Você está na página 1de 3

RESPOSTAS DO PROFESSOR NO CORPO DO E-MAIL DO ALUNO

Infelizmente, estou em um ritmo de trabalho alucinante que está me


impedindo de dedicar o tempo que eu gostaria aos estudos. Mas, mesmo assim,
tenho assistido às suas aulas enquanto trabalho (sou tradutor técnico e, no
momento, estou traduzindo um catálogo eletrônico estilo Revista Nei), parando
e voltando a reprodução sempre que julgo necessário para compreender algum
ponto mais obscuro.

Eu tenho uma dúvida antiga quanto ao uso de palavras compostas por dois
substantivos.

1) Na minha cabeça (a definição a seguir é meramente empírica), quando


dois substantivos autônomos formam um substantivo composto e o segundo
assume a função de adjetivo do primeiro, a junção entre as palavras deveria se
dar por hifenação e, no caso do plural, o segundo elemento seria invariável.

RESPOSTA. Quando as palavras (quaisquer, não só os substantivos) se


formam por composição, esta pode dar-se de dupla maneira geral: 1) por
AFIXAÇÃO; 2) ou por AGLUTINAÇÃO (vinagre, por exemplo: vinho + agre [dou este
exemplo apenas para facilitar a exposição, porque em verdade a palavra vem já
formada do catalão]), e então um ou mais elementos perdem a integridade de
figura que tinham antes da composição, ou por JUSTAPOSIÇÃO (mandachuva,
guarda-chuva), e então os elementos não perdem a integridade de figura que
tinham antes da composição. (Trata-se de tema arduíssimo, a que creio consigo
responder, longamente, na Suma Gramatical.) No último caso, está o que você
refere; e a regra que expõe é a regra mesma para o ponto: “quando dois
substantivos autônomos formam um substantivo composto e o segundo assume
a função de adjetivo do primeiro, a junção entre as palavras deveria se dar por
hifenação e, no caso do plural, o segundo elemento seria invariável”. Preciso
apenas que, quando entram como elementos na composição de nova palavra, as
antigas palavras deixam de sê-lo e passam, justamente, a elementos. (Como as
gramáticas e os dicionários em geral se embaraçam nisto!)

1
2) Assim, considero corretas as seguintes grafias:
arquivos-padrão (do inglês: “standard files”) e não arquivos padrão ou
arquivos-padrões, usuários-alvo (“target users”), comandos-chave (“key
commands”) etc.

RESPOSTA. Perfeito.

3) No entanto, como presto muitos serviços para área de localização de


software e esse mercado não é um primor em termos gramaticais, na prática,
sou forçado a usar grafias diferentes (na maioria das vezes):
arquivos padrão (sem hífen, ainda que o segundo termo permaneça
invariável); usuários-alvo
ou usuários alvo (não existe um consenso, aliás acho que a tradução mais
comum é “usuário de destino”);
comandos-chave (normalmente termos compostos com a palavra “chave”
aparecem hifenizados na maioria das traduções e manuais de estilo que vejo).

RESPOSTA. Como costumava brincar com meus alunos dos cursos


presenciais da pós: um hífen não vale seu emprego...

4) Assim, a minha dúvida é a seguinte:

“Existe uma regra gramatical específica para esse tipo de caso? As palavras
devem ou não ser ligadas por hífen (ou a construção supramencionada não
caracteriza, por si só, condição sine qua non para hifenação)? No plural, o
segundo elemento é ou não variável?”

Agradeço, desde já, qualquer luz que venha a ser lançada sobre essa dúvida
que me persegue há tanto tempo!

RESPOSTA. A regra é precisamente a que deu: arquivos-padrão, usuários-


alvo, comandos-chave. Mas isso merece algumas observações.
a) Digo que a regra é precisamente esta não só porque é a que dou, senão
porque é uma maneira de dar coerência ao caos que impera neste ponto. Como
qualquer pode ver, os dicionários, por exemplo, dão indistintamente
2
problemas-chave e “problemas-chaves”, frutas-pão e “frutas-pães”, mas, sabe-
se lá por que cargas d’água, só admitem anos-luz (e não “anos-luzes”); admitem
peixes-espada e “peixes-espadas”, mas só admitem peixes-boi (e não “peixes-
bois”).
b) Pois bem, assim como dizia Aristóteles que o papel do sábio é ordenar,
assim também o papel do gramático é ordenar a língua. Daí a regra que dou. –
Atente-se apenas a que a opção de não pluralizar o segundo elemento não tem
superioridade lógica sobre nenhuma outra. Deriva tão só de detida observação
do que se dá majoritariamente entre os melhore escritores, e visa, como dito,
tão a só a pôr ordem ao caos. (Em outros casos, porém, determinada opção pode
ter superioridade “lógica”, ou melhor, analógica.)
c) Não se confunda, no entanto, o caso que tratamos com o de chave
mestra/chaves mestras: mestra é aqui adjetivo qualificativo puro e simples.
d) E insista-se: um hífen não vale seu emprego...

Você também pode gostar