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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

DIANA LUMI NISHIDA

GUERRA FRIA: A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA NORTE-AMERICANA


UTILIZADA COMO SOFT POWER NO GOVERNO REAGAN

CURITIBA
2018
DIANA LUMI NISHIDA

GUERRA FRIA: A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA NORTE-AMERICANA


UTILIZADA COMO SOFT POWER NO GOVERNO REAGAN

Monografia apresentada como requisito


parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Relações Internacionais, do Centro
Universitário Curitiba.

Orientadora: Dra. Janiffer Tammy Gusso


Zarpelon.

CURITIBA
2018
DIANA LUMI NISHIDA

GUERRA FRIA: A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA NORTE-AMERICANA


UTILIZADA COMO SOFT POWER NO GOVERNO REAGAN

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em


Relações Internacionais, pela Banca Examinadora formada pelos professores:

Orientadora: _____________________________________
Dra. Janiffer Tammy Gusso Zarpelon

___________________________________
Prof. Membro da Banca

___________________________________
Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2018.
À Regina e Alexandre,
indiscutivelmente,
meus alicerces.
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que sempre me instigaram e incentivaram em tudo, agradeço de


coração.
A minha mãe, Regina, em especial, a mulher mais sábia que eu conheço e que, em
minha concepção, é a personificação da resiliência, além de possuir a capacidade
de aturar minhas chatices cotidianas, mesmo à distância, com seu amor peculiar. Ao
meu pai, Mário, eterna presença, cujo coração vale ouro.
A meu namorado, Alexandre, modelo de benevolência e compreensão na minha vida
e verdadeiro anjo na terra, que sem seu suporte eu não poderia chegar até aqui.
Aos professores que me acompanharam em toda a minha formação, desde o ensino
pré-escolar até os desta respeitável universidade, em especial a professora Janiffer
Zarpelon, orientadora deste singelo trabalho e que me ofereceu orientação e
conselho para muito além deste trabalho, agradeço com reconhecimento e honra.
A esta banca examinadora, por moldarem minha visão e por todo ensinamento
compartilhado.
Aos meus colegas e amigos, repletos de afeto e companheirismo, que a sorte e a
faculdade me proporcionaram, agradeço com carinho. Sobressaio à Alinne, minha
primeira amiga curitibana, que desde o início da faculdade esteve ao meu lado e me
amparou nas situações mais árduas que enfrentei durante estes quatro anos.
Aos meus amigos e padrinhos mirandopolenses que, independentemente de nossa
distância, estão repletos de um eterno carinho genuíno.
A todos meus familiares, que consignaram suas expectativas em mim através da
fluidez de boas energias, perseverança e positividade.
Ao UNICURITIBA por me proporcionar suporte e estrutura para a realização deste
curso, agradeço com dedicação e comprometimento.
A todos aqueles que fizeram de mim uma pessoa mais humana – inclusive nas fases
mais inquietantes, agora sou feita de amor e gratidão.
“Nosso cinema conquistou o primeiro lugar
no mundo. Ele reflete nossa civilização para
o estrangeiro. As ideias, as aspirações e os
ideais de um povo livre e da própria
liberdade.”
Franklin D. Roosevelt
RESUMO

No período da Guerra Fria, o mundo se deparou com um clima de tensão nascido


das divergências ideológicas entre EUA e URSS, sobretudo em 1980 na Era
Reagan. A indústria cinematográfica dos Estados Unidos durante este período
influenciou (e impactou) todo o Sistema Internacional, utilizando o cinema como
instrumento de soft power. O objetivo deste trabalho é analisar o uso do cinema por
parte dos Estados Unidos a fim de propagar suas visões e seus interesses sobre os
demais países, tendo como estudo de caso os célebres filmes: Trilogia Rambo
(1982-1985-1988), Rocky IV (1985) e Top Gun (1986). Estes filmes produziram
imagens que sugeriram interpretações político-ideológicas enquadradas desse
contexto utilizadas como ferramentas defensoras e propagadoras do American Way
of Life, como também colaboradoras em sua proposta de vincular às produções
cinematográficas à difusão dessas ideias, promovendo um impacto social
surpreendente que transcende os limites do entretenimento.

Palavras-chave: Soft Power, Guerra Fria, propaganda ideológica, cinema


estadunidense, Reagan.
ABSTRACT

In the period of the Cold War, the world was confronted with a climate of tension born
of ideological differences between the US and the USSR, especially in 1980 in the
Reagan era. The film industry of the United States during this period influenced (and
impacted) the entire International System, using the cinema as an instrument of soft
power. The objective of this work is to analyze the use of cinema by the United
States in order to spread its visions and interests over other countries, having as a
case study the famous films: Trilogy Rambo (1982-1985-1988), Rocky IV (1985) and
Top Gun (1986). These films produced images that suggested political-ideological
interpretations framed in this context used as defensive and propagating tools of the
American Way of Life, as well as collaborators in their proposal to link to the
cinematographic productions to the diffusion of these ideas, promoting a surprising
social impact that transcends the limits of entertainment.

Keywords: Soft Power, Cold War, ideological advertising, American cinema,


Reagan.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 1 – PROPAGANDA NAZISTA ........................................................... 27


ILUSTRAÇÃO 2 – AMERICAN WAY OF LIFE (1937)............................................... 43
ILUSTRAÇÃO 3 – ZÉ CARIOCA E PATO DONALD NA BAHIA .............................. 53
ILUSTRAÇÃO 4 – O CONSUMO E A FAMÍLIA TRADICIONAL NORTE-AMERICANA
.................................................................................................................................. 59
ILUSTRAÇÃO 5 – THE RED ICEBERG .................................................................... 62
ILUSTRAÇÃO 6 – REAGAN COM GORBACHEV EM 1986 ..................................... 68
ILUSTRAÇÃO 7 – RAMBO ....................................................................................... 71
ILUSTRAÇÃO 8 – OS VILÕES TORTURAM RAMBO .............................................. 72
ILUSTRAÇÃO 9 – LUTA URSS X EUA ..................................................................... 75
ILUSTRAÇÃO 10 – APOLLO CREED DE TIO SAM ................................................. 76
ILUSTRAÇÃO 11 – DRAGO E ROCKY .................................................................... 77
ILUSTRAÇÃO 12 – ROCKY CAMPEÃO ................................................................... 78
ILUSTRAÇÃO 13 – O HERÓI MAVERICK ................................................................ 80
ILUSTRAÇÃO 14 – OS ALUNOS TOP GUN ............................................................ 81
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – HARD POWER x SOFT POWER ......................................................... 20


TABELA 2 – FILMES TEMÁTICOS SOBRE GUERRA FRIA .................................... 29
LISTA DE SIGLAS

BBG Broadcasting Board of Governors


ECA Bureau of Educational and Cultural Affairs
EUA Estados Unidos da América
FMI Fundo Monetário Internacional
HUAC House Un-American Activities Committee
MAD Destruição Mutuamente Assegurada
MPAA Motion Picture Association of America
MPD Motion Picture Division
MPSA Motion Picture Society for the America
OCIAA Escritório da Divisão de Assuntos Interamericanos
OWL Office of Wartime Information
SISS Senate Internal Security Subcommittee
SSA Office of Strategic Services
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USIA Agência de Informações dos Estados Unidos
USN U.S. Navy
SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................... 06
ABSTRACT............................................................................................................... 07
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ....................................................................................... 08
LISTA DE TABELAS ................................................................................................ 09
LISTA DE SIGLAS .................................................................................................... 10
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
2 RELAÇÕES INTERNACIONAIS E CINEMA: CONCEITOS .................................. 15
2.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PODER ......................................................... 15
2.2 DISTINÇÕES ENTRE HARD POWER E SOFT POWER ................................... 18
2.3 O PAPEL HISTÓRICO DO CINEMA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ...... 23
2.4 TEORIAS DA COMUNICAÇÃO SOBRE A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA .. 29
3 AS RELAÇÕES CULTURAIS DO CINEMA ESTADUNIDENSE E A
PROPAGAÇÃO DO AMERICAN WAY OF LIFE...................................................... 35
3.1 DIPLOMACIA CULTURAL X RELAÇÕES INTERNACIONAIS CULTURAIS ...... 35
3.2 A DIPLOMACIA CULTURAL DOS ESTADOS UNIDOS E A AMPLIAÇÃO DE
SEU SOFT POWER .................................................................................................. 38
3.3 O INÍCIO DO AMERICAN WAY OF LIFE E A CONSTRUÇÃO DO SOFT POWER
ATRAVÉS DO CINEMA ............................................................................................ 42
3.3.1 A origem do mito American Dream .................................................................. 44
3.3.2 O New Deal de Roosevelt e o American Dream na cinematografia singular.... 46
3.3.3 O soft power da Segunda Guerra Mundial: A Política da Boa Vizinhança e as
Relações Culturais Interamericanas.......................................................................... 49
4 ANÁLISE DO CINEMA ESTADUNIDENSE COMO SOFT POWER NA
PROPAGAÇÃO IDEOLÓGICA DO GOVERNO REAGAN....................................... 54
4.1 A DIFERENÇA IDEOLÓGICA ENTRE EUA x URSS NA GUERRA FRIA .......... 55
4.1.1 A ideologia norte-americana do consumo liberal no bloco capitalista ............. 59
4.1.2 A “Ameaça Vermelha” e o Anticomunismo ....................................................... 61
4.2 A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA NO GOVERNO REAGAN: A
DÉCADA DO CONSERVADORISMO ...................................................................... 65
4.3 MAPEAMENTO DOS FILMES E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ESCOLHA
DOS FILMES ANALISADOS ..................................................................................... 68
4.3.1 Trilogia Rambo (1982-85-88) ........................................................................... 69
4.3.2 Rocky IV (1986) ................................................................................................ 73
4.3.3 Top Gun (1986) ................................................................................................ 79
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 83
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 89
12

1 INTRODUÇÃO

No período da Guerra Fria, o mundo estava sob um clima de tensão dividido


em duas visões antagônicas ideológicas entre Estados Unidos (EUA) e União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) até 1991. A última década da Guerra Fria,
em específico, também se mostrou turbulenta, na qual os Estados Unidos viveram
um período de ascensão de um projeto conservador, que concomitante se tornava
dominante nos campos político, social, econômico e cultural, acentuado no período
dos governos de Ronald Reagan (1981 – 1989). Entretanto, a partir de meados dos
anos 1980, devido à distensão acordada pelo presidente e Gorbatchev, caminhou-se
para o fim da Guerra Fria e a desintegração do próprio Sistema Internacional bipolar
de poder.
Buscamos corresponder neste trabalho de que maneira a Guerra Fria foi
apresentada na indústria cinematográfica, cujos filmes de maior bilheteria nos
Estados Unidos na década de 1980 foram utilizados como instrumento de
propagação de Soft Power diante do Sistema Internacional. É através desse
conceito de Soft Power, proposto por Joseph Nye, que se iniciará a análise da
aplicação acerca das representações contidas nesse conjunto fílmico como
ferramentas defensoras e propagadoras dos valores e ideais por parte dos norte-
americanos ao resto do mundo, sem demandar o uso de força e coerção.
O cinema - possuidor de um valor cultural imensurável, assim como outras
formas de produções artísticas, se tornou um campo de expressão desses discursos
norte-americanos sendo um instrumento de propaganda e mobilização político-
ideológica durante toda a Guerra Fria. Por isso, é mais do que natural que, ao
encontrarmos convicções política-ideológicas em seus enredos, nos questionamos
como e por qual razão vão afetar a composição do perfil de seus telespectadores e
em suas singulares transmissões culturais.
Para tanto, esta análise procura demonstrar como grande parte da indústria
hollywoodiana estava empenhada em funcionar como propagadora dos sentimentos,
anseios e identidades estadunidenses; do conservadorismo e de valores
anticomunistas e ideológicos, característicos da era Reagan, inseridos em seus
célebres filmes como: Trilogia Rambo (1982-85-88), Rocky IV (1985) e Top Gun
13

(1986), que produziram imagens e sugeriram interpretações político-ideológicas


estadunidenses que se enquadram nesse contexto.
A compilação das produções escolhidas possui heróis como protagonistas
que superam os demais gêneros tanto em números de vendas quanto em alcance
da mensagem que transmitem. Os motivos para isso passam por uma possibilidade
de realização, através dos personagens, das fantasias de seu público-alvo. Além
disso, tais heróis são representações acerca do militarismo, adaptados à realidade
norte-americana do século XX em meio a tantas guerras. Estes enredos são
importantes porque, historicamente, passam mensagens entre gerações, baseando-
se em valores e construções narrativas tradicionais – tal como as figuras
essencialmente conservadoras destes personagens cinematográficos.
A análise destas produções hollywoodianas faz-se essencial nos
procedimentos metodológicos administrados para atingir o objetivo proposto deste
trabalho, de maneira que elementos como as diversas imagens de cenas das
produções escolhidas, serão analisadas sob a luz dos conceitos apresentados,
fazendo parte do panorama cinematográfico destacado. E para este
desenvolvimento, consagrou-se uma coletânea de pesquisa bibliográfica realizada
que incluiu autores, tais como, Joseph Nye, Eric Hobsbawm, Douglas Kellner, Robert
Keohane, além de diversos outros intelectuais que discorrem sobre o assunto.
Também será exercido através de diálogos, interpretações e mensagens inferidas
dos registros audiovisuais, a busca pelas mudanças de discurso em cada um dos
filmes e observando como as representações contidas nesse conjunto podem ser
utilizadas para a constatação de como os ideais dominantes de uma década
puderam se manifestar.
A Guerra Fria é dissecada em valores estadunidenses considerados
essenciais para a compreensão do trabalho, a questão das ideologias perpetuadas
conforme o passar dos anos: o American Dream e o American Way of Life, e
também, os ideais como individualismo, a liberdade e a democracia. Isso nos
permite uma visão panorâmica acerca da cinematografia estadunidense desde o
New Deal de Franklin Roosevelt, passando pela Segunda Guerra Mundial até
chegarmos ao pós-guerra, a Guerra Fria. A percepção da época por parte dos
cinematógrafos foi bem captada, sendo bastante interessante a forma com que estes
acontecimentos apareciam nas histórias, cujo lapso temporal também implica em
14

associações feitas pelos autores entre os eventos, o fator preponderante na


transmissão de mensagens pelos personagens. O recorte temporal é estendido até o
final dos anos 1980 e, por isso, 1989 é o limite cronológico de nosso estudo.
É no primeiro capítulo que será apresentado ao leitor as teorias utilizadas com
conceitos de Relações Internacionais e de Comunicação. A inserção do cinema
também é exposta, bem como a função político-social que as produções
cinematográficas podem exercer. Um histórico da indústria cinematográfica mundial
também é perfilado, com destaque para a produção hollywoodiana. Procuramos,
fundamentalmente, também, mostrar a relação que os filmes exerceram com os
acontecimentos mundiais, mais especificamente a Guerra Fria. A indústria
cinematográfica ressaltava em sua temática, a possível invasão do inimigo em seu
país e, consequentemente, a habilidade norte-americana de lidar acertadamente
com a situação.
Ademais, será no segundo capítulo que estes temas recebem destaque.
Também é demonstrado neste capítulo, a necessidade transparente de
diferenciação entre os conceitos Diplomacia Cultural e Relações Internacionais
Culturais. Em síntese, o primeiro possui um caráter governamental, ou seja, os
Estados irão determinar quais suas políticas acerca da propagação cultural de seu
país. Em contrapartida, independentemente, as Relações Internacionais Culturais
possuem maior autonomia para a exteriorização cultural desempenhada.
Acompanhando as mudanças sociais na Guerra Fria, novas convicções foram
introduzidas ou, mais precisamente, alicerçadas sobre as sociedades: o consumismo
desenfreado e a oposição dos EUA à ideologia comunista, sobretudo, no governo de
Ronald Reagan que retornaria à Doutrina Truman, cuja política serviria como auxílio
aos movimentos anticomunistas no Terceiro Mundo. Por isso, é no terceiro capítulo
que conceitos narrativos são esmiuçados, que a inserção dos valores anteriormente
vistos se encaixa, bem como dos arquétipos e da representação destes nos
enredos. Este capítulo também trata da questão de estabelecimento de um
consenso estadunidense e ocidental para a Guerra Fria, em que a sociedade inteira
estaria em torno de um ideal comum, representando um elemento único.
15

2 RELAÇÕES INTERNACIONAIS E CINEMA: CONCEITOS

A princípio, para melhor compreensão dos conceitos concebidos por Nye,


Hard Power e Soft Power, será realizada uma breve explicação acerca da definição
de poder dentro das Relações Internacionais, servindo como diretriz para a tese
subsequente. Em seguida, após a apreensão das substâncias essenciais para a
compilação deste trabalho, seguiremos à inserção da indústria cinematográfica, que
ao ser possuidora de concepções político-ideológicas, resultam em uma geração
transmissora dentro do Sistema Internacional.
Fazendo alusão a esse tema, ainda, será apurado um breve histórico do
cinema mundial e, também, será disposto os parâmetros iniciais do cinema
estadunidense, que irão dar vida ao objeto central deste estudo: o desempenho
desta indústria nos anos 1980 de Ronald Reagan em meio à Guerra Fria.
Finalmente, também serão expostas diversas teorias da comunicação que procuram
visar explicações circunstanciais do ambiente cinematográfico e seus consequentes
impactos dentro de uma sociedade.

2.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PODER

O conceito de poder é uma questão deveras complexa de ser respondida,


uma vez que não existe um entendimento singular que tenha um amplo consenso
entre os teóricos de Relações Internacionais, fomentando diferentes controvérsias
em distintas vertentes ou, até mesmo, em perspectivas comuns. (ESTRE, 2011, p.
25) Por essa multiplicidade de acepções concerne ao intelectual admitir o melhor
termo, de maneira que a definição de poder não será absoluta. Além disso, as
definições estão sujeitas às mudanças históricas e político-sociais presentes no
Sistema Internacional.
16

Para Robert Dahl em “The Concept of Power”1 (1957), o conceito de poder é


dado como antigo e onipresente na teoria social, uma vez que se for necessário
encontrar documentos sobre este tema, pode-se utilizar grandes nomes de
pensadores que vão desde Platão e Aristóteles, passando por Maquiavel e Hobbes,
até Pareto e Weber. Assim, demonstra-se uma enorme atenção ao assunto e os
fenômenos associados a ele. (Apud RODRIGUES, 2015, p. 11)
E ainda, é descrito por Dahl (1957) uma ideia de como seria o poder: “A tem
poder sobre B na medida em que tem condições que levam B a fazer algo que, caso
contrário, não faria2”. (Apud RODRIGUES, 2015, p. 11) O exercício do poder
dependeria do resultado da ação, em que A consegue efetivamente fazer com que B
realize algo que não estaria disposto a fazer em outras circunstâncias. Logo, é
quando A irá determinar o comportamento de B. (ABU-EL-HAJ, 2014, p. 11)
Asseverando a veracidade da afirmação, Dahl (1957) identifica alguns recursos para
a obtenção do poder:

A base do poder de um ator consiste em todos os recursos - oportunidades,


atos, objetos, etc. - que ele pode explorar para efetuar o comportamento de
outro. (...) Algumas das possíveis bases do poder de um presidente sobre
um senador são seu patrocínio, seu veto constitucional, a possibilidade de
convocar conferências da Casa Branca, sua influência com o eleitorado
nacional, seu carisma, seu charme e coisas do gênero. 3 (DAHL, 1957, p.
203, tradução nossa)

Já para Nye (2004a), a ideia mais popular de poder entre os políticos práticos
e pessoas comuns é aquela em que consideram um país poderoso quando tem um
enorme território, recursos naturais extensos, força econômica e militar relevantes,
estabilidade social e é densamente povoado. “A virtude dessa segunda definição é

1 Tradução nossa: O Conceito do Poder.


2 Originalmente: “A has power over B to the extent that he can get B to do something that B would not
otherwise do.”
3 Originalmente: “The base of an actor's power consists of all the resources - opportunities, acts,

objects, etc. - (...) A study of the war potential of nations is also a study of the bases of power. Some
of the possible bases of a President's power over a Senator are his patronage, his constituional veto,
the possibility of calling White House conferences, his influence with the national electorate, his
charisma, his charm, and the like.”
17

que ela faz com que o poder pareça mais concreto, mensurável e previsível.” 4 (NYE,
2004a, p. 3, tradução nossa)
No entanto, para o autor, essa definição também encontra problemas, pois
quando os indivíduos pensam no poder apenas como sinônimo dos recursos que
possuem, vão se deparar com a contradição em que os Estados mais dotados de
poder nem sempre conseguirão os resultados que almejam. As forças da
globalização na economia e a revolução da informação global são características
que impactam para a mudança de poder, uma vez que com o tempo, a tecnologia se
proliferará por diversos outros Estados e suas populações. Como exemplo, Nye
(2004a) cita quando os Estados Unidos perderam a Guerra do Vietnã, mesmo que
possuíssem mais recursos naquele momento do que seu rival. (NYE, 2004a, p. 3)
Dessa forma, este conceito tradicional de poder em que os recursos militares
seriam a maneira mais eficiente de medir o poder de um ator, não corresponde ao
proposto por Keohane e Nye (1989) quando produziram a obra “Power and
Interdependence”.5 Para eles, o poder seria a capacidade de um ator de fazer com
que os outros façam algo, caso contrário, não o fariam (e também a um custo
aceitável para o outro). O poder também pode ser obtido quando dispõe de controle
sobre os resultados das negociações. (KEOHANE & NYE, 1989, p.11)
Logo, os recursos militares não seriam suficientes e nem seriam aplicados de
maneira adequada em relação às mudanças dentro do contexto internacional. Além
disso, seria necessário saber qual o potencial do ator para influenciar o resultado
das negociações, bem como, o processo de barganha (ESTRE, 2011, p. 26), ou
seja, como essas capacidades são aplicadas.
Ademais, o cientista político Nye em sua obra isolada (2004a), se aproxima
dos conceitos observados por Robert Dahl (1957), bem como continua com a ideia
adquirida em sua obra anterior com Keohane (1989). Dessa forma, os teóricos
acreditam que os comportamentos dos atores são necessários para adquirir poder,
tal que:

4 Originalmente: “The virtue of this second definition is that it makes power appear more concrete,
measurable, and predictable.”
5 Tradução nossa: O Poder e a Interdependência.
18

O poder é a capacidade de influenciar o comportamento dos outros para


obter os resultados desejados. Mas existem várias maneiras de afetar o
comportamento dos outros. Você pode coagi-los com ameaças; você pode
induzi-los com pagamentos; ou você pode atrai-los e cooptá-los para que
eles queiram aquilo que você quer.6 (NYE, 2004a, p. 2, tradução nossa)

Não há pretensão neste trabalho de aprofundar a discussão conceitual acerca


das diferentes correntes teóricas, e, portanto, apenas é necessário distinguir
algumas visões sobre este tema. Para isso, o que interessa para nossa pesquisa é
trabalhar com a abordagem pautada no comportamento e interação entre os atores,
não evidenciando aquela em que se baseia, essencialmente, nas capacidades
materiais dos Estados. (RODRIGUES, 2015, p.12) Em síntese, será utilizado os
conceitos de Nye (2002, 2004a) em relação ao poder, ramificado em dois âmbitos
distintos: Hard Power7 e Soft Power8.

2.2 DISTINÇÕES ENTRE HARD POWER E SOFT POWER

É introduzido o conceito de Soft Power por Joseph Nye no final dos anos
1980, que foi originado do debate acadêmico das Relações Internacionais e
publicado pela primeira vez em um artigo para a “Foreign Policy”9 em 1990, sendo
melhor desenvolvido em suas obras posteriores (2002, 2004a, 2004b). A partir dessa
obra, viu-se uma crescente introdução do termo soft power em discursos políticos,
na cultura e na mídia dos países – sobretudo naqueles considerados influentes em
propagá-lo.
De acordo com Nye (2004a), Hard Power e Soft Power são conceitos que se
relacionam, pois ambos são características para descrever a habilidade de um ator
político (como o Estado) para atingir um objetivo específico ao afetar o
comportamento ou interesses de outros atores no Sistema Internacional.

6 Originalmente: “Power is the ability to influence the behaviour of others to get the outcomes one
wants. But there are several ways to affect the behaviour of others. You can coerce them with threats;
you can induce them with payments; or you can attract and co-opt them to want what you want.”
7 Tradução nossa: Poder forte. Será adotado o termo em inglês neste trabalho.
8 Tradução nossa: Poder brando. Será adotado o termo em inglês neste trabalho.
9 Tradução nossa: Política Externa.
19

No entanto, são conceitos antagônicos, em que a distinção entre eles é feita


de acordo com os recursos utilizados e o comportamento adquirido a fim de obter os
resultados desejáveis. No hard power faz-se uso dos poderes econômico, militar, de
guerra ou formação de aliança através de ameaças, força, barganha, diplomacia
coerciva, intimidação e segurança. A questão econômica também pode ser utilizada,
sob a forma de ajuda financeira, subornos e sanções de economia para induzir ou
coagir. Para o autor:

Soft power não é um mero sinônimo de influência. Afinal, influência também


pode ser exercida através do hard power, via ameaças ou pagamentos. E
soft power é mais do que simples persuasão ou habilidade de convencer
pessoas através de argumentos, embora esta seja uma parte importante
disso. É também a capacidade de atrair, e atração geralmente leva à
aquiescência. Simplificando, em termos comportamentais soft power é
um poder de atração. Em termos de recursos, os recursos de soft power
são considerados os ativos capazes de produzir tal atração. (NYE, 2004a, p.
6, tradução nossa, grifo nosso)10

O soft power, então, contrasta com o hard power, ao influenciar outros atores
a fazer aquilo que se deseja pela atração, e não mais através da coerção. Portanto,
diz-se que é exercido o poder de um ator sobre o outro por intermédio de meios
como a diplomacia e política externa, a cooptação, a atração, a cooperação, os
meios de comunicação e a influência cultural, como pode ser percebido no quadro
de classificação de hard e soft power:

TABELA 1 – HARD POWER x SOFT POWER

10 Originalmente: “Soft power is not merely the same as influence. After all, influence can also rest on
the hard power of threats or payments. And soft power is more than just persuasion or the ability to
move people by argument, though that is an important part of it. It is also the ability to attract, and
attraction often leads to acquiescence. Simply put, in behavioral terms soft power is attractive power.
In terms of resources, soft-power resources are the assets that produce such attraction.”
20

Hard Soft
Configuração
Espectro de Coerção Indução da agenda Atração
Comportamentos Comando
Cooptação

Recursos Mais Prováveis Forças militares Instituições


Subornos de pagamentos Valores
Políticas de Cultura
Fonte: Adaptado de Nye, 2004, p. 7.

Também é destacado por Joseph Nye (2002), a importância que o soft power
adquire no mundo moderno, uma vez que a capacidade tecnológica de espalhar a
informação é maior do que em qualquer outra época da história. Muitas vezes é
possível alcançar resultados sem necessariamente fazer uso de instrumentos
militares e econômicos, por mais que essas características tenham uma alta
efetividade. (NYE, 2002, p. 05) Logo, tem-se uma diminuição do foco nas forças
militares, ou seja, fatores como a educação, tecnologia e crescimento econômico
estão crescendo em sua relevância no conceito de poder.
É nesse âmbito que Nye (2004a) divide o soft power de um país em três
fatores básicos, tais: (1) sua cultura, assim como os países que a atraem; (2) seus
valores políticos, internos ou externos e (3) sua política externa, quando vista como
legítima e autoridade moral (NYE, 2004a, p. 11). Portanto, na política internacional, o
soft power advém de valores apresentados na cultura de uma nação e suas práticas
internas, de suas políticas e da forma como lida com os outros (NYE, 2004a, p. 08).
Cultura, de acordo com o Dicionário Houaiss (2015), pode ser definida como
“conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes,
atividades etc. de um grupo social”. Dessa forma, foi percebido que o fator cultural
poderia exprimir uma certa influência em âmbito global, uma vez que o produto
cultural apresentava valores e visões de mundo particulares. Logo, a sua difusão
pelo mundo contribuiria para a consolidação de interesses de uma nação específica
dentro do Sistema Internacional. (HOUAISS, 2015)
Assim sendo, o Estado é a fonte primordial no processo de aproximação
cultural dentro do Sistema Internacional. Ao assegurar e facilitar os fluxos de trocas
culturais, suas interligações culturais serão pluralizadas, podendo superar barreiras
tradicionais entre os povos, estimular e difundir conhecimentos e negociar alianças
21

com os outros atores. Constata-se, então, que essas nações passam a se beneficiar
de diversas áreas globais como: diplomáticas, políticas, econômicas, comerciais,
assim como outros setores que a política externa de um país proporcione (RIBEIRO,
2011, p. 24).
Exemplificando, sob esse prisma, é possível observar que os EUA
expressaram um domínio dentro do plano internacional, no que se refere aos
valores, ao estilo de vida, a propagação da democracia estadunidense e a cultura,
ao exportarem essas particularidades internas para todos os países. Ouriveis (2013)
relaciona essa cultura norte-americana e sua posterior disseminação para o mundo:

Com um olhar superficial, o soft power pode ser visto como o poder pela
cultura, porém a apreensão mais a fundo desse conceito só será possível
quando trabalhados os elementos que compõe esse poder, quais são os
mecanismos que o fazem funcionar e qual o alcance dele. A cultura norte-
americana está presente em todos os países do mundo, ultrapassa
barreiras territoriais e agrada espectadores de diversas nacionalidades.
(OURIVEIS, 2013, p. 170, grifo nosso)

Nesse sentido, é apontado por Almeida-Santos (2012) que a dominação


cultural consiste em analisar a consolidação de padrões culturais, transcendendo as
fronteiras nacionais e adquirindo um status de cultura internacional. Dessa maneira,
pode-se afirmar que a influência cultural norte-americana, sobretudo pelos valores
populares norte-americanos, como o American Way of Life11 que foi perpetuado e é
conhecido em todos os países. (ALMEIDA-SANTOS, 2012)
Assim, por mais que seus habitantes nunca tenham saído de sua terra natal,
todos conhecem o estilo de vida, a indústria musical, o cinema hollywoodiano, as
práticas, o sistema educacional, o regime de trabalho, o sistema político, a moda, as
empresas multinacionais, dentre outras características estadunidenses. Além disso,
outros elementos dominantes no âmbito interno são difundidos e exportados pela
globalização, como a democracia, liberdade, consumismo e respeito aos direitos
humanos.
O excesso dessa influência cultural depende, também, da maneira como os
países receptores os aceitam, sendo que muitas nações adotam esses valores

11 Tradução nossa: Modo Americano de Vida.


22

norte-americanos como seus, mesmo se estas características forem incompatíveis


com a realidade de sua nação ou prejudiciais aos interesses locais. Nye (2004a)
denominou cooptação a habilidade de induzir o que os outros desejam por meio da
atração que advém de sua cultura ou da capacidade de determinar a agenda.
Nye (2004a) também defende que os países, ao utilizar soft power, às vezes
tem influências políticas maiores do que suas capacidades militar e econômica. Isso
ocorre, porque incluem fatores de atração em sua definição de interesse nacional,
como ajuda econômica às nações menos favorecidas ou promoção da paz (Nye,
2004a, p. 9). Como exemplo:

Quando o governo talibã caiu no Afeganistão em 2001, o ministro indiano


das Relações Exteriores voou para Cabul para receber o novo governo
interino em um avião que não estava cheio de armas ou comida, mas
repleto de filmes e música de Bollywood, que foram rapidamente
distribuídos pela cidade. (Nye, 2004a, p. 10, tradução nossa)12

Ainda segundo Nye (2004a), frequentemente a produção dos filmes transmite


os ideais de uma maneira muito mais poderosa do que as palavras, sendo
Hollywood o maior produtor e exportador destes valores visuais em todo o Sistema
Internacional. O cinema emergiu nos Estados Unidos exatamente enquanto o país
se tornava uma potência em nível mundial. Logo, se tornou parte das ambições
estadunidenses e de sua política interna e externa. É nesse âmbito que o autor
expõe em sua obra o comentário de um ex-ministro francês:

Foi um ex-ministro das Relações Exteriores francês que observou que os


americanos são poderosos porque podem "inspirar os sonhos e desejos dos
outros, graças ao domínio das imagens globais através do cinema e da
televisão e porque, por essas mesmas razões, um grande número de
estudantes outros países vêm para os Estados Unidos para concluir seus
estudos. (NYE, 2004a, p. 8, tradução nossa)13

12 Originalmente: “When the Taliban government fell in Afghanistan in 2001, the Indian foreign minister
flew to Kabul to welcome the new interim government in a plane not paced with arms or food but
crammed with tapes of Bollywood movies and music, which were quickly distributed across the city.”
13 Originalmente: “It was a former French foreign minister who observed that the Americans are

powerful because they can "inspire the dreams and desires of others, thanks to the mastery of global
images through film and television and because, for these same reasons, large numbers of students
from other countries come to the United States to finish their studies.”
23

Por conseguinte, percebe-se que o potencial do cinema norte-americano


como manifestação, ou um meio, de soft power possui aspectos que não devem ser
ignorados. A habilidade de certos filmes moldarem atitudes, comportamentos e
fatores ideológicos (por meio de um contexto histórico, social, político e econômico)
podem ser evidenciados como parte significativa do sucesso de bilheterias
alcançado na indústria cinematográfica estadunidense (FURHAMMAR; ISAKSSON,
2001, p. 52).

2.3 O PAPEL HISTÓRICO DO CINEMA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

As questões culturais ganharam maior força nas relações entre os Estados,


ao final do século XX, quando novas questões e interações, diferentes abordagens e
acontecimentos históricos ascenderam dentro das Relações Internacionais
(FREITAS, 2014, p. 67), bem como o próprio crescimento das Relações
Internacionais como uma área de estudo. Foi percebido, dessa forma, que o fator
cultural poderia exprimir uma certa influência em âmbito global, uma vez que o
produto cultural apresentava valores e visões de mundo particulares.
O cinema, uma das maiores expressões culturais e uma potente forma de
comunicação, é considerado “A Sétima Arte”, termo estabelecido pelo intelectual
italiano Riccioto Canudo,14 que via de regra, continuaria a ser muito utilizado e
adotado até hoje. (LA CARRETTA, 2005, p. 26) Ademais, pode-se analisar nos
filmes um fragmento da memória audiovisual daqueles que produziram ou foram
retratados na película, como afirma La Carretta (2005):

O filme pode e deve ser entendido como uma poderosa ferramenta, um


arquivo de valor cultural e histórico da humanidade, capaz de resgatar
identidades de grupos e épocas, como numa revisitação do passado de
uma cultura. Entende-se então o filme como documento histórico, incluindo

14Ricciotto Canudo foi um teórico italiano e crítico de cinema. Deu, ao cinema, o título de “a Sexta
Arte” em seu ensaio mais reconhecido chamado “Manifesto das Sete Artes e Estética da Sétima
Arte”, publicado em 1923.
24

a produção de ficção: os veículos, os figurinos, os objetos de cena, a


paisagem natural e urbana – tudo, e mesmo o imaginário criado na tela,
está impregnado e marcado pela época na qual o filme foi rodado. (LA
CARRETTA, 2005, p. 17)

Dessa forma, segundo Hueso (1998) o cinema é classificado como uma das
principais indústrias de entretenimento atuando com mais ênfase no século XX,
momento em que as massas populares vão conquistar um papel decisivo,
proliferando enormemente em todos os campos da vida sociopolítica. (Apud
JUSDADO, 2009, p. 8)
Logo, a sociedade estará representada de acordo cada época, ou seja,
fatores como: o momento político, a economia e o ambiente social, irão influenciar o
rumo da população de uma forma ou de outra. (JUSDADO, 2009, p. 8) O historiador
José Florit (1997) assegura esse pensamento ao afirmar:

Um filme é sempre uma fonte de informação sobre o tempo que foi


feito. Roteiro, direção, montagem, processo de produção e sistema de
financiamento são elementos muito significativos da sociedade em que cada
produção cinematográfica nasceu e foi consumida. E o sucesso ou o
fracasso de um público de cinema nos dizem muito sobre a opinião pública
dominante no momento em que ocorrem. (Apud JUSDADO, 2009, p. 13,
tradução nossa, grifo nosso)15

Para o sociólogo, Siegfried Kracauer (1947), a sétima arte pode ser pensada
como um reflexo da opinião pública mais do que outros meios artísticos, uma vez
que os filmes são preparados por um trabalho em equipe, o que não vai resultar em
opiniões de uma única pessoa. Além disso, ainda mais do que os livros, os filmes se
dirigem para uma multidão anônima, portanto, podem satisfazer os desejos e
expectativas de muitos que são esclarecidos no assunto. (KRACAUER, 1947, p. 5)
Sob esse prisma, o cinema, além de uma atividade cultural e artística, é
também uma prática política significativa, pois possui uma alta capacidade de
alcance e influência no âmbito nacional, bem como no internacional (FARANI, 2009).

15 Originalmente: “Una película es siempre una fuente de información sobre el momento que fue
realizada. Guión, dirección, montaje, proceso de producción y sistema de financiación son elementos
muy significativos de la sociedad en la que nació y fue consumida cada realización cinematográfica. Y
el éxito o fracaso de público de un film nos dicen mucho sobre la opinión pública dominante en el
momento en que se producen.”
25

O seu contexto de produção pode caracterizar-se pelo vasto repertório de


particularidades do contexto interno de um país, revelando desde desejos e
opiniões, até medos e obsessões populares.
Em síntese, a produção cinematográfica de cada época assimila o ambiente
sociopolítico no qual está inserida, de maneira que ideias, sentimentos e parâmetros
sociopolíticos podem ser exprimidos em um trabalho cinematográfico, mesmo que
essa não seja a intenção inicial, como é demonstrado por Jean Patrick Lebel (1989):

Esse fenômeno ocorre devido ao processo de produção de um filme, pois


há elaboração, acumulação, formação e produção de ideologia. E se este
conteúdo ideológico reproduz a ideologia dominante, é porque ela exerce
todo o seu peso sobre aqueles que realizam e consomem os filmes. (Apud
VALIM, 2006, p. 30)

Por conseguinte, os filmes refletem significados não apenas para a


comunidade local, mas também para as sociedades de outros países. Assim, ao
mostrar conteúdo do dia-a-dia, modos de vida, atitudes e características de
determinados grupos sociais, essas imagens tendem a induzir os telespectadores a
acreditar no que é assistido, de maneira que consideram como verdades absolutas
as apresentações de lugares, valores e os modos de vida das pessoas. (VALIM,
2006, p. 31)
Pode ser observada a reprodução desses valores no uso da indústria
cinematográfica durante as duas Grandes Guerras, assim como no período da
Guerra Fria (1947-1991), caracterizada como uma disputa política-militar, ideológica,
tecnológica, econômica e geopolítica.
Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) se iniciava o potencial do cinema
paralelamente à sua audiência por meio dos avanços técnicos e artísticos que
geravam novas formas de influenciar o público, bem como as novas técnicas que
levavam a novas demandas (FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p. 7). Mas foi na
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que o uso do cinema se tornou mais
significativo, atuando como uma arma política e instrumento de propaganda
ideológica pela Alemanha Nazista (SANTOS, 2012, p. 6), o que o próprio Hitler
afirmou:
26

[...] teatro, a arte, a literatura, o cinema, a imprensa, os anúncios, as vitrines,


devem ser empregados em limpar a nação da podridão existente e pôr-se a
serviço da moral e da cultura oficiais. E, em tudo isso, o objetivo único deve
ser a conservação da saúde do povo, tanto do ponto de vista físico como do
intelectual. A liberdade individual deve ceder o lugar à conservação da raça
(HITLER, 2017)

No início da guerra, foram produzidos pelo órgão de Propaganda Nazista, Der


Angriff16 e sob o comando de Paul Joseph Goebbels (que atuou tanto como Ministro
da Propaganda Nazista como patrono do cinema alemão), vários filmes com
características nacionalistas. Assim, a primeira ação mencionada por Hitler seria não
exibir mais os filmes alemães que contradissessem com a ideologia nacional-
socialista (SILBERMAN, 2007, p. 98)
A produção desses filmes se direcionava de maneira eficiente para meios
coercitivos, por meio da divulgação de imagens, distraindo a atenção para uma
possível derrota do exército alemão (SANTOS, 2012, p. 5), sendo utilizados até
mesmo quando o conflito já estava caminhando para o seu fim (VIRILIO, 1993, p.
15).
Para Goebbels, os filmes de entretenimento desempenhariam um papel
político e também afastariam as pessoas das preocupações do cotidiano, deixando-
as entretidas. Dessa maneira, todos os filmes produzidos deveriam se concentrar
nas emoções, e não em informações, para que a imagem de Hitler fosse vista como
um homem que se sacrificou pela nação (SANTOS, 2012, p. 6). Para tal, o Ministro
da Conscientização Pública e Propaganda impunha aos diretores das salas de
cinema que projetassem curtas-metragens ideológicas, muitas vezes mediante
violência (VIRILIO, 1993, p. 44).
Portanto, a presença de Goebbels, através de técnicas de propagandas que
auxiliaram na produção de uma quantidade grandiosa de filmes que enalteciam o
racismo e o ódio aos estrangeiros, foi fundamental para a construção da imagem do
Führer de ilustre orador que seduzia e conquistava milhares de pessoas por onde
passava, consolidando o III Reich, como Valéria Santos sintetizou:

16 Tradução nossa: O ataque.


27

O projeto de Goebbels foi grandioso e revolucionário, pois fez de um chefe


de Estado um ilustre e inesquecível personagem de cinema, pensando nas
aparições, aparência e encenações. Hitler foi um ator dirigido por Goebbels,
que comandou ações que marcaram para sempre a propaganda política do
século XX. (SANTOS, 2012, p. 8)

ILUSTRAÇÃO 1 – PROPAGANDA NAZISTA

Fonte: CARNEIRO, 2012, p. 45.

O cartaz acima de 1940 é uma propaganda nazista que evidencia a


importância da contribuição do povo alemão para vencerem seus inimigos, cuja
mensagem significa: Você é o front. Foi através desta representação popularmente
positiva acerca da figura de Hitler, bem como as campanhas administradas pelo
governo que estimulavam a população a serem públicos presentes nas salas de
cinema, que, em 1942, a indústria cinematográfica representou o segundo lugar dos
maiores mercados de cinema do mundo, bem como possuía os melhores estúdios e
técnicas do continente europeu.
À vista disso, Silberman (2007, p. 100) expõe que, após 1943, se a Segunda
Guerra Mundial não tivesse assolado tanto a capacidade dos estúdios de produção
alemães, “teria se tornado uma fonte lucrativa de arrecadação estatal e a única
28

concorrente séria de Hollywood”, uma vez que estavam próximos do cinema norte-
americano até mesmo em relação às tecnologias de cores e tridimensionalidade.
As revistas, jornais, best-sellers, anúncios e outros produtos da vida cultural
de um povo geram informações valiosas sobre as atitudes predominantes e
tendências internas generalizadas. Mas as produções cinematográficas excedem
essas fontes. (KRACAUER, 1947, p. 6)
Ao que Erwin Panofsky (1947), em uma palestra, denominou como a
"dinamização do espaço". Devido às diversas atividades de filmagem, gravação,
corte e muitos dispositivos especiais, os filmes são capazes de explorar todo o
mundo visível, ou seja, o espectador está em movimento permanente, assim como
os seus olhos que acompanham as mudanças da lente da câmera conforme muda a
distância e direção. E a área apresentada na filmagem também é tão móvel quanto o
próprio receptor, não são somente os corpos sólidos que se movimentam no espaço,
mas o próprio espaço se desloca, mudando, dispersando e solidificando. (Apud
KRACAUER, 1947, p. 6) Se esta afirmação se aplica a qualquer outra forma de
criação artística, permanece o fato de que, devido à sua dimensão visual, o cinema
é, sem dúvida, o melhor representante dessas disposições. (DESPLANQUE, 2015,
p. 7)
Durante a Segunda Guerra Mundial, no cinema norte-americano, as imagens
dos alemães nazistas foram representadas como inimigos nos enredos de seus
filmes. Ademais, houve uma substituição durante a Guerra Fria: estes inimigos, uma
vez vencidos, se tornaram aliados, ficando o papel de ameaça da nação
estadunidense para os russos e comunistas. (FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p.
67)

TABELA 2 – FILMES TEMÁTICOS SOBRE GUERRA FRIA


29

5 FILMES SOBRE A GUERRA FRIA DE MAIORES


BILHETERIAS

NÚMERO DE FILMES
4

0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991
ANO

Fonte: Adaptado de Silveira; Alves, 2018, p. 66.

Também neste período foi marcado pela polarização pautado na disputa entre
Estados Unidos e União Soviética, cuja premissa era disputar duas distintas áreas
econômicas, políticas e ideológicas: o Socialismo e o Capitalismo. Para Valantin
(2005), a união do cinema e do debate estratégico tem uma história cíclica, cujo
começo foi marcado no início da Guerra Fria através da produção de ameaça
ocasionada pelas relações com a União Soviética como veremos adiante.

2.4 TEORIAS DA COMUNICAÇÃO SOBRE A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA

Pode-se dizer que o cinema adquiriu um caráter de meio de massa de forma


acelerada, uma vez que se propagou para inúmeras populações, inclusive em zonas
rurais. Isso se deve, em grande parte, à condição de preenchimento de lazer (ou
tempo livre de trabalho), que os filmes proporcionaram aos trabalhadores e suas
famílias. Além disso, McQuail (2012) afirma que havia uma tentativa de “escapar da
realidade monótona para um mundo mais glamouroso, o desejo de estar em
narrativas fortes, a busca de modelos e heróis.” (MCQUAIL, 2012, p. 38), o que
ratifica a rápida popularização do cinema.
Isto posto, ao utilizar o cinema para disseminar de forma mais atraente as
teorias da comunicação, pode-se notar que tanto a história, como os processos,
suas tecnologias ou, até mesmo, as próprias teorias da comunicação, irão variar
amplamente de acordo com diferentes pontos de vista obtidos. Ou seja, não existe
30

uma única teoria da comunicação e muito menos inexiste uma única história.
(HOHLFELDT, 1999, p. 139)
A preocupação com os efeitos dos meios de comunicação nasceu nos anos
posteriores à Primeira Guerra Mundial, período marcado por reformas sociais e que
houve a necessidade de desenvolver uma pesquisa sobre a influência que a mídia
exercia sobre crianças e jovens para acentuar o debate público. Surgiu, em 1933, o
relatório em doze volumes do Payne Fund, no qual psicólogos, sociólogos e
educadores começaram a se questionar a fim de obterem resultados sobre os
efeitos do cinema em relação ao conhecimento de culturas estrangeiras, nas
atitudes e no comportamento violento das crianças. (MATTELART, 2010, p. 41)
Dessa forma, será destacado sucintamente neste trabalho algumas das
teorias da comunicação que procuram abordar o cinema e seus efeitos dentro de
uma sociedade (ou opinião pública),17 assim como de que maneira vão influenciar no
modo de vida, na interação social e na cosmovisão de cada indivíduo.
Uma das contribuições para a pesquisa sobre os meios de comunicação
surge com um campo de estudos denominado Mass Communication Research,
originado nos Estados Unidos através da Escola de Chicago18, que constituía em
métodos, abordagens e autores variados, indo desde a engenharia das
comunicações até a psicologia e sociologia. (ARAÚJO, 2007, p. 120)
Dentre essas teorias, destaca-se a Teoria Hipodérmica, proposta por Harold
Laswell19 e influenciada fortemente pela psicologia behaviorista ou comportamental,
em que aplica o esquema estímulo (OLIVEIRA, 2014, p. 36). Através desta teoria,
buscava-se entender os efeitos dos Mass Media20 (Meios de Comunicação Social ou
de Massa) sobre a sociedade (OLIVEIRA, 2014, p. 34). Seu nome faz menção ao
termo “agulha hipodérmica”: os meios de comunicação seriam como uma agulha,
que injetaria suas matérias em uma massa. Ou seja, procurava apontar o efeito ou

17 Opinião pública refere-se à participação popular e crítica da sociedade civil em alguma questão,
geralmente, por meio da mídia.
18 Grupo de pesquisadores da Universidade de Chicago dos Estados Unidos, tais como: Paul

Lazarsfeld, Harold Lasswell, Carl Howland, Kurt Lewin, que surgiu nos anos 20 e contribuiu para as
áreas da sociologia, psicologia social e comunicação.
19 Harold Laswell foi um sociólogo, cientista político e teórico da comunicação norte-americana.
20 Tradução nossa: Mídia de massa.

É um conjunto de técnicas de difusão de mensagens, sejam culturais, informativas ou publicitárias.


Refere-se tanto aos meios de comunicação de massa (rádio, televisão, jornal, imprensa), quanto aos
órgãos ou atividades que difundem a comunicação para a sociedade. Será adotado o termo em inglês
neste trabalho.
31

impacto direto dos conteúdos propagados pelos meios de comunicação sobre os


indivíduos (MATTELART, 2010, p. 37), sem outros fatores interferindo (ARAÚJO,
2007, p. 126) e incitando uma resposta imediata por parte dos receptores que
retornaria como positiva (OLIVEIRA, 2014, p. 34).
Entretanto, houve uma série de críticas relacionadas a essa teoria, como o
indivíduo ser visto como uma massa, ou seja, adquiria um comportamento coletivo
(público, massa, multidão) e não singular. Nesse sentido, Wolf (2001) considera o
conceito de massa como:

A massa é composta de um conjunto homogêneo de indivíduos, mesmo


estando em locais diferentes. São, essencialmente, iguais em pensamento.
Da mesma forma, estão isolados, atomizados, separados geograficamente.
Nas grandes cidades, a televisão, o cinema, o rádio e o jornal substituem a
interação real com pessoas, que acontecia antes nas pequenas vilas.
(WOLF, 2001, p. 25)

O esquema E → R (Estímulo → Resposta) em que sempre haveria um


feedback positivo por parte dos receptores a qualquer mensagem emitida pela mídia
também não é verdadeiro, pois 1) “nenhum indivíduo é um sistema isolado
(atomizado, como diziam os teóricos da Agulha Hipodérmica)” e 2) “os estímulos não
provêm de um único ponto. Na verdade, os estímulos chegam a nós dos mais
variados emissores.” (OLIVEIRA, p. 48) Além disso, não eram considerados fatores
externos, como os culturais, sociais e religiosos, que iriam influenciar o consumidor e
nem as relações interpessoais, ou seja, o indivíduo seria dado como um ser isolado.
Por conseguinte, para promover essa superação do modelo hipodérmico de
forma consolidada, um dos primeiros campos de estudos que surgiu a partir dos
anos 40, foram as investigações da Teoria Empírico-Experimental, conhecida
também como Teoria da Persuasão (ARAÚJO, 2007, p. 126), cujos principais
autores foram Carl Hovland e Harold Laswell.
Partindo dos pressupostos psicológicos individuais que representam as
relações comunicativas, os estudiosos dessa abordagem perceberam que há uma
série de processos psicológicos que atuam entre a ação dos meios e os efeitos
(ARAÚJO, 2007, p. 126). Cada ser humano é diferente um do outro e,
32

consequentemente, manifesta uma relação diferente de acordo com o meio em que


está inserido.
Dessa maneira, buscou-se revisar o processo comunicativo anterior que era
pautado em uma relação mecanicista e imediata entre estímulo e resposta,
evidenciando pela primeira vez na pesquisa sobre os meios de comunicação de
massa, a complexidade dos elementos na relação entre emissor, mensagem e
destinatário. (WOLF, 2003, p. 34) Portanto, os efeitos que os meios de comunicação
em massa trariam não seriam de manipulação, mas sim de persuasão.
Ainda que a abordagem persuasiva se assemelhe bastante à Teoria
Hipodérmica no que se refere aos fatores como a relação causa-efeito e não
apresentar às relações interpessoais, pode-se dizer que há uma descrição mais
desenvolvida. (ARAÚJO, 2007, p. 127) Assim, a abordagem desta teoria é a de que
a mensagem não seria assimilada pelo indivíduo instantaneamente, mas usaria de
filtros psicológicos como as diferentes personalidades individuais, de maneira que,
segundo De Fleur (1970), essas diferenças se manifestariam nos efeitos obtidos
pelos meios de comunicação (Apud WOLF, 2003, p. 35), não obtendo um caráter
uniforme, pois iriam variar conforme cada diferença do indivíduo.
Paralelamente ao surgimento da Teoria da Persuasão, desenvolveu-se um
outro modelo de estudo que procurava sobrelevar à Teoria Hipodérmica: a chamada
Teoria Empírica de Campo ou Teoria dos Efeitos Limitados com ideias tanto
psicológicas (representado por Kurt Lewin), quanto sociológicas (apresentado por
Paul Lazarsfeld). Este modelo marcou a história da pesquisa sobre os Meios de
Comunicação em Massa, uma vez que seus alcances mais significativos continuam
a perpetuar em resenhas críticas da literatura sobre o assunto. (WOLF, 2003, p. 47)
Para tanto, segundo Mauro Wolf (2003), a dificuldade ainda está presente nos
efeitos dos meios de comunicação, mas de forma diferente das teorias
antepassadas. Então, o princípio desta abordagem seria a influência de uma forma
mais global de todos os mass media, assim como das relações sociais, ou seja:

O rótulo “efeitos limitados” não indica apenas uma diferente avaliação da


quantidade de efeitos; indica, igualmente, uma configuração desses efeitos
qualitativamente diferente. Se a teoria hipodérmica falava de manipulação
ou propaganda, e se a teoria psicológica-experimental tratava de persuasão,
esta teoria fala de influência e não apenas da que é exercida pelos mass
media, mas da influência mais geral que perpassa nas relações
33

comunitárias e de que a influência das comunicações de massa é só uma


componente, uma parte. (WOLF, 2003, p. 47)

Dessa forma, a teoria dos Efeitos Limitados complementa a Teoria


Hipodérmica ao conectar os processos de comunicação de massa aos aspectos do
contexto social no momento em que se concretizam. (WOLF, 2003, p. 47)
Nesse sentido, Lazarsfeld preocupou-se, sobretudo, com os fatores de
mediação entre a sociedade e os meios de comunicação de massa. Foi através dos
resultados de um de seus estudos, no qual procurou investigar as razões das
atitudes políticas e individualizá-las, que houve a criação do modelo “two-step flow of
communication.”21 Assim, descobriu-se a existência dos líderes de opinião, que
exerciam função de mediadores entre os meios de comunicação e outros indivíduos
de um grupo social. (WOLF, 2003, p. 53) Portanto, pela primeira vez nos estudos de
comunicação de massa, foram incluídas as relações interpessoais nos efeitos da
comunicação, bem como os contextos sociais nos quais vive a sociedade.
(ARAÚJO, 2007, p. 128)
Não é a finalidade deste trabalho adotar um viés crítico em relação ao tema
proposto, todavia será apresentada uma última abordagem para finalizar este estudo
sobre teorias da comunicação, considerando sua ampla relevância para o
desenvolvimento do meio acadêmico na área comunicacional, bem como cultural.
As teorias críticas, têm a Escola de Frankfurt22 como sua principal matriz nos
conceitos e reflexões desenvolvidos. (FILHO, 2014, p. 57) Theodor Adorno, membro
desta Escola, chegou a aceitar o convite de Lazarsfeld para colaborar no programa
de pesquisas sobre os efeitos culturais em programas musicais no rádio, sob
comando da instituição de análise dos meios de comunicação, Princeton Office of
Radio Research (MATTELART, 2010, p. 76), mas a tentativa foi em vão, uma vez
que ambos possuíam ideias completamente distintas. À vista disso, Adorno através
de seu estudo de programas musicais no rádio, criticava o estatuto da música.

21 Tradução nossa: Fluxo de comunicação em duas etapas. Será adotado o termo em inglês neste
trabalho.
22 Grupo de pesquisadores de teoria social e filosofia, tais como: Theodor Adorno, Max Horkheimer,

Erich Fromm, Hebert Marcuse, Walter Benjamin e Siegfried Kracauer, Jürgen Habermas, associado
ao Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt na Alemanha.
34

Dentro da Universidade de Frankfurt, foi concebido o conceito de Indústria


Cultural por Theodor Adorno e Max Horkheimer. Segundo Wolf (2003, p. 84) o termo
é a “transformação do progresso cultural no seu contrário, a partir de análises de
fenômenos sociais característicos da sociedade americana, entre os anos 30 e os
anos 40.” Dessa maneira, Indústria Cultural substituiu o termo “Cultura de Massa”,
que era utilizado anteriormente para descrever uma cultura que surge
espontaneamente das próprias massas, sendo uma arte popular contemporânea.
(WOLF, 2003, p. 85)
Ou, ainda, a premissa do conceito, segundo Rüdiger é:

Conversão da cultura em mercadoria, ao processo de subordinação da


consciência à racionalidade capitalista, ocorrido nas primeiras décadas do
século XX. Em essência, o conceito não se refere pois às empresas
produtoras, nem às técnicas de comunicação. A televisão, a imprensa, os
computadores, etc., em si mesmo não são a indústria cultural: essa é,
sobretudo, um certo uso dessas tecnologias. Noutras palavras, a expressão
designa uma prática social, através da qual a produção cultural e intelectual
passa a ser orientada em função de sua possibilidade de consumo no
mercado. (RÜDIGER, 2007, p. 138)

Quando a cultura é inserida na sociedade capitalista industrial, tem sua


construção planejada com o intuito de ser um mero produto de consumo do
espectador, alterando assim, a própria individualidade do consumidor. (WOLF, 2003,
p. 87)
Pode-se verificar que há diferentes perspectivas teóricas acerca dos estudos
sobre os efeitos as teorias da comunicação discorrendo sobre a sétima arte, o
cinema. Para tal, ratifica-se a ideia de que não há uma única teoria da comunicação
como amplamente verdadeira, podendo, até mesmo, adotar um foco mais crítico,
caso seja o foco.
35

3. AS RELAÇÕES CULTURAIS DO CINEMA ESTADUNIDENSE E A


PROPAGAÇÃO DO AMERICAN WAY OF LIFE

As relações de trocas culturais obtiveram sua ascensão em meados do século


XX, momento em que diversos governos utilizaram os meios de comunicação e as
produções culturais como mecanismos de propaganda para a difusão de sua
ideologia interna e, também, conquistar apoio das sociedades em massa pelo
mundo afora. (PEREIRA, 2011, p. 2) Dessa maneira, encontramos duas formas de
propagação cultural mais utilizadas pelos Estados: As Relações Culturais
Internacionais e a Diplomacia Cultural. Embora muito semelhantes, não são
propriamente iguais.
Para a explicação do cinema estadunidense dos anos 1980 presente no
terceiro capítulo deste trabalho, faz-se necessário explorarmos, primeiramente,
como são feitas as relações culturais externas dos Estados Unidos com o resto do
mundo e seu intenso uso do soft power. Também procura-se estabelecer o histórico
do país que, mediante a gênese dos ideais propostos pelo American Dream e
American Way of Life, de maneira contínua e progressiva, foram transmitidos por
intermédio dos diversos meios de comunicação, sobretudo, o cinema.

3.1 DIPLOMACIA CULTURAL X RELAÇÕES INTERNACIONAIS CULTURAIS

Os estudos apresentados por Harrison e Huntington (2002) argumentam que


os valores culturais constituem fatores que são extremamente relevantes ao
progresso, o desenvolvimento e a modernização das nações, especialmente porque
influenciam o comportamento das pessoas ao relacionarmos com a economia. (Apud
BURNI, 2016, p. 447) Por consequência, a cultura desempenha um papel
fundamental na posição e caminho de um país dentro do Sistema Internacional.
De acordo com:
36

As relações culturais internacionais estão inseridas em uma dinâmica de


interdependência nacional/local e mundial, refletindo tensões e conflitos
entre identidade global (ou cultura global) e identidade nacional. Dentro do
referido contexto de crescente relevância dos aspectos culturais no cenário
internacional e de recorrentes embates entre cultura nacional e cultura
global, os próprios Estados utilizam da cultura para promoverem seus
interesses de política externa e adquirirem vantagens no sistema
internacional. (BURNI, 2016, p. 447, grifo nosso)

A primeira questão acerca da bibliografia relacionada a este tema é a falta de


um consenso entre diversos estudiosos e as variadas diferenciações terminológicas
acerca do conceito de diplomacia cultural. Além disso, há uma linha tênue com
outras definições relativas, tais como relações internacionais culturais, diplomacia
pública e cooperação cultural. (SPANJEVIC, 2014, p. 15)
Para tanto, a definição mais propagada, e que muitas vezes funciona como o
ponto de partida dos estudos recentes, é aquela desenvolvida pelo cientista político
Milton Cummings (2003), na qual a diplomacia cultural “é a troca de ideias,
informações, valores, sistemas, tradições, crenças e outros aspectos da cultura, com
a intenção de promover a compreensão mútua.”23 (Apud XU, 2013, p. 1)
Para Nicholas Cull (2009), o termo diplomacia cultural surgiu em torno dos
anos cinquenta, em artigos do New York Times, no contexto da Guerra Fria, quando
os EUA perceberam as vantagens proporcionadas pela utilização de estratégias
(Apud SPANJEVIC, 2014, p. 16) que, posteriormente, pode-se observar a diplomacia
cultural como um mecanismo de soft power, no sentido atribuído por Nye.
(MACHADO, 2012, p. 26)
No entanto, não se pode dizer que todo soft power constituirá da diplomacia
cultural, uma vez que esta última será executada na vertente da política externa dos
Estados e suas agências com a intenção de difundir a cultura do país no exterior.
(BURNI, 2016, p. 449) Dessa maneira, a diplomacia cultural pode ser caracterizada
como um instrumento utilizado pelos Estados para adquirir seus interesses nacionais
ao estabelecer vínculos culturais e linguísticos, bem como estimular cooperações
políticas, comerciais e econômicas com outras nações. Neste caso, o Estado é fonte
primordial no processo de aproximação cultural dentro do Sistema Internacional.

23
Originalmente: “Culture may now be said to be the whole complex of distinctive spiritual, material,
intellectual and emotional features that characterize a society or social group. It includes not only the
arts and letters, but also modes of life, the fundamental rights of the human being, value systems,
traditions and beliefs.”
37

Ao assegurar e facilitar os fluxos de trocas culturais, suas interligações


culturais serão pluralizadas, podendo superar barreiras tradicionais entre os povos,
estimular e difundir conhecimentos e negociar alianças com os outros atores.
Constata-se, então, que essas nações passam a se beneficiar de diversas áreas
globais como: diplomáticas, políticas, econômicas, comerciais, assim como outros
setores que a política externa de um país proporcione. (RIBEIRO, 2011, p. 24)
A diplomacia cultural pode compreender e se beneficiar dessas
características, mesmo que indiretamente, não sendo apenas uma mera troca de
valores culturais entre países. Portanto, de acordo com Poletto e Evangelista (2017),
“a diplomacia cultural é um tipo de ação estatal que visa constituir e consolidar o
chamado soft power, espécie de terceira via nas relações entre os Estados
nacionais, ao lado das relações econômicas e militares.”, ou seja, a diplomacia
cultural precisa estar atrelada ao planejamento do Estado, pois será este o agente
que formulará as diretrizes da política externa. (MACHADO, 2012, p. 58) Assim, Xu
(2013, p. 1) considera que "Essencialmente, a diplomacia cultural revela a alma de
uma nação, o que por sua vez cria uma influência inimaginável nas relações
internacionais.”
À luz da característica dos Estados não serem unicamente os atores que vão
utilizar das características culturais em busca de promoção de seus interesses no
Sistema Internacional, é necessário distinguir os conceitos de relações culturais
internacionais e diplomacia cultural, pois:

Quando se pensa em trocas entre diferentes atores não-governamentais e


da sociedade civil ao redor do mundo, como artistas, cientistas, intelectuais,
professores, músicos, entre outros, deve-se falar em relações culturais
internacionais. As relações culturais internacionais se estendem para
além das ações dos governos e suas agências, podendo ser
executadas por atores da sociedade civil (BURNI, 2016, p. 449, grifo
nosso)

O termo relações culturais surgiu a fim de se distanciar em relação ao


conceito de diplomacia cultural, distinguindo-os. Relações Culturais, por sua vez, foi
utilizado, primeiramente, pelos institutos nacionais de cultura europeus (British
Council, Goethe-Institut, Alliance Française), pois necessitava de uma ideia de
38

reciprocidade, que não se encontrava no termo diplomacia. Assim, segundo Fisher


(2008), “as relações culturais buscam benefício mútuo, em vez de vantagem
unilateral - mais diálogo cultural do que monólogo cultural” (Apud SPANJEVIC, 2014,
p. 18) podendo ser realizadas por qualquer agente da sociedade civil. (MACHADO,
2012, p. 58)
O país pioneiro na incorporação da cultura na política externa foi a França,
seguido de Reino Unido e Itália no período entre guerras. (RIBEIRO, 2011, p. 68)
Essas nações dedicam uma parcela de recursos humanos e financeiros para a
função de projetar as trocas culturais no ambiente externo. (BURNI, 2015, p. 451)
Ademais, não há possibilidade de desdenhar a importância das relações culturais
advindas dos Estados Unidos, uma vez que é na cultura que o país vai propagar sua
imagem e seus valores.
Portanto, em síntese, a principal diferença entre as Relações Internacionais
Culturais e a Diplomacia Cultural, é que a primeira visa o benefício mútuo possuindo
a cultura um fim em si mesmo, (BURNI, 2016, p. 450) enquanto a segunda, por meio
de políticas nacionais, estabelece objetivos (de longo prazo) não apenas com
características culturais, mas também políticas, econômicas e comerciais. (BURNI,
2015, p. 450) Dessa maneira, a política externa é alinhada aos outros temas do
ambiente das relações exteriores utilizando as trocas culturais para alcançar com
mais facilidade outros objetivos diplomáticos.

3.2 A DIPLOMACIA CULTURAL DOS ESTADOS UNIDOS E A AMPLIAÇÃO DE


SEU SOFT POWER

A descoberta da magnitude que o cinema traz para difundir fins políticos e


culturais locais dentro do âmbito internacional é primitiva. Logo, os primeiros
esforços relevantes de uma diplomacia cultural estadunidense datam da Primeira
Guerra Mundial (1914-1918), em que se deu início aos filmes que adotava uma
atitude de neutralidade e pacifismo perante uma violência desumana, de maneira
que os cinemas se mobilizaram contra a Alemanha antes mesmo do presidente
Woodrow Wilson (1913-1921) conduzir a nação à guerra. As indústrias
39

cinematográficas do período, por ter ligações financeiras com ramos de negócio que
gostariam de ter os EUA na guerra, aumentaram o número de filmes que eram
dirigidos a fim de moldar opiniões políticas que promovessem um clamor público
para isto. (FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p. 10)
Já na década de 1930, em meio à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os
comunistas da União Soviética e os fascistas na Alemanha e na Itália competiram
para promover imagens favoráveis de seus países e ideologias para públicos
estrangeiros. E no final desta década, o então governo de Franklin Roosevelt ficou
convicto de que a segurança da nação norte-americana dependia de sua capacidade
de falar e conquistar o apoio de pessoas de outros países. Em 1938, o
Departamento de Estado estabeleceu a Divisão de Relações Culturais e a
complementou dois anos posteriormente com o Escritório de Assuntos
Interamericanos, sob a liderança de Nelson Rockefeller, que promoveu ativamente a
informação e a cultura norte-americanas na América Latina. (NYE, 2002, p. 101)
Quando a nação estadunidense decidiu entrar na guerra, a defensiva cultural
do governo tornou-se global intencionalmente. Então, em 1942, foi criado o Office of
Wartime Information (OWL) por Roosevelt, presidente à época, que objetivava lidar
com informações presumivelmente precisas como transformar os produtos de
Hollywood em ferramentas eficazes de propaganda, sugerindo adições ou exclusões
de filmes e negando licenças a outro; enquanto a organização de inteligência, o
Office of Strategic Services (SSA), incluiria a disseminação da desinformação entre
suas funções. (NYE, 2002, p. 102)
Foi somente após a Segunda Guerra Mundial, que a diplomacia cultural
passou a ser um elemento estratégico da política externa dos EUA (MONTIEL, 2010,
p. 18) utilizando muito a instituição denominada United States Cabinet, no qual
Cummings (2003) observou que, ao representar as atividades culturais e trocas de
informações estadunidense, tinha como missão mais relevante explicar as intenções
e os objetivos estadunidenses para o mundo. (Apud KRANZ, 2015, p. 26)
A Agência de Informações dos Estados Unidos (USIA), que existiu de 1953 a
1999, foi uma agência dos Estados Unidos dedicada à diplomacia pública. Seus
objetivos constavam em informar e influenciar as sociedades estrangeiras na
promoção do interesse nacional bem como ampliar o diálogo entre os norte-
americanos e as instituições nacionais e exteriores. (SCHNEIDER, 2004, p. 13) Com
40

a redução do orçamento e da eficácia dos recursos públicos da diplomacia cultural


que resultaram desta consolidação, se refletiu em uma profunda incompreensão no
mundo pós-Guerra Fria, fechando bibliotecas e centros culturais. As discordâncias
sobre onde abrigar a diplomacia cultural dentro do governo dos EUA apontam para
questões fundamentais sobre seu papel nos assuntos externos.
O estabelecimento da USIA como uma agência separada refletia a crença de
que a diplomacia cultural deveria ter independência da política estrangeira.
Entretanto, em 1999, a USIA foi abolida e suas funções foram consolidadas pelo
Departamento de Estado dos EUA, respondendo ao ímpeto oposto - deveria estar
ligada ao aumento da compreensão e apoio às políticas governamentais.
(SCHNEIDER, 2004, p. 15)
Além disso, algumas iniciativas culturais obtiveram sucesso como: o programa
Culture Connect e o Fundo do Embaixador.24 O Culture Connect apoia líderes
culturais e suas equipes a fim de identificar, desenvolver e fornecer parcerias em
projetos internacionais com base em princípios culturais, aproveitando sua
capacidade de construir elos entre as pessoas, instituições e países, além de sua
fundadora, Anaïs Aguerre, incentivar o estudo da diplomacia cultural e da cultura
como soft power nas universidades. (CULTURE CONNECT, 2018) Já o Fundo do
Embaixador juntamente com os colegas de seus países de acolhimento, os
embaixadores, servindo no mundo em desenvolvimento, selecione projetos de
preservação histórica e cultural que satisfazer as necessidades e prioridades locais e
financiá-las com fundos do Fundo do Embaixador. (SCHNEIDER, 2004, p. 23)
Houve várias reorganizações das instituições norte-americanas para a
diplomacia pública ao longo dos anos, que segundo Nicholas Cull (2009) a notável
distância dos novos propulsores da diplomacia cultural em relação ao governo é, ao
invés de ser um problema para a diplomacia, um benefício para sua eficiência, uma
vez que o público poderia ter uma percepção mais receptiva, por perceber que não
está baseado em propaganda ou manipulação estatal. (Apud KRANZ, 2015, p. 27)
Já Para Nye (2006), os governos podem controlar e alterar as políticas
externas e gastar dinheiro com programas públicos de diplomacia, radiodifusão e
intercâmbio. Eles podem promover, mas não controlar a cultura popular. Nesse

24
Inaugurado por Bonnie Cohen durante seu mandato como Subsecretário de Administração do
Departamento de Estado de 1998 a 2001.
41

sentido, um dos principais recursos que produz soft power é amplamente


independente do controle do governo. Tal informação também remete que o
fundamental agente fortalecedor do soft power norte-americano não é o governo,
mas sim os atores particulares, sobretudo as grandes empresas estadunidenses e
os estúdios hollywoodianos e até grupos não-governamentais, ao que Nye afirma
(2002, p. 124): “boa parte desse poder vem de forças societárias que escapam ao
controle governamental.”
Nye (2004b) argumenta que mesmo com a tecnologia e a cultura norte-
americana sendo amplamente mais admirada do que suas políticas, há um descaso
notável dos norte-americanos em relação ao soft power com uma escassez de
recursos proeminente. Ademais, afirma que o “custo combinado dos programas de
diplomacia pública do Departamento de Estado e da transmissão internacional é de
pouco mais de um bilhão de dólares, cerca de 4%” do orçamento de assuntos
internacionais do país. Se o país investisse 1% do orçamento militar no programa da
diplomacia cultural, o investimento já seria quadruplicado (NYE, 2004b). Também
como constatou Schneider (2004, p. 21): “Menos de três milhões por ano é alocado
para enviar artistas americanos para o exterior, em comparação com o orçamento da
França para performances e exposições de mais de seiscentos milhões de dólares.”
É neste momento que se permite estabelecer uma comparação em que,
enquanto os Estados Unidos labutavam com a questão da cultura inserida na política
governamental, outros países separaram os dois tanto filosoficamente, quanto
burocraticamente. Por exemplo, o British Council e o Goethe-Institut, fundados logo
após a Segunda Guerra Mundial, são agências de diplomacia cultural da Grã-
Bretanha e da Alemanha, respectivamente, sendo subsidiadas pelo governo, mas
existindo como agências autônomas. (NYE, 2002, p. 16)
Dado isso, é no pós-Segunda Guerra Mundial e através das grandes
empresas, como McDonalds, Coca-Cola, Ford Motors, General Motors, Walt Disney,
destacadas ao representarem o símbolo do capitalismo estadunidense (SALATIEL,
2008), que será transmitida a difusão do American Way of Life em muitos países, o
que será abordado posteriormente. Assim sendo, é salientado por Nye (2002) que
estes atores desenvolveram o seu próprio soft power, podendo coincidir ou colidir
com as metas externas da política oficial, mas constantemente autônomos e
independentes. (NYE, 2002, p. 40)
42

3.3 O INÍCIO DO AMERICAN WAY OF LIFE E A CONSTRUÇÃO DO SOFT POWER


ATRAVÉS DO CINEMA

A origem do conceito American Way Of Life parece ser incerta diante da


pesquisa historiográfica remissiva, uma vez que Cunha (2017, p. 47) verificou que,
diversos autores citaram as definições e características da sociedade estadunidense
em seus trabalhos, porém sem ainda ter sido sugerido um conceito formal para o
seu uso, ou seja, não haviam utilizado esta conceitualização sobre o estilo de vida
da população norte-americana, não havendo um termo bem estruturado. Portanto, a
definição concreta desta expressão só teria sido formulada a partir da segunda
metade do século XX.
Entretanto, o conteúdo deste conceito vinha muito antes de sua definição bem
estruturada, datando já da primeira parte do século XX e, com mais ênfase, a partir
dos anos 1940. A esse movimento, Tota (2000, p. 19) denominou de “americanismo”
considerando que o cidadão seria o grande motor desta engrenagem. Este seria
constituído por características ideológicas (CUNHA, 2017, p. 60), tal qual a
democracia, um dos elementos mais importantes que contribuiu para a intensidade
da sociedade estadunidense nessa época. Ele comenta que a democracia, via de
regra, iniciou-se associada ao heróis norte-americanos, que traziam consigo, as
ideias de liberdade, direitos individuais e de independência, no que, estes três foram
garantidos ao povo estadunidense, superando diferenças de classe, credo e raça.
Ainda assim, o componente de maior significância nesta sociedade é
considerado o “progressivismo”, um neologismo da tradução que o historiador nos
designa:

Fortemente arraigado na cultura americana, o termo (progressivism) não


pode ser traduzido literalmente para o português, mas está associado ao
racionalismo, à ideia de um mundo de abundância e à capacidade criativa
do homem americano (a chamada American ingenuity). Essa dimensão do
americanismo enaltece o homem energético e livre, capaz de transformar o
mundo natural. (TOTA, 2000, p. 19)
43

Como consequência, nasce uma nova forma de prazer: o consumo. O


mercado efetivamente poderia oferecer vários produtos que seriam de grande
utilidade e atração acessível para todos, independentemente de qual sociedade de
classe pertencia, proporcionando uma vida de caráter mais leve, descomplicada e
próspera. Este era o mundo moderno, que se eliminavam as dificuldades da vida e
as insatisfações. (TOTA, 2000, p. 20)
Portanto, a nação estadunidense seria composta por cidadãos sadios,
progressistas, tradicionais, trabalhadores, livres, igualitários e responsáveis. Dessa
maneira, a crença da própria população local nesse modelo de vida motivou a sua
existência, uma vez que passariam a promover sua educação, reforço e reprodução
de valores, traços e características através da comunicação, dando origem para que
tantos outros acreditem também que é possível chegar a este modelo, (CUNHA,
2017, p. 60) ou até mesmo, se inspirar nele para construir sua própria identidade.
Com uma formatação mais industrial e um amadurecimento, o cinema
estadunidense passou por uma grande mudança em 1909. (CUNHA, 2014, p. 6)
Nesta confluência de transformações que, as bases da sociedade norte-americana:
a igualdade, a justiça, os bons valores, a racionalidade, a eficiência, a abundância e
o progresso tornaram-se uma enorme oportunidade para a oferta de representações
em produtos midiáticos. (CUNHA, 2014, p. 8) É nesta ocasião, que para Tota (2000,
p. 21) o cinema foi considerado, a maior de todas as inovações norte-americanas em
relação ao entretenimento, ao divulgar o American Way of Life mais do que os outros
meios de comunicação e que procurou americanizar primeiro todo sua extensão e,
posteriormente, o resto do continente americano. Este foi o mais difundido e
moderno meio de comunicação distribuindo as imagens do tradicionalismo norte-
americano. (TOTA, 2000, p. 21) Em conformidade, Cunha (2012, p. 76) caracteriza o
American Way of Life como “modelo padronizado de vida, idealizado, onde há
espaço para quem trabalha e quem quer progredir, usufruindo de todas as
vantagens advindas da modernidade, especialmente em termos de bens de
consumo.” A imagem do outdoor abaixo ressalva: “O mais alto padrão de vida do
mundo - não há outra forma de viver senão o modo norte-americano.”

ILUSTRAÇÃO 2 – AMERICAN WAY OF LIFE (1937)


44

Fonte: CUNHA, 2017, p. 56.

Nesse sentido, este subcapítulo pretende explorar a construção do American


Way of Life com o decorrer dos anos e dos períodos que se tornaram inerentes à
aplicação deste ideal, uma vez que foram nestes ciclos que a propagação da cultura
estadunidense foi acentuada, e posteriormente, consolidadas nos países externos.
Para tanto, partimos da ideia de que, para a formação destas trocas de relações
culturais norte-americanas com o meio externo, foi necessária a solidificação de seu
cinema e seu papel no soft power, para compreender as ideologias significativas que
orientaram, o governo de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), como também o
pós-guerra, por motivos que veremos a seguir.

3.3.1 A origem do mito American Dream25

Há uma série de definições acerca do conceito mito e, para isso, inicialmente


se faz necessário alguns esclarecimentos com relação ao que entendemos pela
denominação. Em suma, a definição desenvolvida por Raoul Girardet (1987) sobre
mito político apresenta uma maior adequação a este trabalho:

O mito político é fabulação, deformação ou interpretação objetivamente


recusável do real. Mas, narrativa legendária, é verdade que ele exerce

25 Tradução nossa: Sonho norte-americano.


45

também uma função explicativa, fornecendo certo número de chaves para a


compreensão do presente, constituindo uma criptografia através da qual
pode parecer ordenar-se o caos desconcertante dos fatos e dos
acontecimentos. É verdade ainda que esse papel se desdobra em um papel
de mobilização: por tudo o que veicula de dinamismo profético, o mito ocupa
um lugar muito importante nas origens das cruzadas e também das
revoluções. (Apud PEDROSO, 2013, p. 3)

Dessa maneira, o American Dream se relaciona com dois já conhecidos mitos


nacionais dos Estados Unidos: o Destino Manifesto e o Excepcionalismo, que juntos
viabilizam às bases fundamentais da identidade do povo norte-americano. (OCHOA,
2006, p. 318) À sua criação, remonta um panorama mítico que havia da América na
época de sua colonização, momento em que ainda era tratada por muitos como um
paraíso na Terra, onde haveriam incógnitas fantásticas – tal qual a cidade de ouro El
Dourado – que fugiam a uma explanação racional. Muitos europeus dos que
colonizaram a América compartilharam das mesmas perspectivas e, especificamente
os Puritanos (calvinistas), que ao procurar um refúgio após uma perseguição
religiosa na Inglaterra, deu origem à colonização do Novo Mundo e suscitou a nova
interpretação de Terra Prometida, ou seja, aquela que Deus havia destinado aos
hebreus no Antigo Testamento da Bíblia. (PEDROSO, 2013, p. 5)
Ao passar dos anos esta terra foi se desenvolvendo até a elaboração do
conceito de mito denominado Destino Manifesto, correlacionando-se à própria
criação da nação norte-americana. Essa característica proporcionou o pressuposto
de que foram um povo escolhido de Deus (OCHOA, 2006, p. 318) e que vivem numa
Terra Prometida, cujo objetivo era o de conduzir uma missão especial e permanente:
a salvação do mundo. Para isso, espalhariam os ideais de liberdade e de
democracia ao redor do mundo. (PEDROSO, 2013, p. 5)
Essa mesma missão seria a convicção de outro mito, o Excepcionalismo, em
que a nação estadunidense a exerceria, de acordo com o imaginário coletivo deles,
com a crença de que são um tipo de supernação com caráter de ser a singular
escolhida. Ou seja, seus ideais e valores podem ser percebidos como seculares, o
produto do liberal capitalista e da democracia republicana; ou religiosas, através da
providência divina. (FONSECA p. 150) Por fim, conforme Ochoa (2006, p. 320)
apresenta, o ponto de partida também pode ser a harmonia entre a inspiração
religiosa com a liberdade e o patriotismo, originando uma religião política, tal como
46

estão empregues nas frases das notas de dólares estadunidenses: In God We


Trust,26, como também no famoso slogan patriótico: God Bless America.27
São por essas razões que o American Dream se configura pela busca de
ideais utópicos de liberdade e igualdade que são considerados valores universais
imprescindíveis a todos os indivíduos. É através de cada trabalho individual, que a
sociedade contribui para o desenvolvimento da nação e a procura da felicidade, que,
via de regra, se manifesta com aspecto materialista tais como bens, propriedades,
riquezas, dentre outros. Com o passar do tempo, a busca para alcançar a felicidade
foi adquirindo contornos ainda mais materialistas, aludindo ao pensamento do
filósofo John Locke, um dos primeiros que associou esse tipo de ideia com o direito
à propriedade (FONSECA p. 151). Em síntese, essa busca constante pela felicidade
funciona como o grande motor dos Estados Unidos, permitindo à associação com a
ideia de trabalho duro, de modo que para ser feliz, necessita-se de esforços,
dedicação e labuta para superar possíveis desafios. (PEDROSO, 2013, p. 7)
A história dos EUA nos assegura acerca da relevância do American Dream
para a sociedade e o Estado, sobretudo este último, que por sua vez, incluiu o direito
à busca da felicidade na Declaração de Independência de 1776, que foi assimilada
por Thomas Jefferson, terceiro presidente do país, que pronunciou, segundo o
historiador Allen (1972): “que todos os homens foram criados iguais, e que foram
agraciados pelo Criador com certos direitos inalienáveis, e que estes são: a vida, a
liberdade e a procura da felicidade.” (Apud PEDROSO, 2013, p. 5)

3.3.2 O New Deal de Roosevelt e o American Dream na cinematografia singular

Nos anos 1920, posteriormente à Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos


estavam em um período em que a sociedade norte-americana se encontrava
abalada pela Grande Depressão econômica, provocada pela quebra da Bolsa de
Valores de Nova Iorque em 1929, a pior crise econômica na história global (PURDY,
2007, p. 205) Nas cidades industriais norte-americanas, houve marcas pungentes da

26 Tradução nossa: Em Deus nós confiamos.


27 Tradução nossa: Deus abençoe a América.
47

seriedade da Depressão. As condições de vida se tornaram miseráveis e o


desemprego estagnou muitas cidades. Consequentemente, essas mudanças
ocasionaram em tensões no ambiente familiar, uma vez que muitos homens
abandonaram suas famílias por não conseguirem emprego ou por serem forçados a
pedir assistência, obtendo taxas de fecundidade e casamento menores pela primeira
vez na nação norte-americana até o início do século XIX. (PURDY, 2007, p. 208)
Assim, na década de 1930, o novo presidente Franklin Roosevelt (1933-
1945) prometia restaurar a economia e a confiança da sociedade (PURDY, 2007, p.
209), ao colocar em prática as medidas do New Deal (1933-1937), cujo objetivo era
a reforma industrial e agrícola, bem como a recuperação da economia norte-
americana, que encontrou uma melhoria na crise gerada pela Grande Depressão na
indústria cinematográfica. Aproveitando-se de tal, o governo tentou se beneficiar das
salas lotadas pelo público. Portanto, o cinema hollywoodiano, em conformidade com
as políticas públicas advindas do governo começou a produzir filmagens cujos
roteiros estariam por disseminar a esperança e o otimismo da recuperação
econômica do país, permitindo que a sociedade norte-americana encontrasse nas
salas de cinema um refúgio como um sinônimo de espairecimento das complicações
existentes. (PEREIRA, 2011, p. 6) Ao que French (1985) corroborou:

A chegada da política do New Deal de Roosevelt, com sua crença na


possibilidade de progresso através de organização e reforma social, causou
nos produtores e realizadores de Hollywood um senso de responsabilidade
e otimismo maior do que eles tinham demonstrado nos primeiros anos da
década (Apud PEREIRA, 2011, p. 9).

Segundo Pereira (2011, p. 5), predominavam as características centrais nas


produções cinematográficas - a convicção no poder do homem comum e
empreendedor (self-made-man),28 ou seja, presumindo suas possibilidades de
sucesso individual; o enaltecimento do regime democrático norte-americano e a
capacidade do Estado de proteger os cidadãos contra crimes e a denúncia da
corrupção dos influentes políticos e da desonestidade do capitalismo - na qual havia
uma exaltação aos policiais e o FBI. Também utilizavam humor e histórias sutis

28 Tradução nossa: Por esforço próprio. Também é utilizado o termo empreendedor.


48

buscando distrair as pessoas dos prejuízos da Grande Depressão e lembrá-las de


como os Estados Unidos possuíam inúmeras possibilidades de prosperidade.
(PURDY, 2007, p. 213)
O cinema como um eficiente veículo de ideologia foi aumentado pelos filmes
hollywoodianos da década de 1930, uma vez que seus enredos, diálogos e imagens
se responsabilizavam por possibilitar a apresentação de como era o estilo norte-
americano de viver a vida, como encara seus problemas e como solucioná-los, seu
modo exclusivo de alcançar a felicidade e, até mesmo, o próprio conceito de
felicidade. (CASTRO AZEVEDO JR.; GONÇALVES, 2016, p. 5) Foram atribuídas
suas funções de dar convicção às imagens acentuando propriedades como o
progresso, a esperança de perspectivas e oportunidades para conquistar recursos
em prol de viver bem e afortunadamente, sobretudo, de modo seguro e bem-
sucedido elaborando o modelo de vida comum nestas regiões. (Apud CUNHA, 2017,
p. 69) Encontra-se nestes filmes também o consumismo, uma peculiaridade deste
estilo de vida estadunidense. Nesse período, os maiores estúdios de Hollywood
formalizaram contratos com populares indústrias norte-americanas para que
“aparecessem em inúmeros filmes e para que (...) fossem utilizados nas campanhas
publicitárias dos referidos produtos.” (GONÇALVES, 2000, p. 5)
Também surgiram os primeiros filmes de animação de Walt Disney, estreando
com a popular e prestigiada longa metragem animada, Branca de Neve e os Sete
Anões. Além disso, Frank Capra foi um dos principais representantes de diretores
cinematográficos dessa época produzindo filmes notáveis, nos quais Furhammar e
Folke (2001) ressaltam que “transpiram uma sensação de segurança e otimismo em
sua crença na força da democracia, na liberdade de expressão, no desejo americano
de progresso e da Grande Oportunidade.” (FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p. 55)
Já construídos os filmes de guerra, apenas precisava-se firmar os
acontecimentos recebendo maior ênfase patriótica. Havia outros gêneros tais como
comédias e musicais que possuíam carga política sem romper com suas premissas
de divertimento e tradição estilística. (FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p. 53)
Assim, não é novidade nenhuma a propagação da diplomacia cultural através de
elementos sem nenhuma relação direta com o governo, como o fez o jazz na
Segunda Guerra Mundial, bem como, posteriormente, os grandes nomes do Rock n’
49

Roll e do cinema na Guerra Fria (KRANZ, 2015, p. 27) - este último que
analisaremos no próximo capítulo.

3.3.3 O Soft Power da Segunda Guerra Mundial: A Política da Boa Vizinhança e as


Relações Culturais Interamericanas

A Segunda Guerra Mundial caracterizou-se por dois âmbitos: os Aliados


(União Soviética, Estados Unidos, Reino Unido e China) que se opuseram às
potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Nesta conjuntura, os países
participantes dos Aliados iniciaram, na época, uma guerra que, sobretudo,
defendiam o ideal democrático, contra o fascismo e o nazismo instaurados pelas
nações Itália e Alemanha, respectivamente. Por consequência, a Europa já
dominada pelos nazifascistas, impedia a disseminação dos produtos culturais norte-
americanos. No entanto, quando os Estados Unidos entraram na guerra ao lado dos
Aliados, foi possível que, dentro de sua indústria cinematográfica, tornassem os
germânicos, os grandes vilões de seus enredos. E ademais, acentuavam os
esforços de seus soldados destemidos e valentes contra os países do Eixo.
(FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p. 53)
Ilustrando por meio de filmes produzidos na época e tentando inserir a
comédia neste ambiente sobrecarregado, além de inúmeros outros filmes de
aventuras caracterizando os agentes alemães como os homens-maus ou os
gangsters dos policiais que eram representados pelos nazistas, foram lançados os
filmes The Great Dictator29 (1940), uma comédia dirigida e estrelada pelo famoso
Charles Chaplin que procurou satirizar criticamente os ditadores Hitler e Mussolini,
bem como a exibição do Pato Donald ao terror nazista no curta-metragem divertido
Der Fuehrer’s Face30 (1943) produzido pela Disney.
A América Latina, por sua vez, tinha uma importância estratégica para a
Alemanha, bem como para os Estados Unidos. Alguns governantes dos países
latino-americanos simpatizavam com as políticas fascistas, enquanto a reputação do

29
No Brasil: O grande ditador.
30
O rosto do Führer.
50

Estado norte-americano estava bastante afetada por consequência da agressiva


política adotada, o Big Stick,31 para o continente pelo governo de Roosevelt no início
do século XX. (LIMA; FILHO, 2011, p. 2) Além disso, Boaventura (2015) ressaltou
que, economicamente, os EUA não conseguiriam manter uma postura isolacionista
perante o conflito, uma vez que era preciso conquistar mercados externos à Europa.
(BOAVENTURA, 2015, p. 6)
Logo após o ataque à sua base Pearl Harbor pelos japoneses, a propaganda
política do país foi comandada pelo presidente Roosevelt e pelo general George C.
Marshall no Ministério da Guerra dos Estados Unidos, que reuniram os cineastas
Frank Capra, Anatole Litvak e Anthony Veiller para dar início a produção da série
Why We Fight? (1942 - 1945)32 que buscava explicar à população norte-americana
por qual razão os Estados Unidos entrariam na Segunda Guerra Mundial e
apresentando seu desempenho, esclarecendo à opinião pública sobre os
acontecimentos da guerra mais relevantes, bem como procurando também motivar o
alistamento nas Forças Armadas (PEREIRA, 2011, p. 14), angariando
estadunidenses no exército.
Nessa conjuntura, o continente latino-americano se tornou alvo da
propaganda sistemática por parte dos interesses conflitantes germânicos e norte-
americanos, no qual ambos tentaram criar um ambiente de antagonismo entre a
América Latina e o suposto inimigo, fosse o Eixo ou os Aliados. (MOURA, 2015, p. 6)
Alguns países até então neutros, sobretudo o Brasil, pressionado tanto por pressões
externas e internas, quanto pelas opiniões públicas sobre a decisão de qual lado
seria escolhido, de acordo com Henrich (2010, p. 19), isso fez com que se alinhasse
aos Estados Unidos em 1941, abandonando a neutralidade e demonstrando apoio
dogmático aos países que compunham os Aliados em 1942.
Por conseguinte, segundo Moura (1991), rompeu-se a política intervencionista
que determinava as relações existentes entre os Estados Unidos e os vizinhos
latino-americanos desde o final do século XIX, (Apud BOAVENTURA, 2015, p. 6) no
qual, o presidente Roosevelt bastante preocupado com a propaganda alemã na
América Latina (NYE, 2002, p. 101), e também buscando exercer uma influência no
continente, estabeleceu Nelson Rockefeller no Escritório da Divisão de Assuntos

31
Tradução nossa: Grande Porrete.
32
Tradução nossa: Por Que Nós Lutamos?
51

Interamericanos (OCIAA) em 1940,33 que promoveu intensamente as informações e


os valores culturais norte-americanos na América Latina.
Foi nesse momento que os Estados Unidos, conduzidos por Franklin
Roosevelt, lançaram a estratégia intitulada: Política da Boa Vizinhança, a nova base
da política externa estadunidense, que procurou se engajar com os vizinhos latino-
americanos, pois pretendia impedir a influência europeia nestes países e,
particularmente, advinda da propaganda germânica, trazendo uma crescente onda
de influência nazifascista em certas nações da América Latina e sendo fundamental
para que os EUA mantivessem seu status quo na região latino-americana
procurando construir um inimigo comum para todos em um só continente e em uma
só voz: o nazifascismo. (SILVA, 2016, p. 68)
Roosevelt não foi o grande idealizador da estratégia Política da Boa
Vizinhança. Essa política fora pensada algumas décadas antes, quando Herbert
Hoover era o Presidente do país (1929-1933). Em 1928, Hoover embarcou numa
viagem pela América Latina, que ele dizia não ser uma viagem apenas de recreação,
pois havia pretensões de mudar algo na condução da política externa norte-
americana. (TOTA, 2000, p. 28) Em Honduras, o presidente fez um discurso, no qual
utilizou pela primeira vez o termo “bons vizinhos”:34

Venho pagar um apelo de amizade... Eu gostaria de simbolizar a visita


amigável de um bom vizinho a outro. Em nossa vida diária, os bons vizinhos
chamam uns aos outros como evidência de solicitude para o bem comum e
para aprender das circunstâncias e do ponto de vista de cada um, para que
possa vir tanto o entendimento e o respeito que são forças cimentadoras de
toda a sociedade duradoura. (DE CONDE, 1951 Apud HEIZER, 2017, p. 16)

Assim, mais adiante, em 1933, Roosevelt adotou esta expressão e, em


conjunto com Rockefeller, defenderam a cultura norte-americana como elemento de
estratégia que deveria ser difundida através dos meios de comunicação de uma
maneira significativa e eficiente. Ainda no contexto da Segunda Guerra, os meios de

33
Originalmente designado Office of Inter-American Affairs ou Office for Coordination of Commercial
and Cultural Relations Between the American Republics (OCCCRBAR), posteriormente foi
renomeado como Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (CIAA) e em 1945 se tornou
Office for Inter-American Affairs ou Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA).
34
Originalmente: Good neighbors.
52

comunicação e a cultura (os filmes ficcionais, documentários, cinejornais, desenhos)


desempenharam este papel de convencimento e até alteração de comportamentos
que viriam a ser, um forte instrumento ideológico desempenhando este papel de
convencimento e até alteração de comportamentos, caracterizando o soft power de
Nye. Sobre o líder do governo estadunidense, Boaventura demonstra que “Roosevelt
foi um dos presidentes americanos mais conscientes sobre o poder político e cultural
dos meios de comunicação, e sobretudo do cinema.” (BOAVENTURA, 2015, p. 14)
Posteriormente, fundaram a Motion Picture Society for the America (MPSA),
uma corporação cuja finalidade era de funcionar como um escritório que ligava o
Escritório e os produtores industriais de Hollywood. Este órgão controlava a
divulgação das películas para que não pudessem ridicularizar os países latinos.
(MONTEIRO, p. 46) Por isso, Walt Disney e sua equipe foram enviados à América
Latina na tentativa de conhecerem melhor o território para que criassem vários
personagens representando os países latino-americanos para o cinema de
animação mostrando a solidariedade entre as Américas. (LIMA; FILHO, 2011, p. 6)
Com a delegação do soft power como a nova forma de atuação no território
norte-americano, os EUA estavam seguros em relação a isto. (SILVA, 2016, p. 48)
Logo, dentre as produções de desenho animado que resultaram deste encontro,
surgiram os filmes “Alô, Amigos” de 194235 e “Você já foi à Bahia?” de 1944. Por
conta da autonomia que a estética, o conteúdo e o tema que o cinema de animação
proporciona, Walt Disney, dentre os cineastas que visitaram a América do Sul, foi o
que mais pode evidenciar a diversidade latino-americana. (FERREIRA, 2008, p. 93)
Além disso, as construções dos personagens, o envolvimento e o direcionamento
delas se destinarem, sobretudo, às crianças, constituem um sentimento de
ingenuidade ao telespectador, que procura somente um entretenimento e não uma
fonte de natureza política e ideológica. (FERREIRA, 2008, p. 94) Importante frisar
que todos os países retratados no primeiro curta metragem, “Alô, Amigos se
alinharam aos Aliados durante a Segunda Guerra, com exceção da Argentina que se
manteve neutra. (LIMA; FILHO, 2011, p.13)
É nessa situação que, em 1942, a Disney criou o personagem brasileiro, Zé
Carioca, um papagaio falastrão, acolhedor, hospitaleiro e cordial (SANTOS, 2002, p.

35
1942 foi o ano em que a Alemanha e os demais participantes do Eixo conseguiram uma ofensiva
na URSS e abriram passagem até Stalingrado.
53

3), mas também com elementos típicos da malandragem do Rio de Janeiro na


época, tal como o chapéu, terno e charuto. Devido ao sucesso desta figura,
posteriormente foi lançado outro filme, “Você Já Foi à Bahia?”. (FERREIRA, 2008, p.
93) Nele, Zé Carioca e Pato Donald, agora seu amigo norte-americano, chegam à
Bahia e encontram uma baiana vendendo quindins e cantando a música de Ary
Barroso: “Os Quindins de Iaiá”. (SANTOS, 2002, p.2)

ILUSTRAÇÃO 3 – ZÉ CARIOCA E PATO DONALD NA BAHIA

Fonte: Ferreira, 2008, p. 78.

Conforme os personagens andam pelas ruas são evidenciadas as festas, as


diversões, os malandros e as belas iaiás, todos dançando e cantando, (LIMA;
FILHO, 2011, p. 15) como pode ser visto na imagem acima de uma das cenas.
Portanto, Santos corrobora (2002, p.3) que “Em sua gênese, Zé Carioca (...) cumpria
uma função política: integrar os países da América Latina ao esforço dos aliados (...)
[sendo sua] criação marcada por interesses geopolíticos, econômicos e culturais.
Ao final dessa segunda grande guerra, em que os Aliados venceram a batalha
e os EUA emergiram como a grande potência mundial, a preocupação deste país se
converteu, a partir desse momento, para o conflito ideológico entre o capitalismo e o
comunismo, uma vez que a URSS também emergia como uma potência mundial
(SILVA, 2016, p.68). Para tanto, transformou-se a imagem do inimigo no cinema
estadunidense de alemães nazistas para os soviéticos, o que será abordado no
capítulo adiante.
54

4 GUERRA FRIA: ANÁLISE DO CINEMA ESTADUNIDENSE COMO SOFT POWER NA


PROPAGAÇÃO IDEOLÓGICA DO GOVERNO REAGAN

Sabe-se que desde a criação da indústria cinematográfica dos Estados


Unidos, os filmes são utilizados como uma ferramenta de soft power, visando
glorificar o caráter nacional estadunidense e desconstruir o inimigo em questão. Em
todos os conflitos nos quais a nação norte-americana esteve presente no século XX,
de alguma maneira, diligenciaram a vilanização da sociedade que estava do outro
lado da disputa, transformando-a no inimigo a ser temido e combatido.
(GONÇALVES, 2016, p. 17)
Do mesmo modo, acompanhando as mudanças sociais na Guerra Fria, a
utilização do cinema norte-americano neste período atuou como um instrumento
para perpetuar uma mensagem negativa acerca de seu inimigo originando-se a
concepção da ameaça comunista advinda dos soviéticos. Segundo Dodds (2003), os
estúdios de produções cinematográficas dos EUA mantiveram relações estreitas
com o US Department of Defense,36 de maneira que as sucessivas administrações
reconheceram a importância do cinema na luta ideológica contra a (URSS).
Em inferência, nos anos 1980 da Era Reagan, a cultura norte-americana
tornou como central a premissa do indivíduo adquirir sua própria satisfação
proveniente do consumo. O espectador se identificava com o herói que era
reproduzido na tela, inspirando e moldando seus ideais e alimentando o sonho de
que era possível ser e ter algo a mais dentro do corpo social no qual estava inserido.
Outro aspecto levantado por Roxo (2006, p. 72), foi a representação do caráter
associado aos ideais de justiça, individualismo, confiança e determinação.
Como resultado, os filmes norte-americanos, lotados de efeitos especiais e
inseridos em uma sociedade capitalista de consumo, passaram a gerar os maiores
orçamentos e receitas de bilheterias em um âmbito global, adquirindo caráter de
notável renome ao serem popularizados, os blockbusters37 (MARQUES, 2005, p.
198), como analisaremos alguns filmes dos anos 1980 neste capítulo.

36
Tradução nossa: Departamento de Defesa.
37
Produto de grande sucesso comercial, neste caso, uma produção cinematográfica que tenha
viralizado.
55

4.1 A DIFERENÇA IDEOLÓGICA ENTRE EUA x URSS NA GUERRA FRIA

Antes mesmo do fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos já


haviam planejado uma ordem econômica no pós-guerra, na qual poderiam adquirir
novos mercados e expandir negócios através de investimentos estrangeiros sem
restrições no fluxo de bens e capital. Em 1944, foi fundado o sistema Bretton-Woods,
por negociações entre Inglaterra e Estados Unidos, a fim de conduzir a economia
internacional. Incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1945 e o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (atualmente Banco Mundial),
também promoveriam investimentos exteriores e a reconstrução das economias
prejudicadas pelo fim da guerra. Segundo Purdy (2007, p. 227) Essas duas
instituições mantiveram os interesses econômicos estadunidenses em primeira
instância pelas quatro décadas seguintes.
A proeminência dos Estados Unidos era indiscutível. Contudo, em 1922 houve
o estabelecimento de um regime em que surgiu a União Soviética e que, após um
período de industrialização e rearmamento, particularmente na Segunda Guerra
Mundial, deu origem às crescentes tensões entre os Estados Unidos e a URSS
acerca da divisão de poderes políticos e econômicos na Alemanha até o final dos
anos 1940. Em suma, os países passaram de aliados para inimigos, desencadeando
na Guerra Fria. (OCHOA, 2006, p. 318) Pode-se compreender melhor esse período
através de uma divisão em três momentos: Guerra Fria Clássica (1947-1972);
Détente38 (1973-1980) e Nova Guerra Fria (1981-1991). (DOMINGOS, 2013, p. 6)
Hobsbawm (1995, p. 224) salienta que apesar da oratória predominantemente
hostil, sobretudo do lado norte-americano, os governos de ambos concordaram em
distribuir suas forças globalmente no fim da Segunda Guerra Mundial, o que
significava um equilíbrio de poder desigual, mas que não havia contestações entre
eles. A União Soviética controlava uma parte do mundo ou exercia sua influência
preponderante, tal como a zona que o Exército Vermelho e/ou outras Forças
Armadas comunistas ocuparam (notadamente os países do leste europeu e
38Diz respeito às novas estratégias dos anos 1960 e 1970, em que a deterioração da ideologia dos
dois blocos permitiu uma nova conotação às relações internacionais, na qual, os EUA e a URSS além
de adversários, apresentaram-se como parceiros. (SOMBRA SARAIVA apud DEROLLE, 2013)
56

asiático), sem tentar expandi-la com uso de coerção. Por outro lado, em posição, os
EUA controlavam e predominavam acerca do resto do mundo, por sua vez,
capitalista (principalmente América Latina e Europa Ocidental), também sem intervir
na zona dominante soviética aceita. Isso nos remete ao jogo geopolítico, no qual o
período mais explosivo, de acordo com Hobsbawm (1995, p. 226), foi o da
enunciação definitiva da Doutrina Truman em 1947, quando o presidente declarou:
“Creio que a política dos Estados Unidos deve ser a de apoiar os povos livres que
resistem a tentativas de subjugação por minorias armadas ou por pressões de fora.”
Consequentemente, essas duas superpotências e suas alianças antagônicas
disputaram pela dominância política, econômica, militar e global com o título de ser o
Estado com a maior influência no mundo. Os países passaram a dispor não só de
poder industrial, mas também de arsenais nucleares e mísseis continentais (NYE,
2002, p. 31), de maneira que a segurança nacional, expansão econômica e
vantagem militar internacional que ambos possuíam foi uma motivação para que
mantivessem controle sob seus aliados e de outros círculos de interesses advindo
da força bruta ou da influência econômica, o que Nye (2004) denomina de hard
power. (PURDY, 2007, p. 229)
Não somente, embora o aspecto prévio fosse o confronto militar ao passo que
a corrida frenética armamentista aumentava no Ocidente, não foi essa a repercussão
adquirida de fato. (HOBSBAWM, 1995, p. 234) Dessa forma, os Estados Unidos nos
anos 1950 passaram a imagem - na reminiscência coletiva - de uma concentração
da prosperidade econômica e na estabilidade familiar, em que todos tinham
empregos estáveis e ampla perspectiva para uma mobilidade social. A fim de
garantir seu fortalecimento pela razão ideológica central, foi por meio do soft power
que a mídia, a música, a televisão, o cinema e a literatura destacaram famílias em
absoluta harmonia: o pai trabalhador, a mãe dona-de-casa e alguns filhos que
moravam em suas casas com jardins peculiares. Sem dúvida, são essas as imagens
promulgadas da época. (PURDY, 2007, p. 230)
Sob esse prisma, a década de 1950 foi marcada pela disseminação da
ideologia de “defesa civil”, que buscava o convencimento de muitos espectadores
norte-americanos de que a qualquer instante poderiam sofrer um ataque por parte
da União Soviética, incitando-os a construir abrigos e aprender uma habilidade que
57

fosse socialmente útil. O controle era feito pela Federal Civil Defense Agency39 e
promovido por vários meios de comunicação tais como rádio, televisão e artigos de
imprensa. (VALANTIN, 2005, p. 12)
Ainda que as duas fossem potências representadas por uma ideologia, os
EUA em oposição de sua rival, eram uma democracia. Dessa maneira, Hobsbawm
(1995, p. 231) salienta que os EUA se preocupavam constantemente com este
perigo de serem atacados e dominados pela URSS muito mais devido à
necessidade interna de angariar votos no Congresso, bem como com as eleições
presidenciais e parlamentares. Portanto, a representação do anticomunismo
intensificado mostrava-se proveitosa. Em contrapartida, a URSS, tendo demonizado
seu antagonista, não se preocupava tanto com uma ameaça de um possível ataque
a seu país, mas sim com a dominância efetiva dos EUA sobre todas as partes do
globo que não eram ocupadas pelo Exército Vermelho.
É, dessa forma, que várias produções de filmes auxiliaram na construção de
um consenso nacional em relação às políticas de segurança e de estratégia, ou seja,
houve a instituição de uma harmonia na sociedade em questões ligadas à ameaça
comunista, o que Valantin (2005, p. 12) designa de “Cold war cultural consensus.”40
Aproveitando-se desse temor, os Estados Unidos, durante a maior parte da guerra,
buscaram apresentar a União Soviética como uma “ameaça” expansionista que
desafiava a intenção dos EUA de permitir seu crescimento social-econômico na
promoção da democracia liberal e do capitalismo global. (DODDS, 2006, p. 213)
Além disso, Furhammar e Isaksson (2001, p. 68) complementam o conceito ao
afirmar que “os Estados Unidos eram apresentados como o defensor da liberdade
onde quer que estivesse ameaçada pela expansão comunista.”
Em contrapartida, ainda que a União Soviética tenha restringido e censurado
os filmes ocidentais, os que conseguiam passar pelos filtros ainda podiam ter efeitos
políticos devastadores, às vezes sendo diretos e outras sendo indiretos, embora as
duas formas não fossem não intencionais. A população soviética, portanto, possuía
acesso e assistia a filmes com temas apolíticos, o que permitiu o prévio
conhecimento de que as pessoas no Oeste não precisavam ficar em longas filas
para comprar comida, não moravam em apartamentos comuns e possuíam seus

39
Tradução nossa: Agência Federal de Defesa Civil.
40
Tradução nossa: Consenso cultural da Guerra Fria.
58

próprios carros. Tudo isso invalidou os pontos de vista negativos promulgados pela
mídia soviética. (NYE JR., 2004, p. 49).
Por mais que os programas soviéticos de propaganda e cultura estatais
tentassem, não conseguiam acompanhar a influência que a cultura popular midiática
norte-americana oferecia de flexibilidade e atração. Nye (2004, p. 49) assenta que
muito antes do Muro de Berlim cair em 1989, seu reconhecimento já havia sido
reprimido perante a transmissão de imagens da televisão e dos filmes ocidentais.
Como Rob Kroes afirmou:

Geração após geração de jovens, crescendo em uma variedade de


ambientes europeus, a oeste e leste da Cortina de Ferro, desfrutaram do
prazer das alternativas culturais... Itens simples como jeans, Coca-Cola ou a
marca de cigarros adquiriu um valor agregado que ajudou essas gerações
mais jovens a dar expressão a uma identidade própria. (Apud NYE, 2004, p.
46)41

Enquanto a União Soviética no pós-guerra possuía capacidades militares


impressionantes, que poderiam ameaçar a Europa Ocidental a qualquer instante,
também possuía importantes recursos de soft power acerca da ideologia comunista
e de seu histórico com a Alemanha nazista. No entanto, grande parte desse soft
power foi desperdiçado por meio de sua repressão em território local e europeu do
Oriente, bem como seu desempenho econômico que esteve inapto em seus últimos
anos (mesmo com o aumento do poder militar). Por outro lado, embora o poder
militar e político terem sido muito importantes para o sucesso norte-americano na
Europa durante a Guerra Fria, Nye (2004, p. 50) aponta que foram a atração
econômica e cultural populares estadunidenses da democracia ocidental que
realmente contribuíram para a conquista dos corações e mentes da maior parte dos
jovens.

41
Originalmente: “Generation upon generation of youngsters, growing up in a variety of European
settings, West and East of the Iron Curtain, have vicariously enjoyed the pleasures of cultural
alternatives.... Simple items like blue jeans, Coca-Cola, or a cigarette brand acquired an added value
that helped these younger generations to give expression to an identity all their own."
59

4.1.1 A ideologia norte-americana do consumo liberal no bloco capitalista

Como foi visto anteriormente, o âmbito econômico, tecnológico e social dos


anos 1950 e 1960 dos Estados Unidos proporcionou a transposição daquela
descrição de características peculiares para a formulação conceitual do American
Way of Life, que segundo Purdy (2007, p. 226) “economicamente, os Estados
Unidos detinham a maioria do capital de investimento, produção industrial e
exportações no mundo, controlando até dois terços do comércio mundial.”
Isso possibilitou que empresas e organizações norte-americanas
implementassem filiais de sua nação em território europeu e que se expandisse a
cultura típica e o estilo de vida dos Estados Unidos sobre o os países do antigo Eixo,
Alemanha, Japão e Itália, que anteriormente à guerra, não haviam sido explorados.
(CUNHA, 2017, p. 47) Até 1945 era aplicada a política norte-americana do “Big
Policy”42 em maior ênfase na América Latina, e assim, procurou-se estendê-la para
outras partes do mundo (BIAGI, 2001, p. 67), iniciando-se uma propagação do modo
de viver norte-americano.
A despeito disso, Cunha (2009, p. 82) cita o consumo como uma das
características primordiais desse momento: “entende-se [o consumo] não apenas
como o saciar das necessidades básicas, mas também os desejos que representam
projeções pessoais, a referencialização e o pertencimento a grupos sociais.” Assim,
a prática consumista seria perpetuada para novos mercados comerciais através dos
meios de comunicação: os rádios, músicas, cinema, televisão e literatura (HEIZER,
2017, p. 24), uma maneira mais fácil de atrair consumidores associando-o à
capacidade de diferenciação e qualificação, ao apresentar o produto e,
consequentemente, promovendo um movimento emblemático de entrar nas casas
das famílias. Estas são evidenciadas pela imagem abaixo, ressaltando a abundância
de produtos eletrodomésticos e brinquedos modernos resultando em crianças felizes
e, consequentemente, um modelo de família adequado.

ILUSTRAÇÃO 4 – O CONSUMO E A FAMÍLIA TRADICIONAL NORTE-


AMERICANA

42
Tradução nossa: Ampla política.
60

Fonte: CUNHA, 2009, p. 59.

Nessa sequência, pessoas de outros países com culturas profundamente


distintas adotaram padrões de vida semelhantes aos dos estadunidenses, como por
exemplo: a adoção da Coca-Cola e do fast-food McDonald’s com seus
hambúrgueres e batatas fritas em países orientais como China e Japão (MARQUES,
2005, p. 196), assim como verifica-se na América Latina, na Europa e na África.
Ainda nesta mesma linha de considerações, os pioneiros norte-americanos, a fim de
atender a demanda do consumo desenvolveram seus próprios serviços de lojas e
lazer, propiciando os shopping centers. (HOBSBAWM, 1994, p. 289)
O ato de deter posses ganhou tanta importância que passava a ser
equiparado às necessidades básicas. Isso era refletido dentro de cada grupo social
ou estilo de vida que retratava um clima mais competitivo, em que o indivíduo
deveria se sentir pertencente àquelas pessoas. Com base nisso, a propaganda
ascendeu ao propor o pertencimento desta pessoa a um determinado grupo em que
os resultados eram advindos do que usava, possuía e comprava, na tentativa de ser
61

popular e angariar diversas relações sociais – do mesmo modo que o refrigerante


Pepsi-Cola clamava à época com o slogan “be sociable!”43 (CUNHA, 2009, p. 83)
Na tentativa de aumentar as vendas dos produtos, houve a necessidade de
agrupar uma ideia conquistadora à um estilo de vida ou projeção-comportamental
para que o público-alvo se identificasse, desenvolvendo os comerciais que foram
esteticamente padronizados através da televisão. Esta, por sua vez, aumentava sua
presença cada vez mais dentro das casas das famílias estadunidenses nos anos
1970. Dessa maneira, cabe à publicidade a função de caracterizar aquilo que se
quer ser a partir do estilo de vida comprado, prometendo aos cidadãos um avanço,
um progresso - que é um direito legítimo de acordo com a sociedade norte-
americana. Cada cidadão conseguiria alcançá-lo dependendo de sua atitude, ou
seja, através de seu esforço individual e trabalho duro, em conformidade com a
interpretação do mito self-made man. (CUNHA, 2009, p. 84)
Há, portanto, uma veemência de uma parte significativa da produção cultural
e midiática dos EUA que ultrapassou suas fronteiras e alcançou o mundo e, por fim,
à uma aceleração da disseminação dos fatores culturais (KELLNER, 2001, p. 26)
veiculados pelas mídias que passaram a fazer parte do cotidiano de cada um dos
cidadãos, que segundo Cunha (2017, p. 6), “levando consigo a imagem de um país e
de cidadãos exemplares, cuja forma de viver deveria ser uma referência – como
ainda é em determinadas instâncias.”

4.1.2 A “Ameaça Vermelha” e o Anticomunismo

Como já visto anteriormente, os anos do pós-guerra trouxeram uma onda de


conservadorismo nos Estados Unidos, que implicou na ordem antagônica entre os
dois blocos formados, o Ocidente liderado pelos Estados Unidos contra a União
Soviética liderada pela URSS. Assim, a política externa norte-americana estava
pautada na contenção do comunismo, preocupando-se, sobretudo, com algumas
nações do leste europeu e da Ásia, que seria justificada de acordo com o termo que,
segundo Valim (2003, p. 3) posteriormente, seria conhecido: Teoria do Dominó.
Entretanto, os países latino-americanos também foram considerados como uma

43
Tradução nossa: “Seja sociável!”
62

fileira de dominós, simplificando o empurrão comunista, uma vez que o continente


latino-americano ainda possuía uma política imatura e uma economia precária.
Hobsbawm (1994, p. 232) nos introduz à uma histeria sem precedentes que
foi replicada no âmbito interno norte-americano contra o comunismo e que seria
permanentemente instalada a partir desse período dentro da sociedade norte-
americana. A partir de 1947, iniciou-se uma pesquisa frenética e uma subsequente
"depuração" de qualquer elemento que fosse comunista em todos os níveis no
território norte-americano. Essa obsessão com a penetração dos comunistas será
confirmada por investigações em áreas tão diferentes quanto à universidade, ao
teatro, à administração pública e até ao exército. É esse o início da "Caça às Bruxas"
ou “Caça aos Vermelhos”, expressão pela qual essa perseguição será conhecida.
(JUSDADO, 2009, p. 113) A figura de 1960 abaixo representa o medo que o país do
tio Sam possuía sobre a disseminação da “Ameaça Vermelha”, mostrando os outros
países que já haviam aderido ao comunismo.

ILUSTRAÇÃO 5 – THE RED ICEBERG44

Fonte: Carneiro, 2012, p. 52.

44 Tradução nossa: O Iceberg Vermelho.


63

Winston Churchill, um estadista britânico, ao perceber um possível avanço do


comunismo, alertou o Ocidente do perigo que estava prestes a ocorrer, precavendo-
os de que encontrassem uma estratégia que pudessem detê-lo. (FURHAMMAR;
ISAKSSON, 2001, p. 68) Harry S. Truman, o então presidente norte-americano
(1945-1953), lançou a Doutrina Truman e oficializou o início da Guerra Fria, por meio
de um discurso que prometia um mundo livre do comunismo. Dessa maneira,
disseminando o antagonismo entre os blocos capitalistas e comunistas a todo o
globo. A doutrina pretendia encorajar sentimento antissoviéticos, dos quais iria
florescer um pânico pela “Ameaça Vermelha” no Ocidente que, para isso, buscava a
contenção do comunismo junto aos chamados "elos frágeis" do sistema capitalista.
(FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p. 68)
São ressaltadas por Valim (2003, p. 3) as instituições anticomunistas que
foram criadas nos mandatos de Harry Truman e Dwight Eisenhower (1953-1961), tal
como o House Un-American Activities Committee (HUAC)45, o Permanent
Investigating Subcommittee of the Government Operations Committee,46 regido pelo
senador Joseph McCarthy e o Senate Internal Security Subcommittee (SISS),47
chefiado pelo democrata Pat McCarran. Os dois últimos comitês seguiam os
mesmos modelos operacionais do HUAC, que operavam com base nos métodos que
eram sugeridos e adotados pelo FBI, dentre outras instituições anticomunistas da
época.
Jusdado (2009, p. 115) nos indica que, entre 1951 e 1952 houve o segundo
pico do período “Caça às Bruxas”, no qual, o protagonismo nesta segunda onda, foi
apreendido pelo presidente senador anticomunista Joseph McCarthy, que ao
denunciar mais de 200 supostos casos de comunistas infiltrados que trabalhariam no
Departamento de Estado, deu origem ao, popularmente conhecido, Macarthismo.
Assim, este movimento se caracterizava como uma campanha contra a subversão
de todas as maneiras da vida norte-americana, que através desta, foram
estabelecidas diversas investigações publicadas contra uma suposta subversão de
intelectuais, artistas e funcionários do governo federal, resultando em incontáveis

45 Tradução nossa: Comitê de Atividades Antiamericanas.


46
Tradução nossa: Comitê de Operações do Governo e da Subcomissão Permanente de
Investigações.
47
Tradução nossa: Subcomitê de Segurança Interna do Senado.
64

demissões, inúmeras sentenças de prisão e, até, algumas execuções,


(HOBSBAWM, 1994, p. 232) como a famosa história do casal Ethel e Julius
Rosenberg, na qual Pedroso (2014, p. 7) identifica que estas acusações de
espionagem permitiram que McCarthy ganhasse maior veracidade. A despeito disso,
o autor ressalta:

No caso da atuação anticomunista de Joseph McCarthy o que mais deve


ser levando em conta não são suas acusações infundadas ou não, mas o
resultado que tiveram, juntamente com os outros acontecimentos do
período. A crença de que os Estados Unidos e seu “estilo de vida” poderiam
ser destruídos por uma conspiração comunista ou por um ataque nuclear
resultou no chamado Red Scare [Medo Vermelho ou Perigo Vermelho].
(PEDROSO, 2014, p. 7)

Jusdado (2009, p. 115) caracteriza esse período, como, sem dúvida, o reflexo
mais evidente de como a tensão da Guerra Fria, em sua manifestação de histeria
anticomunista, influenciou e condicionou a vida dos Estados Unidos em seu aspecto
cultural. Em síntese, o anticomunismo se tornou extremamente popular em um país
baseado sob o individualismo e a empresa privada, que se auto intitulava em termos
seletivos ideológicos, como o “americanismo”, que, na prática pode-se construir uma
alegoria, funcionando como o elemento contraditório do comunismo. (HOBSBAWM,
1994, p. 232)
Como de praxe, um dos setores que mais intencionaram esse processo
inquisitorial foi, inegavelmente, Hollywood, em que circulou uma lista negra com
todos os suspeitos comunistas na indústria cinematográfica. Durante os anos que
antecederam a guerra, vários simpatizantes de esquerda foram trabalhar na indústria
cinematográfica, sobretudo, como roteiristas. O House Un-American Activities
Committee (HUAC), alertado dessa circunstância e de que haviam detectado
tendências radicais perigosas em Hollywood, que, considerando o sindicato dos
roteiristas, até mesmo, como um centro de atividade de conspiração comunista
(JUSDADO, 2009, p. 124), impedia que quem estivesse na lista, encontrasse
trabalho na cidade.
Ainda conforme Jusdado (2009, p. 114), em 1947, 41 pessoas relacionadas
às artes e ao cinema foram convocadas a depor no interrogatório público. The
65

Hollywood Ten48 foi o grupo de pessoas que se recusaram a depor, invocando a


Primeira Emenda da Constituição - que buscava proteger a liberdade de crença e de
expressão; e que posteriormente, mesmo assim, seriam processados por desacato
ou até condenados à prisão. Os estúdios que conseguiram se manter, abandonaram
o cunho que pudesse ser considerado propagandas pró-soviéticas - como aqueles
filmes lançados na época da Segunda Guerra Mundial, direcionando as produções
de seus diversos filmes às publicidades anticomunistas e antissoviéticos.
Furhammar e Isaksson (2001, p. 64) exemplifica que, em 1952, havia uma média de
pelo menos um filme por mês com tendências propagandísticas claras.
No entanto, Hobsbawm (1994, p. 244) considera que essa histeria
estadunidense não era baseada em princípios realistas, uma vez que o poder norte-
americano ainda continuava a ser bem maior que o soviético. Dessa maneira, nem
sequer havia indícios de que a URSS desejava uma guerra e que muito menos
estivesse planejando um ataque militar ao Ocidente. Na realidade, os pensamentos
de ataques nucleares vinham diretamente deste último, que conseguiram até
mesmo, convencer os soviéticos da possibilidade de um ataque nuclear preventivo
do Ocidente à URSS ou até mesmo imediato como em alguns períodos de 1983.

4.2 A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA NO GOVERNO REAGAN: A DÉCADA DO


CONSERVADORISMO

A desconstrução da Guerra Fria sobreveio mais intensa do que as outras em


meados da década de 1970, período também denominado como Segunda Guerra
Fria por Fred Halliday (1983) (Apud FREEDMAN, 2016, p. 123) que, coincidiu com
uma grande mudança na economia mundial em um período de crise a longo prazo
que caracterizaria as duas décadas a partir de 1973, e que atingiu o clímax no início
da década de 1980. (HOBSBAWM, 1994, p. 241)
Finalizou-se ainda no governo de Jimmy Carter (1977-1981), a détente e sua
política de rivalidade administrada junto à URSS. Este presidente em seu último ano
de administração, transformou drasticamente sua metodologia em relação à

48
Tradução nossa: Os dez hollywoodianos.
66

superpotência rival que, nos anos 1980, com a eleição do republicano Ronald
Reagan (1981-1989), permitiu o acirramento da mudança de rumo iniciada pelo ex-
presidente (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 62), ressaltando o discurso anticomunista
para um cunho protuberante (GADDIS, 2005, p. 135), bem como proporcionou o
início de uma onda conservadora, que na companhia de Margareth Thatcher da Grã-
Bretanha, Brian Mulroney do Canadá e Helmut Kohl da Alemanha, formaram a
supremacia dominante do capitalismo mundial. (PAIVA, 2012, p. 83)
Partindo para o tópico comentado no subitem anterior, Reagan poderia ser
caracterizado como um anticomunista feroz, pois assim que ocupou a Casa Branca,
já estava com intenções de agilizar a contenção do comunismo mundial. Segundo
Silveira e Alves (2018, p. 62), isso ocorreu devido a sua crítica exacerbada da
détente, que considerava um absurdo a União Soviética e os Estados Unidos serem
iguais na prática; bem como da estratégia da Destruição Mutuamente Assegurada
(MAD), que via “como imoral a estratégia que oferecia milhões de concidadãos como
reféns em um potencial suicídio nuclear coletivo, caso uma guerra de grandes
proporções eclodisse entre Leste e Oeste.”
Para isso, por conseguinte, parou com os avanços do desarmamento nuclear
que, anteriormente, governos norte-americanos haviam negociado nos anos 1970,
ao consentir a instalação de mísseis norte-americanos na Europa, como também,
lançou seu programa intitulado como “Guerra nas Estrelas”,49 referindo-se ao uso de
lasers e satélites que iriam defender os Estados Unidos de mísseis soviéticos,
através do anúncio de pesquisas como estratégia. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 62)
Em contrapartida, Purdy (2007, p. 261) descreveu:

A União Soviética viu essa iniciativa como agressão, recusando-se a


prosseguir nas negociações sobre armas nucleares. A oposição massiva de
europeus e americanos ao acirramento das relações entre os dois
superpoderes – em 1982, na maior manifestação da história do país, dois
milhões protestaram em Nova York contra armas nucleares – resultou na
retomada de negociações em 1983. A União Soviética, cuja influência
econômica e política sempre foi deliberadamente superestimada pelas
forças da inteligência norte-americana para justificar a Guerra Fria,
sucumbiu no fim dos anos 1980 à crise econômica e à divisão política
interna, deixando os Estados Unidos sem seu maior inimigo. (PURDY, 2007,
p. 261)

49
Originalmente: Strategic Defense Iniciative (SDI).
67

Os discursos de Reagan - sobretudo do primeiro mandato, eram


extremamente maniqueístas, nos quais a fundamentação era procurar vilanizar a
URSS e o comunismo em geral (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 61). Como tal,
conforme o historiador Lewis Gaddis (2005) frisou, Reagan possuía uma oratória
pública que era considerada a sua maior arma. Em uma de suas retóricas em 1983,
o presidente fez uma previsão ousada, ainda mais impressionante pela casualidade
com que a concedeu, por meio de sua declaração em um discurso à Associação
Nacional de Evangélicos, em termos teológicos que poderiam ter sido proferidos
pelo Papa: “(...) os comunistas pregam a supremacia do Estado, declaram sua
onipotência sobre o homem individual, e predizem sua eventual dominação de todos
os povos, sendo o foco do mal no mundo moderno”, que ficou comumente conhecida
denominação da URSS como "Império do Mal".50 (REAGAN, 1983, GADDIS, 2005,
p. 135)
Assim, durante seus dois períodos de governo (1981-1989) foi implementada
uma estratégia articulada e ambiciosa, que envolvia aspectos políticos, militares,
econômicos e psicológicos, cuja designação era Doutrina Reagan. Buscava se
contrapor à influência global da União Soviética, procurando estabelecer uma "paz
através da força", auxiliando guerrilheiros e movimentos armados, secretamente,
visando reverter os governos de países apoiados pelos soviéticos. (BRANDS, 2014,
Apud SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 62). Logo, a fim de mostrar a supremacia e a
invulnerabilidade de seu país, a política de Reagan poderia até mesmo executar
ações de domínio militar em territórios imóveis, tal qual invasão à ilha caribenha de
Granada (1983), o ataque aéreo e naval rígido à Líbia (1986), e ainda, a mais rígida
e incoerente invasão ao Panamá (1989). (HOBSBAWM, 1994, p. 244)
Em 1985, Mikhail Gorbachev chegou ao poder da URSS com uma singular
disposição de modernizar e reformar seu país, o que incluiria as relações com os
Estados Unidos, reconhecendo que “daí em diante, teria de haver glasnost
(publicidade) e perestroika (reestruturação) dentro da própria União Soviética, [pois]
Chernobyl (...) fez com que eu e meus colegas repensássemos muitas coisas”.
(GORBACHEV, 1985 Apud GADDIS, 2005, p. 139)

50
Originalmente: “As long as communists “preach the supremacy of the state, declare its omnipotence
over individual man, and predict its eventual domination of all peoples on Earth, they are the focus of
evil in the modern world.”
68

ILUSTRAÇÃO 6 – REAGAN COM GORBACHEV EM 1986

Fonte: New York Post, 2014.

Para isso, foi preciso um novo período de distensão com o bloco capitalista e,
assim, o líder soviético procurou logo retomar o diálogo com os Estados Unidos, no
qual Reagan mostrava-se decidido. Hobsbawm (1994, p. 246) considera que a
Guerra Fria acabou no período, em que as duas superpotências reconheceram a
incongruência da corrida nuclear, e quando uma acreditou na sinceridade da
vontade da outra de acabar com a ameaça nuclear. Assim, o mundo tem uma dívida
enorme com Mikhail Gorbachev, que não apenas tomou essa iniciativa como
também conseguiu convencer o governo norte-americano e outros no Ocidente de
sua veracidade. Por outro lado, a contribuição do presidente Reagan também foi
essencial, pois seu idealismo rompeu com a profunda prudência de ideólogos,
fanáticos e guerreiros profissionais. Em 1989, ocorre a queda do muro de Berlim e
termina o comunismo na Europa Oriental já quando George Bush, vice de Reagan,
estava governando os EUA. Posteriormente, no final de 1991, a própria URSS é
extinta. (GADDIS, 2005, p. 65)

4.3 MAPEAMENTO DOS FILMES E CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS FILMES


ANALISADOS
69

Ao longo da década de 1980, o cinema, bem como outros meios de


comunicação, desempenhou o papel de transmissores essenciais para exteriorizar e
simbolizar os discursos conservadores. Dessa forma, Hollywood não precisou de
grandes incentivos governamentais para se engajar na Guerra Fria, pois sua defesa
dos valores americanos (democracia, capitalismo, harmonia entre as classes sociais)
tornava os grandes estúdios estadunidenses inerentemente anticomunistas (SHAW;
YOUNGBLOOD, 2010 Apud SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 61) Analisaremos a seguir
as seguintes produções cinematográficas: Rambo, Rocky IV e Top Gun. Estes filmes
foram escolhidos a fim de demonstrar a utilização do combate ao comunismo por
meio da indústria cultural hollywoodiana.

4.3.1 Trilogia Rambo (1982-85-88)

A Trilogia Rambo (1982-85-88) nos permite desenvolver uma análise acerca


da ideologia norte-americana e de que maneira os roteiristas e produtores desta
saga retrataram conjunto de ideais com o contexto político daquela época,
prevalecendo um discurso conservador (SILVA, 2009, p. 1241), como também
reproduzindo uma tendência encontrada no cinema que Kellner (2001, p. 96)
denominou de “efeito Rambo”, ou seja, “forças poderosas na cultura contemporânea
[que] exercem vários efeitos discerníveis.”
Em Rambo I: First Blood (1982), John Rambo (Sylvester Stallone) é um
veterano das Forças Especiais advindo da guerra do Vietnã, que sofre com a forma
com que seus compatriotas e o governo norte-americano tratavam ele e os demais
(SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 67) ao retornarem para sua terra natal, algo
parcialmente mostrado no primeiro filme da série. Dessa maneira, ele é
marginalizado pelos órgãos legais em nível nacional e misturando um conjunto de
cenas com imagens do presente - em seu país, junto ao passado - no Vietnã,
desencadeou em atribuir a responsabilidade de sua situação às forças sociais e à
violência. (KELLNER, 2001, p. 87)
Comparando-se à uma figura paterna, o coronel Trautman (Richard Crenna),
demonstra apoio e amparo à Rambo no final do filme, em uma evidente metáfora da
70

representação do Estado recebendo seu cidadão de volta. (CRUZ, 2008, p. 36)


Assim, a própria representação de um homem justo, moderado e íntegro também
expressa o conservadorismo (CRUZ, 2008, p. 36) das forças armadas norte-
americanas, que se qualifica como uma corporação sistemática e racional, detentora
de todas as decisões e fatos mundiais. (SILVA, 2009, p. 1243) A série é, então, uma
expressão ideológica conservadora a favor do militarismo. Isso fica acentuado pelas
imagens que desde as cenas iniciais já demonstram um partido total da
representação da superioridade dos EUA.
O segundo filme da série, Rambo: First Blood Part II (1985), foi a segunda
maior bilheteria do ano nos Estados Unidos. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 67) Neste
filme da série, o personagem Marechal Murdock (Charles Napier) aparece como
antagônico à Rambo, representando o tecnocrata norte-americano, voltado aos
protocolos, às tecnologias e à civilidade, mas com um descomunal desvio de caráter.
É ressaltado por Cruz (2008, p. 40), uma possível crítica à estrutura da nação norte-
americana, que emite uma probabilidade do alto escalão do governo estadunidense
ter sido o responsável pelo fracasso da Guerra do Vietnã, uma vez que a
responsabilidade defensiva do país foi transferida a esses indivíduos que
presumivelmente pode ser representado pela figura de Murdock, ou seja, um
colaborador negligente, preocupado somente com estatísticas.
Ademais, o desenvolvimento da informática foi um marco do período da
produção de Rambo II, de maneira que, diferente do primeiro, no qual o protagonista
lutava apenas com seu corpo, sua faca e o que possuísse em mãos; no segundo
filme, é introduzido pelo coronel Trautman ao mundo da nova tecnologia, quando
este lhe expressa que terá de usar uma ferramenta nunca utilizada antes e que
deverá transferir seu trabalho para a tecnologia, ao invés de tentar realizar tudo
sozinho. (CRUZ, 2008, p. 37) A narrativa do filme passa a ser construída em torno
da suposição de superioridade tecnológica e informática estadunidense durante a
Guerra Fria com inovados aparatos de tecnologia sofisticada. (CRUZ, 2008, p. 37)
O protagonista é visto como um super-guerreiro que vai em busca de resgatar
outros combatentes estadunidenses que se tornaram prisioneiros dos vietnamitas e
de seus aliados soviéticos, dissociando o desempenho dos militares da conduta
político-estratégica do conflito e representando a paranoia dos EUA da época do
conservadorismo em torno daqueles prisioneiros. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 69)
71

Isso advém da política de Reagan, que perpetuava e direcionava a justificativa


de que os militares foram derrotados no conflito do sudeste asiático por meio do
insucesso dos decisores políticos norte-americanos, Sirota (2011) nos indica a fala
do presidente em 1981: “eles não foram derrotados. Foi-lhes negada a permissão
para vencer”. (Apud SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 70) E ainda, na década da
produção do longa, a posição conservadora do governo visava reconstruir a
confiança e o ânimo nacional procurando não abandonar os veteranos.
Seguindo essa linha de pensamento, Kellner (2001, p. 88) aponta como o
primeiro e o segundo filme da série demonstraram uma tentativa de reerguer a
confiança nacional e apagar das forças armadas estadunidenses o fracasso do
combate. Para isso, apresentou-se os veteranos não mais como os desajustados,
mas como super-guerreiros, realizando assim uma reação defensiva com uma
tentativa de superar a “síndrome do Vietnã”, decorrendo da incapacidade de se
aceitar a derrota, bem como apresentando uma compensação simbólica pela perda
da guerra.
Pode-se identificar que Rambo, é facilmente adaptável à natureza, pois possui
cabelos compridos, faixa na cabeça e subsistência natural à proporção que mescla
com uma tecnologia high-tech, autenticada pelo poderio de helicópteros, explosivos
e outras armas, permitindo enxergar essa junção à uma singela “máquina de
combate”. (KELLNER, 2001, p. 91) Logo, o soldado norte-americano armado, destrói
o poder militar dos comunistas, enfrentando e derrotando a poderosa máquina de
guerra soviética. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 70)

ILUSTRAÇÃO 7 – RAMBO
72

Fonte: Bae, 2014.

Ademais, faz-se necessária a análise do vilão mais bem definido de toda a


trilogia Rambo: o comunismo. Na filmografia examinada, o ator soviético, seja militar,
seja policial, costuma ser representado por alguém que age desprovido de valores
civilizatórios de maneira que se caracteriza como um sádico e desumano ou, ainda,
um indivíduo mecânico, desprovido de emoções; sendo grosseiramente
caracterizado como a personificação do Mal. Exemplificando esta afirmação, basta
observar que em toda a trilogia em nenhum momento conseguimos obter a tradução
do idioma russo ou norte-coreano, nem ver a expressão dos personagens
comunistas que sempre estão marcados com cicatrizes ou deformações físicas, de
forma que as representações se assemelham à caricaturas para representar o mal,
como o personagem tenente coronel Podovsky (Steven Berkoff). (CRUZ, 2008, p.39)
Em Rambo II e III, as cenas de tortura, sadismo e maus tratos a prisioneiros,
perpetradas por militares soviéticos, é prática comum nos interrogatórios feitos pelas
forças armadas e de segurança da União Soviética, não restando dúvidas sobre
suas condições de perversos (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 68), como pode ser visto
na cena da figura abaixo.

ILUSTRAÇÃO 8 – OS VILÕES TORTURAM RAMBO

Fonte: Marques, 2014.

O final feliz do filme é visto por Kellner (2001, p. 95), como um retorno à
tradição hollywoodiana conservadora na qual a vitória sobre os comunistas
malvados transcende Rambo, através de seu heroísmo, a uma “redenção mítica”
73

sobre a derrota estadunidense no Vietnã, que também foi realizada pelas políticas
de Reagan. Como corrobora Jeffords (1993), é preciso lembrar que, Reagan
utilizava dessa redenção mítica com naturalidade, ele e seu país eram sempre os
heróis. Era uma espécie de círculo completo de influência, em que a linguagem
maniqueísta hollywoodiana alimentou a visão acerca do inimigo comunista
propagada nos discursos do presidente “hollywoodiano”, este, por sua popularidade,
levaram o cinema a apresentar tal inimigo, por imagens e falas, de acordo com o que
o público esperava. (Apud SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 68)
Esta apresentação maniqueísta do outro malévolo se mostrou imprescindível,
pois uma vez assimilada esta visão de mundo pela sociedade; codificava-se como
positiva, até mesmo em relação às ações agressivas estadunidenses para resolver
os conflitos políticos, ainda que Reagan estivesse coibido de ordem legal e política
para realizar tais medidas violentas. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 68) Logo, os atos
mais conhecidos de Reagan como a invasão à Granada e o bombardeio da Líbia
eram, mais precisamente, o tipo de ato louvado nas produções Rambo, Top Gun
dentre outros épicos de sua era. (KELLNER, 2001, p. 103)
Rambo se tornou uma figura representativa do discurso político-ideológico dos
Estados Unidos, gerando uma verdadeira “Rambomania” cultural com lojas cheias
de artefatos de guerra como uma réplica do arco e flecha high-tech bem como
figuras de Rambo em pôsteres e buttons. (KELLNER, 2001, p. 97) Também, o
exército norte-americano se beneficiou pendurando cartazes do Rambo a fim de
instigar novos recrutas. Esse efeito do espetáculo Rambo expandiu os horizontes e
se tornou o campeão de bilheteria por todo o mundo, como na África do Sul, na
China, em Taiwan, na Venezuela e até em Israel. (Apud KELLNER, 2001, p. 101)

4.3.2 Rocky IV (1986)

Rocky IV é o quarto filme de uma saga já bem-sucedida, sendo a terceira


bilheteria do ano de 1986 nos Estados Unidos, ficando atrás apenas das
classificações de Top Gun e Rambo II entre os longas aqui examinados. Shaw &
Youngblood (2010) caracterizam o período de 1985-86 como o momento Cold
74

Warrior51 do mercado cinematográfico estadunidense, ocorrendo a exaltação da


Guerra Fria nos cinemas norte-americanos, quando estas três produções foram os
grandes sucessos comerciais da época. (Apud SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 73) Por
isso, todo o contexto social do momento de sua criação é carregado: desde as
vestimentas e os cortes de cabelo dos personagens, até o deslumbramento com a
tecnologia em seus usos domésticos ou pela música e inserção de clipes no estilo
MTV, tudo perfeitamente adequado para remontar os espectadores. (DOMINGOS,
2013, p. 2)
A produção e a estreia do filme foram exatamente no mesmo ano em que
Ronald Reagan disputou sua reeleição. O lançamento ocorreu em novembro de
1985, segundo Domingos (2013, p. 8), curiosamente o mesmo mês do primeiro
encontro de cúpula entre Reagan e Gorbachev - o divisor de águas da Guerra Fria.
Os filmes estrelados pelos personagens Rambo e Rocky, lançados em 1985,
exatamente o ano da ascensão de Gorbachev ao poder na URSS, podem ser vistos
como os equivalentes hollywoodianos mais virulentamente anticomunistas com os
mais violentos discursos de Reagan. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 73) Kellner
considera que há uma síndrome Rocky-Rambo, no qual eles obtêm reconhecimento
e autoafirmação devido ao seu exibicionismo violento e agressivo, bem como a
ideologia conservadora, que está no âmago da sociedade estadunidense.
(KELLNER, 2001, p. 90)
A narração da filmagem é bem simplória e há personagens bem delimitados
como: um mocinho, Rocky Balboa (Sylvester Stallone), estrela de três filmes
antecedentes; uma vítima, Apollo Creed (Carl Weathers) e um inimigo, Drago (Dolph
Lundgren). (DOMINGOS, 2013, p. 8) No entanto, a rivalidade político-ideológica é
bastante proeminente e bem adaptada ao enredo. Como exemplo, logo no início do
filme, são evidenciados dois punhos vestidos com luvas de boxe que se chocam, e
que, posteriormente, explodem. Uma está estampada com a bandeira dos Estados
Unidos, o Capitalismo; enquanto a outra estampa a bandeira da União Soviética, o
Comunismo: uma alegoria direta à Guerra Fria. Além disso, a trilha sonora com a
música “Burning Heart” da banda de rock Survivor, possui críticas indiscutíveis ao
Ocidente capitalista contra o Oriente comunista, como no trecho: “Dois mundos

51 Tradução nossa: Aquele que apoia ou está envolvido na Guerra Fria.


75

colidem, nações rivais (...) Parece que nossa liberdade luta contra as cordas. (...) é o
Ocidente contra o Oriente ou homem contra homem?” (PETERIK; SULLIVAN, 1985)

FIGURA 9 – LUTA URSS X EUA

Fonte: LUCENA, 2006, p. 30.

Ademais, através da cena que exibe uma entrevista coletiva antecessora à


luta entre Apollo Creed e Drago, estabeleceu-se um diálogo que marca uma
identidade do lutador norte-americano com seu patriotismo, indiscutivelmente, uma
representação do American Way of Life. Apollo, quando decide lutar com o boxeador
soviético, diz: “Eu não quero que aquele cara chegue aqui tentando nos
menosprezar. Eles sempre tentam isso. Com a ajuda de Rocky e da imprensa
podemos mostrar que eles é que não prestam.” (LUCENA, 2006, p. 32) Sob esse
prisma, Domingos (2013, p. 3) considera que a afirmativa de Apollo “algumas
pessoas só aprendem na pancada” é uma axiomática demonstração da capacidade
militar estadunidense buscando subjugar os demais povos do globo terrestre.
No embate entre os dois lutadores, Apollo Creed entra no ringue vestindo com
um casaco e um chapéu com a bandeira estadunidense estampada, uma evidente
caracterização do Tio Sam - a figura mais representativa da nação norte-americana.
A plateia, orgulhosamente nacionalista e propagadora do American Dream, canta
uma música que se ouve no refrão de sua letra: “Eu vivo na América, diga bem forte
e com orgulho.”
.
FIGURA 10 – APOLLO CREED DE TIO SAM
76

Fonte: IMDB.
O oponente soviético, Ivan Drago, como atleta e oficial do Exército Vermelho,
aparece pela primeira vez com trajes militares, um símbolo de força e de guerra. Por
possuir uma força surpreendente, é comparado à uma máquina mortífera invencível
e indestrutível (SOUZA ET AL., 2018, p. 63), não a um criminoso como de praxe. O
personagem não possui falas no longa e sua expressão facial é desprovida de
emoções. Em sua primeira luta, após derrotar violentamente Apollo, Drago não
demonstra nenhuma preocupação com a saúde de seu rival, agindo de maneira
desumana como indica a sua fala para a imprensa após o confronto: “Se ele morrer,
morreu.” (DOMINGOS, 2013, p. 9). Posteriormente, a morte de seu oponente não
causou impacto algum nele, apenas indiferença.
Sua equipe, também insolente e desumana, lhe disponibiliza drogas ilícitas
para aumentar seu desempenho, depreendendo-se como trapaceiros e criminosos
da nação soviética que fogem às regras. Drago é, somente, o instrumento desse
Estado, por ser dotado de menor poder e, por isso, funciona como um mero
mecanismo de obediência aos seus superiores. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 68)
Manoel Vega (James C. Green), seu treinador, desafia Rocky a lutar com seu aluno
boxeador e, quando indagado pela mídia sobre se o soviético teria condições de
enfrentar o norte-americano, Vega diz, referindo-se à Drago: “Não existe ninguém
que possa superar a sua força, resistência e agressividade.” (LUCENA, 2006, p. 31)
Isso demonstra a superioridade que o treinador implica, significando que o país
ocidental não teria nenhuma chance com a URSS. Em sequência, Rocky promete
vingar a morte de seu amigo Apollo Creed, aceitando o desafio com o mesmo
adversário russo.
A luta final entre eles se situa em Moscou, presente com o próprio estadista
soviético, interpretado por um ator sósia de Gorbachev. Dos filmes examinados,
77

Rocky IV é o único que tem cenas, supostamente, ambientadas na União Soviética.


As cenas dos treinamentos de ambos os lutadores, ambientadas na URSS fictícia,
fazem um paralelo, em que Rocky fica em uma casa pequena com pouca
infraestrutura e treina naturalmente com ações dinâmicas comuns tais como cortar
lenha, carregar pedras e correr na neve; enquanto Ivan possuía um centro de
treinamento todo equipado com modernos equipamentos, sendo estimulado, cada
vez mais, a superar seus próprios limites verificando sua potencialidade máxima a
todo tempo. (GONÇALVES, 2016, p. 16)
Evidentemente, nessa luta de boxe entre os dois lutadores são novamente
ressaltados o nacionalismo, a rivalidade e a tensão entre as duas nações - os
Estados Unidos com sua bandeira estampada no calção de Rocky, enquanto Drago
veste as cores da bandeira soviética, como pode ser notado na figura abaixo.
(SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 73)

FIGURA 11 – DRAGO E ROCKY

Fonte: IMDB.

Pode ser constatado nas palavras do protagonista: “Para me vencer, ele terá
de me matar. E para me matar ele precisa ter coragem de ficar diante de mim. E
para fazer isso, ele deve estar disposto a morrer também”, o desejo reaganista de
solucionar os conflitos através da violência. Contudo, Rocky é um indivíduo
possuidor de uma enorme nobreza e, nos últimos minutos do filme, muda seu teor
vingativo à pacifista. (DOMINGOS, 2013, p. 12) Logo, vence a luta e, ainda muito
ferido, segue com um discurso – e também exerce críticas à guerra ao alegar que é
78

melhor dois homens se matando no ringue do que vinte milhões morrendo. (SOUZA
ET AL. p. 64) Em suas singelas palavras:

Quando eu cheguei aqui hoje, eu não sabia o que ia encontrar. Eu vi que as


pessoas me odiavam e não sabia muito bem o porquê, por isso, eu fiquei
com raiva também. E durante a luta, a coisa foi mudando, mudou o que
vocês sentiam por mim e o que eu sentia por vocês. No ringue tinham dois
caras se matando, mas acho que é melhor do que milhões. Mas o que eu
quero é que entendam que se eu posso mudar, vocês podem mudar, todo
mundo pode mudar”. (LUCENA, 2006, p. 36)

FIGURA 12 – ROCKY CAMPEÃO

Fonte: IMDB.

Ele é reverenciado por toda a plateia simulada da produção, inclusive o


primeiro-ministro da URSS e seus assessores. Congela-se a imagem do lutador
norte-americano, abraçado à bandeira de seu país. Rocky representa um cidadão
bondoso e humilde que aproveitou uma oportunidade dada e, surpreendentemente,
ganhou o título. Um herói norte-americano e um verdadeiro self made men.
(SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 67) Igualmente com a segunda metade da década de
1980, a luta caracteriza o período de esgotamento, tanto dos personagens
oponentes, quanto dos países antagônicos – EUA e URSS, que se encontram em
seus estertores. No entanto, por fim, após uma longa disputa com diversos esforços,
o lado capitalista, finalmente; vence o lado o comunista. (SILVEIRA; ALVES, 2018,
p. 73)
79

4.3.3 Top Gun (1986)

Top Gun – Ases Indomáveis (1986) é visto como o filme mais discreto em
relação à vilanização dos russos presente nessa compilação cinematográfica uma
vez que, apesar de seu tom militarista, não reflete o anticomunismo de maneira tão
temível, assim como nos filmes anteriores. Talvez por ter sido produzido nos fins da
Guerra Fria, em nenhum momento são identificados quem são os vilões que
enfrentam os norte-americanos nas águas internacionais – ainda que tenham
estrelas vermelhas nas boinas destes e voem em MIGs, um avião soviético, não é
feita nenhuma alusão direta. Mesmo assim, seu enredo é uma composição de
fatores correlacionados com o contexto geopolítico e social da época. (SILVEIRA;
ALVES, 2018, p. 73)
Da mesma forma que Rambo e outros filmes sobre o retorno do Vietnã, Top
Gun celebra o heroísmo individualista, a bravura militar, os valores norte-americanos
conservadores, e um universo binário de luta entre o bem e o mal, sendo os norte-
americanos considerados a bondade extrema ao passo que o inimigo é o mal
absoluto. O protagonista Pete Mitchell, cujo codinome é Maverick (Tom Cruise), é
um herói de guerra, que se localiza nesse cenário maniqueísta, que Jeffords (1993)
assemelha à Reagan, cujo happy end sempre designa seu país como o herói. (Apud
SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 68) A guerra neste filme é contida destacando as
qualidades e os valores dos soldados norte-americanos, reciclados em um jovem
heroico, longe do Vietnã, em que a guerra parecia afastada do horizonte imediato
das nações. (TEIXEIRA DA SILVA, 2004, p. 20) É retratado, sobretudo, os ideais de
competição e de vitória através de elementos tais como a honra militarista, esportista
e também, a reputação social, sobressaindo o louvor acerca da retratação individual
de como ser e fazer o melhor para estar no topo. (KELLNER, 2001, p. 105)

ILUSTRAÇÃO 13 – O HERÓI MAVERICK


80

Fonte: IMDB.

Top Gun representa uma das ficções reaganistas que coloca à disposição
representações culturais que mobilizavam o apoio e legitimavam sua política
agressiva (KELLNER, 2001, p. 104), codificando os valores conservadores e
militaristas. O reaganismo dos anos 1980 é encontrado através da estruturação
visual e narrativa infundida no sorriso vitorioso de Tom Cruise, e ideologicamente, o
heroísmo militar é celebrado como a forma de obter aceitação e prestígio social. O
militarismo do governo Reagan precisava de filmes como este para atingir jovens
competitivos perfeitos para impulsionar a economia e levá-la a atingir novos
patamares. (TEIXEIRA DA SILVA, 2004, p. 20) O elogio da competição e da vitória
como o valor supremo ajuda na propagação de valores sociais apropriados
(referentes ao capitalismo), ao mesmo tempo em que se perpetua o mito do
American Dream. (KELLNER, 2001, p. 105)
Foi anunciado que os EUA precisavam manter sua quantidade de pilotos de
caça de elite especializados no mundo contemporâneo e, para o treinamento destes,
a Força Aérea da Marinha criou uma escola: a Navy Fighter Weapons School ou,
simplesmente, Top Gun. (SHARP, 1998 Apud Dodds, 2003 p. 215) Nesse sentido, o
protagonista e a mocinha Charlie (Kelly McGillis) são personagens que, devido ao
seu poder atrativo e por fazerem parte das Forças Armadas dos Estados Unidos, a
U.S Navy (USN),52 redobraram às atenções ao ramo militar.
Referências estéticas com a estruturação modernista das imagens high-tech,
assim como as montagens destas com sons dos motores e a estruturação de aviões
utilizando um enquadramento não centralizado com cortes rápidos e embalados por

52 Tradução nossa: Marinha dos Estados Unidos.


81

uma canção específica, deram aos pilotos de caça um viés completamente místico,
que baseados em um heroísmo e masculinidade, formam a figura Top Gun – um
indivíduo que triunfa em todos os setores da vida moderna, constituindo um modelo-
base para a juventude da Era Reaganista. Por fim, estabelecem toda essa carga
ideológica para criar um conjunto de pilotos e o ideal de poder e glória aterradores.
Maverick e seu copiloto Goose (Anthony Edwards) passam por uma prova para
entrar em uma competição que ganhará somente o “melhor dos melhores, os top
guns” ressaltados na imagem abaixo. Neste universo reaganista, apenas a elite
obtém sucesso na competição pela riqueza e poder, enquanto os tímidos ficam à
deriva e são privados da honra, pois são considerados apenas “perdedores”.
(KELLNER, 2001, p. 107)

ILUSTRAÇÃO 14 – OS ALUNOS TOP GUN

Fonte: IMDB.

Na cerimônia de formatura, os candidatos de elite, Iceman com seu parceiro e


Maverick com Merlin, são chamados para irem imediatamente a uma missão no
Oceano Índico, onde um navio estadunidense - o SS Layton, está perdido e
necessita ser resgatado, antes que o inimigo o encontre primeiro. Os personagens
se deparam com MIGs inimigos (que evidentemente não eram verdadeiros, pois na
época era impossível conseguir aeronaves soviéticas legítimas) e, em uma situação
crítica, Maverick salva Iceman de um perigo e consegue derrubar uma série de
MIGs, tornando-se o herói de seu grupo. O efeito Top Gun mostra que, não importa
qual seja o inimigo, somente ele tem o poder de triunfar. Essas cenas finais
82

celebram o papel vital que as forças armadas e o heroísmo militar possuem.


(KELLNER, 2001, p. 110)
Tal qual Rambo, Top Gun foi um dos filmes mais populares de sua época,
possuindo a maior arrecadação do ano de 1986, o que nos leva a crer que estava
sintonizado com o comportamento social característico da época (KELLNER, 2001,
p. 105) e com os valores básicos do conservadorismo e o militarismo reaganistas
auxiliando-os em sua difusão. A influência da obra foi tanta que, posteriormente,
levou muitos universitários a sonhar com a vida militar contribuindo para um grande
aumento de inscrições em academias militares. Aliás, até muitos pilotos e
comentaristas se referiam ao filme para descrever os feitos da aviação militar
estadunidense. (KELLNER, 2001, p. 111) Logo, o conservadorismo é reproduzido
com perfeição em discursos conservadores acerca do período sobre vitória e
competição individual, Forças Armadas, família e patriotismo. Assim, o filme número
1 do ano de 1986 possibilita a análise ideológica dominante daquele período,
reproduzindo-a e reforçando-a vigorosamente. (KELLNER, 2001, p. 114)
83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se os argumentos apresentados, identificamos que os


conceitos de Joseph Nye, hard power e soft power, definitivamente, podem agir
como enormes influenciadores em outras nações, seja cada um atuando
isoladamente ou, podendo até mesmo, trabalharem em conjunto. Conclui-se que a
premissa da primazia bélica e coercitiva, o Hard Power, no decorrer das Relações
Internacionais, não será, via de regra, suficiente para que um país se torne uma
potência dominante no âmbito internacional, necessitando que obtenham poderes
militares e econômicos, como também, obtendo cooptação cultural, o Soft Power. A
força militar de um Estado que era considerada a supremacia, se transformou na
capacidade que um ator tem de alcançar resultados por meio da influência de seus
valores. Em virtude dessa discussão ocorrida no decorrer da pesquisa, pudemos
compreender, também, as sutis diferenças entre a diplomacia cultural e as relações
internacionais culturais.
Relacionando o poder que o cinema ocupa no imaginário coletivo, verifica-se
que este se tornou um instrumento intrínseco ao soft power que ao reproduzirem a
visão de mundo norte-americana nas telas de cinema pelos quatro cantos do mundo
tornou-se altamente eficiente para o Estado, cooptando, disseminando e
exteriorizando uma realidade própria construída provocando no público certo fascínio
diante às telas, ou pelo menos, comoção. Cada indivíduo se torna passivo diante do
espetáculo que lhe é apresentado. Como resultado, as ideologias estadunidenses
são difundidas através dos filmes, obtendo um escoamento da aceitação dos valores
norte-americanos na comunidade internacional, bem como a manutenção de seu
poder no Sistema Internacional. O cinema é uma escolha inteligente de promover
estes interesses, pois os filmes podem passar absortos de doutrina, ou seja, se
passam muitas vezes por um entretenimento despolitizado comum.
Isso posto, essa indústria cultural proporciona a propagação da experiência
do American Dream, da aquisição de sonhos e promessas da liberdade e
democracia ao reproduzirem a visão de mundo norte-americana nas telas de cinema
pelos quatro cantos do mundo, atuante como influenciadores nas Relações
Internacionais. É inegável que os filmes têm uma função social que não pode ser
84

ignorada influenciando a sociedade, formando opiniões e ideologias. Neste trabalho


acompanhamos um histórico do cinema e do uso desta mídia como ferramenta de
propaganda ideológica.
Os filmes promovem uma admiração no que está sendo assistido que provoca
um escoamento da atração dos atores, efetivando o soft power. Como inseriu
Joseph Nye, os países que possuem algum tipo de dificuldade no seu
desenvolvimento, sentem maior atração pelo que a nação norte-americana propõe,
uma vez que os filmes vão apontar os valores como a liberdade e democracia,
extremamente fortes que a Terra Prometida caracteriza como inerentes a ela, onde
os sonhos serão realizados. As produções cinematográficas vão permitir a facilidade
com que as ações políticas dos Estados Unidos operam dentro do plano
internacional, presentes nos filmes produzidos nas épocas aqui analisados.
Diante do tema decorrido, as empresas norte-americanas tiveram papel
fundamental para a propagação do American Way of Life no resto do mundo, ou
seja, levaram os ideais de consumo em massa de bens como a liberdade,
democracia, direitos inerentes ao ser humano, promoção do capitalismo e a busca
pela felicidade. Isso também quer dizer que, enquanto almejavam seu crescimento
econômico e expansão de seu mercado, as empresas cinematográficas
desempenharam uma autoridade e função disseminadoras - quase - centrais,
através do enorme prestígio de suas produções. Logo, Hollywood, sutilmente se
tornou a transmissora imprescindível do Soft Power dos Estados Unidos. Os Estados
Unidos para a obtenção desse poder dominante, tiveram sua cultura e valores
políticos-ideológicos dentro de outros países, através de empresas e marcas
mundialmente reconhecidas, como a Coca-Cola e o Mc Donald’s.
Também as teorias referentes às pesquisas dos meios de comunicação nos
auxiliaram na percepção de que a indústria cinematográfica demonstrando suas
ideologias e valores políticos que foram interpretadas de diversas formas, alterando-
se em torno do indivíduo como sujeito central. Assim, o impacto propagado pelos
meios de comunicação agindo diretamente no comportamento psicológico dos
telespectadores foi superada, porquanto que os atores não devem ser analisados
em conjunto por um caráter uniforme, mas sim individualmente, afinal, cada um
possui suas próprias convicções que vão variar de indivíduo para outro. Além disso,
os fatores externos (como os culturais, sociais e religiosos) e suas relações
85

interpessoais devem ser considerados, bem como os contextos sociais em que


estão inseridos, uma vez que cada ser humano está condicionado a alterar-se
conforme seu ambiente geográfico e social. E ainda, não há como considerar que
exista apenas uma teoria comunicacional que vai definitivamente explicar essas
trocas culturais, havendo até mesmo, teorias com um tom mais crítico.
Ademais, vale lembrar que os Estados Unidos pautaram sua política externa,
desde a sua independência, na convicção de um mito, o Excepcionalismo, quando
através do imaginário coletivo de seu povo, supunham o pressuposto de que eram
uma supernação que fora escolhida por Deus cuja missão era a de salvar o resto do
mundo, espalhando os ideais de liberdade, democracia e patriotismo, promovendo a
junção entre religião e política. Através dessa fundamentação, nasceu o American
Dream, no qual sua população se configurava pela busca de ideais utópicos em seu
ambiente doméstico, instalando-se à ideia de que, também, são considerados
valores universais imprescindíveis a todos os indivíduos, a vida, a liberdade e a
procura da liberdade, tal qual está presente em sua Declaração de Independência de
1776.
Ora, se fazer parte de uma nação significa compartilhar o mesmo idioma,
tradições, normas, vontades e interesses, os Estados Unidos conseguem, através da
indústria hollywoodiana, espalhar muitos destes elementos. A riqueza e o
universalismo presentes na linguagem do cinema auxiliam na absorção em todos os
países. Uma das inovações da diplomacia norte-americana foi em investir na
construção de instituições que promoveriam os valores culturais norte-americanos
concomitantemente que serviriam os interesses alheios.
Estudamos também os novos enredos, inimigos e valores que surgiam
simultaneamente aos acontecimentos históricos. O governo Roosevelt quando
propagou a política da Boa Vizinhança para todo o território latino-americano,
inicialmente, tinha como função distanciar qualquer possível aproximação deste
continente com os regimes totalitários que pairavam ali, afastando os nazifascistas e
mantendo seu status quo sobre aquela região através da premissa de liberdade e
democracia. Essa política externa inaugurou a notável propagação do American Way
of Life em seus vizinhos latino-americanos. Uma vez verificada essa conquista, a
prática foi estendida, através da solidariedade econômica (afinal, a liderança no
militarismo e na economia tenderia a ser associada à uma liderança política e
86

ideológica) aos outros continentes inexplorados anteriormente ao fim da Segunda


Guerra: Europa e Ásia, cujo objetivo nesse instante foi o de conter o avanço do
comunismo no resto do mundo. No entanto, os soviéticos também foram heróis de
guerra - contra os nazifascistas, e várias características do comunismo podiam ser
consideradas bastante atraentes para a população.
A década de 1980 foi marcada pela ascensão do conservadorismo com os
dois governos de Ronald Reagan e, então, o cinema estadunidense se caracterizou
como o mais virulentamente anticomunista - em um nível que eram tão abomináveis
quanto à figura dos nazistas, dando origem a alguns dos títulos de maior sucesso de
bilheteria do período, verdadeiros ícones dos ideais norte-americanos: Top Gun,
Rambo e Rocky IV. Os dois últimos, sobretudo, estrelando com os personagens de
sagas já bem consagrados entre os telespectadores: Rambo e Rocky, ambos
desempenhados por Sylvester Stallone. Juntamente com Top Gun, estrelado por
Tom Cruise, todos os filmes escolhidos foram de fato construídos e desenvolvidos
como um retrato sentimental da sociedade, ou pelo menos, do que a população
deveria sentir. Além disso, é interessante como as estreias de Rambo e Rocky IV,
duas produções cinematográficas altamente conservadoras e carregadas de
elementos político-ideológicos se deram exatamente no mesmo ano de 1985 em que
Gorbachev assumiu o poder da URSS. Posteriormente a esse período, no entanto,
os presidentes estadunidense e soviético implantaram a distensão entre as duas
nações, significando os primeiros passos do fim da Guerra Fria.
O papel heroico que os Estados Unidos acreditavam estar ocupando ao
liderar o mundo livre em uma era capitalista, consumista e democrática, dependia
demasiadamente de um adversário que se opusesse a estes valores e motivassem
os EUA a se superarem cada vez mais: rotular a União Soviética como o Mal era
uma conjuntura perfeita para se auto conceituar como o Bem. A construção de uma
grande parte da história cultural do país foi a partir dos filmes de Hollywood e; bem
como Ronald Reagan, ex-ator hollywoodiano que adorava histórias de ficção
maniqueístas, não havia ninguém melhor para representar essa nova forma de herói
senão o país que ele governava. Tal como os personagens fílmicos, os Estados
Unidos seriam os heróis mais infalíveis de todo o mundo.
É inegável o empenho que os scripts dos filmes possuíam, evidentemente
dignos de uma superprodução. Os comunistas, ao serem depreciados nas
87

produções cinematográficas, perdem sua singularidade, sua particularidade;


tornando-se uma enorme generalização da personificação do Mal. Com isso, os
Estados Unidos no papel do Bem, acentuaram a naturalização do combate ao
inimigo, uma vez que eles não são iguais aos estadunidenses, nem possuem
sentimentos; são apenas seres nefastos que devem ser exterminados. O comunismo
e toda a identidade transmitida pelos soviéticos transformava-os nos inimigos
perfeitos para os norte-americanos. Devido à essa facilidade, toda vez que o
governo Reagan autorizava a invasão a um governo comunista, repressor ou não-
alinhado, em defesa dos ideais norte-americanos, quase toda a sociedade não se
opunha e via como normal. Aquilo que, teoricamente, deveria ser solucionado por
toda a comunidade internacional, para reduzir os impactos negativos, é, na
realidade, visto como um dever único e exclusivo dos heróis de guerra da nação.
É indispensável reconhecer que esta realidade imaginativa anticomunista é
permeada pela sobressaliência do sentimento medo - o governo e a própria
população estadunidense originam e reproduzem o Excepcionalismo norte-
americano diariamente em seus cotidianos imaginativos, contemporizando o medo
constante de seus inimigos através da paranoia instaurada, o que é perpetuado por
todo o mundo. Ainda que não fossem tentativas de intervenções diretas ao
imaginário da sociedade, a demonstração de inimigos da política externa
estadunidense é o suficiente para que essa indústria cultural acabasse por legitimá-
los e torná-los parte da nossa construção própria usualmente, permitindo que
influenciassem e continuassem a impactar dentro de outras sociedades, inseridos
em consonância com cada período e sociedade, tal como visto nas teorias
comunicativas. Logo, a capacidade de Soft Power se caracteriza como imprevisível
por remeter a fragilidade das ações.
A intenção desse estudo foi de expor como o Soft Power atua presente nos
Estados, bem como as empresas cinematográficas vão se caracterizar em
elementos imprescindíveis para a veemência do poder norte-americano perante o
Sistema Internacional. Os vilões das películas aqui analisadas, sejam comunistas,
nazistas ou soviéticos, jamais conseguiriam superar os valores e ideais
representados e defendidos pelo American Dream; seja ele um personagem heroico
de ficção ou, até mesmo, um país superpoderoso. Diante dessas constatações, é
evidente que o trabalho não acaba aqui, uma vez que a inserção de valores
88

pertinentes em outras culturas pela indústria cinematográfica para a manutenção de


seu poder, não se encerra. O desenvolvimento desse tema ainda se faz moderno,
permitindo que passe por constantes mudanças e, que a cada vez, novos valores ou
novos inimigos sejam inseridos no ambiente internacional e promovam a
manutenção do poder que os Estados podem exercer.
89

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