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A PSICOSSOMÁTICA NA OBRA DE FREUD

 
 
 
Pedro Carlos Primo
 
 
Ao fazer uma leitura cuidadosa da obra de Freud  e uma pesquisa na
sua edição Eletrônica  não encontrei uma única vez a palavra Psicossomática,
nem a expressãoMedicina Psicossomática nem tão pouco a
expressão Organoneurose, ou Neurose de Órgão. Mas esses termos já
existiam na época que Freud foi descobrindo a realidade dinâmica do
inconsciente e criando a Psicanálise .Segundo Pierre Marty, no seu livro: A
Psicossomática do Adulto, o substantivo “psicossomático é recente (1946) mas
“o adjetivo já  tinha sido empregado por um psiquiatra alemão da escola
vitalista , Johann Christian Heinroth( 1773-1843), no início do século XIX, para
caracterizar uma forma de insônia”. “Será retomado um século  mais tarde,
para designar uma nova concepção de medicina. Esta, incluindo fatores
psíquicos no determinismo das afecções orgânicas, abrirá uma brecha no
positivismo redutor que caracterizava a medicina clássica desde o fim do
século XIX.”
Embora a Psicossomática e Psicanálise estejam estreitamente
ligadas,  sendo que a psicanálise não só deu origem a psicossomática e criou
as bases para a terapia psicossomática,  mas permanece  sendo também para
esta uma referência permanente e essencial; contudo as duas ciências não se
confundem.A prova maior disso é que a descoberta freudiana—a psicanálise,
apesar ter sido desde o seu começo a grande instigadora do movimento
psicossomático no mundo inteiro, porem o próprio Freud não se interessou por
este campo de estudos, ou pelo menos não publicou nada com o nome:
Psicossomática ou Medicina Psicossomática, conforme já disse no início deste
trabalho, muito embora grande parte dos seus textos tratem das relações
mente/corpo, principalmente os primeiros, pois antes mesmo de Freud
descobrir a função simbólica dos sintomas na histeria já falava dos mesmos em
termos econômicos. Logo nos primórdios já afirmava:  Os sintomas da histeria
são o resultado da transformação, isto é,  da conversão de uma   excitação
endógena em inervação somática.Na mesma época ao escrever sobre a
Neurose de Angústia,  com seu cortejo de sintomas funcionais, afirmava que os
mesmos são o resultado da manifestação de angústias não representadas.
Este trabalho tornou-se mais tarde uma referência obrigatória para todos
aqueles interessados em Psicossomática; um marco também para a
psicanálise, pois de um lado  se encontram as Psiconeuroses, cujo os sintomas
possuem significação simbólica e do outro as Neuroses Atuais, onde os
sintomas resultam diretamente da libido não realizada, isto é da transformação
desta. Esta afirmação Freud modificou-a no seu trabalho clássico, Inibições,
Sintomas e Ansiedade, em 1926, mas não a abandonou completamente, pois
apesar dele afirmar neste trabalho acima citado que toda angústia provem do
ego, ou seja é uma reação deste a uma situação de perigo, abre uma exceção
para dizer que no caso da Neurose de Angústia o que se transforma em
ansiedade é precisamente o excedente de libido não utilizada. É verdade,
no  entanto, que este restinho da velha teoria é abandonado por ele na
Conferência 32 ao discorrer sobre A Ansiedade e Vida Instintual, nas Novas
Conferências Para Introdução À Psicanálise, em 1933, ao dizer que não mais
afirmaria que a libido em si se transforma em  angústia. Mas esta última
afirmação deve ser relativada, pois o campo das Neuroses Atuais onde se
encontram catalogadas as NEUROSES  DE ANGÚSTIA, NEURASTENIA
e  HIPOCONDRIA,  sendo também o campo daPsicossomática, e onde os
sintomas não possuem uma  mediação simbólica, como ocorrem nas
Psiconeuroses , foi ficando em segundo plano nas pesquisas e  nos escritos de
Freud. Pois, o dualismo inicial do Psico-Soma foi dando lugar ao dualismo
pulsional; na primeira tópica entre as pulsões de autoconservação e as pulsões
sexuais( ou dizendo de outra maneira, entre o ego e a sexualidade) e na
segunda tópica entre as pulsões de vida e morte, entre Eros e Thánatos.
 Segundo Marilia Aisenstein, Analista titular da Sociedade Psicanalítica
de Paris, no seu artigo DA MEDICINA À PSICANÁLISE E À
PSICOSSOMÁTICA,  (revista brasileira de psicanálise, volume 28, n.º 1) este
paralelismo psicofísico que Freud vinha destacando desde 1891, não
desapareceu na segunda tópica, pois, no texto: Para Além do Princípio do
Prazer, após Freud  “ter distinguido os traumatismos “puros” dos denominados
orgânico-lesionais, constata o quanto a existência de uma lesão circunscrita
parece proteger o sujeito contra a eclosão de uma neurose traumática. Ele
considera aí a ação drástica exercida por uma doença somática dolorosa sobre
a repartição e as modalidades da libido”. “A violência de um traumatismo
mecânico libera um quantum de excitação que é desorganizador, sobretudo
quando a preparação pela angústia não ocorreu. No entanto, o aparecimento
de uma lesão física pode permitir a ligação do excesso de excitação, exigindo
um“super-investimento narcísico do órgão atingido”. A partir destas
observações ele nota que sintomas mentais patognomônicos de uma
melancolia ou mesmo de uma demência precoce crônica podem
temporariamente desaparecer no decurso de uma afecção orgânica
intercorrente.
Para retomar mais compactamente o tema da minha fala, pois suponho que os
organizadores deste Congresso ao propor o tema: A PSICOSSOMÁTICA NA
OBRA DE FREUD,  estariam interessados no rastreamento de textos
freudianos onde , de fato, existe Psicossomática. Bem, como já disse Freud
não escreveu nada com o nome Psicossomática ou Medicina Psicossomática,
mas em contrapartida a palavra somático, subtendendo o salto do psíquico no
corpo se encontra em vários textos. Vejamos alguns exemplos textuais na obra
de Freud: em Estudos Sobre Histeria, no tópico sobre Conversão Histérica de
autoria de Breuer citando Freud:  “A excitação decorrente da idéia afetiva é
“convertida” num fenômeno somático; ao falar da neurose de angústia e suas
relações com outras neuroses diz que a mesma  “partilha com a neurastenia
uma característica essencial - a saber, a de que a fonte da excitação, a causa
precipitante do distúrbio, reside no campo somático, e não no psíquico, como
ocorre na histeria e na neurose obsessiva”. No mesmo trecho ao se referir a
neurose de angústia e a histeria diz: “quando se penetra no mecanismo das
duas neuroses, tanto quanto foi possível descobri-lo até aqui, vêm à tona
certos aspectos que sugerem que a neurose de angústia é, realmente, o
equivalente somático da histeria. Tanto na segunda como na primeira há um
acúmulo de excitação (que talvez seja a base da similaridade entre os sintomas
que mencionamos). Tanto na segunda como na primeira constatamos
uma insuficiência psíquica, em conseqüência da qual surgem processos
somáticos anormais.” E ainda, “tanto na segunda como na primeira, em vez de
uma elaboração psíquica da excitação, há um desvio dela para o campo
somático; a diferença está apenas em que, na neurose de angústia, a
excitação, em cujo deslocamento a neurose se expressa, é puramente
somática (excitação sexual somática), ao passo que, na histeria, ela é psíquica
(provocada pôr um conflito)”. Ao falar do tique nervoso da senhora Emmy von
N., o segundo caso clínico relatado nos Estudos Sobre Histeria diz: “Pode-se
ainda presumir que foi seu horror ao ruído produzido contra sua vontade que
tornou traumático aquele momento e fixou o ruído em si como
um sintoma mnêmico somático de toda a cena.”
 
 Para  leitor do texto freudiano torna-se evidente por estes exemplos e
outros,  que  logo nos primeiros trabalhos sobre histeria, afasia e paralisias
quando começa Freud a desenvolver o conceito de realidade dinâmica do
Inconsciente, com os seus princípios econômicos e psicodinâmicos que ele  se
entusiasma com a descoberta da submissão do somático pelo psíquico.
Quando de seu retorno de Paris, após concluir o seu estágio com
Charcot,  volta impressionado com as proezas deste, ao vê-lo criar e eliminar
sintomas histéricos através da sugestão hipnótica e diz: “Aqui, pela primeira
vez, os homens da medicina podiam testemunhar a obediência física
involuntária à estimulação mental.”
Esta viagem o marca definitivamente, Pois, viaja como neurologista e
retorna como psicopatologista. Lá em Paris lembra-se então de Bertha
Pappenheim( Ana O  ) paciente de  Breuer entre 1880 e 1882,  submetida a
tirania de sua mente e com seu cortejo de sintomas psicossomáticos. Freud
chegou a conversar com o mestre sobre este caso, mas o mesmo não estava
interessado em penetrar profundamente na psicologia das neuroses.
Nesta época,  estava também Freud  interessado em fazer uma
comparação detalhada entre paralisias histéricas e orgânicas e estabelecer as
bases de uma teoria, na qual pudesse demonstrar que as áreas do corpo
afetadas pelas paralisias histéricas, estivessem de acordo não com os fatos
anatômicos, mas com a ideação. No seu primeiro livro publicado, em
1891, Sobre a Afasia e dedicado a Breuer, faz uma crítica minuciosa à doutrina
de Wernicke-Lichtein sobre afasia, a mais aceita na época. Introduziu nesta
crítica uma explicação funcional e não anatômica.
 Nos Estudos Sobre Histeria (1893-1895), uma obra em conjunto com
Breuer , os casos clínicos relatados são todos  permeados de sintomas , onde
se verifica-se este salto do  psíquico no somático. Alguns são de natureza
puramente psicogênica, obedecendo a uma psiquização, outros não, possuem
uma natureza muda, enigmática. PSICOSSOMÁTICA?
 
 
 

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