comercialização e consumo em substituição de produtos importados.

O PRODESI abrange um grande número de produtos de diversos sectores, entre os quais destacam-se
os seguintes produtos agropecuários:

Por determinação do Ministro da Economia e Planeamento (MEP), foram considerados como prioritários
numa primeira etapa o milho, o arroz, o trigo, a massambala e o açúcar.

Entretanto, como os principais problemas e limitações à produção agrícola são comuns à maioria das
cadeias de valor, será realizada numa primeira fase uma avaliação mais ampla do sector agrícola e só
depois analisaremos as cadeias de valor solicitadas, com considerações específicas para cada uma
delas.

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1 Modernização da Agricultura
A agricultura sofreu um forte desenvolvimento nos últimos 50 anos em quase todo o mundo, o que
resultou num aumento espantoso da produtividade e da produção da maioria das culturas agrícolas.
Parte deste avanço foi fruto de:

Adicionalmente ao uso de novas tecnologias, houve um longo e intenso processo de formação de


técnicos e capacitação de produtores rurais, com melhorias significativas no tratamento das culturas do
plantio à colheita, além do desenvolvimento de novas práticas culturais e aperfeiçoamento dos
zoneamentos de risco climático.

Angola, devido ao longo período que esteve em guerra, do tempo gasto para a remoção das minas
terrestres das áreas rurais, e do processo de reorganização do território rural ainda em curso, associado
à pouca importância económica atribuída à agricultura pelo Governo, manteve sua agricultura à margem
do processo de modernização. No país ainda é bastante comum a utilização de práticas agrícolas que
deixaram de ser adoptadas nos países com um papel importante no sector agrícola. A formação dos
profissionais que actuam no meio rural e a capacitação dos agricultores familiares também ficou
praticamente estagnada em quase todo o país. O resultado deste processo é a baixa produtividade
agrícola e do trabalho no campo, bem como do pequeno volume da produção total considerando o
potencial agrícola e as dimensões territoriais do país e sua comparação com países com características
similares.

Segundo estudos realizados no Brasil, um adulto é capaz de cultivar 1 hectare de cultivo de milho,
feijão, amendoim, arroz ou mandioca em cada campanha, apenas através da utilização de
equipamentos manuais, inclusive plantadora (matraca). Caso o plantio seja realizado sem utilização de
plantadora manual, a área cultivada tende a ser inferior. A mesma pessoa é capaz de cultivar cerca de
8 hectares com a utilização de tracção animal, considerando o uso de arado e grade para a
preparação do solo, semeadora e adubadora para o plantio, cultivador para a capina e carroça para o
transporte. Com uso integral de tracção mecânica com o uso de tractor e de colheitadeira, a área

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cultivada pode ultrapassar os 200 hectares por pessoa, dependendo da potência dos tractores e da
capacidade dos equipamentos acoplados utilizados.

Todavia, devido aos elevados custos de aquisição e manutenção de um tractor e dos seus equipamentos,
existe uma área mínima a ser cultivada por ano, própria ou de terceiros por prestação de serviços,
necessária para cobrir os custos dos investimentos realizados. Um raciocínio similar aplica-se à tracção
animal, pois apesar do menor custo dos animais e equipamentos, ainda há necessidade de capacitação
para seu uso, tempo para seu manuseamento e gasto com sua alimentação e aquisição de vacinas e
medicamentos.

Nos últimos dez anos o Governo de Angola implementou vários programas na tentativa de modernizar a
agricultura, procurando saltar etapas do processo para chegar mais rapidamente a uma agricultura
moderna, tecnológica e de alta produtividade. Todavia, este processo não depende apenas do acesso à
tecnologia, pelo que é necessário um processo de transição e de aprendizagem, especialmente em
relação à formação e capacitação dos técnicos e dos produtores rurais no uso das tecnologias
disponíveis. A modernização e tecnicização da agricultura em países com desenvolvimento tardio, como
por exemplo Brasil e Argentina, ocorreu de forma gradual nas últimas cinco décadas, e mesmo assim,
geraram a exclusão de milhares de agricultores familiares do processo produtivo. Por isso, além da
formação dos agricultores e trabalhadores rurais que permanecerão na agricultura, também será
preciso criar condições para readequação e absorção por outros sectores da mão-de-obra
excluída do campo.

A produtividade média do milho está entre 600 e 900 kg/ha em Angola, embora existam sementes
disponíveis no mercado internacional com potencial para produzir 18.000 kg/ha, mas para isso
necessitam de ser utilizadas em conjunto com vários outros insumos modernos e que sejam adoptadas
práticas culturais específicas. Quanto mais tecnológica for uma agricultura, mais ela procura recursos
financeiros e de investimento, além de exigir formações mais especializadas e qualificadas dos técnicos
e dos produtores rurais para a sua utilização.

Considerando o grande número de agricultores familiares e camponeses existentes em Angola, bem


como suas características socioeconómicas e culturais, recomenda-se que o Governo defina metas e
políticas que permitam aumentar a produção e produtividade agrícola por etapas e por grupo de
produtores. Portanto, o processo de modernização da agricultura com aumento da produção e da
produtividade pode ser trabalhada com o envolvimento de grupos de 50 mil a 100 mil produtores
por etapa, pois não é possível abranger todos os produtores rurais ao mesmo tempo.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

No milho, por exemplo, primeiro deve-se procurar alcançar uma produtividade média de 3 a 4 toneladas
por hectare, o que exigirá menos insumos químicos e será possível utilizar sementes melhoradas que
sejam mais rústicas e resistentes a pragas, doenças e às variações climáticas. Além disso, exigirá uma
capacitação mais simples dos produtores e dos técnicos agrícolas. Uma vez alcançada esta
produtividade, aumenta-se a capacitação dos produtores, o uso de sementes híbridas e de tecnologias
que permitam obter 6 toneladas por hectare, crescendo de forma sustentada.

Alguns produtores rurais de Angola, especialmente os de grande dimensão, podem saltar algumas
etapas no processo de modernização, existem inclusive casos concretos de agricultores que já
conseguem ter níveis de produtividade elevadas com o apoio de técnicos, insumos e tecnologias trazidas
de outros países. Para estes produtores, não há necessidade de apoio directo do Estado, excepto no
acesso ao crédito rural e na facilitação da importação de insumos, máquinas e equipamentos agrícolas.

Outro aspecto importante para as políticas de modernização da produção agropecuária é a dependência


da produção animal (ovos, leite e carnes) em relação a produção agrícola. A produção pecuária
tende a desenvolver-se mais rapidamente se houver um aumento significativo da produção de milho e
soja, bem como da recuperação de pastagens naturais e aumento das pastagens cultivadas no país.
Além da quantidade produzida de milho e soja, será preciso que sejam competitivos em relação aos
preços, caso contrário será muito difícil competir com a pecuária de países como o Brasil, a Argentina,
o Uruguai, a Austrália e a África do Sul.

A produção pecuária de um país não deve ficar totalmente refém da importação de seus alimentos, pois
qualquer atraso no recebimento dos produtos pode significar a perda de toda a produção. Por problemas
como estes ocorridos no passado recente, os maiores produtores de carne, leite e ovos de Angola
produzem o próprio alimento para os seus animais ou trabalham em parcerias com outros produtores
que lhes garantem o fornecimento.

Sendo assim, Angola dificilmente vai prosperar na produção agrícola se não tiver acesso na altura certa
aos insumos básicos para produzir em quantidade, qualidade, consistência e a preços competitivos.
Destacamos a importância dos seguintes insumos: correctivos de solos, adubos, sementes, agrotóxicos
(combate de pragas e doenças), máquinas e equipamentos. A disponibilidade pode ser colmatada com
a produção nacional (melhor opção) ou com a facilitação para a importação, inclusive com alguma
monitorização e/ ou controlo dos preços e da qualidade do produto importado.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

2 Os produtores Rurais de Angola e sua Tipologia


Para classificar os produtores agrícolas de Angola, além da área cultivada, da gestão da produção e da
origem da força de trabalho empregada, é preciso ainda considerar as tecnologias utilizadas para o
cultivo das suas lavouras, as quais interferem directamente na situação actual e futura da produção no
país.

Os dados sobre a agricultura de Angola normalmente trazem informações sobre produção e


produtividade de apenas dois grupos de produtores rurais: os camponeses ou agricultores familiares de
subsistência (com área inferior a 5 hectares) e os agricultores industriais ou empresariais (áreas
superiores a 500 hectares). Alguns diagnósticos, como o Angola 2050 (elaborado pela Mckinsey) e
documentos do Ministério da Agricultura fazem ainda a descrição do agricultor comercial familiar ou
empresarial, com área de 5 a 500 hectares e que pode (ou não) utilizar mecanização agrícola. Todavia,
apesar de ser citado nos documentos públicos, os agricultores comerciais não aparecem nas
estatísticas e, principalmente, como beneficiários das políticas para o sector agropecuário.

Assim, para caracterizar os produtores rurais e procurar sair de uma visão dicotómica de que existem
apenas dois grupos de agricultores no país, os produtores rurais serão divididos em 4 grupos para efeito
deste trabalho:

2.1 Agricultores Familiares e Camponeses

O Relatório da Campanha Agrícola de 2018-2019 do Ministério da Agricultura apresenta os agricultores


familiares como um grupo homogéneo, que possui uma área média cultivada de 1 a 2 hectares,
baixa produtividade agrícola e com severas limitações para produção agropecuária.

A maioria dos produtores familiares reconhecem a baixa fertilidade dos seus solos, como não possuem
recursos próprios e não têm acesso a crédito rural para aquisição de correctivos, utilizam frequentemente
a prática do pousio, que é a rotação de áreas destinadas ao plantio a cada ano como alternativa para
tentar recuperar a fertilidade natural dos solos ao deixar renascer a vegetação nativa. Considerando que
o período de pousio em Angola varia de 3 a 8 anos de acordo com as práticas de cada província e da
área disponível de cada agricultor, é provável que muitos destes produtores possuam áreas 3 a 8
vezes maiores do que a cultivada a cada campanha.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Para produzir, os agricultores familiares utilizam instrumentos de trabalho manuais, nomeadamente


catanas e enxadas. Apesar de alguns produtores possuírem junta de boi com charruas, ou contratarem
serviços de tractor ou mesmo de tracção animal, estes são utilizados principalmente na preparação do
solo. São raros os produtores que fazem uso de plantadora e adubadora de tracção manual, animal ou
mecânica para o plantio, ou mesmo de cultivadores de tracção animal para a capina e limpeza da lavoura.

Para ampliar o rendimento doméstico, várias famílias têm entre os seus membros alguém que presta
serviços de transporte de pessoas e de carga com o uso de motocicletas, ou que prestam serviços
temporários no meio rural e/ ou na cidade, ou ainda, mulheres que vendem produtos agropecuários em
feiras e nas vias rodoviárias. Há ainda, muitos casos de filhos e agregados familiares que moram e
trabalham nas capitais das províncias ou em Luanda. Estas actividades aumentam as fontes de
rendimento familiar, mas reduzem a disponibilidade de mão-de-obra para desenvolver as actividades
agrícolas nas explorações familiares.

Cada exploração agrícola familiar com duas a três pessoas dedicadas parcialmente à actividade agrícola,
com o cultivo realizado somente com tracção manual e sem o uso de plantadora, é capaz de produzir
em uma área de até 2 hectares, o que corresponde à média deste segmento social apresentada nos
diversos estudos existentes sobre o tema.

Uma pequena parte dos produtores familiares recebem anualmente do Governo quantidades limitadas
de sementes e de adubos, podendo ainda ter apoio para a preparação do solo por meio de patrulhas
mecanizadas. Outros receberam charruas para tracção animal, sendo que um número ainda menor
recebeu juntas de bois para tracção, com destaque para as cooperativas e associações de produtores.

O principal produto agrícola em Angola é o milho, embora estes agricultores também produzam
feijão, mandioca, amendoim e batata. A massambala e o massango têm maior importância apenas em
algumas Províncias. A produtividade agrícola é muito baixa, que somado à reduzida área cultivada por
família, gera uma receita muito pequena por exploração, apesar da produção exigir muitas horas de
intenso trabalho manual.

As sementes, especialmente de milho, são selecionadas entre os grãos produzidos na campanha


anterior ou são doadas por vizinhos ou pelo Governo. Em muitos casos, o milho cultivado tem um ciclo
longo ou tem o plantio realizado tardiamente, o que faz com que a colheita coincida com o início do
período de chuvas, o que aumenta as perdas e dificulta o transporte e a comercialização.

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Como não possuem estruturas de armazenamento, os agricultores familiares são ainda mais penalizados
com as péssimas condições das estradas secundárias e rurais. A comercialização é realizada quase
totalmente nos mercados informais, devido ao reduzido número de intermediários formais existente no
interior do país, e à maior facilidade de venda nestes mercados de pequenas quantidades de produtos,
normalmente comercializados com características físicas muito heterogéneas.

A comercialização agrícola é realizada individualmente pelos produtores, sendo que os agricultores de


uma mesma aldeia raramente comercializam seus produtos colectivamente. Mesmo quando participam
fazem parte de cooperativas agropecuárias, eles geralmente comercializam apenas os produtos
provenientes de áreas colectivas e acabam por não participar na venda da produção obtida nas áreas
individuais de seus associados.

Apesar da aparente homogeneidade, uma análise mais detalhada destes produtores familiares indica
existir uma diferenciação em relação às condições produtivas, potencialidades e nos objectivos
atribuídos à sua produção agrícola. Entender estas diferenças é fundamental para a construção de
políticas agrícolas e de políticas públicas para a redução da fome e do aumento da segurança alimentar.

Entre os agricultores familiares que representam mais de 90% dos produtores do país, há um grupo com
características produtivas que os diferenciam dos demais. Estas diferenciações podem estar
representadas na área total disponível para cultivo, na maior disposição para modernizar sua produção
e aceitar a introdução de novas tecnologias, na maior disponibilidade de mão-de-obra e no facto de terem
participado de processos mais regulares de capacitação e, ainda, por atribuírem à actividade agrícola
um papel mais efectivo na sua receita actual e futura. Com base nestas características, os agricultores
familiares foram divididos em 2 subgrupos:

• Agricultores familiares de subsistência ou camponeses; e

• Agricultores familiares de transição.

2.1.1 Agricultores familiares de subsistência ou camponeses

São agricultores cujo objectivo principal da sua produção agrícola é a geração de alimentos para o
consumo da família, embora o termo “subsistência” não o impeça de comercializar a produção
excedente. São pouco abertos à inovação e resistentes a qualquer prática que possa alterar elementos
da sua tradição.

Quase todos residem nas aldeias, sendo que a maioria dos adultos são analfabetos. A dinâmica cultural
e tradição de algumas aldeias também impõe um nivelamento “por baixo” das condições de vida dos
seus membros, dificultando que alguns moradores, excepto pelo “soba”, possam ter melhores condições
sociais e económicas que os demais.

Possuem uma área total disponível para o cultivo inferior a 2 ou 3 hectares, com área cultivada menor
que 1 ou 2 hectares, concentrada em milho, feijão, amendoim, mandioca, massambala ou massango. A
sua produção é inferior à necessária para o sustento familiar, com quase todo o cultivo realizado
manualmente, sendo raro o uso de tracção animal. Produzem mais quando recebem sementes e/ ou

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adubos do Governo, sendo que muitas vezes não conseguem nem mesmo guardar sementes de uma
campanha para outra.

Tendem a responder pouco aos instrumentos de políticas agrícolas, e mesmo aumentando a


produtividade agrícola, a sua produção está limitada pela pequena área ou mão-de-obra disponível.
Neste grupo há uma forte presença de famílias chefiadas por idosos, viúvas, separadas ou com maridos
ausentes, ou ainda, de famílias com reduzida capacidade produtiva por problemas de saúde de seus
membros.

2.1.2 Agricultores familiares de transição

São chamados de agricultores em “transição” por estarem posicionados entre os agricultores familiares
de subsistência e os agricultores comerciais. Representam uma pequena parte dos agricultores
familiares do país e embora possuam recursos limitados, estes são superiores aos dos demais
agricultores familiares. A área total disponível ultrapassa 5 hectares e pode chegar até 20 hectares,
mas devido a prática do pousio e do plantio manual, cultivam normalmente 20 a 40% de sua área
total. Embora muitos tenham limitações financeiras para adquirir animais de trabalho, alguns têm
animais próprios ou contratam a terceiros para preparar o solo. Muitos já participaram de cursos de
formação, com destaque para as Escolas do Campo (ECA), o que demonstra algum interesse ou
abertura à adopção de novas tecnologias.

O analfabetismo ainda está muito presente entre mais velhos, mas já há muitos agricultores deste grupo
que sabem ler e escrever. Embora a maioria reside nas aldeias, vários agricultores moram nas cidades
próximas. Apesar de muitos deles terem rompido com a cultura do nivelamento social imposto em
algumas aldeias, ainda convivem com resistências culturais que dificultam sua diferenciação social.

A produção é estruturada para satisfazer as necessidades de consumo familiar e para gerar receita
monetária com a sua venda no comércio. Alguns fazem parte de cooperativas agropecuárias para tentar
aceder a possíveis benefícios concedidos pelo Governo, ou apenas para facilitar a venda da sua força
de trabalho, resultando em pouco ou nenhum impacto na produção agrícola própria com a acção da
cooperativa.

Poucos contratam empregados temporários para ajudar na produção, especialmente pessoas mais
necessitadas entre os moradores da aldeia. Comparativamente ao grupo anterior, tendem a responder
mais rapidamente aos instrumentos de política agrícola como crédito e assistência técnica.

2.2 Produtores Comerciais de Pequena e Média Dimensão

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São produtores rurais que possuem de 10 a 100 hectares e que constituíram suas áreas por meio de
herança, aquisição de áreas de seus vizinhos, ou mesmo de concessão formal ou informal do Governo
provincial. A maioria reside na cidade mais próxima da aldeia onde possuem a exploração agrícola.
Como têm áreas superiores à média dos aldeões, a mudança para a cidade acaba por se impor por uma
questão social e para manter os filhos na escola secundária, ou por uma questão cultural para evitar
conflitos com o “soba” devido à sua situação económica ser melhor que a média dos demais aldeões.

Poucos possuem tractores e a maioria utiliza tracção animal para a preparação do solo, sendo comum
a contratação adicional de serviços de máquinas ou mesmo de tracção animal para a preparação do
solo. Contratam mão-de-obra local para a realização dos serviços na lavoura, com destaque para o
plantio, capina e colheita. Normalmente não dispõem de recursos Figura 1 – Exemplo de
financeiros ou de acesso ao crédito para aquisição de animais de Motocultivador

tracção, motocultivadores ou tractores e equipamentos destinados


à preparação do solo, plantio e capina. A falta de recursos
financeiros também dificulta a aquisição de matéria orgânica ou de
calcário utilizados para reduzir a acidez e a toxicidade do ferro e do
alumínio dos solos, o que aumenta a sua fertilidade. Quando
conseguem adquirir calcário, muitas vezes utilizam em quantidade
inferior à recomendada e assim obtêm resultados pouco efectivos.
Por estes dois motivos, à semelhança dos agricultores familiares, Fonte: PahlConsulting

muitos destes agricultores acabam por adoptar o “pousio” e cultivam a cada ano apenas 20% a 30% de
sua área total disponível.

Os principais produtos cultivados são o milho, mandioca, batata, feijão e amendoim. Muitos possuem
caprinos e bovinos e terceirizam parte do cuidado e manuseamento por não residirem nas aldeias ou
nas suas explorações.

A produtividade é baixa e similar a média nacional para quase todos os produtos. A produção é destinada
maioritariamente ao comércio local, e normalmente não fazem nenhuma agregação de valor à sua
produção. Em geral não dispõem de local para armazenagem, o que os obriga a vender logo após ou
durante a própria colheita. Comercializam a maior parte da sua produção no mercado informal, mas
podem vender para intermediários ou pecuaristas quando conseguem obter maior escala de produção
ou regularidade no fornecimento.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Muitos destes agricultores não possuem a documentação da “concessão de uso” das suas terras
regularizadas. Por isso, vários deles negam fornecer informações que possam prejudicá-los, o que
indirectamente contribui para que a sua situação não apareça nas estatísticas agrícolas. Como os
restantes agricultores, sofrem com as péssimas condições das estradas para escoar os seus produtos,
sendo que a maioria não tem acesso à energia eléctrica ou mesmo a geradores alimentados a gasóleo.
Apesar das limitações actuais, este grupo é um dos que tem mais condições de responder
rapidamente aos estímulos à produção agrícola que venham a ser concedidos pelo Governo.

2.3 Produtores Empresariais Nacionais

Formado por produtores nacionais de média e de grande dimensão, com áreas entre 100 e 2.000
hectares, obtidas por concessão do Estado ou por ocupações ilegais. Neste grupo também há
agricultores que fizeram aquisições de concessões de terra de aldeões e de “sobas”, que só
posteriormente as regularizaram junto do Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (IGCA). Entre os
seus titulares estão: empresários urbanos, agricultores históricos e militares (activos e reformados,
inclusive seus familiares ou descendentes). Algumas cooperativas de agricultores familiares que
receberam concessões de uso de áreas com mais de 300 hectares e que produzem de forma colectiva
podem se enquadrar neste grupo.

As áreas podem estar a ser cultivadas parcial ou totalmente pelos seus concessionários e ocupantes, ou
mesmo por terceiros, sendo que há inúmeras destas concessões e posses que não estão a ser
cultivadas, servindo como reserva de valor ou oportunidade futura de negócios para seus “proprietários”.

Produzem principalmente milho, batata rena, amendoim, feijão, frutas, hortícolas e, em alguns casos
caprinos e bovinos.

Com apoio de consultorias internacionais ou conhecimentos adquiridos em visitas a outros países,


especialmente África do Sul, Brasil e Portugal, alguns têm uma boa gestão técnica da produção, com
uso de insumos, máquinas e equipamentos modernos adquiridos principalmente de fornecedores de

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

produtos importados e comercializados no mercado interno. A correcção dos solos com uso de calcário,
apesar de ser incipiente, tem sido crescente neste grupo de produtores. A produtividade média obtida é
inferior à obtida pelos grandes produtores empresariais, o que faz com que a média diminua quando
tratados como grupo único. Em geral não fazem agregação de valor aos produtos que são
comercializados nos mercados formal e informal.

As principais limitações estão na gestão administrativa e comercial da produção, com dificuldades para
calcular custos de produção, aceder a crédito rural para financiamento (campanha) e investimento, além
de pouca experiência para negociar preços antecipados ou realizar contratos de vendas antecipadas de
sua produção sem definição prévia de preços. Em geral não dispõem de armazéns ou silos para manter
e conservar seus produtos, sendo obrigados a comercializar toda sua produção no período de campanha.
As péssimas condições das estradas agravam ainda mais os seus custos de produção.

2.4 Produtores Empresariais de Grande Dimensão

Este grupo de produtores é composto por grandes produtores estrangeiros e por investidores de grupos
nacionais e internacionais que possuem mais de 500 hectares de exploração agrícola ou pecuária.
Adoptam práticas de correcção de solos com uso intenso de calcário, importam directamente todos ou
parte significativa dos insumos agrícolas (adubos, sementes, pesticidas) e das máquinas e equipamentos
utilizados. Possuem gestão especializada para a produção (técnica) e administração (gestão
económica), sendo que contratam estrangeiros para suprir grande parte da mão-de-obra especializada
de profissionais das ciências agrárias (agrónomos, veterinários e engenheiros agrícolas) e de nível
operacional (operadores de tractores e de outras máquinas e equipamentos), principalmente de Portugal,
Brasil e África do Sul, utilizando a mão-de-obra local sobretudo para trabalhos manuais e menos
especializados.

As importações directas de insumos, máquinas e equipamentos são justificadas pelo menor preço pago
e a maior diversidade de produtos disponíveis em relação aos oferecidos no mercado interno. No caso
de máquinas e equipamentos, agrega-se que a assistência no pós-venda é considerada melhor e mais
rápida quando a importação é realizada directamente, o que facilita a reposição e substituição de peças
em relação aos bens adquiridos de revendedores no mercado interno.

Como dispõem de melhor capacitação técnica e maior volume de recursos envolvidos, conseguem fazer
experiências e testes com sementes para adaptação climática e de solos para definir as cultivares que
serão plantadas ou semeadas, reduzindo também os seus riscos financeiros. Em geral têm conseguido
obter bons índices de produtividade, acima da média nacional, obtendo produtos competitivos em preço
e qualidade no mercado interno, embora seus preços não sejam necessariamente competitivos quando
comparados com preços internacionais.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Os principais produtos cultivados são o milho, batata rena e amendoim, com alguns casos de soja, arroz
(irrigado), frutícolas (banana, citrinos, ananás e mangas) e hortícolas (cebola, tomate, repolho).

Procuram agregar valor à produção por meio da beneficiação, processamento ou industrialização dos
seus produtos para venda directa aos retalhistas, ou ainda, procuram construir parcerias com outros elos
da cadeia de valor e assim evitar a necessidade de comercialização nos mercados grossistas. São
exemplos deste grupo, o produtor de arroz irrigado que efectua o descascamento e o empacotamento
do arroz na área de produção, vendendo directamente a retalhistas; o produtor de milho que converte
parte da sua produção em farinha de milho ou em ovos, carnes, leite ou cerveja; o produtor de cana-de-
açúcar que produz açúcar, álcool e energia; ou ainda, horticultores e fruticultores que vendem
directamente para os grandes retalhistas de Luanda. Portanto, a comercialização da produção
geralmente não é uma limitação para a maioria destes produtores. Como os seus empreendimentos
estão localizados mais próximos da rede rodoviária nacional e, em geral, dispõem de silos para
armazenar a sua produção, são menos afectados pelas péssimas condições das estradas rurais.

A maioria dos produtores faz uso da irrigação em toda ou parte de suas lavouras, utilizando os mais
diversos modelos tecnológicos disponíveis (inundação, gotejamento, aspersão, pivô central, etc.).
Aqueles que não possuem acesso à energia eléctrica pela rede de distribuição, dispõem de geradores
movidos a gasóleo como fonte de energia.

Os projectos de investimento são normalmente desenvolvidos com capital próprio ou com financiamentos
realizados nos seus países de origem. Excepcionalmente, podem ser financiados por bancos de Angola
quando desenvolvem outras actividades económicas no país, o que facilita o fornecimento de garantias
adicionais para o crédito.

Este grupo de produtores, como os empresários nacionais tendem a ter um aumento dos seus custos
com a cobrança do Imposto de Valor Agregado (IVA) sobre alguns insumos agropecuários,
principalmente após a significativa elevação dos custos decorrente da desvalorização cambial verificada
nos últimos anos.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

3 Limitações e Recomendações para a Agricultura

3.1 Zoneamento Agrícola de Risco Climático

A elaboração de um zoneamento agrícola é fundamental para o aumento da produção e da produtividade


agrícola, bem como para reduzir os riscos de perdas por questões climáticas. Com maior receita e menor
risco, há redução da dependência do crédito rural e um possível aumento da disponibilidade de seguro
para a agricultura, aumentando o interesse dos bancos em financiar o sector como um todo.

Um bom exemplo de zoneamento agrícola e dos seus resultados positivos para a agricultura foi
desenvolvido no Brasil pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com
outras instituições nacionais de pesquisa. O Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), que se
tornou uma das principais ferramentas para a organização da produção agropecuária Brasileira, teve a
primeira versão publicada em 1996 para a cultura do trigo na região Sul daquele país. Nos 24 anos
seguintes foram estudadas mais de 50 culturas e diferentes sistemas de cultivo, o que aumentou o seu
alcance para grande parte do território Brasileiro, abrangendo microclimas específicos e produtos
regionais, em um trabalho permanente que envolve cerca de 100 profissionais. As recomendações são
realizadas com base em uma série histórica de até 30 anos de vários elementos que influenciam no
desenvolvimento da produção agrícola, como temperatura, período das chuvas, humidade relativa do ar,
ocorrência de geadas, água disponível nos solos, necessidade hídrica das culturas em cada fase, entre
outros aspectos. Com o objectivo de reduzir os riscos relacionados a problemas climáticos, gera
calendários para as culturas zoneadas, com indicações dos municípios aptos ao cultivo, período ideal
para semeadura com baixo risco climático e cultivares adaptadas a cada região e para os vários tipos de
solo. Para contratar crédito e seguro rural que contem com subvenção ou controlo pelo Governo, os
agricultores são obrigados a seguir as indicações do ZARC. Com isso, houve uma redução significativa
das perdas pelos agricultores, reduziu o risco para os bancos e seguradoras e permitiu redução de taxas
de juros e aumento do volume de financiamentos agrícolas.

Em Angola existe um zoneamento agrícola elaborado ainda no período colonial e que foi actualizado há
cerca de 9 anos pelo Ministério da Agricultura. Todavia, este zoneamento indica apenas quais são as
culturas recomendadas para cada região ou Província do país, segundo dados de solo, altitude, clima e
regime de chuvas, mas não entra em maiores detalhes sobre cultivares, datas limites de plantio e riscos
climáticos. Por exemplo, o cultivo de milho pode ser recomendado para uma determinada província,
sendo que sua semeadura deva ocorrer após o período de chuvas. Todavia, este zoneamento não traz
recomendações sobre as cultivares e seus ciclos (curto, médio e longo) para cada Província ou
microrregião, ou mesmo de datas limites para efectuar o plantio com menor risco climático. Por isso,
mesmo quando o zoneamento é seguido, são comuns as culturas onde a colheita ocorre após o início
do período das chuvas e consequentemente ocorre um aumento das perdas e a colheita torna-se mais
difícil.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

3.1.1 Recomendações

• Como o zoneamento agrícola é um processo lento e cumulativo, deve ser iniciado para poucos
produtos e nas regiões de maior produção agrícola do país. Com o domínio da metodologia e o
aumento dos dados disponíveis, deve ser ampliado para outros produtos e províncias;

• Como o zoneamento envolve um trabalho permanente e evolutivo, com actualização e aumento


constante, recomenda-se que seja conduzido pelo Instituto de Investigação Agronómica de Angola
(IIA), com apoio metodológico de instituições de pesquisa agropecuária internacionais, com
destaque para a Embrapa que domina esta metodologia;

• Como o Ministério da Agricultura já tem uma parceria com a Embrapa, recomenda-se o apoio da
área económica do Governo no contributo de recursos adicionais para o pagamento de despesas de
viagem dos técnicos, adaptação da metodologia às condições e informações disponíveis no país e
para cobrir os investimentos e dos custos operacionais necessários para que o IIA possa
desenvolver, manter e ampliar o zoneamento agrícola de risco climático em Angola nos próximos
anos;

Como o zoneamento agrícola de risco climático pode afetar positivamente toda a economia angolana,
sugere-se que os bancos públicos e privados sejam solicitados a apoiar financeiramente o seu
desenvolvimento, pois poderão beneficiar com a redução dos riscos de in adimplência quando concederem
crédito para o sector rural.

3.2 Propriedade da Terra e Concessão de Uso pelo Estado

Em países onde existe a propriedade privada rural, a existência do título de propriedade da terra e a
possibilidade legal de utilizá-la como garantia real para a obtenção de financiamentos pode ser decisivo
para que os bancos concedam o crédito rural. Em Angola, como todas as áreas rurais pertencem ao
Estado, a propriedade privada rural é substituída pelo Título de Concessão de Uso com distintos prazos,
que podem chegar até 96 anos.

Sem a propriedade privada da terra, a regularização da posse da terra e a obtenção do Título de


Concessão passa a ser muito importante para reduzir as inseguranças jurídicas sobre a produção, tanto
para os agentes financeiros como para os agricultores. O título de Concessão de Uso, apesar de não ser
aceite como garantia real para financiamentos, reduz os riscos para o banco porque indica que os
recursos do crédito de financiamento e ou investimentos serão aplicados em áreas regularizadas. Para
os produtores rurais, a regularização das suas áreas reduz a insegurança na realização de investimentos
e consequentemente as possibilidades de perda ou tomada de sua terra pelo Estado sem uma
indemnização.

Apesar dos esforços do IGCA, o número de produtores rurais que possuem o título de Concessão de
Uso da terra ainda é muito pequeno em relação ao total de agricultores do país. O Programa “Minha
Terra” lançado pelo Governo em 2019 tem por objectivo agilizar a regularização das terras rurais e

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

conceder títulos de concessão para agricultores familiares, mas o seu andamento está muito aquém das
metas e das necessidades dos agricultores.

Segundo dados do Ministério da Agricultura no Resultados da Campanha Agrícola de 2018-2019, dos


124 milhões de hectares de área territorial de Angola, cerca de 35 milhões são aráveis e poderiam ser
utilizados para a produção agrícola. Deste total, estima-se que apenas 5,7 milhões foram cultivados
naquela campanha, 16,2% do total. Considerando estes dados, onde e com quem estão os demais 30
milhões de hectares não cultivados? De forma preliminar, é provável que estas áreas “não cultivadas”
estejam com:

a) Agricultores familiares: como muitos destes agricultores realizam a prática do “pousio” com
rotação anual das áreas cultivadas por prazos de 3 e 8 anos, é provável que estes produtores
possuam e cultivem ao longo de 4 ou 5 anos uma área total distinta superior a 3 ou 4 vezes a
área cultivada a cada ano;

b) Empresários rurais, militares (activos e em reserva): há médias e grandes extensões de terras


que foram concedidas pelo Estado ou foram ocupadas irregularmente, que não estão a ser
exploradas ou estão parcialmente utilizadas, seja porque os seus detentores não possuem
recursos ou projectos produtivos para serem implementados, ou porque podem estar a servir
apenas para especulação imobiliária;

c) Produtores rurais comerciais: agricultores que possuem áreas de pequena a média extensão
ocupadas irregularmente ou que foram obtidas por concessão do Estado ou de Governos
Provinciais. Estas áreas podem estar sem uso ou a ser cultivadas apenas parcialmente na
decorrência da falta de recursos financeiros ou da inexistência de projectos produtivos para sua
utilização. Em algumas aldeias o “soba” também pode ter o domínio de áreas não utilizadas;

d) Estado: compreende as áreas já regularizadas e prontas para concessão, e as terras sem uso
ou ocupação que ainda não estão regularizadas ou georreferenciadas.

Portanto, as áreas não cultivadas e disponíveis para distribuição pelo Estado devem ser muito menos
que os cerca de 29,5 milhões de hectares não explorados anualmente. A Lei de Terras permite a
retomada das concessões quando não houver produção por um determinado período. É fundamental
que o Estado avance neste processo, através da iniciação gradual das maiores para as menores áreas,
além de incentivar a produção nas áreas ociosas.

O Governo tem adoptado uma política de Concessão de Uso de grandes extensões de terra com prazos
superiores a 50 anos para investidores nacionais e internacionais, garantindo além da cessão gratuita
da terra, benefícios tributários por alguns anos. Em contrapartida, tem exigido apenas que a área seja
explorada e um determinado prazo. A partir da comprovação do interesse do investidor em cultivar um
ou mais produtos, o Governo oferece uma área específica que nem sempre é a área requerida ou mesmo
na microrregião solicitada. Tem sido frequente, após a resposta negativa em obter uma área desejada
ou na região solicitada, que o investidor seja procurado por actuais concessionários de terra a vender a
concessão da área solicitada ou outro similar, ou a propor uma sociedade no empreendimento a ser
implementado pelo investidor na sua concessão.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Como não existe um cadastro ou um banco de dados público disponibilizado de forma transparente com
as terras aptas a serem concedidas pelo Estado, abre-se espaço para que ocorram desvios antes mesmo
que o investidor decida aportar seus recursos na produção agropecuária de Angola. O resultado deste
processo pode ter contribuído para o baixo número destes projectos agropecuários em execução ou em
implantação no país, apesar dos benefícios concedidos pelo Estado.

Como não são exigidas contrapartidas dos investidores em relação ao envolvimento de agricultores
residentes no entorno dos projectos agropecuários implantados, estes normalmente pouco contribuem
para o desenvolvimento local onde estão inseridos, excepto pela contratação de mão-de-obra pouco
qualificada e geralmente mal remunerada. Em geral, estes projectos funcionam como ilhas
independentes economicamente das aldeias ou dos municípios onde estão localizados. Os insumos,
máquinas, equipamentos e trabalhadores mais especializados são importados directamente ou
adquiridos em Luanda. Os serviços de armazenagem, secagem e beneficiamento da produção
geralmente são restritos à produção própria, que é comercializada em mercados distantes da região
produtora e não contribuem para a criação de redes de comercialização que poderiam beneficiar os
produtores rurais locais. Os benefícios comunitários adicionais, quando existem, se restringem a
construção ou recuperação de escolas públicas, ou distribuição de alguns sacos de semente e adubos.

Se a concessão do uso de terras para grandes produtores e investidores for mais simples e transparente,
e exija algum nível de integração produtiva com os agricultores do entorno do projecto, estes
investimentos poderão contribuir tanto para a redução das importações como para o desenvolvimento
local e integração económica das comunidades onde estão instalados.

3.2.1 Recomendações

• Recomenda-se que o Estado inicie a retomada das áreas rurais ocupadas irregularmente e as com
Contrato de Cessão de Uso que não estejam sendo exploradas, começando com as fazendas com
área superior a 500 hectares, reduzindo gradualmente o tamanho das áreas retomadas;

• Recomenda-se que o Ministério da Agricultura crie um banco de dados contendo todas as áreas
disponíveis para Concessão de Uso à investidores, com informações básicas sobre cada uma delas.
Além da georreferenciação de cada área, deve contar com informações sobre as condições das
estradas de acesso, distância até as estradas asfaltadas, disponibilidade de água e de energia
elétrica e principais cultivos recomendados para a região, além da área total da área disponível para
cada concessão individual em áreas muito grandes. Esse banco de dados deve ser aberto e
transparente, permitindo que a sociedade acompanhe todo o processo, inclusive que algum grupo
social possa reivindicar antecipadamente algum direito histórico que possa haver sobre estas áreas;

• Recomenda-se que para Cessão de Uso gratuito de terra para grandes investidores seja exigido
como contrapartida algum nível de integração produtiva dos agricultores localizados no entorno do
projecto. Cada investidor, de acordo com o projecto a ser implantado, poderia apresentar propostas
de integração que seriam avaliadas e aprovadas pelo Governo. Onde houver mais de uma proposta
para a mesma área, sugere-se a criação de uma comissão avaliadora com a participação do Governo

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Provincial. As propostas de integração poderiam envolver a prestação de serviços agropecuários à


comunidade local, como secagem, limpeza, armazenamento, beneficiamento de grãos; apoio no
transporte e na comercialização; aquisição de parte da produção local; assistência técnica rural;
suporte para preparo do solo e plantio; distribuição de sementes e adubos; formação e capacitação
de jovens agricultores para exercer actividades rurais especializadas;

• Recomenda-se que os programas de concessão e regularização de títulos de Concessão de Uso


para agricultores familiares permitam áreas superiores a 4 hectares, podendo chegar a 10 ou 20
hectares por família, dependendo da capacidade produtiva de cada família e da disponibilidade de
terras na aldeia ou no município;

• Para facilitar o processo de concessão de títulos de uso, o IGCA poderia priorizar a


georreferenciação e a regularização de áreas pertencentes a agricultores familiares e comerciais
que disponham de áreas de 5 a 50 hectares, desde que apresentem projectos para aumento da área
produzida. Estes agricultores tendem a apresentar mais condições para aceder ao crédito rural e
aumentar a produção;

• Sugere-se, quando haver dificuldade ou problemas para definir a concessão de áreas dentro de uma
aldeia, que seja realizado a georreferenciação da área externa da mesma, deixando para depois a
divisão interna entre os aldeões. Além de dar mais agilidade ao processo, contribui para separar
mais rapidamente as áreas disponíveis não ocupadas e que podem ser concedidas pelo Estado para
pequenos produtores locais que necessitam.

3.3 Fertilidade dos Solos

3.3.1 Correctivos de Solos

Há muitas limitações para o aumento da produção e da produtividade agrícola em Angola, especialmente


para os agricultores familiares e comerciais de pequena dimensão que produzem cereais e leguminosas.
Algumas destas limitações são de simples solução e precisam ser superadas rapidamente para evitar
desperdícios de esforços e de recursos públicos alocados no fomento da produção agrícola.

Se por um lado Angola tem muitas áreas com relevo plano e de fácil mecanização, por outro, grande
parte de seus solos, especialmente nas províncias de Huíla, Huambo, Bié, Malanje, Uíge, Benguela,
Kwanza Norte e Kwanza Sul, são ácidos e com forte presença de ferro e alumínio. A absorção de adubos
fosfatados e potássicos pelas plantas tende a ser muito baixa em solos ácidos e com elevada toxidez de
ferro e alumínio, tornando estas adubações pouco eficazes nos solos não corrigidos com calcário, gesso
ou matéria orgânica nas quantidades mínimas recomendadas. O relevo e as condições físicas e químicas
dos solos nestas Províncias são muito similares às encontradas na região do Cerrado brasileiro. Esta
região, após correcção dos solos com calcário e adubação fosfatada e potássica, e uso de cultivares
adaptadas às suas condições climáticas, tornaram esta região uma das mais produtivas daquele país.

Os grandes produtores agrícolas nacionais ou estrangeiros já utilizam e reconhecem a necessidade da


correcção da acidez dos solos para produzir e aumentar a produtividade. Já entre os agricultores

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

familiares e os comerciais de pequena dimensão, embora a maioria reconheça que a fertilidade dos seus
solos está baixa, muitos ainda não conhecem os benefícios do uso do calcário e ou da matéria orgânica
para os solos, ou quando conhecem as vantagens de seu uso, não dispõem de recursos financeiros para
adquiri-los nas quantidades necessárias. A alternativa para elevar a fertilidade dos solos tem sido a
prática do pousio, conforme descrito anteriormente.

As acções governamentais de apoio aos agricultores familiares no preparo dos solos, com distribuição
ou facilitação de acesso a equipamentos de tracção animal ou mecânica, tendem a produzir resultados
pouco eficazes se não for houver políticas que visem reduzir a acidez e aumentar a fertilidade dos solos.
Na campanha 2018/2019, por exemplo, frente às limitações orçamentais e na tentativa de atender o
maior número de produtores, o Governo distribuiu 51,2 mil toneladas de calcário para utilização em 1.348
mil hectares de solo, o que representou uma média de apenas 38 Kg de calcário por hectare. Embora a
quantidade recomendada dependa das características físicas e químicas de cada solo, em geral são
recomendados cerca de 2.000 kg de calcário por hectare para os solos da região Central do país.
Portanto, a quantidade média aplicada provavelmente produziu pouco ou nenhum efeito correctivo nos
solos, com resultados pouco convincentes sobre sua eficácia no aumento da produtividade. Se fossem
observadas as recomendações médias de aplicação por unidade de área, o calcário distribuído permitiria
corrigir apenas 25,5 mil hectares.

O calcário é classificado em três tipos – dolomítico, magnesiano e calcítico - de acordo com o teor de
óxido de magnésio (MgO) e de óxido de cálcio (CaO) encontrado em sua composição. O calcário
dolomítico apresenta teor de MgO > 12% e de CaO entre 25% e 32%. O magnesiano tem teor de MgO
entre 5 e 12%, e o calcítico tem teor de MgO < 5% e do CaO entre 45% a 55%. A escolha de qual calcário
é o mais adequado para a correcção dos solos e aumento da disponibilidade de nutrientes depende da
análise de cada amostra de solo. A recomendação técnica do tipo de calcário e sua quantidade é
realizada em função da maior necessidade de cálcio ou de magnésio de cada solo, para além das
características químicas dos calcários disponíveis no mercado, a distância para a sua aquisição e
transporte que não torne o custo demasiado caro.

Existe calcário dos diferentes tipos e com boa qualidade disponível em grande quantidade em várias
Províncias, não havendo necessidade de sua importação. Em geral sua extração é simples, com
existência de rochas calcárias afloradas na superfície, especialmente na Huíla e em Malanje. Embora o
calcário tenha baixo custo por tonelada, por serem exigidas grandes quantidades por hectare, acaba por
exigir despesas significativas com transporte.

Apesar da disponibilidade e da elevada necessidade de uso de calcário para a aumentar a produção


agrícola, a indústria de calcário ainda é muito incipiente em Angola, mesmo com o aumento da procura
dos últimos anos provocada pelos grandes produtores rurais e pelo Governo para distribuição para
agricultores familiares e camponeses. Além do uso agrícola, o calcário e os seus subprodutos - carbonato
de cálcio, cal hidratada, cal virgem – possuem outras utilidades industriais, com destaque para
alimentação animal, construção civil (argamassas), produção de açúcar, fabricação de tintas, tratamento
de água para consumo, indústria cerâmica e metalurgia, entre outros. Destaca-se que Angola importa os
subprodutos do calcário para alguns destes usos industriais.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

No Brasil, por exemplo, a difusão do uso do calcário como elemento central para correcção da acidez e
aumento da fertilidade dos solos entre os agricultores, especialmente familiares, ocorreu nas décadas
de 1980 e 1990. Os Governos Provinciais, por meio da assistência técnica e extensão rural,
demonstravam os resultados positivos da aplicação de calcário na produtividade realizando
experimentos de campo juntamente com os agricultores. Depois de convencê-los da sua importância,
subsidiava parte dos custos de transporte do produto para as regiões mais distantes das zonas de
produção de calcário. O crédito rural também teve um papel decisivo no aumento de seu uso, quando
passou a estimular sua inclusão entre os insumos passíveis de financiamento de investimento.

Ao reconhecer a necessidade de aperfeiçoar a aplicação de correctivos de solos e adubos na agricultura,


o Governo angolano investiu na construção de equipamento de alguns laboratórios de solos, criando
assim condições para efectuar recomendações técnicas no próprio país. Entretanto, alguns destes
laboratórios não estão em funcionamento devido à falta de recursos para aquisição de reagentes ou por
carência de pessoal qualificado para operá-los.

Os grandes produtores rurais do país, que poderiam contribuir com estes laboratórios pagando pelos
serviços de análise recebidos, acabam por adquirir laboratórios próprios ou por enviar suas amostras de
solos para análise em outros, alegando maior rapidez e confiabilidade nos resultados. Problemas de
extravios, perdas ou atrasos no envio por correio de amostras para os laboratórios nacionais também
são motivos para a sua não utilização por parte destes produtores.

3.3.2 Adubos e Fertilizantes

Além de reduzir a acidez e diminuir a toxidade de ferro e alumínio de alguns solos, o aumento da
produtividade agrícola também depende da presença de outros nutrientes e micronutrientes no solo, que
podem ser fornecidos na forma de adubos e fertilizantes minerais ou orgânicos, naturais ou sintéticos.
Os fertilizantes orgânicos são mais saudáveis e podem ser mais baratos que os químicos, mas precisam
estar disponíveis próximos e em quantidade adequada, o que nem sempre é possível. Em Angola, como
a produção pecuária ainda é muito pequena, não há matéria orgânica disponível para atender a procura
potencial, embora deva ser utilizada sempre que estiver disponível e de fácil acesso.

Os adubos e fertilizantes químicos, embora conhecidos pela maioria dos produtores rurais do país, são
utilizados com mais intensidade pelos agricultores comerciais e empresariais de média e grande
dimensão. Os agricultores familiares, por carência de recursos financeiros, geralmente não utilizam
adubos ou quando usam, aplicam em quantidades inferiores as necessárias para seus cultivos.

Os nutrientes procurados em maior quantidade pelas plantas cultivadas, também denominados


“macronutrientes”, são o Nitrogênio (N), o Fósforo (P) e o Potássio (K), seguidos de Cálcio (Ca) e
Magnésio (Mg) em quantidades menores. Além destes, outros elementos químicos denominados
“micronutrientes”, como Enxofre (S), Boro (B), Zinco (Zn), Cobre (Cu) e Molibdênio (Mo) podem ser
necessários para o cultivo de determinadas culturas, ou em decorrência de condições específicas de
alguns solos verificadas por análise química realizada em laboratórios.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

A adubação realizada junto ao plantio utiliza normalmente adubos com diferentes formulações de NPK
e pode contar com a adição de Ca e Mg, além de outros micronutrientes. No desenvolvimento das
plantas, especialmente gramíneas como milho, arroz e trigo, também pode ser recomendado a aplicação
de nitrogénio de cobertura na forma de Ureia ou Sulfato de amónio após o crescimento parcial das
plantas.

A indústria petrolífera é uma das maiores fornecedoras de nitrogénio para uso agrícola, produzido
normalmente a partir de combustíveis fósseis como o petróleo, carvão ou gás. A amónia é obtida a partir
da transformação química do gás natural e é utilizada como matéria prima para a produção de
fertilizantes nitrogenados, como ureia, sulfato de amónio e nitrato de amónio. A amónia também é usada
na indústria alimentícia e na produção de desinfetantes, tinturas de cabelo, materiais plásticos, couro e
explosivos. No Brasil, por exemplo, a Petrobrás foi fundamental para o desenvolvimento desta indústria
e se tornou a maior produtora de adubos nitrogenados do país, contribuindo assim para a redução dos
preços pagos pelos produtores e pela redução das importações.

O nitrogénio, além de ser disponibilizado como adubo ou fertilizante, também pode ser incorporado no
solo por meio da fixação biológica, que é realizada por bactérias (Rhizobium) que vivem em simbiose
mutualista com as raízes das plantas, especialmente leguminosas. Quando esta bactéria é inoculada em
sementes de soja, por exemplo, ela realiza a fixação no solo do nitrogénio disponível no ar, reduzindo a
necessidade de adubação para estas plantas. Quando realizada a rotação de culturas, com o plantio
intercalado de uma gramínea (milho, massambala e massango) na campanha subsequente, o nitrogénio
fixado no solo também reduz a necessidade de adubação nitrogenada para as gramíneas. A inoculação
destas bactérias nas sementes de leguminosas tem sido muito utilizada no Brasil, permitindo uma
redução significa nas despesas com aplicação de nitrogénio químico.

O Potássio e o Fósforo são oriundos de rochas minerais presentes em grande quantidade em poucos
países do mundo, sendo que sua exploração normalmente exige investimentos de grande dimensão.
Cerca de 76,5% da Rocha Fosfática produzida no mundo é originária de apenas 5 países - China (38%),
Marrocos (14%), EUA (14%), Rússia (6%) e Tunísia (4,5%). No caso de Cloreto de Potássio, os 5 maiores
produtores detêm cerca de 82,5% da produção mundial – Canadá (30%), Rússia (19%), Belarus (16,5%),
Alemanha (9%) e Israel (8%).

Estudos realizados no âmbito do Plano Nacional de Geologia (Planageo) de Angola, que tem por
objectivo fazer um mapeamento geológico do país e identificar potencialidades minerais que podem ser
exploradas, indica a presença de Rochas Potássicas e Fosfáticas em Angola. Todavia, ainda será
preciso realizar análises mais detalhadas da qualidade e da quantidade de rochas disponíveis, bem como
das condições necessárias para sua exploração, para poder avaliar a viabilidade económica de sua
exploração comercial para o mercado interno e para exportação.

Actualmente todos os adubos e fertilizantes químicos utilizados em Angola são importados, sendo que
os três principais nutrientes (NPK) são adquiridos em formulações prontas, geralmente na formulação
12-24-12 (12% de Nitrogênio, 24% de Fósforo e 12% de Potássio). Esta formulação, apesar de ser a
mais comum e usual pelos agricultores de Angola, não é recomendada para todos os tipos de solos e
cultivos do país. O uso de uma formulação de adubo que contenha um ou mais nutrientes em quantidade

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

maior do que a necessária para um determinado solo ou cultivo, representa um desperdício de recursos
para o agricultor e de divisas para o país. Por isso, para evitar perdas e potencializar a resposta do uso
de calcário e adubos, é recomendado a recolha periódica de amostras de solos e a realização de análise
laboratorial para determinar quais e quanto deve ser aplicado em cada caso.

O Governo distribuiu na campanha 2018/2019 cerca de 46 mil toneladas de adubos e fertilizantes, sendo
28,3 mil toneladas de adubos contendo NPK, 10,7 mil toneladas de Ureia e 7,3 mil toneladas de Sulfato
de Amónio. Em decorrência das restrições orçamentárias, a semelhança do ocorrido com o calcário, a
quantidade distribuída pelo Governo por unidade de área é muito menor do que o recomendado, o que
faz com que se obtenham resultados produtivos muito aquém do possível e do desejado.

Não foram disponibilizadas informações sobre as importações de adubos e fertilizantes realizadas pelos
produtores e por grossistas para revenda no país. Todavia, considerando a área total explorada e a
disponível para cultivo, bem como a baixa produtividade agrícola, pode-se afirmar que há uma procura
potencial muito grande por adubos e fertilizantes no país.

3.3.3 Recomendações

• Sugere-se que o Governo realize um diagnóstico dos laboratórios públicos de solos do país
identificando problemas e limitações para propor alternativas. Devem avaliar a possibilidade de
unificar e centralizar os laboratórios para ampliar a escala de análise, aproveitar as competências
disponíveis existentes e reduzir os custos de manutenção para o Estado. Apesar de existirem
técnicas e equipamentos disponíveis para análise de praticamente todos os nutrientes do solo, estes
laboratórios podem concentrar suas análises em 12 ou 13 essenciais e mais importantes para a
fertilidade dos solos em Angola. A procura por análises de nutrientes específicos, quando existirem,
podem continuar sendo enviadas para laboratórios em outros países;

• Recomenda-se que o Governo negocie com a empresa responsável pelo envio de correspondências
e encomendas no país, visando criar um processo rápido, barato e facilitado para envio de amostras
de solos e devolução dos resultados das análises. Todavia, não basta ter profissionais e condições
operacionais para analisar as amostras de solos, é preciso dispor de profissionais capacitados na
região produtora que possam interpretar os resultados e fazer as recomendações de uso dos
correctivos e dos adubos, sempre considerando as opções disponíveis e os seus custos na sua área
de actuação;

• As indústrias de calcário, além de contribuírem para o aumento da produção agrícola, podem se


tornar uma oportunidade para investimentos privados. Por isso, recomenda-se que o Governo
estimule a reestruturação e modernização das actuais indústrias extractoras de calcário, além de
facilitar a concessão de lavras de rocha calcária e a instalação de novas indústrias, principalmente
nas Províncias com maior aptidão agrícola, contribuindo para reduzir os custos dos produtores com
o transporte do produto;

28
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

• Além da possibilidade de concessão de crédito para projectos industriais que demonstrem viabilidade
económica, sugere-se que o Governo crie um programa temporário de garantia de compras de
calcário destas indústrias para distribuição e ou venda subsidiada para os agricultores familiares;

• Sugere-se que o apoio aos agricultores familiares seja seletivo, temporário e conte com distribuição
de uma maior quantidade de calcário por unidade de área, garantindo resultados mais efectivos com
sua utilização. Para ter um melhor efeito demonstrativo e incentivador do uso junto aos demais
produtores, é importante que a aplicação seja realizada observando as recomendações técnicas
efectuadas após análise das amostras de solos dos produtores beneficiados;

• Recomenda-se a revisão da cobrança pelo Governo do Imposto de Valor Acrescentado (IVA) sobre
as vendas de calcário. Segundo informações de um produtor de calcário visitado, o Governo está a
cobrar IVA de 14% sobre as vendas, elevando significativamente o custo para os produtores rurais
deste insumo agrícola tão necessário para o aumento da produção e da produtividade em Angola;

• A produção nacional de adubos e fertilizantes nitrogenados pode ser decisiva para que Angola
aumente a produtividade de suas lavoras. Em Angola, a Sonangol poderia contribuir com o
desenvolvimento desta indústria directamente ou por meio de parcerias técnicas e de investimentos
com o sector privado. Os adubos nitrogenados e dos demais subprodutos de uso industrial podem
ser destinadas tanto par ao mercado nacional como para exportação, especialmente para os países
do continente Africano;

• A viabilidade da exploração de adubos fosfatados e potássicos em Angola somente será conhecida


após a conclusão dos trabalhos do Planageo. Se os estudos indicarem sua viabilidade económica,
a exploração destes minerais poderá se tornar uma grande oportunidade para investimentos
privados no país, especialmente porque a produção mundial está concentrada em 5 países e há uma
grande procura no mercado internacional;

• Enquanto não dispuser de produção nacional, Angola deverá facilitar e simplificar as importações de
adubos e fertilizantes. Entretanto, recomenda-que o Governo adopte uma estratégia de controle dos
preços praticados no mercado interno, procurando reduzir seu custo e estimulando seu uso pelos
agricultores. Se possível, sugere-se que os laboratórios públicos de solos realizem análises
amostrais para controlar a qualidade dos adubos e fertilizantes importados e comercializados no
mercado interno;

• Recomenda-se que o Governo incentive que os importadores passem a adquirir separadamente os


nutrientes utilizados na fabricação dos adubos, fazendo as misturas e formulações no país. Além de
agregarem valor ao produto internamente, poderão disponibilizar formulações de adubos que
atendam as distintas necessidades e características dos solos e cultivos realizados no país;

• Por fim, recomenda-se que o Governo estimule o uso de tecnologias que reduzem a necessidade
de adubação nitrogenada no solo, como por exemplo, o uso da bactéria Rhizhobium em que a
Embrapa é detentora da tecnologia e que pode contribuir muito para o seu desenvolvimento e uso
em Angola.

29
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

3.4 Máquinas e Equipamentos Agrícolas

A redução da disponibilidade de mão de obra no campo, a necessidade de aumento da produtividade e


o desenvolvimento tecnológico foram o motor para a evolução tecnológica do sector de máquinas e
equipamentos agrícolas nos últimos 30 anos. O uso de máquinas guiadas por GPS, uso de imagem de
satélites e de drones para monitoramento de lavouras é uma realidade. Embora o desenvolvimento de
máquinas e equipamentos agrícolas muitas vezes é focado na produção em grandes extensões de
terras, há opções disponíveis no mercado para diferentes sistemas e dimensões produtivas, adaptados
as mais distintas características de solo, relevo e actividade produtiva.

Entretanto, as máquinas e equipamentos mais modernos e eficientes custam caro e requerem uma
complexa estrutura de manutenção e reposição de peças, além de pessoas capacitadas para operá-los.
No aspecto de uso de tecnologias agrícolas, a maioria dos agricultores do país estão defasados em
décadas, e a mudança não pode ser automática, exige tempo para aprendizagem e de adaptação, além
da disponibilidade de recursos financeiros significativos. Um exemplo destas limitações técnicas e
financeiras no país são os diversos relatos da existência de muitos tractores, máquinas e equipamentos
agrícolas de diferentes fabricantes que estão inoperantes devido à falta de peças de reposição e ou de
pessoas capacitadas para consertá-los.

Segundo dados do Relatório da Campanha Agrícola de 2018/2019, dos 5,2 milhões de hectares
cultivados naquela campanha, o preparo do solo para o cultivo foi realizado com uso de tractores em
apenas 155,9 mil hectares (3%). A tracção animal foi utilizada para preparar o solo de mais 1,3 milhões
de hectares (25%), enquanto os 3,74 milhões de hectares restantes foram preparados manualmente com
uso principalmente de enxadas. A utilização de tracção animal e mecânica, apesar de representarem
28% do solo preparado para o cultivo, é ainda menor no plantio e nos tratos culturais (capina) das
lavouras. Embora não haja dados oficiais, a maioria absoluta dos agricultores familiares e comerciais de
pequena dimensão, mesmo aqueles que utilizam tracção animal ou mecânica no preparo do solo, fazem
o plantio manualmente sem o uso de plantadoras manuais.

A baixa produtividade da mão-de-obra na realização manual do plantio e da preparação do solo,


associado a redução da área cultivada devido a prática do pousio como alternativa de adubação frente
à baixa fertilidade dos solos, são fortes factores que limitam o aumento da produção de cereais e
leguminosas em Angola. Enquanto o plantio manual limita o cultivo de cereais e leguminosas para menos
de um hectare por pessoa, a simples utilização de plantadora manual já poderia aumentar a área
cultivada. O uso de equipamentos de tracção animal para preparo do solo, plantio e capina poderiam
aumentar em até 8 vezes a área cultivada manualmente por uma única pessoa. O uso de micro e
pequenos tractores ou moto cultivadores para o preparo do solo e plantio também poderiam elevar a
área cultivada, sem a necessidade de grandes investimentos em tractores de maior porte.

O uso de sementes melhoradas, adubos e correctivos de solos pode aumentar a produtividade, mas
também eleva os custos variáveis de produção. Quanto maior for a produtividade agrícola, menor tende
a ser a margem de lucro por unidade de produto produzida, exigindo a produção e venda de um número

30
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

maior de sacos de produto para obter a receita esperada. Por isso, o aumento da produtividade agrícola
acaba por exigir também um aumento da área média cultivada pelos agricultores. Para ampliar a área
de produção será preciso elevar a produtividade da mão-de-obra no conjunto das actividades agrícolas,
especialmente no preparo do solo e plantio. Portanto, o aumento da área produzida somente será
possível com capacitação dos agricultores e um maior uso de máquinas e equipamentos agrícolas, com
destaque para plantadoras manuais e equipamentos de tracção animal, ou de pequenos tractores e seus
equipamentos.

Apesar de possíveis resistências culturais dos agricultores familiares angolanos para o uso de plantadora
e adubadora manual (matraca), este simples equipamento é um dos mais importantes a ser inserido no
processo produtivo de cereais e leguminosas no país. A assistência técnica tem um papel decisivo na
difusão, capacitação e aumento do seu uso.

A tracção animal ainda poder ter um importante papel a desempenhar para o aumento da produção
agrícola em Angola. Os equipamentos utilizados com tracção animal também evoluíram muito nas
últimas décadas e podem ser utilizados em quase todas as etapas da produção agrícola. Além dos
conhecidos e mais empregados equipamentos para o preparo do solo (charruas e grades) e transporte
(carroças), existem equipamentos movidos a tracção animal para distribuir calcário, realizar o plantio e
a adubação, fazer a capina (cultivadores) e pulverização. Os equipamentos de tracção animal são muito
mais baratos e de fácil manutenção quando comparados aos tractores e seus equipamentos, além de
permitir um significativo aumento da produtividade da mão-de-obra. Entretanto, não adianta disponibilizar
equipamentos de tracção animal para os agricultores se não houver disponibilidade de animais para
tracção, e quando for o caso, de capacitação dos agricultores para o manuseamento e operação dos
animais e dos equipamentos. Por exemplo, o Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDA) distribuiu 61.418
charruas de tracção animal na campanha 2018/2019, mas o número de juntas de boi distribuídas foi de
apenas um terço deste total. Portanto, ou os agricultores já dispunham dos animais para tracção, ou os
equipamentos ainda não tiveram utilidade.

O uso de micro e pequenos tractores ou mesmo de moto cultivadores também pode contribuir para
ampliar a área cultivada. Com menor custo do que os tractores convencionais, eles dispõem de
equipamentos para o preparo do solo, plantio, capina, pulverização e transporte, permitindo a
mecanização de todas as etapas da produção e aumentando muito a produtividade do trabalho.

O uso da irrigação na produção agrícola também deve ter atenção especial em Angola, pois além de
contribuir para o aumento da produtividade, permite o cultivo de mais de uma colheita por ano. A região
Central do país, apesar da importância agrícola e da disponibilidade de água, pratica muito pouco a
agricultura irrigada. Havendo disponibilidade de água, é possível desenvolver qualquer modelo
tecnológico de irrigação, dos mais caros e modernos até os mais simples e de baixo custo. Construir
perímetros irrigados, com nivelamento do terreno e aquisição de máquinas e equipamentos, exige
investimentos elevados e, para que os projectos sejam viáveis economicamente, normalmente precisam
estar associados a outras práticas agrícolas, como a correcção da fertilidade dos solos, o uso de
sementes melhoradas, adubos e fertilizantes. Além disso, como a produção irrigada é muito mais

31
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

complexa que a de sequeiro, carece de assistência técnica mais qualificada e agricultores com muita
formação e capacitação.

Os grandes produtores já importam directamente máquinas e equipamentos agrícolas, e para estes o


Estado deve actuar apenas facilitando as importações dos bens de capital. Os produtores que adquirem
no mercado interno máquinas e equipamentos agrícolas importados, embora contribuam para a geração
de empregos no país, acabam muitas vezes sendo penalizados com preços mais elevados que os
importados directamente, além de normalmente terem pouco ou nenhum apoio dos revendedores no
pós-venda para manutenção e reposição de peças. Por isso, é importante que o Governo actue neste
mercado, através da legislação, garantir um padrão mínimo de assistência técnica para manutenção e
de reposição de peças de máquinas e equipamentos agrícolas importados.

Uma oportunidade para investimentos privados em Angola é a instalação de indústrias metalúrgicas


para produção de máquinas e equipamentos agrícolas. Estas indústrias, além de produzir equipamentos
manuais e para tracção animal, também podem produzir máquinas estacionárias, com destaque para
batedeiras de grãos e trituradores. As indústrias metalúrgicas de pequenos equipamentos agrícolas
também podem produzir, por meio de parcerias técnicas com empresas nacionais e internacionais,
equipamentos simples de irrigação (aspersão e gotejamento), carneiros hidráulicos (transporte de água
para consumo humano, animal ou irrigação), ou mesmo para fabricação ou montagem de pequenos
tractores ou moto cultivadores e seus equipamentos. É importante destacar que este tipo de indústria
não exige grandes investimentos, além de Angola possuir um mercado promissor para estes produtos
nos próximos anos.

3.4.1 Recomendações

• Recomenda-se que o Governo passe a monitorar os preços praticados no mercado interno das
principais máquinas e equipamentos agrícolas importados, comparando-os aos preços registados
na importação, para evitar abusos;

• Recomenda-se que o Governo passe a exigir, por meio de alteração na legislação, a garantia de um
serviço mínimo de atendimento pós-venda de máquinas e equipamentos agrícolas. Entre os serviços
de pós-venda, deve ser exigido que importadores de máquinas e equipamentos agrícolas
mantenham um stock mínimo de reposição das peças mais requisitadas e que garantam a
importação rápida de peças não disponíveis. Dos revendedores de máquinas e equipamentos
agrícolas deve ser exigido a manutenção de um número mínimo de técnicos, próprios ou
terceirizados, que estejam capacitados e distribuídos em todo o território nacional onde actuam para
que possam executar os principais serviços de manutenção e reparo das máquinas e equipamentos
importados;

• Recomenda-se que o Governo incentive a instalação no país de indústrias metalúrgicas que actuem
na produção de máquinas e equipamentos agrícolas, com destaque para ferramentas manuais,
equipamentos de tracção animal e mecânica, máquinas estacionárias e equipamentos de irrigação.
Além dos incentivos normalmente concedidos pelo Governo, o investimento privado nestas indústrias
pode ficar mais atraente se o Governo se comprometer a adquirir uma quantidade mínima de

32
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

equipamentos nos primeiros anos. Na região Sul do Brasil existe algumas indústrias metalúrgicas de
pequena e média dimensão que actuam neste segmento, e que podem ter interesse em investir ou
participar tecnicamente de um projecto neste sentido;

• Associado à produção nacional ou importação de equipamentos para tracção animal, recomenda-se


que o Governo desenvolva um intenso processo de incentivo a criação e reprodução de animais para
tracção, através da utilização das Escolas do Campo e outros Centros de Formação para
treinamento e capacitação dos agricultores e de privilégios oferecidos aos mais jovens como forma
de incentivar sua permanência no campo;

• Para tentar potencializar a produção agrícola nos lotes de perímetros irrigados públicos não
ocupados, ou que estejam em fase de conclusão, recomenda-se a destinação para profissionais das
ciências agrárias, jovens oriundos de escolas técnicas agropecuárias, ou ainda, jovens agricultores
que desejam continuar na actividade. Independente de quem for beneficiário dos lotes, todos
precisarão receber formação e capacitação para operar com produção irrigada, além de assistência
técnica e acesso à crédito rural para desenvolver suas actividades;

• As máquinas, equipamentos e ferramentas agrícolas, independente se forem para utilização manual


ou para uso com tracção animal ou mecânica, são instrumentos básicos para a produção agrícola.
Por isso devem ter a importação ou produção interna facilitada pelo Governo. Como seu uso é muito
restricto à produção agrícola, os valores e divisas gastos para adquiri-los serão sempre inferiores ao
valor que poderá ser despendido para a importação dos produtos gerados como seu uso no país.

3.5 Sementes

As sementes de cereais e leguminosas utilizadas em Angola são: a) produzidas pelos próprios


agricultores a partir da seleção entre os grãos produzidos na campanha anterior; b) importadas
directamente por produtores ou por revendedores para comercialização no mercado interno; c)
produzidas por empresas privadas a partir de melhoramento de sementes nativas ou estrangeiras e; d)
reproduzidas no país por produtores e empresas com base em acordos comerciais e de cooperação com
empresas públicas ou instituições internacionais.

Os grandes produtores rurais utilizam normalmente sementes importadas directamente de milho


(híbridas), soja, arroz (irrigado), trigo e, em alguns casos, de feijão. A maioria destas sementes têm
potencial genético para garantir elevados níveis de produtividade, mas para isso, precisam ser cultivadas
em condições apropriadas de solo, água, temperatura e adubação. As sementes importadas para a
revenda interna têm uma grande diversidade de qualidade e características, desta forma os agricultores
tornam-se responsáveis pela escolha e definição de quais são melhores e mais confiáveis para suas
condições produtivas.

As sementes distribuídas pelo Governo aos agricultores na campanha 2018/2019 totalizaram 6.845
toneladas. Deste total, 5.449 toneladas foram de sementes de milho, 623 de feijão, 474 de arroz, 137 de
massambala e massango, além de 5 toneladas de semente de soja. Para muitos agricultores, as

33
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

sementes distribuídas pelo Governo são a única alternativa para produção, nem sempre são as mais
adequadas para as condições climáticas e sistemas de produção destes agricultores. As principais
reclamações dos produtores em relação as sementes recebidas do Governo são quanto a sua qualidade,
ciclo produtivo (longo) e distribuição tardia, o que compromete a produção e aumenta os riscos.

Para o milho, principal produto cultivado em Angola, apesar do maior potencial produtivo existente nas
sementes híbridas em relação às variedades tradicionais, não se recomenda actualmente o seu uso para
a maioria dos agricultores familiares. Além dos produtores não corrigirem a acidez dos seus solos e
poucos disporem dos adubos necessários para o crescimento das plantas híbridas, sua utilização torná-
los-ia ainda mais dependentes de aquisição de novas sementes a cada ano. Por outro lado, os
produtores nacionais de sementes já desenvolveram variedades de milho adaptadas às características
climáticas e de solo da região Central do país, com potencial de produzir 4 a 6 toneladas por hectare,
além de permitir que os agricultores, desde que capacitados, possam utilizar por alguns anos sementes
selecionadas entre grãos produzidos. Somente quando os agricultores atingirem esta produtividade, que
é 5 vezes maior que a produtividade média actual, é que a utilização de sementes híbridas deve ser
estimulada. O mesmo princípio vale para sementes de massambala e massango.

Angola já dispõe de produção própria de boas sementes varietais de algumas culturas, como milho,
amendoim, massambala e batata. Para alguns destes produtos, a limitação nacional está na pequena
quantidade de sementes produzida em relação à procura total existente no país. Para outros, o potencial
produtivo, apesar de ser menor que seus concorrentes internacionais, é muito superior às sementes
utilizadas pela maioria dos produtores no país. Cabe ao Governo estimular e fomentar a produção
nacional de sementes, ampliando sua produção em volume e qualidade.

Por outro lado, não é possível esperar o desenvolvimento de sementes próprias para ampliar a produção
e a produtividade agrícola em Angola. Por isso, o Governo deve tentar fomentar a produção de sementes
registadas, certificadas ou fiscalizadas das principais culturas no país, mesmo que a semente tenha
propriedade estrangeira. Com o rápido desenvolvimento tecnológico, é possível que empresas de
sementes, mesmo sem actuação em Angola, autorizem a reprodução no país de sementes com bom
potencial produtivo, mas que estão superadas em seus países, cobrando preços atractivos para Angola
pela autorização e disponibilização do material genético.

A recomendação e o uso de sementes para as principais culturas agrícolas do país deverão estar
contempladas no zoneamento agrícola de risco climático que deve ser desenvolvido em Angola. A
definição e escolha das melhores sementes para cada região não dependem apenas do seu potencial
genético produtivo, mas precisam estar adaptadas às condições do solo e do clima onde serão
cultivados, além do seu ciclo produtivo e período de plantio estarem adequados ao histórico do regime
de chuvas e de temperatura.

3.5.1 Recomendações

• Recomenda-se que o IAA procure, por meio de acordos de cooperação técnica ou comerciais, a
exemplo do que a empresa “Jardins da Yoba” da Huíla vem desenvolvendo, produzir sementes

34
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

registadas, certificadas ou fiscalizadas no país a um custo menor do que as obtidas por meio de
importação directa de sementes. Estes acordos podem ser realizados envolvendo empresas
privadas de sementes com actuação em Angola, o que pode abrir uma nova frente para
investimentos privados;

• Recomenda-se ainda, que a estrutura produtiva, de irrigação e de beneficiamento de grãos de


algumas fazendas estatais que estão inoperantes, sejam destinadas a produção e reprodução de
sementes das culturas agrícolas mais importantes para o país. O repasse para o sector privado
destas áreas poderia ser realizado por meio de concessão pública ou parcerias público-privadas
(PPP) com empresas nacionais produtoras de sementes. O pagamento ao Governo pelo uso das
áreas e da infraestrutura poderia ser, em um primeiro momento, em sementes que poderiam ser
utilizadas para distribuição ou venda subsidiada aos agricultores familiares;

• Para fortalecer os produtores nacionais de sementes e como o Governo já dispõe de um programa


de distribuição para agricultores familiares, recomenda-se que procure adquirir, sempre que possível,
as sementes de produtores nacionais de sementes;

• O processo de desenvolvimento de sementes de hortaliças e legumes é muito complexo e


concentrado em poucos países. Considerando a situação económica e tecnológica de Angola,
dificilmente haverá condições de produção interna destas sementes nos próximos anos. Por isso,
para este tipo de semente o Governo deve facilitar as importações e manter um acompanhamento
dos preços praticados no mercado interno que procurem evitar que se trone mais dispendioso para
os produtores;

• Para as sementes e mudas solicitadas pelos grandes produtores agrícolas do país, o papel do
Governo deve ser apenas facilitar as importações, não há necessidade de nenhum controlo.

3.6 Cooperativismo Agropecuário

O associativismo e o cooperativismo são importantes instrumentos que contribuem para aumentar a


produção e a receita dos agricultores em todo o mundo. A união e a cooperação permitem a compra de
insumos e a venda da produção em maior escala, além de facilitarem a agregação de valor dos produtos
por meio do beneficiamento e da industrialização colectiva.

Nos últimos 175 anos, desde a constituição da primeira cooperativa em Rochdale, no interior da
Inglaterra em 1844, muitas formas de cooperativas foram desenvolvidas e aprimoradas. Dependendo
das legislações de cada país, elas podem estar presentes em todos os sectores e actividades
económicas, como agropecuária, habitação, energia eléctrica, transporte, saúde, educacional, industrial,
crédito, poupança e seguro, além de cooperativas de produção e de prestação de serviços públicos.

No meio rural, as cooperativas mais comuns são as de produção agropecuária e as de poupança e


crédito. As cooperativas de crédito rural surgem a partir das dificuldades para aceder ao crédito rural e
aos demais serviços financeiros pelos agricultores, especialmente os de menor dimensão. Podem ser
constituídas por iniciativa de cooperativas agropecuárias ou decorrentes da presença de outras

35
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

experiências de cooperação ou associativismo entre os agricultores, especialmente com fundos rotativos


de crédito e/ou experiências de microcrédito desenvolvidas por organizações não governamentais.

As cooperativas agropecuárias são constituídas por agricultores, em sua maioria de pequena e média
dimensão, na tentativa de superar as limitações para comercializar e melhorar os preços de venda de
seus produtos. No processo de desenvolvimento das cooperativas agropecuárias, após a melhoria na
comercialização, muitas passam a actuar na compra colectiva e na venda de insumos para seus
associados, com o intuito de viabilizar preços mais competitivos do que os encontrados no comércio
local. Em uma terceira etapa, após um processo de amadurecimento e capacitação administrativa, as
cooperativas avançam no processo de beneficiamento e na industrialização da produção de seus
associados. Em um processo mais desenvolvido, as cooperativas também podem actuar na prestação
de diversos serviços aos seus associados, desde assistência técnica rural até serviços de contabilidade
e assessoria jurídica.

Com o aumento das actividades e a necessidade de ampliar o processo de industrialização, as


cooperativas podem se associar-se entre si, criando Centrais de Cooperativas ou mesmo Federações
de Cooperativas. O foco das cooperativas agropecuárias deve ser sempre a melhoria dos rendimentos
e das condições de vida de seus associados. Para isso, é fundamental o fortalecimento das actividades
desenvolvidas nas unidades produtivas dos seus associados, com o intuito de melhorar ainda mais o
rendimento com a agregação de valor e a obtenção de melhores preços para sua produção.

Em Angola o cooperativismo agropecuário surgiu a partir de uma iniciativa directa do Estado e com
características próprias e muito distintas de outros países, inclusive daqueles que serviram de inspiração
para estas iniciativas. O Governo estimulou a constituição de cooperativas de agricultores familiares e
de camponeses para produzirem de forma colectiva em determinadas áreas, visando tanto o aumento
da produção como facilitar o apoio do Estado a estes agricultores. As experiências de produção colectiva
ou através de cooperativas de produção são mais comuns no meio urbano, e ocorrem geralmente
quando uma empresa privada entra em processo de falência. Para não perderem sua fonte de
rendimento, parte dos empregados assume a gestão e as operações da empresa na forma de
cooperativa. Nestes casos, não existe unidade de produção individual e todo o trabalho de seus
associados é realizado na empresa colectiva, sendo que a remuneração é definida pela divisão de parte
das receitas pelas horas trabalhadas pelo conjunto dos associados.

No meio rural este modelo de produção colectiva foi adoptado até o início da década de 1990 em alguns
países do Leste Europeu, com destaque para a antiga URSS, mas foi abandonado em quase todo o
mundo. Ele surgiu na década de 1930 a partir da crítica de representantes do Governo sobre o papel
desempenhado pela agricultura familiar nas sociedades socialistas, associado à visão de que a produção
em grande escala era a única alternativa para reduzir custos e aumentar a produtividade na agricultura.
Nestes países foram adoptados dois modelos de produção agrícola colectiva: as fazendas estatais
(sovkhozy) e as fazendas colectivas (kolkhozy), ambos procuram elevar a produtividade da terra e da
mão de obra. Enquanto as fazendas estatais eram administradas por representantes do Governo e seus
trabalhadores eram funcionários públicos, as fazendas cooperativas eram administradas pelos
associados, embora o Estado sempre exercia algum tipo de controlo. Como não existia áreas individuais

36
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

para produção comercial, toda a actividade económica de seus associados era desenvolvida na
cooperativa. Por isso, estas fazendas cooperativas enquadravam-se mais no conceito de cooperativa de
produção do que de cooperativas agropecuárias como são actualmente conhecidas internacionalmente.

Em Angola, a maioria das cooperativas agropecuárias foi constituída com apoio ou acção directa do
Estado, que concedeu o direito uso para produzirem colectivamente em áreas com dimensões variáveis
de acordo com o número de agricultores envolvidos. O IDA tem priorizado estas cooperativas para
distribuição de sementes, calcário e adubos, além da prestação de apoio técnico. Com a criação do
Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e do estímulo a formalização de sua economia, o Governo tem
intensificado as acções que procuram formalizar estas cooperativas, muitas vezes transformando em
cooperativas antigas associações de produtores, independentemente de seu grau de organização ou do
seu volume de produção. Apesar das áreas cedidas para as cooperativas serem relativamente grandes
quando comparadas com a área média cultivada pelos agricultores familiares, a área media por
associado da cooperativa é praticamente a mesma, aproximadamente entre 1 a 2 hectares.

Duas cooperativas visitadas nas províncias de Huambo e Bié são bons exemplos deste processo e das
dificuldades e limitações presentes no modelo de cooperativismo agropecuário difundido em Angola.

Uma das cooperativas visitadas é formada por 420 associados residentes em aldeias localizadas na sua
periferia. Foi constituída há cerca de 2 anos a partir de uma associação de produtores criada em 2013.
A cooperativa possui uma área colectiva de 960 hectares, dos quais cultiva cerca de 400 hectares com
milho e batata e uma pequena área com cenoura, repolho, alho e cebola. Além da participação na
produção da cooperativa, cada família cultiva individualmente em suas aldeias mais 1 a 2 ha. A área total
da cooperativa por associado é de 2,3 hectares, e de 1 hectare se considerar apenas a área cultivada
da cooperativa, o que mantém a produtividade do trabalho muito baixa. Embora a cooperativa disponha
de junta de bois e charrua própria, e na última campanha o IDA ter disponibilizado os serviços de um
tractor, ambos foram utilizados somente para preparo do solo, com o plantio realizado manualmente. Os
associados trabalham em média 8 horas por dia e recebem diariamente pelo serviço prestado na
cooperativa. Por isso, na prática ela actua mais como cooperativa de produção misturada com uma
gestora de mão-de-obra. A cooperativa recebeu semente de milho e adubo do IDA na última campanha
e, devido a sua organização, já conseguiram selecionar e armazenar sementes para o cultivo no próximo
ano, o mesmo ocorreu com a batata. Os gestores da cooperativa sabem da importância de utilizar
calcário e adubo para o aumento da produção, mas pela falta de recursos financeiros para sua aquisição,
acabam normalmente utilizando quantidades menores que a recomendada. A produção é toda
comercializada nos mercados formais e informais da cidade, e devido às péssimas condições da estrada
de acesso a cooperativa, os custos com transporte são muito elevados. Embora a soma da área cultivada
individualmente pelos associados seja superior a cultivada na cooperativa, ela actua apenas na
comercialização da produção colectiva, não apoiando a venda da produção individual de seus
associados destinada ao mercado. A transformação da associação em cooperativa foi estimulada pelo
Governo no âmbito da política de formalização da economia, com o argumento adicional que teriam
maior apoio e possibilidade de acesso ao crédito rural. Planeiam aumentar a área produzida de milho e
iniciar a produção irrigada de hortícolas. Para isso necessitam de crédito de investimento para adquirir

37
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

um tractor e equipamentos para irrigação, além de crédito de campanha para aquisição de calcário,
adubos e agrotóxicos. A área total da cooperativa pode até justificar a aquisição de um tractor, mas
excepto pela proposta de produção hortícola irrigada, seus gestores não têm noção da quantidade de
mão-de-obra de seus associados que será liberada com a aquisição do tractor, muito menos como
ocupá-la. Portanto, o aumento do uso da mecanização agrícola pela cooperativa, apesar de aumentar a
produção total gerada, pode trazer uma redução do salário do trabalho de seus associados caso não
haja outras actividades que a ocupem.

Apesar de todas as dificuldades, se esta cooperativa contar com apoio técnico para a gestão, tiver acesso
a crédito e assistência técnica rural, e actue também no apoio à produção e comercialização das
explorações individuais de seus associados, ela tem grandes chances de sucesso, e de contribuir para
o aumento do salário e da qualidade de vida de seus associados.

A segunda cooperativa agropecuária visitada encontra-se numa situação mais difícil, com poucas
hipóteses de sucesso seguindo este modelo de organização. A cooperativa conta com 212 associados
e foi criada em 2012 tendo por base uma associação de produtores constituída a partir de uma Escola
do Campo (ECA). Com uma área total disponível de 598 hectares, cultivam apenas 39 hectares com
milho, soja e feijão e tendo uma produtividade abaixo da média da Província. A área total da cooperativa
dividida pelos associados é de 2,8 hectares, mas a área cultivada é de apenas 0,2 hectares por sócio.
Por outro lado, cada família associada explora individualmente em suas aldeias mais 1,5 hectares de
lavouras em média. A produção é manual do preparo do solo até a colheita, embora muitas das famílias
tenham um histórico de uso de tracção animal no passado, cujos animais foram mortos durante a guerra
civil. Seus gestores esperam receber do Governo nos próximos anos 12 bois para serem domesticados
e treinados para uso na lavoura. A expectativa dos agricultores é de que a utilização dos animais no
preparo do solo permita que elevem a área cultivada de milho na cooperativa dos actuais 39 hectares
para cerca de 80 hectares. Receberam do IDA na última campanha a semente do milho cultivado, além
de um pouco de adubo. Como a produção foi muito pequena e coincidiu como o período chuvoso, não
conseguiram guardar semente para o próximo ano. Para piorar a situação, a estrada de acesso é muito
ruim, dificultando ou mesmo inviabilizando o escoamento da produção em determinados períodos do
ano. A cooperativa não desenvolve nenhuma acção para apoiar a produção e a comercialização dos
produtos oriundos das explorações individuais, apesar de sua área total representar mais de 300
hectares, muito superior aos 39 hectares cultivados colectivamente na cooperativa.

O foco de actuação da cooperativa pode estar equivocado, uma vez que que suas acções produzem
pouco ou nenhum efeito positivo no rendimento dos associados. A assistência técnica, além de pouco
presente, tem actuado mais no processo de formalização da cooperativa do que no apoio organizacional
e no aumento da produção e da produtividade agrícola da cooperativa e de seus associados. Portanto,
apesar de ter sido formalmente constituída, esta cooperativa apresenta sérias limitações organizacionais
e económicas para manter sua actuação neste modelo organizativo.

A maioria das cooperativas agropecuárias de Angola não foi constituída por interesse e iniciativa própria
dos agricultores, mas pela acção directa do Governo e como condição básica para receber algum
benefício público. Com isso, grande parte de seus associados não conhece os princípios básicos do

38
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

cooperativismo internacional, ou mesmo quais são as funções que uma cooperativa agropecuária pode
e deve desempenhar, ou porque deve se manter associado à sua cooperativa se o Governo deixar de
conceder os benefícios prometidos quando de sua constituição.

3.6.1 Recomendações

• Para as cooperativas agropecuárias com maior grau de organização social, recomenda-se que a
assistência técnica procure incentivar a revisão de suas funções e atribuições, para que possam
actuar também no apoio a produção e a comercialização proveniente das explorações agrícola
individuais de seus associados. Neste sentido, sugere-se que as cooperativas procurem desenvolver
serviços para seus associados, como compra conjunta de insumos agrícolas ou distribuição de
calcário disponibilizado pelo Governo, contratação de serviços de máquinas e equipamentos para
preparação do solo e plantio nas explorações individuais, além da comercialização da produção
excedente dos seus associados, numa tentativa de reduzir custos com transporte e obter melhores
preços para o produto comercializado conjuntamente.

• Nas cooperativas e associações mais frágeis em termos organizacionais, a assistência técnica deve
priorizar a formação associativa dos agricultores e assim incentivar o trabalho cooperativo formal e
informal entre eles, além de focar a actuação na assistência técnica às suas explorações individuais;

• Recomenda-se que as áreas colectivas das cooperativas, com apoio da assistência técnica do IDA,
sejam focadas nas seguintes actividades:

• produção de sementes e de mudas de culturas para distribuição gratuita e ou venda


subsidiadas a seus associados;

• produção de cereais ou leguminosas mecanizada voltada a criação de recursos financeiros


para o pagamento do crédito rural utilizado para aquisição das máquinas e equipamentos,
os quais podem ser utilizados tanto na área colectiva como individual de seus associados;

• produção de culturas que exijam muita mão de obra no seu cultivo, com o intuito de absorver
a mão-de-obra excedente de seus associados, como batata, cebola, alho, cenoura e demais
hortícolas e;

• capacitação técnica de produtores rurais, com pequenos experimentos práticos com uso de
correctivos de solos, sementes melhoradas, diferentes adubos e outras práticas culturais
recomendadas, com o objectivo de incentivar a adopção das melhores práticas de cultivo
nas explorações individuais;

• Recomenda-se que as cooperativas agropecuárias procurem apenas parte da mão-de-obra


disponível de seus associados, e assim permitam e incentivem que eles mantenham e desenvolvam
sua exploração agrícola individual;

• Com a implantação da política de formalização da economia em Angola, as cooperativas


agropecuárias podem actuar como agentes formais para as compras e vendas da produção de seus

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

associados, reduzindo a necessidade de formalização individual dos agricultores familiares. Por isso,
recomenda-se a criação de cooperativas agropecuárias para actuar na comercialização e ou
beneficiamento da produção de seus associados, para assumir um papel de destaque na
intermediação de produtos agropecuários do país;

• Além disso, recomenda-se que as acções públicas voltadas ao apoio do cooperativismo não se
restrinjam aos agricultores familiares mais pobres. O cooperativismo agro-micro-pecuário deve
procurar envolver conjuntamente os agricultores comerciais de diferentes dimensões e os
agricultores familiares. Cooperativismo não significa união de iguais, mas a organização de
diferentes para alcançar objectivos comuns.

3.7 Assistência Técnica, Capacitação e Formação no Campo

3.7.1 Assistência Técnica e Extensão Rural

A assistência técnica e a extensão rural podem ser consideradas o combustível dos demais instrumentos
de política agrícola e a base para o desenvolvimento rural. Pouco adianta disponibilizar crédito se não
houver projectos produtivos viáveis técnica e economicamente, e tendem a ser pífios os resultados do uso
de novas técnicas de cultivo e de tecnologias relacionadas às sementes, adubos e equipamentos, se os
agricultores não souberem como utilizá-los. Todavia, para que a assistência técnica cumpra seu papel e
objetivo, ela precisa estar qualificada, ter condições operacionais de trabalho e atender um número de
agricultores adequado à sua capacidade de assistência. Estes três elementos essenciais para uma boa
assistência técnica estão limitados ou mesmo ausentes na assistência rural fornecida pelo Instituto de
Desenvolvimento Agrário (IDA), que pode ser considerada insuficiente em termos quantitativos,
qualitativos e operacionais.

Para um atendimento de qualidade, estudos internacionais indicam a necessidade de 1 técnico para cada
90 a 100 agricultores assistidos. Este número é muito variável e depende da metodologia empregada e
das características culturais dos agricultores, especialmente das experiências e conhecimentos sobre os
temas abordados e do nível educacional ou grau de alfabetização dos agricultores. Apesar destas
variáveis, o número recomendado de agricultores assistidos por técnico serve de base para estimar custos
e a abrangência para formulação de programas de assistência técnica e extensão rural.

O IDA, segundo informações não oficiais, contava no início de 2020 com cerca de 900 profissionais das
ciências agrárias, dos quais, pouco mais de um terço presta serviços de assistência técnica aos
agricultores. O Relatório da Campanha Agrícola 2018/2019 informa que receberam assistência técnica
943.644 agricultores familiares, sendo 915.073 prestados pelo IDA e o restante pelo Projeto MOSAP II
(Projeto de Desenvolvimento para Pequenos Agricultores Orientado para o Mercado - sigla em inglês).
Dos agricultores que tiveram acesso a assistência técnica, 110.147 receberam também pacotes
tecnológicos, dos quais 81.579 provenientes do IDA e 28.568 do Projeto MOSAP II. Considerando apenas
os agricultores que teriam recebido assistência técnica pelo IDA, e se todos os seus 900 técnicos

40
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

trabalhassem no campo, cada profissional teria prestado serviços de assistência técnica, em média, a
1.017 agricultores. Se for considerado apenas os 300 técnicos que actuam no campo, com os demais a
desenvolver apenas actividades administrativas, cada profissional de campo teria atendido 3.050
agricultores em média. Presume-se, portanto, que o IDA fornece assistência técnica rural para um número
muito menor do que o publicado no Relatório, ou então, a assistência resume-se a reuniões e encontros
com os agricultores, sem conseguir prestar uma assistência técnica rural efectiva.

Embora seja recomendado trabalhar com grupos de produtores para aumentar o alcance da assistência
técnica, é preciso considerar que cada agricultor tem características socioeconómicas e culturais distintas,
principalmente nas condições produtivas, seja da mão de obra e da área disponível, da facilidade para
entendimento e adopção de tecnologias, ou mesmo do acesso aos insumos agrícolas. Os profissionais
que actuam no meio rural precisam ter formação e capacidade técnica que os permita observar, entender
e considerar estas diferenças na hora de prestar assessoria aos produtores, aumentando assim as
hipóteses de sucesso do seu trabalho.

Portanto, um bom profissional técnico rural é aquele que consegue interpretar a realidade social,
económica e tecnológica onde actua, e a partir dela, propor alternativas adaptadas a cada situação. Em
Angola, a residência e a organização social em aldeias facilita o processo de assistência técnica pela
proximidade espacial dos agricultores, mas acarreta limitações de carácter social e cultural que precisam
de ser observados e entendidos, e até quebrados em alguns casos, para se conseguir aumentar a
produção e ou melhorar a qualidade de vida do conjunto das pessoas de uma ou mais famílias. Neste
contexto, é fundamental e necessário reconhecer o papel e a importância das mulheres no processo
produtivo rural, tentando, apesar de possíveis resistências culturais, inseri-las no processo económico e
de formação para que se possa chegar a um desenvolvimento mais integrado e inclusivo.

Outro aspecto que deve ser observado e trabalhado pela assistência técnica é a “cultura do nivelamento
social” que está presente em várias aldeias do país. Por este princípio cultural, os moradores de uma
aldeia, à exceção do “soba”, não “devem” possuir ou demonstrar que estão em melhores condições sócio
económicas que os seus pares, incluindo as características das suas moradias e da sua produção. Quem
romper com esta regra histórico cultural pode sofrer sanções do grupo, ou até mesmo ser excluído
socialmente do convívio na aldeia. Esta “norma” de convivência pode dificultar a identificação, numa aldeia,
dos agricultores que têm maior potencial de aumento da produção agrícola, além de ter o poder de
restringir o seu desenvolvimento produtivo e económico pela imposição do “nivelamento social por baixo”
para todos. Com muito respeito às pessoas e à sua cultura, os técnicos rurais devem debater e enfrentar
esta realidade considerando a urgência do aumento da produção agrícola nacional e, principalmente, da
necessidade de melhorar a alimentação e a qualidade de vida destas famílias de agricultores, muitas das
quais vivem na extrema pobreza.

Os recursos orçamentais destinados ao sector rural nos últimos anos, incluindo os repassados ao
Ministério da Agricultura e ao IDA para assistência técnica, foram poucos e decrescentes em relação ao
PIB, estando muito aquém das necessidades do sector. Segundo informações do Ministério da Agricultura,
faltam recursos para contratação de pessoal e para a aquisição, combustível e manutenção de
equipamentos e veículos, limitando muito a actuação dos técnicos de campo. Além disso, os profissionais

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

públicos e privados que actuam no sector rural consideram que seu trabalho não é reconhecido e
valorizado pelo Governo e pela sociedade, seja pelas péssimas condições de trabalho que enfrentam, seja
porque os seus salários médios seriam inferiores à de outros sectores da administração pública e privada
com funções e responsabilidade similares.

Esta tese é confirmada pelo facto da procura de cursos de agronomia e veterinária estar abaixo da oferta
de vagas das universidades. Soma-se a isso, as críticas sobre qualidade dos cursos agrícolas oferecidos,
o isolamento académico e distanciamento do sector produtivo Nacional das universidades e cursos ligados
ao mundo rural. Além disso, dos poucos profissionais formados, vários acabam migrando para outras
profissões após a conclusão dos cursos, devido à baixa remuneração recebida no mercado de trabalho
para os profissionais do sector agrícola.

Por fim, qualquer que seja a actividade desempenhada por um funcionário público ou entidade pública, é
fundamental demonstrar os benefícios do seu trabalho para o País, especialmente quando procuram
aumentar os seus orçamentos. Mesmo considerando as limitações técnicas e operacionais dos técnicos
do IDA para desenvolverem o seu trabalho, faltam evidências que demonstrem o resultado positivo da sua
actuação junto dos agricultores, especialmente considerando o actual modelo de trabalho desenvolvido
pelo Instituto. Portanto, para tentar aumentar o seu orçamento de contratação de profissionais e custear
as suas actividades operacionais, é fundamental que o IDA demonstre e comprove de forma inquestionável
a importância e o resultado de seu trabalho actual e futuro.

3.7.2 Capacitação de Agricultores e Formação de Mão de Obra

Durante as visitas técnicas, reuniões e entrevistas realizadas no âmbito deste estudo, foi destacado pelos
participantes a baixa capacitação técnica dos agricultores e dos trabalhadores rurais de Angola, bem como
a formação técnica deficitária dos profissionais que prestam assistência aos agricultores e empresas
rurais.

Para os agricultores familiares a capacitação deficitária vai desde práticas e técnicas simples de cultivo,
como seleção de sementes, correcção de solos e adubação, consórcio de culturas, espaçamentos e
densidade de plantio, passando por técnicas de uso e regulagem de equipamentos manuais, de tracção
animal e mecânica, além do custo de produção e gestão das suas explorações agrícolas. As experiências
das Escolas do Campo e do MOSAP I e II, que contam com o apoio do Banco Mundial e da FAO, trazem
resultados positivos no processo de capacitação dos agricultores familiares. Contudo, ainda é preciso
avaliar melhor o conteúdo ministrado, a forma de identificação das limitações produtivas e as soluções
propostas, os cursos e temas trabalhados, além da formação dos seus instrutores. Investir na formação e
capacitação dos técnicos do IDA, responsáveis pela formação dos agricultores nas ECA, pode trazer
resultados positivos tanto para os agricultores que participam nas Escolas como para os restantes
agricultores assistidos.

Como em todos sectores económicos de Angola, na agricultura comercial e empresarial também há uma
grande carência de pessoas com espírito empresarial e capacitadas em gestão, independentemente da
dimensão do produtor. Esta realidade dificulta o aparecimento de empreendedores rurais, tanto para

42
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

actuarem na produção como na comercialização agrícola. Mesmo entre os empresários rurais, onde
muitos dominam o uso de tecnologias modernas de cultivo agrícola, são inúmeros os que tem sérias
dificuldades na gestão administrativa e financeira dos seus empreendimentos, especialmente quando se
trata do cálculo dos custos de produção, capacidade de pagamento de financiamentos e gestão de
contratos de venda de produtos.

Alguns empresários entrevistados relataram também as dificuldades em encontrar trabalhadores nacionais


formados e capacitados para operar máquinas e regular equipamentos agrícolas, levando-os, na maioria
dos casos, a procurar trabalhadores em outros países como África do Sul, Portugal e Brasil. Para formação
profissional de trabalhadores do sector têxtil, Angola fez uma parceria com o Serviço Social da Indústria
(SESI) do Brasil, entidade paraestatal com recursos definidos em Lei e controlada pelos sindicados
patronais das indústrias. Para o meio rural, o Sistema Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR),
administrado pelos sindicatos patronais rurais, tem uma longa experiência, óptimos materiais didácticos e
bons instructores para formação e capacitação de agricultores e de trabalhadores assalariados do campo.
O SENAR realiza cursos de formação em diversas áreas procuradas pelo sector rural, envolvendo
diferentes cursos relacionados com a agricultura, fruticultura, silvicultura, piscicultura, agroindústria e
prestação de serviços rurais.

3.7.3 Recomendações

• Recomenda-se a elaboração de uma proposta de revisão da estrutura (administrativa e de pessoal)


e da metodologia de trabalho do IDA, contemplando um amplo processo de qualificação e
capacitação de seus profissionais e melhores condições de trabalho (meios de deslocação,
computador e internet), além de propor uma maior focalização das ações e a adopção de contratos
de gestão com os seus técnicos, incluindo um plano de metas que preveja o aumento da produção
e da produtividade dos agricultores assistidos. O tema do salarial poderia estar indexado ao alcance
dos resultados previstos no plano de metas e objectivos;

• Recomenda-se que o Ministério da Agricultura, em parceria com o Instituto Nacional de Apoio a


Pequenas e Médias Empresas (INAPEM), elabore e realize cursos de gestão empresarial para
agricultores comerciais de diferentes dimensões, abordando temas como custos de produção,
gestão de contratos de comercialização de produtos, e de gestão administrativa, financeira e de
crédito para empresas;

• Recomenda-se que o Ministério da Agricultura procure construir parcerias com escolas técnicas
agropecuárias, universidades e faculdades de agronomia com o objectivo de ter uma maior
aproximação destas instituições com o sector rural público e privado. Estas parcerias podem resultar
em estudos e pesquisas procurando soluções para problemas enfrentados pelos produtores e pela
assistência técnica, em estágios para estudantes ou profissionais recém-formados em empresas
agrícolas privadas com actuação no país, além de cursos de formação e de requalificação
profissional dos técnicos que actuam no campo;

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

• Recomenda-se que o Ministério da Agricultura, em conjunto com o Ministério da Administração


Pública, Trabalho e Segurança Social, procure concretizar uma parceria técnica com o SENAR/Brasil
para a realização de cursos de formação profissional em Angola para trabalhadores rurais e
agricultores familiares. Caso a parceria seja concretizada, os cursos devem ser realizados em
Angola, de preferência nas províncias, permitindo uma maior integração e envolvimento dos
instrutores do curso com a realidade local;

• Para definir os cursos de formação e capacitação a serem disponibilizados, e considerando as


opções existentes, recomenda-se que o Governo efectue um levantamento da procura e principais
lacunas de formação junto das empresas agrícolas e dos agricultores empresariais do País. Para os
cursos de formação destinados a agricultores familiares, o Ministério da Agricultura, em conjunto
com o IDA, pode definir os temas mais importantes a serem trabalhados;

• Para obter resultados mais rápidos em termos de aumento da produção e produtividade agrícola,
recomenda-se a criação de um programa amplo de desenvolvimento rural envolvendo um grupo de
técnicos do IDA. Eles deverão trabalhar com um grupo restrito e selecionado de agricultores
familiares, procurando aqueles que tenham mais condições para aumentar a área cultivada e que
sejam mais abertos à adopção de tecnologias e de novas práticas produtivas apresentadas pelos
técnicos. Os resultados deste programa devem ser utilizados para efeito demonstrativo junto dos
restantes produtores. Por isso, recomenda-se que, além do trabalho realizado directamente nas
explorações agrícolas dos agricultores, sejam utilizadas áreas experimentais nas próprias aldeias,
permitindo que os produtores observem in loco as prácticas e recomendações difundidas;

• Para todos os técnicos de extensão rural do IDA participantes do programa de desenvolvimento rural,
recomenda-se a realização de vários cursos e oficinas de capacitação, que abranjam inicialmente
os seguintes temas:

o Recolha de amostras de solo e interpretação dos resultados das análises químicas, com
recomendações técnicas para o uso de correctivos de solo e de adubação para as principais
lavouras de sua área de actuação;

o Zoneamento agrícola, espaçamento e densidade de plantio, consórcio de culturas, sementes


e ciclos produtivos recomendados para a região onde actuam;

o Regulagem e manutenção de máquinas e equipamentos de tracção animal e mecânica


utilizados na preparação do solo, plantio, pulverização e capina;

o Identificação das principais doenças, pragas e deficiências nutricionais das culturas


comerciais da região onde actua, com os respectivos tratamentos ou onde poderá obter
apoio (IIA, por exemplo);

o Noções de economia agrícola, com destaque para elaboração de custos de produção


agrícola, formação de preços e comercialização;

o Elaboração de projectos técnicos e económicos (capacidade de pagamento) necessários


para solicitação de crédito de custeio e de investimento rural;

44
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

o Principais aspectos sociais e culturais das famílias dos agricultores da região onde atuam,
com destaque para questões de género, geração e juventude;

o Boas práticas e metodologias de assistência técnica e extensão rural;

• Recomenda-se que os cursos de capacitação dos técnicos rurais ocorram sempre em Angola, e que
os instructores sejam escolhidos preferencialmente entre profissionais nacionais ou estrangeiros que
actuam no país ou que conheçam bem a sua realidade agrícola. Os instructores convidados podem
ser oriundos de órgãos e institutos públicos (IDA, IIA, INAPEM, Universidades e Ministério da
Agricultura), da iniciativa privada (empresas, fazendas, bancos e consultorias) que actuem nos
diversos sectores agrícolas, ou ainda, de órgãos de cooperação e financiamento internacional (FAO,
PNUD, BAD e BIRD);

• Recomenda-se que todos os técnicos que participem deste processo de formação tenham metas
com o objectivo de passar parte do conteúdo recebido para os agricultores participantes do programa
de desenvolvimento rural, por meio de cursos de capacitação, oficinas, reuniões técnicas e palestras
definidas de acordo com cada tema a ser abordado.

3.8 Armazenagem e Comercialização da Produção

O aumento do número de intermediários comerciais que actuam directamente na compra e organização


da produção é considerado um factor decisivo para a dinamização da produção e da comercialização
agrícola em Angola. A expectativa do sector rural é de que a concorrência promovida pela presença de
um maior número de agentes comerciais aumente as opções de venda e dos preços médios recebidos
pelos agricultores. Espera-se ainda, que os intermediários possam contribuir com a organização da
produção, e que parte deles também trabalhe com secagem, classificação, armazenamento, transporte e
venda da produção para grossistas, beneficiadores ou retalhistas, permitindo que os produtos agrícolas
nacionais cheguem a todos os mercados do país. Para muitos agricultores o modelo de intermediação e
comercialização agrícola deveria ser similar ao que existia no período Colonial, quando era realizado por
atores privados, mas contavam com apoio do Governo.

É evidente que o longo período de guerra trouxe consequências danosas para toda a infraestrutura do
País, e que os impactos nos sectores de transportes e armazenagem (logística) contribuíram de forma
decisiva para a redução do número de intermediários agrícolas. Todavia, passados quase 20 anos do fim
da guerra, pergunta-se: qual a razão do sector de intermediação agrícola ainda não ter sido reestabelecido
de forma mais activa, principalmente considerando que de uma forma geral é um dos elos mais rentáveis
da cadeia de valor da agricultura? Se existe oferta de produtos agrícolas, qual a razão das unidades de
armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas construídas pelo Governo nos últimos anos não
estarem em plena operação? Por que razão muitas destas agroindústrias não conseguiram se viabilizar
economicamente? Ou ainda, por que razão a iniciativa privada não ter apresentado muito interesse em
adquirir estas agroindústrias quando foram incluídas no programa de privatização?

45
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

As respostas para estas questões poderão facilitar a elaboração de propostas e de ações para a
dinamização da comercialização agrícola no País, especialmente em relação ao papel que cabe ao Estado
e à iniciativa privada neste processo. Não existe um motivo ou resposta única para todas estas questões,
mas é provável que os motivos sejam decorrentes da soma dos seguintes fatores:

a) A produção agrícola nacional é muito pequena, além de que parte importante dela ser destinada
ao consumo próprio dos agricultores e das suas famílias, não entrando no circuito comercial. Para
o milho, por exemplo, que é o produto agrícola mais cultivado no País, as estimativas do Governo
indicam que apenas 30% da produção nacional seja comercializada, sendo a restante destinada
ao consumo familiar e animal na própria exploração agrícola;

b) Os médios e grandes produtores agrícolas do País normalmente comercializam a sua produção


directamente para pecuaristas, grossistas ou retalhistas. Como não procuram a participação de
intermediários para comercialização, diminuem o volume de produtos comercializados nos
municípios, dificultando ou inviabilizando a actividade comercial dos intermediários agrícolas;

c) A produção agrícola está distribuída em centenas de milhares de pequenas unidades produtivas


que comercializam 5 a 10 sacas de cada produto por ano. Os elevados custos de transação e de
logística para operar volumes muito pequenos de produtos dificultam ou inviabilizam a presença
de um maior número de intermediários;

d) Os agricultores familiares comercializam a sua produção de forma isolada, apesar de residirem e


produzirem próximos uns dos outros nas aldeias, o que poderia facilitar a venda conjunta;

e) Não existem normas oficiais para classificação dos produtos agrícolas, cabendo a cada comprador
definir e avaliar o valor considerando a qualidade, homogeneidade, impureza e humidade do
produto. A maior liberdade e subjetividade na definição dos preços, dificulta a comparação entre
os preços pagos aos produtores e reduz a cobrança e o estímulo para que os produtores melhorem
a qualidade de seus produtos;

f) Como a produtividade agrícola e do trabalho é muito baixa no país, especialmente entre os


agricultores familiares, para tentar rentabilizar minimamente o trabalho despendido na produção,
eles procuram preços elevados pelos seus produtos, mesmo que estejam acima dos praticados
na comercialização dos produtos similares importados. Como geralmente não conseguem obter
os preços desejados, não se sentem estimulados a aumentar e melhorar a produção, e por outro
lado, reduzem as margens negociais para a actuação dos intermediários;

g) As péssimas condições das estradas aumentam o custo do transporte para retirar o produto da
zona de produção e para transportá-los até aos grandes centros de consumo, localizados mais
próximos das cidades portuárias. Com o custo de transporte mais elevado, os produtos nacionais
ficam mais caros que os importados, reduzindo a sua competitividade e inviabilizando a actuação
dos intermediários. Como consequência, muitas vezes a comercialização destes produtos fica
restrita aos mercados locais mais próximos;

h) Como não há uma rede de armazéns públicos ou privados nas regiões agrícolas, os intermediários
ficam sem opções para armazenagem dos produtos adquiridos e não podem esperar por melhores

46
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

preços no futuro, reduzindo a sua margem de lucro e de actuação, podendo inviabilizá-los


economicamente;

i) Reduzido número de agroindústrias instaladas no país, o que resulta em pouca demanda por
produtos agrícolas naturais e que não sofreram nenhum processo industrial de beneficiamento,
denominados de produtos in natura. A permissão para a importação de produtos agrícolas
beneficiados e prontos para o consumo (como arroz, farinha de trigo e de milho, óleos comestíveis
e outros produtos similares), sem restrições ou proteção da indústria nacional, contribuiu para a
desestruturação das poucas unidades beneficiadoras existentes no País. Para as empresas
grossistas e retalhistas que dominam o mercado importador, ficou mais simples e lucrativo
importar produtos prontos para o consumo do que produtos naturais que precisariam ser
beneficiados ou industrializados no país;

j) Com uma política económica focada no controlo da taxa de inflação e na produção petrolífera, o
Governo não deu prioridade à adopção de políticas de apoio à produção e industrialização
Nacional de produtos agrícolas, seja através de estímulos à produção e à garantia de preços aos
produtores, ou através de apoio e proteção das indústrias regulando preços, características e
quantidade dos produtos alimentares importados.

Conclui-se, que o pequeno número de intermediários que actuam na aquisição da produção agrícola é
decorrente: do pequeno volume de produção comercializada no País e individualmente por cada
exploração agrícola, de limitações logísticas, da existência de poucas agroindústrias, e das facilidades
para importação de produtos agrícolas beneficiados.

O PRODESI, com algumas restrições e um maior controlo sobre as importações agrícolas, poderá
contribuir relevantemente para reverter parte deste processo. Sendo assim, o beneficiamento de produtos
alimentares pode tornar-se uma das etapas da cadeia de valor da agricultura com grandes oportunidades
para investimentos privados no país, tanto para beneficiar a produção nacional, como produtos
importados sem nenhum beneficiamento industrial. Entretanto, o Governo precisará também de adoptar
medidas efectivas de estímulo ao aumento da produção e da produtividade agrícola, e que reduzam os
custos de produção e de transporte, além de incentivar a melhoria dos padrões de qualidade e
homogeneidade dos produtos agrícolas nacionais.

O aumento da produção e da produtividade agrícola, e a consequente redução dos custos de produção e


dos preços dos produtos, poderá demorar algum tempo para chegar aos consumidores. Por isso, a
substituição das importações deve ser gradual e planeada, reduzindo os impactos nos preços pagos pelos
consumidores de alimentos, e consequentemente, na inflação. De qualquer forma, o Governo deve
trabalhar com a possibilidade da ocorrência de aumento dos preços dos alimentos nos primeiros anos de
implementação do programa de estímulo à produção Nacional. Destacamos que apesar das moedas
utilizadas nas importações serem adquiridas pelo câmbio oficial, o Governo não regula os preços de venda
dos produtos importados pelos grossistas e retalhistas no mercado interno. Qualquer aumento dos preços
internacionais é rapidamente repercutido internamente, o mesmo não ocorre quando os preços caem no
mercado externo.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

O Governo de Angola investiu nos últimos anos em projetos agropecuários, com acções directas na
produção (fazendas estatais), armazenamento e na industrialização de produtos agropecuários. Estas
estruturas estão espalhadas em várias províncias, sendo que a maior parte delas nunca entrou em
operação ou estão subaproveitadas. Entre os motivos para a subutilização destas estruturas produtivas
estão a falta de recursos para conclusão das obras ou para aquisição de todos os equipamentos
necessários à sua operação, falta de formação e capacitação para a sua operação e gestão, indefinições
sobre a forma jurídica e de gestão dos empreendimentos e, principalmente, da falta de matéria-prima em
quantidade suficiente para mantê-las em operação.

Considerando as actuais restrições orçamentais, a tentativa de reduzir a participação do Estado na


economia e as dificuldades operacionais enfrentadas, o Governo está a tentar passar estas estruturas
para a iniciativa privada, pois quanto mais tempo ficarem sem uso, maior tende a ser o custo para torná-
las operacionais novamente. Em 2019 foram disponibilizadas 17 destas unidades agroindustriais para
privatização, sendo 4 matadouros industriais ou modulares nas Províncias de Kwanza Norte, Kwanza Sul,
Luanda e Malanje; 6 complexos de silos para armazenagem (Caconda e Matala/ Huíla, Caala/ Huambo,
Catabola/ Bié, Catete/ Luanda e Ganda/ Benguela); 3 entrepostos frigoríficos (Caxito/ Bengo, Dombe
Grande/ Benguela e do Namibe/ Namibe); 3 fábricas de processamento de tomate (Dombe Grande/
Benguela, Namibe e de Caxito/ Bengo); e uma fábrica de latas no Dombe Grande/ Benguela. Para iniciar
as operações destas unidades há um elevado custo inicial, seja com o pagamento pela aquisição das
agroindústrias, seja para a sua manutenção (sem que existam condições de operar na capacidade
produtiva instalada). Estes custos deverão atrair pouco interesse da iniciativa privada, por mais que os
preços de referência para a licitação fiquem abaixo do valor gasto na sua construção.

As agroindústrias normalmente são planeadas, construídas ou ampliadas a partir de uma produção


existente ou com garantia de disponibilidade de matéria-prima. Conforme aumenta a produção de matéria-
prima e da procura pelos produtos beneficiados, a agroindústria amplia as suas instalações produtivas. No
caso de Angola, havia um mercado consumidor potencial para a produção, mas não havia disponibilidade
de matéria-prima, sendo construídas na expectativa de um aumento da produção nacional que não ocorreu
na quantidade e velocidade esperada.

Além da tentativa de privatização, que parece não ter produzido os resultados esperados, há possibilidade
de tentar a operacionalização destas estruturas por meio de Parcerias Público Privadas (PPP) ou por
Contratos de Concessão para a iniciativa privada. Ambas as formas de contratualização são positivas,
embora as PPP tendem a ser mais difíceis e demoradas para serem operacionalizadas, além de manterem
a participação e intervenção do Estado no projecto. Considerando que a maioria destas estruturas estão
prontas ou exigem poucos recursos para a sua conclusão, recomenda-se a adopção de Concessão
Pública, mantendo os activos com o Estado por um determinado tempo. Uma alternativa a ser avaliada é
a privatização com pagamento de parte do valor da agroindústria em produtos ou serviços a serem
fornecidos para o Governo e/ ou para os agricultores.

Angola tem uma dinâmica própria de comercialização de produtos agrícolas que permite que os mesmos
cheguem até aos consumidores, com a presença de diversos actores formais e informais actuando como
intermediários, grossistas ou retalhistas. A parte formal da comercialização é composta pelos mercados

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

e os supermercados, isolados ou em rede, que adquirem os produtos agrícolas nacionais directamente


dos produtores, principalmente de média e grande dimensão. A comercialização informal é realizada por
pequenos compradores rurais, camionistas e vendedoras ambulantes. Os compradores rurais e os
camionistas adquirem os produtos dos agricultores, e quando acumulam certa quantidade, transportam
e os revendem para grossistas ou pequenos retalhistas nas cidades do interior e das capitais das
províncias. As vendedoras ambulantes, também chamadas de zungueiras ou quitandeiras, adquirem os
produtos dos pequenos agricultores ou de outras vendedoras e comercializam-nos directamente aos
consumidores nas ruas das cidades, à beira das estradas e nos mercados informais, ou ainda, revender
a outros intermediários ou retalhistas. Por isso, elas podem atuar ao mesmo tempo como intermediárias,
grossistas ou retalhistas. Os mercados municipais são parecidos com os mercados informais locais,
embora normalmente tenham algumas melhorias, como cobertura, bancas de venda em alvenaria e
melhor iluminação. Alguns possuem sanitários e acesso a água potável. São geridos pelos municípios e
muitos são menores que os mercados informais, sendo que as vendedoras (normalmente mulheres)
pagam uma taxa ao município pela sua utilização.

Nas reuniões e entrevistas efectuadas no âmbito deste estudo, foi possível identificar uma experiência
muito interessante de integração comercial entre agricultores e o sector retalhista, denominado “Fazenda
Maxi” levada a cabo pela rede de supermercados Maxi. Para estimular a produção nacional de frutas,
legumes, arroz e farinhas para serem comercializados nos supermercados da rede de supermercados, em
2012 foi realizado um diagnóstico com cerca de 70 pequenos agricultores com áreas cultivadas de 4 a 20
hectares. O diagnóstico avaliou as condições de produção e a capacidade de entrega dos produtos para
estabelecer uma parceria contratual de venda da produção inicialmente por 6 meses. Após um intenso
processo de capacitação dos produtores e a realização de análises dos solos e sua correção, o projecto
foi desenvolvido em diferentes províncias, permitindo a produção e o fornecimento de vários produtos
praticamente durante o ano todo. Os produtores recebem semanalmente e não são obrigados a vender a
sua produção exclusivamente para o Maxi, embora devam garantir a entrega dos produtos contratados.
Os agricultores entregam os produtos nos supermercados da rede mais próximos da sua exploração,
acondicionados em caixas específicas fornecidas pelo Maxi. Os camiões que distribuem os produtos
comercializados pelos supermercados da rede, transportam no seu regresso a Luanda os produtos
agrícolas para serem redistribuídos para os restantes supermercados. Actualmente a “Fazenda Maxi”
conta com a participação de 33 agricultores fornecendo produtos, metade dos que iniciaram o projecto em
2012. Apesar de ter a comercialização da produção garantida, com preços atrativos, os produtores que
deixaram o projecto alegam, entre outros motivos, a falta de acesso ao crédito rural para ampliar os
investimentos em irrigação e aumento da área de produção, além das dificuldades para transportar os
produtores da lavoura até ao supermercado Maxi mais próximo.

Outro tema importante para a comercialização agrícola é o estabelecimento de normas de classificação


para os produtos agrícolas. O sector retalhista destacou nas reuniões que uma das dificuldades para
aquisição de produtos agrícolas Nacionais é a falta de homogeneidade e de padrão destes produtos. Os
preços pagos são normalmente estabelecidos pelas características do produto de menor qualidade,
mesmo que tenha outros produtos de qualidade superior misturados. Os agricultores, por outro lado,
normalmente comercializam os seus produtos sem classificação ou separação em lotes por características

49
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

de tamanho ou qualidade, e quando o fazem, não recebem mais pelo produto que apresente melhor
qualidade.

Os stocks estratégicos de alimentos, dentro da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional


(ENSAN), pode se tornar um importante instrumento para estímulo à produção nacional. Todavia, a gestão
dos stocks públicos deve ser dinâmica, com compra e venda de produtos realizadas periodicamente ao
longo dos anos, evitando perda de qualidade e custos desnecessários com o armazenamento. A
manutenção de stocks estratégicos formados com a produção nacional vai exigir a criação de normas de
classificação dos produtos agrícolas, caso contrário, será muito difícil estabelecer padrões mínimos de
qualidade para os stocks.

Os mercados e feiras populares, formais e informais, de produtos agrícolas in natura devem ser
estimulados pelo Governo Nacional e pelos Governos Provinciais. Figura 2 – Mercado do 30
Nestes mercados, a exemplo do Mercado do 30 em Luanda, milhares
de pessoas circulam diariamente, tanto vendedores como compradores
de produtos alimentares para suas famílias ou para abastecer os seus
estabelecimentos comerciais, inclusive para revenda a bares e
restaurantes. Quanto melhor a qualidade destes produtos, menor será
a incidência de doenças entre os consumidores. Quanto mais limpo e
higiénico for o espaço físico destinado à venda dos produtos, maior é a
possibilidade de que sejam melhoradas também a apresentação e a
qualidade dos produtos comercializados. Além disso, quanto melhor for
o ambiente onde os produtos nacionais são expostos para venda, mais
os consumidores vão exigir qualidade destes produtos, repercutindo
diretamente na melhoria da produção no campo. Fonte: PahlConsulting

Entre as alternativas para a comercialização agrícola em discussão no Ministério do Comércio está a


(re)criação das Lojas de Campo, inspirado num modelo adoptado no período colonial. As Lojas do Campo
teriam como objetivo aumentar a disponibilidade de venda de insumos agropecuários de outros produtos
essenciais para a população rural, procurando consolidar uma rede comercial retalhista formal no campo,
além de actuar na compra da produção dos agricultores. Para isso, actuaria na venda de insumos agrícolas
a custo regulado, além da venda de bens de consumo e industriais a preços de mercado não
especulativos. Poderia actuar no fornecimento de crédito aos produtores sob promessa de venda da
produção agrícola e; na aquisição directa da produção agrícola, sob forma de compra assegurada, com
volumes mínimos e a preços pré-estabelecidos. Pela proposta em discussão, estas lojas seriam públicas
e geridas pelo Governo, o que poderá facilitar sua implementação, mas serem pouco eficiente e eficazes
na execução dos seus objectivos. Em relação à venda de insumos, equipamentos agrícolas e outros
produtos essenciais, uma estrutura estatal de comercialização tende a desconsiderar parte dos seus
custos com pessoal, administração e logística, tornando os preços praticados compensadores para os
agricultores, mas com custos elevados para o Governo. Além disso, poderá inibir ainda mais o surgimento
de redes comerciais privadas para venda destes produtos. Em relação ao fornecimento de crédito para os
agricultores, o risco moral de não pagamento para uma empresa pública, seja em produto ou em valores

50
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

monetários, tende a ser elevado, com a tentativa de dividir com o Governo qualquer frustração da
campanha ou de sua receita. Por fim, a aquisição pelo Governo de pequenas quantidades de produtos
sem padronização e sem dispor de local para o seu armazenamento, além das dificuldades para repassar
para outros intermediários ou retalhistas, poderá aumentar ainda mais os custos de transação e reduzir
os poucos intermediários agrícolas existentes, criando, inclusive, barreiras para a entrada de novos
actores neste mercado. Os intermediários vão surgir quando houver mais produção agrícola interna e
aumentar a procura de agroindústrias, grossistas e retalhistas pelo produto nacional.

Aumentar a formalização da economia contribuirá para a organização do Estado e para criar condições de
competitividade efectiva entre os diferentes agentes económicos. Todavia, como este processo é amplo e
diverso, será praticamente impossível ser executado em todos os sectores e actividades económicas ao
mesmo tempo. O peso da agricultura no PIB ainda é muito baixa, envolve um grande número de actores
de pequeno porte e apresenta uma elevada dependência de importações. Por isso, sugere-se que o sector
de produção agrícola primária não seja considerado prioritário nesta primeira etapa.

As péssimas condições das estradas de acesso às aldeias e às fazendas é uma das limitações apontadas
pelos agricultores para o aumento da produção. Quando não impedem o transporte de produtos,
especialmente na época de colheita, limitam e encarecem a distribuição dos insumos e da produção,
reduzindo ainda mais as margens de lucro. As condições das estradas de acesso a algumas cidades e
aldeias influenciam também a qualidade de vida dos seus moradores, pois aumentam os custos para a
circulação de pessoas e de outros bens de consumo básico. Manter as estradas transitáveis e em bom
estado de conservação, especialmente onde existe muito movimento de pessoas e de produção, é um
grande desafio e uma necessidade para um país com a dimensão territorial de Angola.

Além das condições das estradas, o acesso à energia eléctrica é também um factor central para o processo
de comercialização e integração Nacional. Sem a melhoria das estradas, dificilmente a produção agrícola
nacional será competitiva em termos de preços com os produtos importados. Definir, em conjunto com os
Governos Provinciais e municipais, as prioridades regionais com base nas condições das estradas e na
sua importância para escoamento da produção agropecuária pode ser uma alternativa frente as
dificuldades orçamentais. Apesar dos esforços desenvolvidos pelo Governo nos últimos anos, a maioria
da população rural ainda não tem acesso à energia eléctrica. Além de ter um impacto directo na qualidade
de vida, a falta de energia também limita a produção agropecuária, especialmente para o seu
beneficiamento e armazenamento. A organização social dos agricultores de Angola em aldeias pode
facilitar a procura de fontes alternativas, especialmente com a geração de energia solar e eólica.

3.8.1 Recomendações

• No âmbito da geração de renda e fomento da produção nacional, recomenda-se restringir as


importações de forma gradual de alguns produtos prontos para o consumo, substituindo-os por grãos
naturais e não processados, como arroz, milho, soja e trigo, até que a produção nacional seja
suficiente para suprir, toda ou parte, da procura. Com isso, haverá um estímulo à criação e
recuperação de agroindústrias, gerando mais empregos e reduzindo os gastos com divisas. Estas

51
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

agroindústrias, além de processar os produtos importados, contribuirá para aumentar a procura dos
produtos nacionais, ajudando na definição de padrões de qualidade exigidos aos agricultores;

• Recomenda-se que as estruturas produtivas do Governo não privatizadas sejam disponibilizadas


para a iniciativa privada por meio de contratos de cessão. Como o Governo já despendeu os recursos
para a construção e instalação destas estruturas e dos equipamentos, é importante que elas possam
trazer benefícios sociais o mais rapidamente possível para o maior número de pessoas, ajudando
na recuperação de parte dos objetivos destes investimentos públicos. Sugere-se que o processo
licitatório para cessão exija dos interessados a apresentação de projectos, detalhando o uso e
operação das agroindústrias e armazéns, incluindo a forma e o número de produtores que serão
beneficiados com a sua operação, bem como o volume de produção que será processada ou
armazenada em cada ano. Os contractos de concessão podem prever a venda futura destas
instalações para os concessionários, inclusive estabelecendo a metodologia para avaliação do seu
preço futuro, além da garantia de prioridade para os concessionários que alcancem os resultados
acordados;

• Nos projectos que tenham produção agropecuária e agroindústrias, sugere-se analisar a


possibilidade de divisão dos projectos em partes, permitindo a venda ou concessão separada para
os interessados. Pela diversidade interna e pelo elevado custo destes complexos agroindustriais,
além do facto de que parte destas estruturas e equipamentos serão somente utilizados após o
aumento da área e da produção primária, alguns investidores poderão ter interesse em desenvolver
apenas a parte da produção primária, enquanto outros poderão assumir toda ou parte dos complexos
agroindustriais, operando com matéria-prima adquirida de outros produtores rurais;

• Recomenda-se, sempre que seja possível, que sejam priorizadas no processo de concessão as
empresas agropecuárias que actuem na região onde estão instaladas as agroindústrias e armazéns,
contribuindo para potencializar os projectos existentes;

• O Governo deve estimular a comercialização agrícola e fomentar o desenvolvimento de uma rede


de intermediários. Mas, em vez de criar estruturas comerciais estatais, recomenda-se que estes
intermediários sejam preferencialmente agentes privados ou cooperativos. O Governo pode apoiar
o cooperativismo e estimular a ampliação de lojas privadas especializadas na venda de insumos e
equipamentos agropecuários, aproveitando a proximidade que eles possuem com os produtores,
dinamizando o comércio nos dois sentidos, aproveitando a logística de venda e distribuição de
insumos para a aquisição da produção agrícola;

• Para evitar abusos praticados pelos fornecedores de insumos e de equipamentos agrícolas contra
produtores rurais, recomenda-se que o Governo crie e mantenha um sistema de acompanhamento
de preços destes produtos, comparando-os com os preços pagos no momento da sua importação.
Sugere-se ainda, que o Governo apoie os fornecedores de insumos e de equipamentos com linhas
de crédito para a estruturação das lojas e, na medida em que a produção agrícola aumentar, também
crie linhas de crédito para os intermediários comerciais construírem silos e armazéns;

52
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

• No processo de formalização da economia, sugere-se que o Governo inicie nos sectores mais
estruturados e com produtos industrializados, com destaque para os sectores de transporte,
indústria, comércio e serviços, deixando a agricultura para uma segunda etapa. Sugere-se ainda,
analisar a possibilidade de rever a cobrança do IVA na primeira etapa da cadeia de valor da
agricultura, especialmente na venda de insumos e dos produtos não industrializados;

• Recomenda-se que o Governo invista na melhoria das estruturas físicas dos mercados populares,
sendo o foco prioritário a melhoria das condições de limpeza e higiene, com destaque para piso e
escoamento de águas pluviais, construção e manutenção de sanitários, disponibilidade de água
potável para limpeza dos produtos, além de depósitos para lixo com separação do lixo orgânico.
Posteriormente deve ser investido na cobertura e nas bancas para venda dos produtos. Na venda
de produtos agrícolas não industrializados nos mercados populares, a cobrança de taxas e tributos
pelo poder público não deve ser a prioridade inicial, evitando a cobrança de valores elevados pelo
aluguer dos espaços e a tributação na venda que dificulte a participação de pequenos comerciantes;

• Sugere-se que para a comercialização de produtos agrícolas in natura nos mercados populares
(feiras), mesmo quando realizada por um pequeno intermediário, não seja exigida a formalização do
vendedor. O objectivo é estimular a criação de uma rede de intermediários necessários para a
comercialização e distribuição dos produtos agrícolas. Uma alternativa para a formalização do sector
agrícola, caso seja imprescindível, pode ser a exigência de formalização apenas para agricultores
de média e grande dimensão e para intermediários agrícolas ou feirantes a partir de um determinado
patamar de renda ou de comercialização, contribuindo para o surgimento de pequenos
intermediários agrícolas;

• Recomenda-se a criação de normas de classificação para os principais produtos agrícolas


produzidos em Angola, com destaque para o milho, arroz, feijão, soja e amendoim. A classificação
pode contribuir para a criação de preços de referência para produtos agrícolas, permitindo uma
melhor comparação de preços entre diferentes regiões produtoras, inclusive com produtos
importados. É importante salientar que o estabelecimento de normas de classificação não pretende
impedir a comercialização de produtos de menor padrão, mas permitir que os produtos sejam
classificados e separados, facilitando a criação de preços diferenciados que privilegiem a qualidade.

53
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

4 Análise das Cadeias de Valor Selecionadas


A análise das cadeias de valor das principais culturas do País demonstra que os factores que limitam o
aumento da produção e da produtividade são praticamente os mesmos para todo o sector agrícola. Nesse
sentido, as propostas de políticas públicas e de investimentos privados para superá-los também são
comuns à maioria dos produtos agrícolas, e se implementadas, beneficiarão todo o sector agrícola.

Os dados para análise da produção agrícola em Angola resumem-se basicamente aos disponibilizados no
Relatório da Campanha Agrícola de 2018/2019 do Ministério da Agricultura e Florestas. Este relatório é
elaborado com base em informações extraídas de questionários aplicados a agricultores nas 18 províncias
e em 144 dos 164 municípios do país (dados de 2019). No caso da agricultura familiar, os produtores
foram selecionados a partir de uma amostra estatística feita a partir do Recenseamento Geral da
População e Habitação de 2014. Das 2.923.605 Explorações Agrícolas Familiares do país, foi definido
uma amostra de 3.456 agricultores. Os entrevistados foram então selecionados aleatoriamente entre os
residentes de uma das três aldeias selecionadas em cada um dos 144 municípios, observando ainda o
número de 8 agregados familiares entrevistados em cada uma destas aldeias. Para a agricultura
empresarial, a amostra foi definida considerando a actualização até 2017 do Recenseamento de 2014,
que estimou que existiam 8.826 empresais agrícolas de pequena, média e grande dimensão no País.
Destas, foram selecionadas 309 para serem entrevistadas.

Como Angola ainda não tem um Censo Agropecuário, a definição da amostra pode conter imprecisões,
além de possíveis problemas em relação à metodologia aplicada na escolha dos entrevistados. As 18
províncias do País têm um total 164 municípios, com 4 a 16 municípios em cada uma, sendo que cada
município possui um número variado de aldeias, as quais são formadas por um número muito distinto de
explorações agrícolas. Pela metodologia aplicada, são selecionadas 8 explorações por aldeia e 3 aldeias
por município, independentemente do número de agricultores de cada aldeia, do número de aldeias por
município e do número de municípios por Província. Ao não considerar estas variáveis na metodologia,
ela pode estar a ter distorções na representatividade dos dados. Além disso, pelo pequeno número de
aldeias selecionadas para a amostragem, é possível que determinadas actividades produtivas estejam a
ser excluídas do levantamento. Para a agricultura empresarial, por representarem um número pequeno de
explorações no País, qualquer erro na definição da amostra estatística pode provocar uma variação muito
grande nos resultados. A realização do Censo Agropecuário que está a ser organizado pelo Governo,
permitirá definir com mais propriedade as amostras para os futuros relatórios de campanha agrícola, além
de gerar informações detalhadas sobre como e quais as culturas que são desenvolvidas nas explorações
agrícolas do país.

A seguir são apresentadas algumas características das cadeias de valor dos cinco produtos prioritários -
milho, massambala, arroz, trigo e açúcar – definidos pelo Ministério da Economia e Planeamento.

54
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

4.1 Milho

O milho é o principal produto agrícola do País, representando 50% dos 5,66 milhões de hectares
cultivados. Entre os cereais, na campanha 2018/2019 representou 97% da área cultivada pelos
agricultores familiares e 99% da empresarial. O milho é o único cereal produzido pela agricultura familiar
e empresarial em todas as 18 provinciais, embora a sua produção esteja concentrada nas Províncias de
Huambo, Cuanza Sul, Bié, Benguela e Huíla, responsáveis conjuntamente por mais de 80% da produção
do País.

A produção de milho na campanha 2018/2019 foi de 2,8 milhões de toneladas, com uma produtividade
média de 1.067 kg/ha. Comparando com a campanha 2017/2018, houve um crescimento pouco superior
a 3% na produção total de milho. A agricultura familiar foi responsável por 91,6% da área semeada (2,4
milhões de ha) e 80,9% da produção (2,28 milhões de toneladas), obtendo uma produtividade média de
942 kg/ha. Embora não existam dados disponíveis sobre o número de agricultores familiares e
camponeses que cultivam milho, estima-se que a maioria deles cultive este cereal, o que indicaria que a
área média de milho semeada por estes produtores é inferior a 1 hectare. A agricultura empresarial foi
responsável por 8,4% da área semeada e 19,1% da produção de milho, obtendo uma produtividade média
de 2,4 ton/ha semeado, 150% superior à obtida pela agricultura familiar. Entre os agricultores empresariais
entrevistados, alguns estão a obter 8 a 9 ton/ha em áreas irrigadas e que tiveram os solos corrigidos com
calcário em menos de dois anos, o que comprova o potencial produtivo desta cultura no país.

Tabela 1 – Milho: Área semeada, produção e produtividade na campanha 2018/2019

Área Semeada Participação Produção Participação Produtividade


Agricultura
(Ha) (%) (Ton.) (%) (Kg/Ha)

Familiar 2.419.644 91,6 2.280.037 80,9 942

Empresarial 223.047 8,4 538.647 19,1 2.415

Total 2.642.691 100,0 2.818.684 100,0 1.067


Fonte: Ministério da Agricultura e Florestas (Relatório da Campanha 2018/2019)

Segundo dados do Ministério da Agricultura, do total de milho produzido no País, apenas 30% é
comercializada com terceiros, sendo o restante destinado ao consumo humano e animal nas próprias
explorações agrícolas.

As importações de farinha de milho consumiram USD 141,8 milhões (segundo informação FOB) em 2017,
superando em 55% o valor de USD 91,5 milhões gastos em 2016. Em quantidade, foram importadas 186,2
mil toneladas em 2016 e 256,7 mil toneladas em 2017, um crescimento de 38% na quantidade importada
em apenas um ano. Como para cada quilo de farinha de milho são necessários cerca de 4,5 kg de milho
em grão, as 256,7 mil toneladas de farinha importadas representaram cerca de 1,17 milhões de toneladas
de milho em grãos, cerca de 41% do total produzido no país na campanha 2018/2019. Se a farinha de
milho fosse produzida no país, mesmo com milho importado, a industrialização do grão resultaria num
menor gasto com divisas e a produção de subprodutos que poderiam ser utilizados na indústria de
alimentação humana e animal.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Figura 3 – Lista dos maiores importadores de Milho

Fonte: Plano de Acção para Alimentar a Compettividade da Produção Nacional de Bens da Cesta Básica e de Outros de Origem
Nacional

Conforme dados obtidos no documento “Projecto Acelerador da Substituição de Importações – 2018”, em


2015 foram produzidos, em moinhos artesanais, cerca de 200 mil toneladas de farinha de milho, além de
outras 29 mil toneladas em fábricas industriais. Na campanha 2015/2016 existiam apenas 4 moinhos
privados em operação no país – INDUVE (Luanda), Sociedade de Moagem (Benguela), Rogério Leal &
Filhos (Cuanza Norte) e Fonseca & Irmão (Benguela) - com capacidade total de moagem de 126 mil
toneladas de farinha por ano. O Governo dispunha de mais 8 moinhos instalados em fazendas públicas,
com capacidade total de produção de 97,6 mil toneladas por ano, mas que não estavam em operação.
Embora a capacidade instalada de moagem industrial de milho na campanha 2015/2016 fosse de 223,6
toneladas/ano (privada + pública), muito próximo do total de farinha importada em 2017, estava a operar
com apenas 13,4% da capacidade disponível, ou 24% da capacidade privada disponível. Portanto, o País
tem capacidade para restringir progressivamente as importações de farinha de milho, substituindo-a por
milho em grão, desta forma criaria mais empregos, reduziria as despesas com importações, além de
disponibilizar subprodutos da moagem do milho para outros usos agrícolas e industriais.

A cadeia de valor do milho em Angola pode ser descrita conforme demonstrado nas figuras 1 (a montante
do produtor) e 2 (a jusante do produtor). As oportunidades de investimento privados a montante estão
principalmente na produção de sementes, na indústria de extração de calcário, na instalação de indústrias

56
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

para produção de equipamentos agrícolas manuais, de tracção animal e mecânica, equipamentos simples
de irrigação e de pequenas máquinas estacionárias. A aquisição de nutrientes para formulação de adubos
no próprio país também poderá ser uma opção de investimento no futuro se a procura por este insumo
crescer como esperado nos próximos anos, ou ainda, se a extração de potássio e/ou fósforo se mostrarem
viáveis economicamente em Angola.

Um importante actor na cadeia de valor da agricultura, mas que tem actuado de forma tímida e limitada,
são os bancos, destacado em vermelho na Figura 1. Além da disponibilidade de recursos para o crédito,
os bancos, em conjunto com o Governo, precisam avançar na capacitação dos técnicos para elaboração
de projetos de crédito que sejam tecnicamente e economicamente viáveis, especialmente para os
agricultores familiares e comerciais de pequena dimensão.

As cooperativas agropecuárias voltadas para a comercialização da produção de seus associados estão


destacadas a vermelho na Figura 2 pela fraca actuação que elas têm tido neste processo, conforme
descrito anteriormente. Caso venham a assumir um papel mais relevante na comercialização da produção
poderão participar e executar importantes etapas na cadeia de valor do milho no País.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Figura 4 – Cadeia de Valor do Milho a Montante do Produtor em Angola

Fonte: PahlConsulting

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Figura 5 – Cadeia de Valor do Milho a Jusante do Produtor em Angola

Fonte: PahlConsulting

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Angola dispõe de variedades de sementes de milho adaptadas às suas condições climáticas com
capacidade de produzir 3 a 4 ton/ha, a exemplo das sementes produzidas pela Empresa “Jardins da Yoba”
com sede na Huíla, e que mantém uma parceria com o CIMMYT (International Maize and Wheat
Improvement Center). Apesar de ainda precisar de aumentar a produção para dar resposta à procura do
País, a empresa já consegue dispor de uma quantidade significativa de sementes, podendo aumentar
mais rapidamente se efectuar parcerias com o Governo para a produção de sementes nas áreas irrigadas
das fazendas estatais ociosas. Além disso, o país ainda pode importar sementes para atender a procura,
especialmente de sementes específicas procuradas por grandes produtores.

Apesar da maioria dos agricultores familiares e camponeses terem sua produção limitada pela pequena
área e mão de obra familiar disponível, há espaço para crescimento da área cultivada e da produtividade
entre os agricultores familiares de transição e os agricultores comerciais de pequena e média dimensão,
além dos empresariais. Considerando que a produtividade média de milho nos países da SADC é de 3,4
ton/ha e na África Subsaariana de 2,4 ton/ha, é possível aumentar a produtividade média para 3 ton/ha
nos próximos anos estimulando e potencializando estes grupos de produtores.

Além da possibilidade de investimentos privados na produção de milho sequeiro e irrigado em áreas de


média e grande dimensão, também há oportunidades a jusante da produção, especialmente se o Governo
adoptar as restrições à importação de farinha de milho. Os investimentos privados poderão ser canalizados
para a produção de farinha de milho, fubá e rações animais, inclusive com a possibilidade de parcerias,
cessão ou privatização das 8 indústrias de moagem instaladas pelo Governo em fazendas estatais. O
processo de restrição às importações e o aumento da produção nacional também poderão abrir novas
oportunidades de investimento na construção e gestão de silos e armazéns agrícolas nas principais
regiões produtoras.

Como o milho é o principal produto da agricultura familiar e camponesa, além de ser a base da alimentação
humana e animal, o apoio à produção deste cereal nestas explorações deve ser uma das prioridades da
política agrícola do País.

Relativamente aos players identificados que podem beneficiar de um financiamento, foram identificados
21 projectos potenciais que incluem o Milho como cultura:

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Figura 6 – Promotores que submeteram projectos potenciais ao PRODESI (Milho)

Fonte: Dashboard dos Projectos Potenciais do PRODESI

No âmbito do Alívio Económico, foram identificadas 45 candidaturas, das quais 19 foram aprovadas, sendo
oportuno uma análise para identificação daquelas que podem gerar projectos potencias.

Figura 7 – Empresas com candidaturas aprovadas no Alívio Económico (Milho)

Fonte: Dashboard das Candidaturas do Alívio Económico

4.2 Massambala

Apesar da importância da massambala para a alimentação humana no país, os números da produção


disponibilizados no Relatório da Campanha Agrícola 2018/2019 não reforçam muito esta realidade.
Naquela campanha foram semeados 145.862 ha de massambala, resultando em uma produção de 32.257

61
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

toneladas. Mesmo considerando os efeitos negativos da seca, na campanha anterior (2017/2018) a


produção total também foi baixa, com a produção de 39.788 toneladas.

A agricultura familiar foi responsável por 99,6% da área semeada e 98,8% da produção, com uma
produtividade de 219 kg/ha. A agricultura empresarial foi responsável pelo cultivo de 605 ha, obtendo uma
produtividade de 646 kg/ha, quase 3 vezes maior do que a obtida na agricultura familiar. Para efeito de
comparação, no Brasil a produtividade média da massambala é de 2.880 kg/ha, mesmo sendo uma cultura
pouco explorada comercialmente.

Tabela 2 – Massambala: Área semeada, produção e produtividade na campanha 2018/2019

Área Semeada Participação Produção Participação Produtividade


Agricultura
(Ha) (%) (Ton.) (%) (Kg/Ha)

Familiar 145.257 99,6 31.866 98,8 219

Empresarial 605 0,4 391 1,2 646

Total 145.862 100,0 32.257 100,0 221


Fonte: Ministério da Agricultura e Florestas (Relatório da Campanha 2018/2019)

Quando analisada a distribuição da produção nas diferentes regiões, a produção pelos agricultores
familiares apareceu em a 6 províncias, concentradas na região Central do País. Entre os agricultores
empresariais, a massambala aparece em apenas 2 províncias e com área cultivada insignificante.

A cadeia de valor da massambala é mais simples do que a do milho, com a maior parte da produção
destinada ao consumo na própria exploração agrícola. Pela semelhança no cultivo com o milho, as
políticas de apoio e as práticas de cultivo estimuladas para o milho podem beneficiar também a cadeia de
valor da massambala. Considerando a produtividade média obtida pela agricultura empresarial, é possível
elevar a produtividade da agricultura familiar para o mesmo patamar em alguns anos, permitindo triplicar
a produção nacional com a adoção de algumas práticas de cultivo, com destaque para a correção dos
solos, melhoria e selecção de sementes, uso de adubos e fertilizantes, além da possibilidade de aumentar
a área cultivada com uso de equipamentos de tracção manual e animal para o plantio.

A massambala, por ser um produto de consumo rural, principalmente pelos seus próprios produtores, é
pouco comercializada e praticamente não gera renda monetária. Por isso, provavelmente a sua produção
não estará entre as culturas preferenciais para serem financiados pelos bancos. Para ser incluída entre
as actividades agrícolas financiadas pelos bancos, será preciso comprovar que ela gera renda monetária
ou que a renda gerada por outros produtos financiados conjuntamente será suficiente para pagar o
financiamento.

Para ampliar a produção de massambala e aumentar a sua importância na geração de renda para os
produtores, é necessário que os técnicos e agricultores desenvolvam modelos de produção rentáveis que
a associem a outros produtos e actividades produtivas, facilitando assim a obtenção de crédito. Além disso,
considerando a sua importância para a alimentação humana, caberá ao Governo manter o apoio aos
agricultores mais pobres, com distribuição de sementes e demais insumos para seu cultivo.

62
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Relativamente aos players identificados que podem beneficiar de um financiamento, foi identificado
apenas um Promotor com um projecto que inclui a Massambala: Fazenda Chinanga.

No âmbito do Alívio Económico, foi identificada e aprovada 1 candidatura de uma empresa que distribui e
comercializa Massambala: OKFN-CONSULTING,LDA.

4.3 Arroz

O arroz, apesar de ser uma cultura com uma longa e antiga história no País, tem uma produção muito
pequena, segundo o Relatório da Campanha Agrícola de 2018/2019. Foram cultivados apenas 8.467 ha,
dos quais a agricultura familiar foi responsável por 5.630 ha (66,5%) e a empresarial por 2.837 ha (33,5%).
A produção total foi de 10.102 toneladas, distribuída igualmente entre os dois grupos de agricultores. A
produtividade média foi de 1.193 kg/ha, com 903 kg/ha na agricultura familiar e 1.769 kg/ha na empresarial.

A produção familiar está concentrada no arroz de sequeiro e em 4 Províncias – Bié, Moxico, Uíge e
Malanje, com Bié a ser responsável por 50% da produção nacional. Na agricultura empresarial há
produção de arroz sequeiro e de arroz irrigado, sendo cultivado apenas nas Províncias do Bié, Uíge e
Malanje, segundo relatório do Ministério da Agricultura.

Tabela 3 – Arroz: Área semeada, produção e produtividade na campanha 2018/2019

Área Semeada Participação Produção Participação Produtividade


Agricultura
(Ha) (%) (Ton.) (%) (Kg/Ha)

Familiar 5.630 66,5 5.082 50,3 903

Empresarial 2.837 33,5 5.020 49,7 1.769

Total 8.467 100,0 10.102 100,0 1.193


Fonte: Ministério da Agricultura e Florestas (Relatório da Campanha 2018/2019)

Os dados da produção de arroz disponíveis no Relatório da Campanha 2018/2019, à semelhança de


outros produtos, podem ter sido afectados pela metodologia empregada na sua elaboração. É possível
que a produção Nacional de arroz seja superior à apresentada no relatório, embora ainda seja muito
pequena considerando o potencial produtivo e a sua procura comprovada pelo volume importado.
Reportagens disponíveis na internet indicam a presença de grandes produtores de arroz em Províncias
que não constam do referido relatório, como Cuando Cubango, Lunda Sul e Lunda Norte. Além destes, o
produtor da Fazenda Rosales (Bié), entrevistado no âmbito do presente relatório, obteve sozinho uma
produção de 3.200 toneladas de arroz na campanha 2018/19, com produtividade média de 5,3 ton/ha, e
expectativa de aumentar a área cultivada para 2.000 ha e a produtividade para 10 ton/ha nos próximos
anos. Estes casos indicam a necessidade de reavaliar a metodologia utilizada para a elaboração deste
relatório. A produtividade do arroz de 1.769 kg/ha obtida pela agricultura empresarial pode ser considerada
razoável para o arroz de sequeiro, mais é muito baixa se for de arroz irrigado. Para obter produtividades
elevadas de arroz irrigado é preciso realizar investimentos no uso de cultivares adaptadas, efectuar a
correção dos solos, adubação e tratos culturais recomendados, além de investir em obras de engenharia
para construção de barragens, canais e nivelamento do terreno.

63
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

A importação de arroz, como para outros produtos alimentares, está muito concentrada em poucas
empresas, com os 10 maiores importadores responsáveis por 62,2% de todo o produto importado. Apenas
2 grupos económicos (Angoalissar e Zahara) foram responsáveis por 31,2% do arroz importado em 2017.
Naquele ano foram importadas 503 mil toneladas, consumindo USD 270,7 milhões em divisas. Em 2016
foram 446,7 mil de toneladas e gastos USD 257,8 milhões em divisas. Admitindo que todo o arroz
importado em 2017 foi consumido neste mesmo ano, a produção nacional foi responsável por menos de
2% do total consumido no país.

Figura 8 – Lista dos maiores importadores de Arroz

Fonte: Plano de Acção para Alimentar a Compettividade da Produção Nacional de Bens da Cesta Básica e de Outros de Origem
Nacional

Devido à pequena quantidade de arroz produzida no País em relação à sua procura, o aumento da
produção é a primeira etapa da cadeia de valor a ser estimulada, existindo espaço para crescimento da
produção de arroz de sequeiro e irrigado. O arroz irrigado, além de ser mais produtivo, tem grande
potencial de crescimento nas áreas de várzeas ociosas. Como a irrigação por inundação normalmente
exige investimentos em obras de engenharia para nivelamento do solo, construção de represas e de
canais, além de máquinas especializadas, este tipo de produção é mais recomendado para agricultores
empresariais com disponibilidade de recursos financeiros para investimentos. Como há muitas áreas não
ocupadas nas margens dos grandes rios do país e que são propícias para a produção de arroz irrigado,
especialmente ao longo do Rio Cuanza, recomenda-se que o Governo faça um mapeamento destas áreas
ociosas e as disponibilize no âmbito do programa de concessões de direito de uso das terras para

64
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

investimentos privados. Para a agricultura familiar, a produção de arroz de sequeiro é mais recomendada
por exigir um menor volume de investimentos, embora também possa cultivar o arroz irrigado em pequenas
áreas niveladas, ou utilizando outros métodos de irrigação.

Para aumentar a produção de arroz sequeiro e irrigado será preciso corrigir a acidez dos solos e reduzir a
toxidade provocada pelo excesso de ferro e de alumínio. Os solos aluviais, recomendados para o cultivo
de arroz irrigado por inundação, normalmente exigem adubações significativas com potássio, magnésio e
fosforo.

Por fim, outro aspecto a ser considerado é a restrição gradual da importação de arroz descascado,
forçando a importação do produto em casca e seu beneficiamento no País. Além de reduzir os gastos com
divisas e gerar empregos, o subproduto do beneficiamento do arroz (casca) também pode contribuir para
a produção pecuária (ração) e geração de energia.

Relativamente aos players identificados que podem beneficiar de um financiamento, foram identificados
3 projectos potenciais que incluem o Arroz como cultura:

Figura 9 – Promotores que submeteram projectos potenciais ao PRODESI (Arroz)

Fonte: Dashboard dos Projectos Potenciais PRODESI

No âmbito do Alívio Económico, foram identificadas 6 candidaturas, das quais 3 foram aprovadas, sendo
oportuno uma análise para identificação daquelas que podem gerar projectos potencias.

65
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Figura 10 – Empresas com candidaturas aprovadas no Alívio Económico (Arroz)

Fonte: Dashboard das candidaturas do Alívio Económico

4.4 Trigo

Na campanha 2018/2019 o trigo foi cultivado em apenas 5.984 hectares, sendo 5.679 ha na agricultura
familiar e 305 ha na agricultura empresarial. A produção total foi de 4.357 toneladas e a produtividade
média foi de apenas 728 kg/ha. Entre os agricultores familiares, a produção é praticamente toda destinada
ao consumo familiar, com a farinha sendo produzida em moinhos artesanais, com venda local de pequenos
excedentes.

Segundo dados do Relatório da Campanha Agrícola de 2018/2019, a produção de trigo pelos agricultores
familiares ocorreu em 4 Províncias (Cuanza Sul, Huambo. Bié e Huíla), e a agricultura empresarial
produziu apenas na Província do Bié.

Tabela 4 – Trigo: Área semeada, produção e produtividade na campanha 2018/2019

Área Semeada Participação Produção Participação Produtividade


Agricultura
(Ha) (%) (Ton.) (%) (Kg/Ha)

Familiar 5.679 94,9 4.179 95,9 736

Empresarial 305 5,1 178 4,1 584

Total 5.984 100,0 4.357 100,0 728


Fonte: Ministério da Agricultura e Florestas (Relatório da Campanha 2018/2019)

Em 2017 foram importadas 519 mil toneladas de farinha de trigo, consumindo USD 246 milhões (FOB) em
divisas. Em 2016, com preços internacionais mais baixos, foram importadas 686,5 toneladas por USD
240,6 milhões (FOB).

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Figura 11 – Lista dos maiores importadores de Trigo

Fonte: Plano de Acção para Alimentar a Compettividade da Produção Nacional de Bens da Cesta Básica e de Outros de Origem
Animal

A produção e a produtividade do trigo são muito baixas no País, e mesmo sendo possível aumentá-las
com correção do solo, melhoria das sementes e adubação, é preciso avaliar se é a melhor opção para
Angola neste momento. Em várias partes do mundo, o cultivo de trigo é considerado um dos mais
arriscados entre os cereais e leguminosas, exigindo extrema atenção devido à elevada sensibilidade a
variações climática (chuva, seca e temperatura) e a suscetibilidade a doenças. Dependendo das condições
climáticas onde for cultivado, pode apresentar um elevado custo de produção e alto risco de perdas. Por
exemplo, a produção de trigo em várias microrregiões do Brasil somente é economicamente viável se for
cultivado em rotação de cultura com a soja, porque além de reduzir a incidência de pragas e doenças no
ciclo seguinte da soja (leguminosa x gramínea), o trigo aproveita parte da adubação efectuada para a soja,
e divide os custos fixos de máquinas e equipamentos com a soja, além de deixar o solo coberto durante o
inverno e produzir matéria orgânica para a próxima campanha de soja. Portanto, considerando: a) os
elevados custos e riscos de perda da produção; b) a pouca experiência técnica acumulada na sua
produção no País; c) que o principal cultivo realizado no verão é de outra gramínea (milho) e; d) que a
produção de soja ainda é muito incipiente no país, sugere-se que a produção interna de trigo não esteja
entre as prioritárias da política de substituição das importações neste momento. À medida que a produção

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

de soja crescer no país, os próprios produtores, especialmente de média e grande dimensão, tendem a
produzir trigo como alternativa de rotação de culturas, à semelhança do que ocorre no Brasil.

Todavia, a exemplo do arroz e do milho, sugere-se que o País procure substituir a importação de farinha
de trigo por trigo em grão, estimulando o desenvolvimento de moinhos no País, gerando trabalho e renda,
além da disponibilidade de subprodutos para uso na alimentação animal.

Relativamente aos players identificados, no âmbito do Alívio Económico, foram identificados 4


candidaturas, das quais 2 foram aprovadas, sendo oportuno uma análise para identificação daquelas que
podem gerar projectos potencias.

Figura 12 – Empresas com candidaturas aprovadas no Alívio Económico (Trigo)

Fonte: Dashboard das candidaturas do Alívio Económico

4.5 Açúcar

A produção comercial de cana-de-açúcar em larga escala é muito recente em Angola, embora já tenha
exportado açúcar durante o período colonial. A produção e industrialização da cana é realizada
unicamente pela empresa BIOCOM, que iniciou a construção da sua usina de açúcar, etanol e energia em
2008 e concluiu em 2014, quando iniciou o processamento da cana-de-açúcar. O projeto da Biocom prevê
o processamento de 2,2 milhões de toneladas de cana por ano, provenientes de uma área de 38 mil
hectares.

Entre 2014 e 2018 a usina operou com problemas operacionais e de gestão, lançando algumas dúvidas
sobre a viabilidade económica do projecto. Em 2018 o projecto foi restruturado, com revisão dos prazos
definidos anteriormente para atingir a sua capacidade produtiva máxima. Com isso, deverá atingir 100%
da área plantada (38 mil ha) em 2025, com a expectativa de aumentar a produtividade até 2027, quando
atingiria a sua capacidade de produção e processamento. A estimativa é que a produtividade em 2027 da
cana seja de aproximadamente 60 ton/ha, similar à média Brasileira para condições produtivas e climáticas
similares.

Apesar de ter iniciado as suas operações utilizando quase toda a mão de obra especializada vinda do
Brasil, actualmente a empresa desenvolve um intenso processo de formação e capacitação de

68
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

trabalhadores Angolanos. Por isso, tem conseguindo substituir de forma significativa a mão de obra
estrangeira pela nacional, contribuindo para a geração de renda no país. A reposição de máquinas e peças
para o complexo agroindustrial e produtivo são realizadas com importações do Brasil e da África do Sul,
sendo que parte da manutenção é realizada por equipas da própria usina. As mudas de cana-de-açúcar
utilizadas na produção inicial são provenientes do Brasil, África do Sul e Índia, mas a empresa mantém
um processo contínuo de selecção e adequação de variedades, procurando dispor de plantas mais
produtivas e adaptadas às condições do solo e clima do País.

Devido à baixa procura de etanol, a produção do álcool hidratado tem sido a mínima possível permitida
pela planta industrial, com apenas 25% do processamento destinados à sua produção. Apesar do baixo
preço da energia eléctrica no país que não estimula a sua geração e distribuição, toda a energia excedente
gerada pela Biocom é repassada para a empresa pública de distribuição.

Em 2019 a BIOCOM processou 1,08 milhões de toneladas de cana oriundas da produção de 25 mil ha,
produzindo 110 mil toneladas de açúcar. Quando a usina estiver a operar com a sua capacidade máxima
instalada, poderá produzir anualmente 250 mil toneladas de açúcar, 36 mil m³ de etanol e 135 GWh de
electricidade.

Em 2017 foram importadas 352,6 mil toneladas de açúcar, o que representou um gasto de USD 289,9
milhões (FOB). Em 2019, segundo informações disponibilizadas pela BIOCOM, as importações totalizaram
320 mil toneladas, que somadas às 110 mil toneladas da sua produção, resultaram numa disponibilidade
de 430 mil toneladas por ano. Quando a empresa atingir sua capacidade máxima de produção, espera-se
produzir cerca de 60% da procura de açúcar.

A produção de cana-de-açúcar no Brasil, maior produtor e exportador mundial de açúcar, está associada
a grandes áreas de cultivo, sejam próprias ou arrendadas de terceiros pelas usinas, seja de produtores
independentes que mantém contractos de fornecimento com usinas. Por outro lado, a Biocom está a
propor um programa inovador com a realização de uma parceria produtiva com agricultores familiares que
residem nas aldeais localizadas perto da área da usina. Segundo o projeto, a Biocom assumiria o papel
de “empresa âncora” fornecendo mudas, tecnologia, assistência técnica e a garantia de compra da cana.
O Governo cederia aos agricultores uma fazenda localizada próxima à usina, destinando 500 ha para
produção de cana, além de garantir capacitação e acesso ao crédito rural aos produtores. Pela proposta
serão selecionados 100 agricultores familiares para participar na primeira fase do projecto, e com o apoio
do Governo e da Biocom deverão organizar-se em cooperativa agropecuária, para cultivar uma área de 5
ha de cana cada agricultor, totalizando 500 ha nesta etapa. Conforme avaliação dos resultados obtidos, o
programa poderá ser expandido para mais 300 agricultores, totalizando 2 mil hectares de cana cultivada
no final da implementação das quatro etapas.

Considerando a situação da produção agrícola e as condições sociais do meio rural em Angola, é


recomendável que o Governo promova e apoie projectos que contribuam para a integração de agricultores
familiares a empresas agroindustriais, especialmente aqueles que disponibilizem acesso à terra,
capacitação e assistência técnica, além de garantir a comercialização da produção. Todavia, este projecto
em particular precisa ser mais detalhado e discutido no âmbito do Governo, especialmente quanto às
questões relacionadas ao seu custo presente e futuro para o Governo, e o papel e responsabilidade que

69
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

caberá a cada um dos envolvidos neste projecto. Apesar da importância deste projecto na capacitação e
na geração de trabalho e renda para os agricultores familiares, é preciso destacar que sua contribuição
para o aumento da produção de açúcar será praticamente nula, pois a cooperativa vai substituir a produção
de cana-de-açúcar que seria realizada pela Biocom.

A Biocom está estruturada para produzir toda a cana-de-açúcar necessária para garantir a operação da
sua usina com capacidade máxima. Portanto, a produção adicional de açúcar exigirá necessariamente a
construção de novas usinas, não sendo suficiente aumentar a área cultivada com cana-de-açúcar. Caberá
ao Governo negociar com grandes investidores nacionais e internacionais a instalação de novas usinas
no país, com a consequente disponibilização de grandes áreas para o cultivo da cana. Os resultados
económicos e operacionais obtidos pela Biocom nos próximos anos é que indicarão aos investidores o
real e efectivo potencial económico deste tipo de investimento no País.

70
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

5 Financiamento Agroindustrial e Crédito Rural


A ausência de um programa que disponibilize crédito rural de forma contínua e em condições adequadas
ao sector é considerada por muitos agricultores e por sectores do Governo como uma das principais
limitações para o aumento da produção e da produtividade agrícola no País, dificultando investimentos e
o uso frequente e intensivo de insumos. Não existe no País uma política permanente de crédito rural, muito
menos uma regulamentação com a previsão de recursos, modalidades, prazos, limites, taxas de juros,
actividades financiáveis, instrumentos contratuais e garantias que deveriam ser seguidas pelos bancos e
pelos agricultores nos financiamentos rurais. Os bancos acabam sendo os mais responsabilizados e
criticados, especialmente pelas elevadas taxas de juros, pelo excesso de documentação e de garantias
exigidas, além dos prazos nem sempre estarem adequados ao ciclo agrícola e ao desenvolvimento dos
projectos financiados.

Uma análise mais profunda indica que as razões para a reduzida oferta de crédito rural no país são muito
mais amplas e complexas, com responsabilidades de todos os actores envolvidos com a produção rural,
passando pelos bancos, Governo, agrónomos e pelos próprios agricultores.

Aos bancos falta experiência em operar com crédito rural, além de técnicos capacitados para analisar
projectos de crédito com base nas características da actividade agrícola, que são distintas de outros
sectores. Diferente de um projeto industrial ou comercial, em que um atraso de 30 a 60 dias na libertação
dos recursos do crédito podem significar uma postergação de sua execução ou um prejuízo pontual. Na
agricultura um atraso de 15 dias na libertação dos recursos pode significar a perda total da produção. Na
agricultura, como há muitas variáveis que não estão sob o controlo dos agricultores, especialmente os
factores climáticos, os recursos precisam ser disponibilizados no volume adequado e no tempo certo para
que o plantio ocorra dentro do prazo recomendado e os insumos sejam aplicados na quantidade correcta,
caso contrário, poderá comprometer toda a produção.

O planeamento e o uso dos recursos financeiros na actividade agrícola não seguem o ano civil, mas o ano
agrícola. Para realizar um plantio em outubro, por exemplo, o crédito rural de custeio deve estar disponível
a partir de julho, permitindo que o produtor tenha tempo para adquirir as sementes e os adubos,
recebendo-os antes da data recomendada para a sua utilização. O reembolso do crédito somente deve
ser exigido depois de 30 a 90 dias da realização prevista para a colheita, dando tempo e condições para
a venda do produto a melhores preços. O ano agrícola para o crédito rural de custeio normalmente vai de
julho de um ano até abril do ano seguinte, podendo variar dependendo da actividade e da região do país
onde é cultivado, período que deveria ser considerado pelos bancos para a concessão do crédito e início
do prazo para o pagamento dos financiamentos. O crédito de investimento, se for destinado para aquisição
de calcário, por exemplo, precisa estar disponível ao produtor 6 meses antes do plantio, para dar tempo
de adquirir, transportar e distribuir no solo, no mínimo, 3 meses antes do plantio, além de necessitar de
prazos de 3 a 4 anos para sua quitação. Na agricultura os financiamentos de investimento devem ter
prazos de 5 a 10 anos para o pagamento, incluídos 2 a 3 anos de carência, dependendo da actividade e
do bem financiado.

71
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Os Governos também têm um papel importante no financiamento rural em todos os Países com
importância agrícola, concedendo um tratamento diferenciado e especial ao crédito rural. Em decorrência
do maior risco envolvendo a produção agrícola quando comparada a outros sectores ou actividades
económicas, se o Governo deixar a concessão do crédito rural para a livre iniciativa dos bancos, o
financiamento destas actividades tende a ficar sempre em segundo plano. Além da importância de criar
normas para o crédito rural, a criação de estímulos ou obrigações dos bancos para aplicações em crédito
rural pode contribuir para o seu aumento no País.

No Brasil, por exemplo, há uma Lei que determina que os bancos públicos e privados devem aplicar
recursos em crédito rural conforme definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), onde participam o
Banco Central do Brasil, o Ministério das Finanças e o Ministério do Planeamento. Por decisão deste
Conselho e com o controlo do Banco Central, além do recolhimento compulsório de parte dos recursos
captados pelos bancos para garantir a segurança e liquidez do sistema financeiro, os bancos são
obrigados a manter aplicado em crédito rural uma percentagem do saldo médio dos depósitos à vista. Esta
percentagem está em 25%, mas já foi de 39% em momentos de restrição ao financiamento no País. O
CMN, por previsão legal, também estabelece as taxas de juros, limites, prazos máximos e demais
condições para os financiamentos rurais, incluindo as regras prudenciais. Parte destes recursos são
destinados a financiamentos exclusivos para agricultores familiares e agricultores de média dimensão.
Embora o Governo determine as condições e o público a ser atendido, cabe aos bancos definir quais os
agricultores que receberão o financiamento, e por isso, assumem o risco integral das operações de crédito
rural. Este tipo de obrigatoriedade ou exigibilidade de aplicação em crédito rural existe também para
algumas captações de recursos a prazo pelos bancos. Nestes casos, a taxa de juro é livremente acordada
entre os bancos e os agricultores e agroindústrias.

O seguro rural pode ajudar a reduzir os riscos nos financiamentos e estimular a sua libertação pelos
bancos, mas para que este instrumento mitigador avance de forma sustentável, será preciso implementar
rapidamente o zoneamento agrícola de risco climático. Sem um zoneamento eficiente, as seguradoras
que operarem com crédito rural terão dificuldade em aumentar a sua escala e alcance, ou então, se vierem
a segurarem projectos sem critérios de redução ou mitigação do risco, tendem a “quebrar” na ocorrência
do primeiro sinistro em larga escala, como ocorreu com seguradoras rurais em vários Países no passado
recente.

Nas entrevistas realizadas com grupos de produtores, quando questionados sobre as suas necessidades
produtivas imediatas, o crédito para aquisição de tractor foi a resposta mais frequente. Quando indagados
se tinham conhecimento dos custos de manutenção de um tractor ou se tinham elaborado um projecto de
crédito ou simplesmente um cálculo da viabilidade económica que demonstrasse que a renda gerada pelo
uso do tractor seria suficiente para pagar as prestações do financiamento, a resposta mais comum foi a
inexistência de qualquer estudo ou avaliação económica. Mesmo para a procura de crédito de custeio, são
raros os projectos ou planos elaborados por técnicos que tenham os custos de produção que justifiquem
o valor pedido, e a estimativa da produção e dos preços esperados pelos produtos que serão
comercializados, permitindo verificar a capacidade de geração de renda para o pagamento do crédito. Os
financiamentos produtivos, mesmo que de pequenos valores, sem nenhuma estimativa de viabilidade

72
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

económica, são potencialmente de alto risco para as instituições financeiras. Por isso, normalmente é
condição básica para a concessão de crédito de investimento a exigência de projectos técnicos que
demonstrem a sua viabilidade económica, e de projectos ou planos simples de crédito para a aprovação
de financiamentos de custeio rural. Por outro lado, se não houver técnicos de campo capacitados para
elaborar projectos ou planos de crédito, pouco adiantará criar linhas especiais de financiamento, mesmo
que subsidiadas pelo Governo.

Os grandes produtores rurais e os investidores Nacionais têm um maior entendimento sobre o


funcionamento do crédito, mas também possuem pouca experiência com crédito rural. Nas entrevistas
realizadas, os pedidos de crédito rural eram normalmente de valores muito elevados, especialmente para
novos projectos em áreas sem histórico produtivo (green fields) e realizados por pessoas sem muita
experiência na actividade rural. As carências de infraestrutura e as deficiências na cadeia de valor da
agricultura a jusante da produção, estimulam a elaboração de projectos amplos e complexos envolvendo
investimentos na produção agrícola e na sua industrialização, exigindo recursos volumosos para a sua
implementação. O problema não é a amplitude destes projectos, mas a concessão do financiamento e a
sua implementação ser realizada numa única etapa. Além disso, o financiamento para o aumento ou
construção de uma nova agroindústria a partir de projecto produtivo em execução com resultados
comprovados, inclusive com garantia de fornecimento de matéria-prima, apresenta muito menos risco para
o banco do que em projectos sem nenhum histórico produtivo.

Programas de crédito desenvolvidos no passado e que contaram com subsídios do Governo produziram
experiências distintas entre os grandes produtores. Houve casos em que os produtores foram induzidos
pelos bancos a adquirir insumos em locais por eles definidos, pagando preços elevados e recebendo
produtos de qualidade questionável. Outros tiveram projectos aprovados mesmo sendo técnica e
economicamente não viáveis. Como consequência, muitos não conseguiram pagar os seus
financiamentos, mas como ainda não sofreram sanções ou penalizações pelos bancos, pode vir a
estimular futuros incumprimentos neste segmento (Moral hazard). Devido a este tipo de experiências,
quando o Governo divulga um programa de crédito, muitos produtores rurais, independentemente da
dimensão, entendem que o Governo está a facilitar a libertação de recursos e que todos podem apresentar
os seus projectos, independentemente de demonstrarem, ou não, a sua viabilidade técnica e económica.
Quando não conseguem ter acesso ao financiamento pedido, responsabilizam os bancos e o Governo,
nunca a inviabilidade seus próprios projectos ou a falta da sua apresentação.

Quando o Governo disponibiliza um programa de crédito com subsídio ou facilitação para a sua concessão,
os investidores com receio de não conseguir obter um financiamento complementar no futuro, incluem em
um único projecto de crédito todas as actividades que pretendem desenvolver com um ou mais produtos
ou actividades agroindustriais. Ao mesmo tempo que iniciam os investimentos na produção agrícola, com
prazos e resultados incertos, também procuram recursos para a aquisição de máquinas e equipamentos
que serão utilizados somente após o aumento da área cultivada, e para a construção e instalação da
infraestrutura de armazenamento e industrialização da produção ainda inexistente. Com isso, geram
custos desnecessários com manutenção e depreciação dos equipamentos, além das despesas com juros
dos financiamentos e redução dos prazos de carência e de pagamento. Caso a produção agrícola se torne

73
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

técnica ou economicamente não viável, os recursos envolvidos no projecto, além de elevados, serão de
difícil recuperação.

Nas fazendas estatais destinadas à produção e industrialização agrícola, o Governo adoptou esta prática
que é comum entre os empreendimentos privados do País. Em algumas destas fazendas estatais, o
Governo construiu a infraestrutura de recepção, armazenamento e de industrialização antes mesmo de
iniciar a produção ou de ter assegurada a matéria-prima. Com isso, além de problemas de gestão e de
obras inacabadas por falta de recursos, alguns destes projectos tornaram-se economicamente não viáveis
e pouco atractivos para novos investimentos públicos, ou mesmo de aquisição pela iniciativa privada. Os
quatro projetos de fazendas estatais apresentados a seguir demonstram muito bem esta realidade:

a) Fazenda Longa: localizada na Província do Cuando Cubango, era para ser a maior unidade de
produção de arroz do país. Construída entre 2010 e 2012 por uma empresa chinesa contratada
para executar e entregar a infraestrutura produtiva e industrial completa no final do prazo
estipulado. Dos 5.100 ha de área total, 1.500 ha foram projectados para a produção de arroz, dos
quais 1.115 seriam irrigados com uso de pivôs centrais abastecidos por estações de
bombeamento de água e extensos canais de irrigação. A unidade de transformação engloba uma
linha de secagem (500 ton/dia), 3 silos (total de 9.000 ton), e a linha de descasque, polimento,
branqueamento, seleção e ensaque de arroz (168 ton/dia). Dispõe ainda de residências para
técnicos e trabalhadores, oficinas e galpões para guarda de insumos agrícolas e equipamentos.
O valor total estimado do terreno, benfeitorias e equipamentos em 2019 foi de USD 17,27 milhões;

b) Fazenda Sanza Pombo: localizada na Província do Uíge, foi projectada para produzir arroz e
bovinos. Ocupa uma área de 9.433 ha dos quais 25% foram desmatados, limpos e gradados para
produção agrícola. O projecto previa destinar 500 ha para a produção de arroz irrigado por
inundação, mas os recursos hídricos disponíveis não têm sido suficientes para toda esta área.
Foram semeadas pastagens em 1.145 ha, divididas em 27 parques cercados com 40 a 50 ha
cada. Para a produção bovina existem mangueiras, área em concreto coberta para confinamento
de 600 animais, galpões e 2 silos trincheira em concreto. Em 2019 a fazenda tinha um efectivo de
mil animais. Para a produção agrícola há diversos tractores, máquinas e equipamentos agrícolas,
além de uma zona industrial para armazenagem e beneficiamento de arroz. Conta ainda com um
sistema de geração de energia eléctrica e um reservatório com sistema de tratamento de água,
edifício administrativo, área residencial, dormitórios, refeitório e área de lazer. Em 2019, o valor
total estimado do terreno, benfeitorias e equipamentos era de USD 19,85 milhões;

c) Fazenda Cuimba: localizada na Província do Zaire, foi projectada para a produção de milho,
frangos e ovos. Dos 9.784 hectares da Fazenda, cerca de 2.140 ha foram desmatados, limpos e
gradados. Já estão instalados 4 pivôs permitindo a irrigação de uma área de 235 ha. Para a
produção agrícola dispõe de silos, secadores e diversos camiões, tractores, ceifeira debulhadora
e outros equipamentos, além de galpões para armazenamento de máquinas e insumos. Na zona
industrial destinada à avicultura, ainda não concluída, há uma estação de tratamento de água,
unidade de incubação equipada com 3 incubadoras, pavilhão para 18 mil pintos, 3 pavilhões para
17 mil poedeiras cada, sala de seleção de ovos e lavagem, transportador de ovos, pavilhão para

74
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

produção de frangos de corte, matadouro com capacidade para abater mil frangos/hora, fábrica
de ração, entre outros. Dispõe ainda de construções destinados a moradia, convivência e sede da
fazenda. Em 2019 o valor estimado do terreno, benfeitorias e equipamentos foi de USD 31
milhões;

d) Fazenda Camaiangala: com uma área total de 18 mil ha está localizado na Província do Moxico.
O projecto teve as suas obras iniciadas em 2013 e encerradas em 2016, embora ainda existam
construções inacabadas. Foi planeada para produzir e industrializar milho e soja, além da criação
de porcos. Dispõe de uma grande infraestrutura para recepção, limpeza e secagem de grãos (200
ton/dia), 4 silos (total de 5.700 ton), unidade de produção de fubá de milho (100 ton/dia),
equipamento de extrusão de soja e preparação de rações (5 ton/dia), sistema de irrigação por
aspersão com pivô central para 400 ha, área de 800 ha desmatada para agricultura de sequeiro,
naves de suinicultura para produção intensiva em ciclo aberto e um matadouro para abate de
marrãs e varrascos em fim de vida útil. Conta ainda, com diversos camiões, tractores, ceifeiras,
equipamentos agrícolas e máquinas pesadas para construção e manutenção de estradas
(bulldozer, pá-carregadora, moto niveladora e um cilindro compactador). Além da área industrial,
conta com um centro de convivência composto por residências para técnicos e trabalhadores,
cobertura para abrigo de máquinas, oficina e armazém para insumos. Em 2019 o valor estimado
do terreno, benfeitorias e equipamentos era de USD 23,83 milhões.

À semelhança de outros projectos agroindustriais construídos pelo Governo nos últimos anos, muitas das
máquinas e dos equipamentos agrícolas e industriais destas fazendas, por estarem sem uso e
conservados inadequadamente, estão a deteriorar e desvalorizar rapidamente. Além dos problemas de
gestão, estes projectos podem se ter tornado economicamente não viáveis devido à forma como estão
estruturados, pois a sua operacionalização parte de um custo fixo elevado em construções, máquinas e
equipamentos que não serão utilizados de imediato.

Para muitos agricultores familiares e comerciais de pequena dimensão, o crédito rural é considerado um
recurso público repassado via bancos para ajudá-los na produção, sendo que o compromisso do seu
pagamento pode estar vinculado ao resultado da sua produção e da sua renda. Para estes agricultores, o
crédito não é visto como um compromisso pessoal assumido com os bancos independentemente do
resultado de sua produção, cujas escolhas são da sua responsabilidade. A distribuição de sementes,
adubos e equipamentos agrícolas pelo Governo e por organizações sociais, embora contribuam para
aumentar a produção agrícola e reduzir a fome entre as famílias rurais, normalmente tem um efeito
negativo sobre o crédito rural, pois em geral não exigem contrapartida ou devolução dos recursos
recebidos. Por outro lado, programas desenvolvidos mais recentemente que exigem em produto a
devolução total ou parcial do valor recebido em insumos, tendem a contribuir para a educação financeira
e aprendizagem dos agricultores para operarem com crédito rural.

Considerando a realidade do sector agrícola de Angola, se houvesse disponibilidade de recursos para


conceder crédito rural de custeio para um grande número de agricultores familiares e comerciais de
pequena dimensão do país, inclusive com taxas de juros mais baixas, a tendência seria de resultar num
pequeno aumento da produção total do País. A renda gerada com o crédito continuaria muito baixa e,

75
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

consequentemente, haveria um elevado incumprimento no pagamento do crédito. Esta avaliação baseia-


se nas seguintes premissas:

a) Inexistência ou pouca disponibilidade de assistência técnica rural para recolher amostras de solo
para análise em laboratório, bem como para interpretar os resultados e fazer recomendações de
correção dos solos e de adubação;

b) Sem a correção dos solos realizadas meses antes do plantio, mesmo aqueles produtores que
conseguirem adquirir sementes melhoradas e adubos não vão obter incrementos significativos na
produção e na produtividade no primeiro ano;

c) A pouco assistência técnica disponível não está capacitada para elaborar plano ou projectos para
aplicação de crédito, com recomendações técnicas para o cultivo, estimativas de custos de
produção e de receitas obtidas a partir do uso dos recursos do crédito, dificultando a análise da
viabilidade económica das propostas;

d) Insuficiência de insumos agrícolas como calcário, sementes, adubos e fertilizantes para venda a
todos os agricultores que procuram estes insumos, inclusive nas formulações de adubos
recomendadas;

e) Escassez de equipamentos de tracção mecânica e animal, inclusive de juntas de boi, para a


preparação do solo, plantio e capina que permita aumentar a área cultivada;

f) Indisponibilidade de mão de obra suficiente para garantir o aumento da área cultivada (quando
não existir a disponibilidade de equipamentos mecânicos ou de tracção animal);

g) Se ocorrer um aumento da área cultivada com monoculturas, a tendência será de um aumento da


ocorrência de pragas e doenças. Além da falta de produtos para combatê-las, não haveria técnicos
capacitados para fazer as recomendações de uso e aplicação;

h) Se houver um aumento na produção total do País, a carência de estruturas para armazenamento


da produção poderia provocar uma queda dos preços pagos aos produtores, com diminuição da
renda esperada e, aumento das dificuldades para pagar as prestações do crédito.

Portanto, a concessão de crédito rural não pode ser rapidamente massificada. Para que o crédito rural
tenha sucesso e contribua para o aumento da produção será preciso disponibilizar assistência técnica
capacitada para elaborar projectos viáveis e para assessorar os agricultores na utilização de boas técnicas
de cultivo, disponibilizar os insumos necessários, garantir preços aos agricultores, além do escoamento
da produção.

Para obter resultado efectivos, o crédito rural deve estar associado ao uso de tecnologia que faça aumentar
a produtividade e a renda dos produtores. As tecnologias recomendadas não precisam de ser
disponibilizadas em pacotes únicos e fechados, sendo possível utilizar as mais diversas tecnologias e
práticas agrícolas entre as disponíveis aos produtores rurais. Os insumos utilizados podem ser químicos
ou orgânicos, as sementes podem ser variedades rústicas melhoradas ou híbridas, a correcção da acidez
dos solos pode ser com uso de calcário ou matéria orgânica, o controle de pragas e doenças pode ser

76
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

com produtos químicos ou biológicos, a tracção utilizada pode ser manual, animal ou mecânica, ou com
uso compartilhado delas.

A pequena participação da produção agrícola Nacional nos alimentos consumidos pela população urbana
de Angola pode ser a causa e a consequência da existência de poucas agroindústrias e da pequena
relação comercial entre os produtores Nacionais e os sectores grossista e retalhista do país. Por outro
lado, a comercialização da produção agrícola e a garantia de geração de renda monetária são alguns dos
principais motivos para o pequeno volume de crédito rural fornecido pelos bancos aos agricultores
familiares.

A integração comercial entre agricultores e agroindústrias, retalhistas ou grossistas, com a existência de


contractos ou acordos de compra e venda futura da produção, com ou sem preços pré-fixados, pode
contribuir decisivamente para dar mais segurança e previsibilidade a todos os sectores envolvidos na
cadeia de valor. Na mesma linha, parcerias produtivas e comerciais entre agricultores e empresas
“âncoras” que actuem na produção e ou na industrialização agrícola, também pode contribuir para
disseminação de novas tecnologias e aumentar as possibilidades de comercialização e de geração de
renda no campo.

A taxa de juro cobrada aos produtores rurais nos financiamentos agrícolas também é uma das limitações
para o sucesso do crédito rural. As taxas de juro reais, já descontada a inflação, cobradas nos principais
países produtores agrícolas é inferior a 3% ao ano, sendo que taxas superiores a este patamar tendem a
resultar em elevados incumprimentos, ou incapacidade de alavancar a produção. O subsídio público nas
taxas de juros rurais pode ser um atcrativo para os agricultores e um estímulo aos bancos para
aumentarem o número de financiamentos concedidos. Todavia, o Governo não deve assumir os riscos
das operações, papel que cabe aos bancos ou compartilhadas com possíveis fundos de aval mantidos
com a participação do Governo, bancos e dos próprios beneficiários do crédito.

Outra alternativa de financiamento, especialmente para os agricultores familiares, é o microcrédito. Com


características diferenciadas do crédito rural, é mais adequado para financiar as múltiplas actividades
geradoras de renda pelos moradores no meio rural, inclusive de actividades não agrícolas. Além disso, é
um óptimo mecanismo de educação para o crédito rural, servindo como uma porta de entrada para
financiamentos mais complexos e de maior valor. Por isso, embora deva ser operado por instituições
especializadas em microcrédito (cooperativas de crédito, caixas de poupança e crédito, sociedades de
crédito, etc.), sugere-se que seja assistido e articulado com instituições bancárias, tanto no fornecimento
de recursos para os microcréditos, quanto para a captação de futuros clientes para o crédito rural.

5.1 Recomendações

• Recomenda-se que seja criado por meio de Decreto Presidencial ou por proposição legislativa a
política de crédito rural do país, estabelecendo princípios, objectivos, prioridades, conceitos,
modalidades (custeio, investimento e comercialização), períodos de concessão, prazos máximos dos
contratos, classificação dos produtores, garantias e instrumentos de contratualização, entre outros
aspectos;

77
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

• Recomenda-se a elaborar legislação específica para que os bancos com depósitos à vista devam
aplicar uma percentagem do saldo médio destes depósitos em operações de crédito rural e
agroindustrial, em percentagens, taxas e demais condições definidas anualmente pelo BNA.
Aprovada a Lei, sugere-se que o BNA inicie a exigibilidade rural com uma percentagem baixa,
aumentando-a ao longo dos anos. Nos primeiros anos de implementação desta medida, sugere-se
que a taxa de juro seja livremente acordada entre os bancos e os agricultores, com definição de um
tecto máximo para a taxa;

• Recomenda-se a criação do zoneamento agrícola de risco climático, que poderia contar com
recursos do Banco Nacional de Angola (BNA) e dos bancos privados na sua implementação. Quanto
mais amplo e rápido o zoneamento agrícola for feito, menor será o risco de perdas para os
agricultores e para o sector financeiro. Concluído o zoneamento, recomenda-se que o BNA
estabeleça a obrigatoriedade da sua observância para a concessão do crédito rural nas regiões e
produtos onde esteja disponível;

• Recomenda-se que o Ministério da Economia e Planeamento incentive o BDA e os bancos privados


a realizarem cursos sobre crédito rural para os seus funcionários, contendo características e
especificidades da produção agrícola e das operações de crédito rural, além de metodologias de
análise técnica e económica de projectos de crédito destinados à produção agrícola, pecuária e
agroindústrias;

• Recomenda-se que o Ministério da Agricultura, realize com o apoio do BDA e de bancos privados,
cursos para técnicos do IDA e da iniciativa privada sobre crédito rural, com destaque para elaboração
de custos de produção e de projectos para pedidos de crédito de custeio e de investimento;

• Recomenda-se que os grandes projectos agrícolas que envolvam investimentos significativos em


green fields sejam desenvolvidos em etapas, tanto para a disponibilização do financiamento como
para a sua implementação. Embora o projecto possa ser único e abrangente, deve iniciar apenas
com os investimentos directamente vinculados à produção, tais como estradas de acesso,
desmatamento, limpeza e nivelamento do terreno, correção e adubação dos solos, construção de
obras e canais de irrigação, seleção e adaptação de sementes, e com a aquisição do mínimo possível
de máquinas e equipamentos agrícolas. A aquisição das demais máquinas e equipamentos agrícolas
deve ocorrer seguindo as etapas de implementação previstas no projecto, podendo ter a sua
quantidade e tipologia reavaliadas de acordo a experiência obtida na sua execução inicial. A
instalação e construção de infraestrutura de apoio deve ser a menor possível para o desenvolvimento
inicial do projecto. Na medida em que apresentar resultados positivos e a área cultivada for
aumentada, podem ser disponibilizados os recursos do financiamento destinados à unidade de
armazenamento. Somente quando a produção for sustentável e atingir um patamar mínimo que
sustente a sua industrialização, os recursos para a construção da unidade agroindustrial devem ser
disponibilizados. Sempre que possível, as unidades de produção, armazenamento e industrialização
devem ser realizadas por módulos produtivos. Até que a produção de matéria-prima seja suficiente
para garantir a operacionalização da unidade industrial própria, ela pode ser comercializada sem
processamento, ou mesmo armazenada e industrializada em indústrias de terceiros. Procura pontual

78
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

de serviços de máquinas e equipamentos também podem ser atendidas pela contratação de serviços
de terceiros, evitando a imobilização de capital em activos com pouca ou utilização esporádica;

• Para as fazendas agrícolas estatais que possuem mais de uma agroindústria instalada, recomenda-
se avaliar a possibilidade da sua divisão em distintas unidades agroindustriais, inclusive da área de
produção agrícola, facilitando a sua gestão, concessão ou mesmo privatização;

• Recomenda-se que nas fazendas e unidades industriais estatais onde não há produção de matéria-
prima própria na quantidade mínima necessária para a sua operação, sejam realizadas acções
visando adquiri-las de terceiros, procurando também incentivar a produção e a comercialização local
de agricultores familiares, comerciais de pequena dimensão e empresariais;

• Recomenda-se que os bancos, para reduzir os riscos de incumprimento nos financiamentos


concedidos a agricultores familiares, ampliem a concessão de crédito para participantes de projectos
de integração e comercialização da produção, à semelhança da experiência conduzida pela Fazenda
Maxi. A contratualização da comercialização pode ocorrer entre agricultores e agroindústrias,
pecuárias, grossistas ou retalhistas. Mesmo que a empresa "âncora" ou a compradora não participe
do contrato de crédito assumindo o risco dos financiamentos dos agricultores, o contrato de garantia
de compra da produção e a perspectiva de geração de renda monetária por si só aumenta as
perspectivas de viabilidade económica e técnica do projecto, reduzindo os riscos de incumprimento;

• Devido às restrições orçamentais e financeiras, além da reduzida disponibilidade de técnicos para


prestar assistência e elaborar projectos de crédito, recomenda-se que nos financiamentos
destinados aos agricultores familiares e comerciais de pequena dimensão, a concessão do crédito
seja priorizada para quem dispõem de 3 e 50 ha de área disponível para o cultivo, principalmente
entre aqueles com mais condições de adoptar novas tecnologias, conforme proposta de projeto de
desenvolvimento rural apresentada no capítulo 7 deste documento.

5.2 Projectos Prioritários para Financiamento

O sector agropecuário é composto por um número muito grande e diverso de actores, especialmente na
produção primária. As poucas organizações representativas dos agricultores foram constituídas
recentemente e são ainda pouco representativas, e não possuem estruturas técnicas capazes de
centralizar e organizar as exigências do sector como um todo ou mesmo de cadeias produtivas específicas.
Durante o processo de preparação deste trabalho, foram realizadas reuniões com a União das
Cooperativas de Angola (UNACA) e com a Associação dos Produtores Agrícolas de Angola (APAA), além
de entrevistas com produtores rurais e empresas de insumos. Apesar de solicitados a apresentarem os
principais projetos e necessidade de crédito rural para o segmento onde actuam ou que representam,
foram apresentadas somente pedidos individuais que já tinham sido entregues ao MEP e aos bancos no
âmbito do PRODESI.

Dos 111 projetos agropecuários e florestais potenciais que foram apresentados ao PRODESI para
financiamento, foi possível realizar algumas análises. A informação recebida não traz dados sobre a

79
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

situação produtiva actual dos empreendimentos, não detalha quais e quantos itens serão financiados,
como não apresenta a renda esperada de cada actividade a ser financiada e os valores de crédito
pretendido. Por isso, não será possível avaliar neste momento se os itens pedidos são tecnicamente
justificáveis e os projetos economicamente viáveis.

As 111 propostas de crédito rural apresentadas são provenientes de empreendimentos localizados em 14


Províncias, com destaque para Uíge, onde foram apresentadas 19 propostas, seguido de Malanje com 13,
Cuanza Sul e Cuanza Norte com 12 propostas cada uma, e Lunda Norte com 11 propostas. As três
Províncias da região Central do país onde a agricultura tem grande importância económica apresentaram
poucas propostas, sendo 4 na Huíla, 2 no Huambo e nenhuma no Bié. As propostas trazem pedidos de
agricultores individuais, cooperativas agropecuárias, fazendas empresariais e grossistas, com projectos
destinados a diversas actividades agrícolas, pecuárias, florestais, aquícolas e agroindústrias.

Para cada proposta de crédito apresentada, é destacado um produto vinculado ao PRODESI. O milho
aparece em primeiro lugar, com 19 projetos, seguido da bovinocultura de corte com 16, mandioca com 11
e banana com 9 projetos. Café, cana-de-açúcar, amendoim e silvicultura aparecem com 5 propostas cada
um, soja com 4, e arroz, avicultura de postura, batata rena, feijão, suínos e tomate com 3 propostas de
crédito cada. Caprinos, alface, leite, cebola couve, pimento e repolho estão destacados em 1 ou 2 projetos
cada. Entretanto, quando verificadas as atividades produtivas propostas em cada projecto, na maioria dos
casos aparecem de 4 a 6 produtos a serem financiados ao mesmo tempo, muitas vezes completamente
distintos uns dos outros, demonstrando uma falta de especialização e organização da produção. Por
exemplo, num mesmo financiamento estão a ser pedidos recursos para a produção de café, banana,
manga, mandioca e cebola. Noutro caso, milho, citrinos, ananás e caprinos.

A diversificação da produção é importante em todas as explorações agrícolas, pois amplia as fontes de


renda e reduz os riscos de perda de renda por questões climáticas ou pela queda dos preços de
determinado produto. Mas é importante que as atividades sejam complementares no uso da mão de obra
e das máquinas e equipamentos disponíveis durante o ano, procurando, sempre que possível, que uma
actividade contribua no aumento da renda e redução dos custos da outra. Por outro lado, a especialização
na produção de algumas actividades agrícolas, desde que não se transforme em monocultura, também
pode contribuir para um maior conhecimento e domínio do processo produtivo pelos agricultores, além de
aumentar a escala de produção, ajudando na obtenção de melhores preços.

Em relação aos equipamentos necessários para o desenvolvimento dos projectos, a maior parte deles
pedem aquisição de tractores e camiões. São 42 projetos com pedido de recursos para aquisição de
tractores, sendo que destes, 17 pretendem também adquirir camiões e 5 equipamentos de irrigação. Entre
os projectos, 12 procuram crédito para instalação de agroindústrias e ou compra de equipamentos
agroindustriais para produtos agrícolas, pecuários e florestais. Além destes equipamentos, existem
pedidos de crédito para compra de camiões e equipamentos de irrigação, entre outros bens e
equipamentos diversos. Também apareceu a procura de crédito para capital de giro por uma agroindústria.
Existem ainda outros 46 projetos sem informação dos equipamentos a serem financiados, porque os dados
estão incompletos ou porque estes projectos preveem recursos apenas para despesas de custeio. Não há

80
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

como saber se o número de máquinas e de equipamentos pedidos têm relação com a produção actual ou
prevista para os primeiros anos de instalação do projecto.

A descrição, mesmo que de forma sucinta das actividades a serem financiadas e dos equipamentos
necessários ao desenvolvimento dos projetos, indica que há uma grande confusão de finalidades e
modalidades de crédito rural, aglutinando num mesmo projecto diferentes actividades (produção agrícola,
pecuária, aquicultura, florestal e agroindústria), produtos que serão cultivados em distintas campanhas
durante o ano, cultivos anuais e permanentes tratados igualmente, além de solicitarem num único projecto
de crédito recursos para custeio, investimento e comercialização da colheita.

É recomendável e positivo que um mesmo projecto de crédito possa incluir actividades vinculadas e
complementares. Entretanto, é importante que seja possível demonstrar de forma separada os custos e a
renda esperada com cada actividade financiada. Se a produção de apenas algumas das actividades
financiadas forem destinadas ao mercado, o detalhe da renda esperada pode ficar restrita a estas
actividades, desde que eles consigam demonstrar capacidade para o pagamento do financiamento total.
Por exemplo, para a produção da maioria das actividades pecuárias também pode ser estimulado o
financiamento da produção de milho ou massambala. Os financiamentos de actividades hortícolas podem
ser complementares entre si e constar de uma única operação de crédito, o mesmo podendo ocorrer com
algumas actividades frutícolas.

Um projecto de investimento em agroindústria ou culturas permanentes (café, frutíferas e florestais) pode


prever a inclusão de despesas de custeio para os dois ou três primeiros anos de implementação do
projecto, mas depois as despesas de custeio devem estar segregadas em outras operações de crédito.
Produtos de campanhas distintas devem ser tratados em operações de crédito separadas, caso contrário,
poderão ser disponibilizados recursos antes do prazo para sua utilização, aumentando o seu custo e o
risco das operações. Créditos de comercialização ou de capital de giro para agroindústrias devem receber
um tratamento diferente, inclusive de prazo e de avaliação de risco. Os recursos de crédito rural para
investimentos em tractores, camiões, máquinas e equipamentos devem ser disponibilizados de acordo
com a evolução da produção, e da sua capacidade de pagamento avaliada de acordo com a renda a ser
obtida pelo conjunto dos cultivos em que serão utilizados e ao longo dos anos. Por isso, os prazos de
carência e de pagamento também devem estar alinhados com as expectativas de obtenção de renda com
estas actividades.

Portanto, a mistura de diferentes produtos, campanhas, usos e finalidades produtivas num único
instrumento de crédito, além de dificultar a análise do projecto, pode resultar na definição de prazos de
carência e de pagamento não adequados ao fluxo de geração de receita das actividades financiadas, além
de aumentar o seu custo para os tomadores. Com menor risco de incumprimento, a tendência será uma
redução da disponibilização de crédito pelos bancos. Tendo em conta a análise destes projectos de
financiamento rural, a regulamentação do crédito rural no país torna-se urgente e necessária.

Como não foi possível avaliar cada um dos 111 projectos individualmente, além de existir um grande
número de projetos potenciais que ainda poderão ser encaminhados nos próximos meses, não foram
selecionados projectos específicos de investimento privado para serem apoiados pelo PRODESI no sector
agrícola. Por outro lado, a avaliação das principais limitações para o aumento da produção agrícola

81
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

permitiu identificar actividades ou elos da cadeia de valor que devem ser estimulados e apoiados pelo
Governo nas suas políticas públicas, como de oportunidades de investimento para o sector privado.

Para identificação e seleção de projectos específicos que devem ser apoiados pelo PRODESI, os bancos
deverão receber os pedidos, aproveitando a sua capilaridade, e encaminhar para o MEP analisar a sua
pertinência e oportunidade. O MEP deverá avaliar os impactos e a importância social e económica dos
projectos, analisando a sua viabilidade económica, especialmente dos projetos de maior dimensão. A
avaliação da viabilidade económica e a decisão final sobre a aprovação do crédito deve ser dos bancos
que detêm o risco destas operações.

Entre os projectos que devem ser priorizados, desde que apresentem viabilidade técnica e económica,
destacam-se:

a) Indústrias de extração de rocha calcária e dos seus derivados para uso industrial;

b) Empresas que actuem no desenvolvimento e produção de sementes próprias ou na produção de


sementes de terceiros no país;

c) Indústrias de ferramentas manuais, equipamentos agrícolas de tracção manual e mecânica, e de


máquinas agrícolas estacionárias;

d) Empresas que actuem na construção e gestão de unidades de armazenamento de produtos


agrícolas;

e) Aumento ou construção de agroindústrias que já dispõem de produção de matéria-prima própria


ou de terceiros para a sua operação;

f) Projectos de produção de arroz irrigado por inundação em média e grande escala;

g) Projectos de produção de milho e soja irrigados;

h) Projectos que prevejam a integração dos agricultores com agroindústrias ou empresas agrícolas
"âncoras";

i) Projectos que contem com contratualização da comercialização da produção futura de agricultores


com pecuaristas, agroindústrias, grossistas ou retalhistas;

j) Indústrias regionais de produção de ração animal;

k) Aumento de projectos agrícolas em execução, com demonstração da capacidade produtiva e dos


resultados alcançados;

l) Cooperativas de agricultores em projectos de agroindústrias e de comercialização da produção


existentes dos seus associados;

m) Agricultores familiares que façam parte de programas de desenvolvimento rural geridos pelo
Governo e que garantam assistência técnica e capacitação.

82
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

6 Programa de Desenvolvimento Rural


Além da política destinada a atrair investidores nacionais e estrangeiros para desenvolverem projectos
agropecuários e florestais, é muito importante e necessário aumentar os investimentos públicos na
agricultura familiar e na agricultora comercial de pequena dimensão. Além de representarem um grande
número de famílias, o apoio e fortalecimento destes produtores contribui de forma efectiva e directa para
o desenvolvimento local e para a distribuição de renda. Todavia, devido ao grande número de produtores
familiares e camponeses, as suas limitações financeiras e a sua diversidade social e cultural, é
praticamente impossível trabalhar com todos ao mesmo tempo. Para isso, sugere-se desenvolver um
programa que envolva inicialmente um número limitado de agricultores, selecionados entre aqueles com
maior propensão à adopção de novas tecnologias e que dispõem de mão de obra e de uma maior área de
terra para cultivar. Com o decorrer dos anos, seja pelo efeito demonstrativo, seja para ampliação do
programa, será possível ajudar um número muito maior de agricultores.

O programa de desenvolvimento da agricultura familiar e comercial de pequena dimensão deve actuar em


várias frentes, passando por assistência técnica, capacitação de agricultores, distribuição de insumos,
crédito rural, cooperativismo agropecuário, comercialização e garantia de preços aos produtores.
Considerando as limitações orçamentais, propõe-se um programa piloto com 5 mil a 10 mil agricultores,
envolvendo entre 50 a 100 técnicos de campo. O projecto pode desenvolver módulos de produção com
áreas de 3 ha, 5 ha e 10 ha para cada cultura agrícola, oferecendo diferentes tecnologias de produção
para cada um dos módulos.

Os técnicos do IDA (ou de outras entidades) precisarão de ser formados ou reciclados para actuarem com
a produção de milho, arroz, feijão e massambala, ou com outras Figura 13 – Plantadora de Tracção
culturas a serem definidas pelo Governo. O conteúdo deverá Animal

abordar temas como analise de solo, uso de corretivos, escolha e


seleção de sementes (zoneamento climático), preparação do solo
com uso de tracção animal, moto cultivadores ou tractores, plantio
com uso de matraca, plantadoras de tracção animal e mecânica,
controlo das principais pragas e doenças, colheita e diferentes tipos
de armazenagem. Também deverão ter aulas sobre metodologias
de assistência técnica e sociologia rural, para identificarem e
intervirem de forma mais qualificada na realidade sociocultural onde
vão trabalhar, além de noções de economia rural para cálculo de Fonte: PahlConsulting

custos de produção e elaboração de projectos de crédito de custeio e deFigura


investimento, com demonstração
13 – Plantadora de
da viabilidade económica dos projectos a serem financiados. Tracção Animal Fonte:
PahlConsulting

Sugere-se que a capacitação seja realizada em Angola, ministrada por técnicos nacionais e ou
estrangeiros que actuem no País, tanto de órgãos ou institutos públicos como IIA, IDA, MEP, INAPEM e
Universidades, como em empresas e fazendas privadas. Os técnicos de campo participantes do projeto
deverão dedicar, no mínimo, 80% do seu tempo de trabalho ao desenvolvimento do projecto, tendo à sua
disposição veículos e recursos que permitam a sua deslocação, além de computador para elaboração dos
custos dos projectos, e acesso à internet para procurar informações e apoio técnico.

83
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

Uma vez escolhidos os técnicos que participarão no projecto, estes deverão identificar os produtores rurais
com área disponível para cultivo entre 3 e 10 ha, escolhidos entre aqueles que já passaram por algum
processo de capacitação ou formação profissional. Podem estar vinculados a cooperativas agropecuárias
com área de produção colectiva, mas o foco do projecto deve ser a produção individual dos seus
associados, ou ainda, a produção colectiva e a individual devem estar articuladas para o uso de máquinas,
equipamentos, insumos e mão de obra. Cada técnico deverá atender em média 100 agricultores, que
podem estar localizados em diferentes aldeias e municípios, desde que a distância entre eles não seja um
impedimento para a sua actuação. Se possível, devem concentrar espacialmente grupos de 10 a 20
produtores que possam reunir para troca de experiências entre si e para participarem dos processos de
capacitação realizada pelos técnicos. Os produtores selecionados devem concordar em participar no
programa, inclusive comprometendo-se a adoptar as medidas sugeridas pelos técnicos quando não
houver limitações de carácter económicos.

A partir do primeiro ano do projecto, o IDA deverá iniciar um intenso processo de capacitação dos
agricultores para o uso de equipamentos de tracção animal destinados à preparação do solo, plantio e
capina. Em paralelo, deve iniciar um programa ou ampliar as ações existentes para reprodução, criação e
domesticação de animais destinado ao trabalho agrícola.

No primeiro ano do projecto, o Governo pode disponibilizar insumos básicos para um módulo de 3 ha,
composto por calcário, sementes e adubos. Para os agricultores que não dispõem de junta de boi para
preparação do solo, ou que ainda não possuam plantadora de tracção animal (maioria absoluta), o
Governo pode disponibilizar serviços de tractores e de equipamentos de preparação do solo e plantio.
Para quem for cultivar módulos de 5 e 10 ha, deverão ser elaborados projectos de crédito de custeio que
podem incluir a aquisição dos insumos básicos, correctivos de solo, horas de aluguer de tractores e dos
equipamentos para distribuição do calcário, preparação do solo e plantio, além da mão de obra para capina
e colheita. A partir do segundo ano, o Governo deve reduzir gradualmente os insumos cedidos
gratuitamente, substituindo-os por compras directas pelos produtores através do crédito rural. O resultado
do primeiro ano, se for positivo, pode servir como “garantia” da adopção das tecnologias e da produtividade
esperada nas campanhas seguintes, facilitando a aprovação do primeiro crédito de custeio para os
agricultores com módulos de 3 ha. Por isso, recomenda-se que os bancos privados sejam convidados a
acompanhar a construção e a implementação deste programa de desenvolvimento rural.

Pela falta de histórico produtivo com o uso adequado de insumos, os técnicos agrícolas somente terão
condições de elaborar custos de produção mais realistas e de viabilidade económica de projectos de
investimento a partir do 3º ano, quando terão resultados de produtividade e de renda gerada. Por isso, o
crédito de investimento para aquisição de máquinas e equipamentos de tracção animal ou mecânica
seriam elaborados a partir da terceira campanha, quando seria possível avaliar os resultados e a
capacidade de pagamento dos agricultores.

Sugere-se que nos primeiros anos o crédito possa ser disponibilizado com a possibilidade de equivalência
de produtos, onde o crédito acrescido dos juros seja convertido em sacas do produto financiado aplicando
um preço de referência. No momento do pagamento, o agricultor teria duas opções: pagar em Kwanzas o
valor do financiamento mais o valor dos juros ou, caso o preço de mercado do produto na região esteja

84
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

abaixo do preço de referência, cobra-se do produtor o valor da quantidade de sacas devidas multiplicado
pelo preço de mercado do produto. Se o preço de mercado estiver abaixo do preço de referência, o Estado
cobre a diferença junto aos bancos.

Este projecto difere do Programa de produção em Bloco desenvolvido pelo IDA destinado aos agricultores
familiares. Ele procura aumentar a área média cultivada por agricultor e fomentar a produção nas áreas
onde eles já desenvolvem os seus cultivos, procurando aumentar a produtividade da mão de obra. Além
disso, pretende que os agricultores se tornem menos dependentes das ações de distribuição de insumos
e serviços agrícolas pelo Estado ao longo do tempo.

85
Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

7 Indicadores
Os indicadores de resultado dos projectos destinados à agricultura normalmente são anuais, respeitando
os ciclos produtivos das culturas. Para os projectos e políticas Nacionais e de amplo alcance podem ser
utilizados os dados gerais de área semeada, produção e produtividade levantados anualmente pelo
Ministério da Agricultura. Todavia, para programas que desenvolvem ações destinadas a grupos sociais
ou regiões específicas, ou ainda, projectos com alcance limitado de público, como crédito rural, assistência
técnica, capacitação e fornecimento de insumos agrícolas, é preciso recolher os dados directamente dos
agricultores envolvidos para ter uma avaliação efectiva dos seus resultados. Por exemplo, para verificar o
impacto da assistência técnica e dos insumos fornecidos gratuitamente pelo IDA a um conjunto de
agricultores familiares, seria preciso levantar dados da área cultivada, produção e produtividade
directamente dos beneficiários, mesmo que seja através de uma amostra, para comparar com quem não
teve acesso a estes benefícios, ou com a média regional ou Nacional obtida nos levantamentos efectuados
pelo Ministério da Agricultura para o Relatório das campanhas agrícolas.

A definição de quais são os melhores indicadores de efectividade a serem utilizados também depende das
políticas, programas e ações implementadas. Se o objectivo é avaliar, por exemplo, políticas de assistência
técnica, capacitação de agricultores e crédito rural, os indicadores podem ser produção, produtividade,
incumprimento no pagamento de crédito e renda familiar. Se for avaliar o impacto de uma política de
distribuição ou venda subsidiada de máquinas e implementos agrícolas, os indicadores deverão incluir
ainda a área cultivada (aumento). No caso de políticas relacionadas com a substituição de importações ou
de importações de produtos alimentares prontos para o consumo, os indicadores deverão considerar a
percentagem das importações de produtos beneficiados em relação aos não processados, importação x
produção nacional, capacidade ociosa de agroindústrias nacionais. Portanto, não existem indicadores
agrícolas comuns e prontos para todas as políticas agrícolas. Eles devem ser constituídos especificamente
para cada política ou programa.

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Diagnóstico Sectorial e Plano de Acção para a Agricultura e Produção Alimentar

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