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CURITIBA
2018
DIANA LUMI NISHIDA
CURITIBA
2018
DIANA LUMI NISHIDA
Orientadora: _____________________________________
Dra. Janiffer Tammy Gusso Zarpelon
___________________________________
Prof. Membro da Banca
___________________________________
Prof. Membro da Banca
Curitiba, de de 2018.
À Regina e Alexandre,
indiscutivelmente,
meus alicerces.
AGRADECIMENTOS
In the period of the Cold War, the world was confronted with a climate of tension born
of ideological differences between the US and the USSR, especially in 1980 in the
Reagan era. The film industry of the United States during this period influenced (and
impacted) the entire International System, using the cinema as an instrument of soft
power. The objective of this work is to analyze the use of cinema by the United
States in order to spread its visions and interests over other countries, having as a
case study the famous films: Trilogy Rambo (1982-1985-1988), Rocky IV (1985) and
Top Gun (1986). These films produced images that suggested political-ideological
interpretations framed in this context used as defensive and propagating tools of the
American Way of Life, as well as collaborators in their proposal to link to the
cinematographic productions to the diffusion of these ideas, promoting a surprising
social impact that transcends the limits of entertainment.
RESUMO................................................................................................................... 06
ABSTRACT............................................................................................................... 07
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ....................................................................................... 08
LISTA DE TABELAS ................................................................................................ 09
LISTA DE SIGLAS .................................................................................................... 10
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
2 RELAÇÕES INTERNACIONAIS E CINEMA: CONCEITOS .................................. 15
2.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PODER ......................................................... 15
2.2 DISTINÇÕES ENTRE HARD POWER E SOFT POWER ................................... 18
2.3 O PAPEL HISTÓRICO DO CINEMA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ...... 23
2.4 TEORIAS DA COMUNICAÇÃO SOBRE A INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA .. 29
3 AS RELAÇÕES CULTURAIS DO CINEMA ESTADUNIDENSE E A
PROPAGAÇÃO DO AMERICAN WAY OF LIFE...................................................... 35
3.1 DIPLOMACIA CULTURAL X RELAÇÕES INTERNACIONAIS CULTURAIS ...... 35
3.2 A DIPLOMACIA CULTURAL DOS ESTADOS UNIDOS E A AMPLIAÇÃO DE
SEU SOFT POWER .................................................................................................. 38
3.3 O INÍCIO DO AMERICAN WAY OF LIFE E A CONSTRUÇÃO DO SOFT POWER
ATRAVÉS DO CINEMA ............................................................................................ 42
3.3.1 A origem do mito American Dream .................................................................. 44
3.3.2 O New Deal de Roosevelt e o American Dream na cinematografia singular.... 46
3.3.3 O soft power da Segunda Guerra Mundial: A Política da Boa Vizinhança e as
Relações Culturais Interamericanas.......................................................................... 49
4 ANÁLISE DO CINEMA ESTADUNIDENSE COMO SOFT POWER NA
PROPAGAÇÃO IDEOLÓGICA DO GOVERNO REAGAN....................................... 54
4.1 A DIFERENÇA IDEOLÓGICA ENTRE EUA x URSS NA GUERRA FRIA .......... 55
4.1.1 A ideologia norte-americana do consumo liberal no bloco capitalista ............. 59
4.1.2 A “Ameaça Vermelha” e o Anticomunismo ....................................................... 61
4.2 A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA NO GOVERNO REAGAN: A
DÉCADA DO CONSERVADORISMO ...................................................................... 65
4.3 MAPEAMENTO DOS FILMES E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ESCOLHA
DOS FILMES ANALISADOS ..................................................................................... 68
4.3.1 Trilogia Rambo (1982-85-88) ........................................................................... 69
4.3.2 Rocky IV (1986) ................................................................................................ 73
4.3.3 Top Gun (1986) ................................................................................................ 79
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 83
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 89
12
1 INTRODUÇÃO
Já para Nye (2004a), a ideia mais popular de poder entre os políticos práticos
e pessoas comuns é aquela em que consideram um país poderoso quando tem um
enorme território, recursos naturais extensos, força econômica e militar relevantes,
estabilidade social e é densamente povoado. “A virtude dessa segunda definição é
objects, etc. - (...) A study of the war potential of nations is also a study of the bases of power. Some
of the possible bases of a President's power over a Senator are his patronage, his constituional veto,
the possibility of calling White House conferences, his influence with the national electorate, his
charisma, his charm, and the like.”
17
que ela faz com que o poder pareça mais concreto, mensurável e previsível.” 4 (NYE,
2004a, p. 3, tradução nossa)
No entanto, para o autor, essa definição também encontra problemas, pois
quando os indivíduos pensam no poder apenas como sinônimo dos recursos que
possuem, vão se deparar com a contradição em que os Estados mais dotados de
poder nem sempre conseguirão os resultados que almejam. As forças da
globalização na economia e a revolução da informação global são características
que impactam para a mudança de poder, uma vez que com o tempo, a tecnologia se
proliferará por diversos outros Estados e suas populações. Como exemplo, Nye
(2004a) cita quando os Estados Unidos perderam a Guerra do Vietnã, mesmo que
possuíssem mais recursos naquele momento do que seu rival. (NYE, 2004a, p. 3)
Dessa forma, este conceito tradicional de poder em que os recursos militares
seriam a maneira mais eficiente de medir o poder de um ator, não corresponde ao
proposto por Keohane e Nye (1989) quando produziram a obra “Power and
Interdependence”.5 Para eles, o poder seria a capacidade de um ator de fazer com
que os outros façam algo, caso contrário, não o fariam (e também a um custo
aceitável para o outro). O poder também pode ser obtido quando dispõe de controle
sobre os resultados das negociações. (KEOHANE & NYE, 1989, p.11)
Logo, os recursos militares não seriam suficientes e nem seriam aplicados de
maneira adequada em relação às mudanças dentro do contexto internacional. Além
disso, seria necessário saber qual o potencial do ator para influenciar o resultado
das negociações, bem como, o processo de barganha (ESTRE, 2011, p. 26), ou
seja, como essas capacidades são aplicadas.
Ademais, o cientista político Nye em sua obra isolada (2004a), se aproxima
dos conceitos observados por Robert Dahl (1957), bem como continua com a ideia
adquirida em sua obra anterior com Keohane (1989). Dessa forma, os teóricos
acreditam que os comportamentos dos atores são necessários para adquirir poder,
tal que:
4 Originalmente: “The virtue of this second definition is that it makes power appear more concrete,
measurable, and predictable.”
5 Tradução nossa: O Poder e a Interdependência.
18
É introduzido o conceito de Soft Power por Joseph Nye no final dos anos
1980, que foi originado do debate acadêmico das Relações Internacionais e
publicado pela primeira vez em um artigo para a “Foreign Policy”9 em 1990, sendo
melhor desenvolvido em suas obras posteriores (2002, 2004a, 2004b). A partir dessa
obra, viu-se uma crescente introdução do termo soft power em discursos políticos,
na cultura e na mídia dos países – sobretudo naqueles considerados influentes em
propagá-lo.
De acordo com Nye (2004a), Hard Power e Soft Power são conceitos que se
relacionam, pois ambos são características para descrever a habilidade de um ator
político (como o Estado) para atingir um objetivo específico ao afetar o
comportamento ou interesses de outros atores no Sistema Internacional.
6 Originalmente: “Power is the ability to influence the behaviour of others to get the outcomes one
wants. But there are several ways to affect the behaviour of others. You can coerce them with threats;
you can induce them with payments; or you can attract and co-opt them to want what you want.”
7 Tradução nossa: Poder forte. Será adotado o termo em inglês neste trabalho.
8 Tradução nossa: Poder brando. Será adotado o termo em inglês neste trabalho.
9 Tradução nossa: Política Externa.
19
O soft power, então, contrasta com o hard power, ao influenciar outros atores
a fazer aquilo que se deseja pela atração, e não mais através da coerção. Portanto,
diz-se que é exercido o poder de um ator sobre o outro por intermédio de meios
como a diplomacia e política externa, a cooptação, a atração, a cooperação, os
meios de comunicação e a influência cultural, como pode ser percebido no quadro
de classificação de hard e soft power:
10 Originalmente: “Soft power is not merely the same as influence. After all, influence can also rest on
the hard power of threats or payments. And soft power is more than just persuasion or the ability to
move people by argument, though that is an important part of it. It is also the ability to attract, and
attraction often leads to acquiescence. Simply put, in behavioral terms soft power is attractive power.
In terms of resources, soft-power resources are the assets that produce such attraction.”
20
Hard Soft
Configuração
Espectro de Coerção Indução da agenda Atração
Comportamentos Comando
Cooptação
Também é destacado por Joseph Nye (2002), a importância que o soft power
adquire no mundo moderno, uma vez que a capacidade tecnológica de espalhar a
informação é maior do que em qualquer outra época da história. Muitas vezes é
possível alcançar resultados sem necessariamente fazer uso de instrumentos
militares e econômicos, por mais que essas características tenham uma alta
efetividade. (NYE, 2002, p. 05) Logo, tem-se uma diminuição do foco nas forças
militares, ou seja, fatores como a educação, tecnologia e crescimento econômico
estão crescendo em sua relevância no conceito de poder.
É nesse âmbito que Nye (2004a) divide o soft power de um país em três
fatores básicos, tais: (1) sua cultura, assim como os países que a atraem; (2) seus
valores políticos, internos ou externos e (3) sua política externa, quando vista como
legítima e autoridade moral (NYE, 2004a, p. 11). Portanto, na política internacional, o
soft power advém de valores apresentados na cultura de uma nação e suas práticas
internas, de suas políticas e da forma como lida com os outros (NYE, 2004a, p. 08).
Cultura, de acordo com o Dicionário Houaiss (2015), pode ser definida como
“conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes,
atividades etc. de um grupo social”. Dessa forma, foi percebido que o fator cultural
poderia exprimir uma certa influência em âmbito global, uma vez que o produto
cultural apresentava valores e visões de mundo particulares. Logo, a sua difusão
pelo mundo contribuiria para a consolidação de interesses de uma nação específica
dentro do Sistema Internacional. (HOUAISS, 2015)
Assim sendo, o Estado é a fonte primordial no processo de aproximação
cultural dentro do Sistema Internacional. Ao assegurar e facilitar os fluxos de trocas
culturais, suas interligações culturais serão pluralizadas, podendo superar barreiras
tradicionais entre os povos, estimular e difundir conhecimentos e negociar alianças
21
com os outros atores. Constata-se, então, que essas nações passam a se beneficiar
de diversas áreas globais como: diplomáticas, políticas, econômicas, comerciais,
assim como outros setores que a política externa de um país proporcione (RIBEIRO,
2011, p. 24).
Exemplificando, sob esse prisma, é possível observar que os EUA
expressaram um domínio dentro do plano internacional, no que se refere aos
valores, ao estilo de vida, a propagação da democracia estadunidense e a cultura,
ao exportarem essas particularidades internas para todos os países. Ouriveis (2013)
relaciona essa cultura norte-americana e sua posterior disseminação para o mundo:
Com um olhar superficial, o soft power pode ser visto como o poder pela
cultura, porém a apreensão mais a fundo desse conceito só será possível
quando trabalhados os elementos que compõe esse poder, quais são os
mecanismos que o fazem funcionar e qual o alcance dele. A cultura norte-
americana está presente em todos os países do mundo, ultrapassa
barreiras territoriais e agrada espectadores de diversas nacionalidades.
(OURIVEIS, 2013, p. 170, grifo nosso)
12 Originalmente: “When the Taliban government fell in Afghanistan in 2001, the Indian foreign minister
flew to Kabul to welcome the new interim government in a plane not paced with arms or food but
crammed with tapes of Bollywood movies and music, which were quickly distributed across the city.”
13 Originalmente: “It was a former French foreign minister who observed that the Americans are
powerful because they can "inspire the dreams and desires of others, thanks to the mastery of global
images through film and television and because, for these same reasons, large numbers of students
from other countries come to the United States to finish their studies.”
23
14Ricciotto Canudo foi um teórico italiano e crítico de cinema. Deu, ao cinema, o título de “a Sexta
Arte” em seu ensaio mais reconhecido chamado “Manifesto das Sete Artes e Estética da Sétima
Arte”, publicado em 1923.
24
Dessa forma, segundo Hueso (1998) o cinema é classificado como uma das
principais indústrias de entretenimento atuando com mais ênfase no século XX,
momento em que as massas populares vão conquistar um papel decisivo,
proliferando enormemente em todos os campos da vida sociopolítica. (Apud
JUSDADO, 2009, p. 8)
Logo, a sociedade estará representada de acordo cada época, ou seja,
fatores como: o momento político, a economia e o ambiente social, irão influenciar o
rumo da população de uma forma ou de outra. (JUSDADO, 2009, p. 8) O historiador
José Florit (1997) assegura esse pensamento ao afirmar:
Para o sociólogo, Siegfried Kracauer (1947), a sétima arte pode ser pensada
como um reflexo da opinião pública mais do que outros meios artísticos, uma vez
que os filmes são preparados por um trabalho em equipe, o que não vai resultar em
opiniões de uma única pessoa. Além disso, ainda mais do que os livros, os filmes se
dirigem para uma multidão anônima, portanto, podem satisfazer os desejos e
expectativas de muitos que são esclarecidos no assunto. (KRACAUER, 1947, p. 5)
Sob esse prisma, o cinema, além de uma atividade cultural e artística, é
também uma prática política significativa, pois possui uma alta capacidade de
alcance e influência no âmbito nacional, bem como no internacional (FARANI, 2009).
15 Originalmente: “Una película es siempre una fuente de información sobre el momento que fue
realizada. Guión, dirección, montaje, proceso de producción y sistema de financiación son elementos
muy significativos de la sociedad en la que nació y fue consumida cada realización cinematográfica. Y
el éxito o fracaso de público de un film nos dicen mucho sobre la opinión pública dominante en el
momento en que se producen.”
25
concorrente séria de Hollywood”, uma vez que estavam próximos do cinema norte-
americano até mesmo em relação às tecnologias de cores e tridimensionalidade.
As revistas, jornais, best-sellers, anúncios e outros produtos da vida cultural
de um povo geram informações valiosas sobre as atitudes predominantes e
tendências internas generalizadas. Mas as produções cinematográficas excedem
essas fontes. (KRACAUER, 1947, p. 6)
Ao que Erwin Panofsky (1947), em uma palestra, denominou como a
"dinamização do espaço". Devido às diversas atividades de filmagem, gravação,
corte e muitos dispositivos especiais, os filmes são capazes de explorar todo o
mundo visível, ou seja, o espectador está em movimento permanente, assim como
os seus olhos que acompanham as mudanças da lente da câmera conforme muda a
distância e direção. E a área apresentada na filmagem também é tão móvel quanto o
próprio receptor, não são somente os corpos sólidos que se movimentam no espaço,
mas o próprio espaço se desloca, mudando, dispersando e solidificando. (Apud
KRACAUER, 1947, p. 6) Se esta afirmação se aplica a qualquer outra forma de
criação artística, permanece o fato de que, devido à sua dimensão visual, o cinema
é, sem dúvida, o melhor representante dessas disposições. (DESPLANQUE, 2015,
p. 7)
Durante a Segunda Guerra Mundial, no cinema norte-americano, as imagens
dos alemães nazistas foram representadas como inimigos nos enredos de seus
filmes. Ademais, houve uma substituição durante a Guerra Fria: estes inimigos, uma
vez vencidos, se tornaram aliados, ficando o papel de ameaça da nação
estadunidense para os russos e comunistas. (FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p.
67)
NÚMERO DE FILMES
4
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991
ANO
Também neste período foi marcado pela polarização pautado na disputa entre
Estados Unidos e União Soviética, cuja premissa era disputar duas distintas áreas
econômicas, políticas e ideológicas: o Socialismo e o Capitalismo. Para Valantin
(2005), a união do cinema e do debate estratégico tem uma história cíclica, cujo
começo foi marcado no início da Guerra Fria através da produção de ameaça
ocasionada pelas relações com a União Soviética como veremos adiante.
uma única teoria da comunicação e muito menos inexiste uma única história.
(HOHLFELDT, 1999, p. 139)
A preocupação com os efeitos dos meios de comunicação nasceu nos anos
posteriores à Primeira Guerra Mundial, período marcado por reformas sociais e que
houve a necessidade de desenvolver uma pesquisa sobre a influência que a mídia
exercia sobre crianças e jovens para acentuar o debate público. Surgiu, em 1933, o
relatório em doze volumes do Payne Fund, no qual psicólogos, sociólogos e
educadores começaram a se questionar a fim de obterem resultados sobre os
efeitos do cinema em relação ao conhecimento de culturas estrangeiras, nas
atitudes e no comportamento violento das crianças. (MATTELART, 2010, p. 41)
Dessa forma, será destacado sucintamente neste trabalho algumas das
teorias da comunicação que procuram abordar o cinema e seus efeitos dentro de
uma sociedade (ou opinião pública),17 assim como de que maneira vão influenciar no
modo de vida, na interação social e na cosmovisão de cada indivíduo.
Uma das contribuições para a pesquisa sobre os meios de comunicação
surge com um campo de estudos denominado Mass Communication Research,
originado nos Estados Unidos através da Escola de Chicago18, que constituía em
métodos, abordagens e autores variados, indo desde a engenharia das
comunicações até a psicologia e sociologia. (ARAÚJO, 2007, p. 120)
Dentre essas teorias, destaca-se a Teoria Hipodérmica, proposta por Harold
Laswell19 e influenciada fortemente pela psicologia behaviorista ou comportamental,
em que aplica o esquema estímulo (OLIVEIRA, 2014, p. 36). Através desta teoria,
buscava-se entender os efeitos dos Mass Media20 (Meios de Comunicação Social ou
de Massa) sobre a sociedade (OLIVEIRA, 2014, p. 34). Seu nome faz menção ao
termo “agulha hipodérmica”: os meios de comunicação seriam como uma agulha,
que injetaria suas matérias em uma massa. Ou seja, procurava apontar o efeito ou
17 Opinião pública refere-se à participação popular e crítica da sociedade civil em alguma questão,
geralmente, por meio da mídia.
18 Grupo de pesquisadores da Universidade de Chicago dos Estados Unidos, tais como: Paul
Lazarsfeld, Harold Lasswell, Carl Howland, Kurt Lewin, que surgiu nos anos 20 e contribuiu para as
áreas da sociologia, psicologia social e comunicação.
19 Harold Laswell foi um sociólogo, cientista político e teórico da comunicação norte-americana.
20 Tradução nossa: Mídia de massa.
21 Tradução nossa: Fluxo de comunicação em duas etapas. Será adotado o termo em inglês neste
trabalho.
22 Grupo de pesquisadores de teoria social e filosofia, tais como: Theodor Adorno, Max Horkheimer,
Erich Fromm, Hebert Marcuse, Walter Benjamin e Siegfried Kracauer, Jürgen Habermas, associado
ao Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt na Alemanha.
34
23
Originalmente: “Culture may now be said to be the whole complex of distinctive spiritual, material,
intellectual and emotional features that characterize a society or social group. It includes not only the
arts and letters, but also modes of life, the fundamental rights of the human being, value systems,
traditions and beliefs.”
37
cinematográficas do período, por ter ligações financeiras com ramos de negócio que
gostariam de ter os EUA na guerra, aumentaram o número de filmes que eram
dirigidos a fim de moldar opiniões políticas que promovessem um clamor público
para isto. (FURHAMMAR; ISAKSSON, 2001, p. 10)
Já na década de 1930, em meio à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os
comunistas da União Soviética e os fascistas na Alemanha e na Itália competiram
para promover imagens favoráveis de seus países e ideologias para públicos
estrangeiros. E no final desta década, o então governo de Franklin Roosevelt ficou
convicto de que a segurança da nação norte-americana dependia de sua capacidade
de falar e conquistar o apoio de pessoas de outros países. Em 1938, o
Departamento de Estado estabeleceu a Divisão de Relações Culturais e a
complementou dois anos posteriormente com o Escritório de Assuntos
Interamericanos, sob a liderança de Nelson Rockefeller, que promoveu ativamente a
informação e a cultura norte-americanas na América Latina. (NYE, 2002, p. 101)
Quando a nação estadunidense decidiu entrar na guerra, a defensiva cultural
do governo tornou-se global intencionalmente. Então, em 1942, foi criado o Office of
Wartime Information (OWL) por Roosevelt, presidente à época, que objetivava lidar
com informações presumivelmente precisas como transformar os produtos de
Hollywood em ferramentas eficazes de propaganda, sugerindo adições ou exclusões
de filmes e negando licenças a outro; enquanto a organização de inteligência, o
Office of Strategic Services (SSA), incluiria a disseminação da desinformação entre
suas funções. (NYE, 2002, p. 102)
Foi somente após a Segunda Guerra Mundial, que a diplomacia cultural
passou a ser um elemento estratégico da política externa dos EUA (MONTIEL, 2010,
p. 18) utilizando muito a instituição denominada United States Cabinet, no qual
Cummings (2003) observou que, ao representar as atividades culturais e trocas de
informações estadunidense, tinha como missão mais relevante explicar as intenções
e os objetivos estadunidenses para o mundo. (Apud KRANZ, 2015, p. 26)
A Agência de Informações dos Estados Unidos (USIA), que existiu de 1953 a
1999, foi uma agência dos Estados Unidos dedicada à diplomacia pública. Seus
objetivos constavam em informar e influenciar as sociedades estrangeiras na
promoção do interesse nacional bem como ampliar o diálogo entre os norte-
americanos e as instituições nacionais e exteriores. (SCHNEIDER, 2004, p. 13) Com
40
24
Inaugurado por Bonnie Cohen durante seu mandato como Subsecretário de Administração do
Departamento de Estado de 1998 a 2001.
41
Roll e do cinema na Guerra Fria (KRANZ, 2015, p. 27) - este último que
analisaremos no próximo capítulo.
29
No Brasil: O grande ditador.
30
O rosto do Führer.
50
31
Tradução nossa: Grande Porrete.
32
Tradução nossa: Por Que Nós Lutamos?
51
33
Originalmente designado Office of Inter-American Affairs ou Office for Coordination of Commercial
and Cultural Relations Between the American Republics (OCCCRBAR), posteriormente foi
renomeado como Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (CIAA) e em 1945 se tornou
Office for Inter-American Affairs ou Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA).
34
Originalmente: Good neighbors.
52
35
1942 foi o ano em que a Alemanha e os demais participantes do Eixo conseguiram uma ofensiva
na URSS e abriram passagem até Stalingrado.
53
36
Tradução nossa: Departamento de Defesa.
37
Produto de grande sucesso comercial, neste caso, uma produção cinematográfica que tenha
viralizado.
55
asiático), sem tentar expandi-la com uso de coerção. Por outro lado, em posição, os
EUA controlavam e predominavam acerca do resto do mundo, por sua vez,
capitalista (principalmente América Latina e Europa Ocidental), também sem intervir
na zona dominante soviética aceita. Isso nos remete ao jogo geopolítico, no qual o
período mais explosivo, de acordo com Hobsbawm (1995, p. 226), foi o da
enunciação definitiva da Doutrina Truman em 1947, quando o presidente declarou:
“Creio que a política dos Estados Unidos deve ser a de apoiar os povos livres que
resistem a tentativas de subjugação por minorias armadas ou por pressões de fora.”
Consequentemente, essas duas superpotências e suas alianças antagônicas
disputaram pela dominância política, econômica, militar e global com o título de ser o
Estado com a maior influência no mundo. Os países passaram a dispor não só de
poder industrial, mas também de arsenais nucleares e mísseis continentais (NYE,
2002, p. 31), de maneira que a segurança nacional, expansão econômica e
vantagem militar internacional que ambos possuíam foi uma motivação para que
mantivessem controle sob seus aliados e de outros círculos de interesses advindo
da força bruta ou da influência econômica, o que Nye (2004) denomina de hard
power. (PURDY, 2007, p. 229)
Não somente, embora o aspecto prévio fosse o confronto militar ao passo que
a corrida frenética armamentista aumentava no Ocidente, não foi essa a repercussão
adquirida de fato. (HOBSBAWM, 1995, p. 234) Dessa forma, os Estados Unidos nos
anos 1950 passaram a imagem - na reminiscência coletiva - de uma concentração
da prosperidade econômica e na estabilidade familiar, em que todos tinham
empregos estáveis e ampla perspectiva para uma mobilidade social. A fim de
garantir seu fortalecimento pela razão ideológica central, foi por meio do soft power
que a mídia, a música, a televisão, o cinema e a literatura destacaram famílias em
absoluta harmonia: o pai trabalhador, a mãe dona-de-casa e alguns filhos que
moravam em suas casas com jardins peculiares. Sem dúvida, são essas as imagens
promulgadas da época. (PURDY, 2007, p. 230)
Sob esse prisma, a década de 1950 foi marcada pela disseminação da
ideologia de “defesa civil”, que buscava o convencimento de muitos espectadores
norte-americanos de que a qualquer instante poderiam sofrer um ataque por parte
da União Soviética, incitando-os a construir abrigos e aprender uma habilidade que
57
fosse socialmente útil. O controle era feito pela Federal Civil Defense Agency39 e
promovido por vários meios de comunicação tais como rádio, televisão e artigos de
imprensa. (VALANTIN, 2005, p. 12)
Ainda que as duas fossem potências representadas por uma ideologia, os
EUA em oposição de sua rival, eram uma democracia. Dessa maneira, Hobsbawm
(1995, p. 231) salienta que os EUA se preocupavam constantemente com este
perigo de serem atacados e dominados pela URSS muito mais devido à
necessidade interna de angariar votos no Congresso, bem como com as eleições
presidenciais e parlamentares. Portanto, a representação do anticomunismo
intensificado mostrava-se proveitosa. Em contrapartida, a URSS, tendo demonizado
seu antagonista, não se preocupava tanto com uma ameaça de um possível ataque
a seu país, mas sim com a dominância efetiva dos EUA sobre todas as partes do
globo que não eram ocupadas pelo Exército Vermelho.
É, dessa forma, que várias produções de filmes auxiliaram na construção de
um consenso nacional em relação às políticas de segurança e de estratégia, ou seja,
houve a instituição de uma harmonia na sociedade em questões ligadas à ameaça
comunista, o que Valantin (2005, p. 12) designa de “Cold war cultural consensus.”40
Aproveitando-se desse temor, os Estados Unidos, durante a maior parte da guerra,
buscaram apresentar a União Soviética como uma “ameaça” expansionista que
desafiava a intenção dos EUA de permitir seu crescimento social-econômico na
promoção da democracia liberal e do capitalismo global. (DODDS, 2006, p. 213)
Além disso, Furhammar e Isaksson (2001, p. 68) complementam o conceito ao
afirmar que “os Estados Unidos eram apresentados como o defensor da liberdade
onde quer que estivesse ameaçada pela expansão comunista.”
Em contrapartida, ainda que a União Soviética tenha restringido e censurado
os filmes ocidentais, os que conseguiam passar pelos filtros ainda podiam ter efeitos
políticos devastadores, às vezes sendo diretos e outras sendo indiretos, embora as
duas formas não fossem não intencionais. A população soviética, portanto, possuía
acesso e assistia a filmes com temas apolíticos, o que permitiu o prévio
conhecimento de que as pessoas no Oeste não precisavam ficar em longas filas
para comprar comida, não moravam em apartamentos comuns e possuíam seus
39
Tradução nossa: Agência Federal de Defesa Civil.
40
Tradução nossa: Consenso cultural da Guerra Fria.
58
próprios carros. Tudo isso invalidou os pontos de vista negativos promulgados pela
mídia soviética. (NYE JR., 2004, p. 49).
Por mais que os programas soviéticos de propaganda e cultura estatais
tentassem, não conseguiam acompanhar a influência que a cultura popular midiática
norte-americana oferecia de flexibilidade e atração. Nye (2004, p. 49) assenta que
muito antes do Muro de Berlim cair em 1989, seu reconhecimento já havia sido
reprimido perante a transmissão de imagens da televisão e dos filmes ocidentais.
Como Rob Kroes afirmou:
41
Originalmente: “Generation upon generation of youngsters, growing up in a variety of European
settings, West and East of the Iron Curtain, have vicariously enjoyed the pleasures of cultural
alternatives.... Simple items like blue jeans, Coca-Cola, or a cigarette brand acquired an added value
that helped these younger generations to give expression to an identity all their own."
59
42
Tradução nossa: Ampla política.
60
43
Tradução nossa: “Seja sociável!”
62
Jusdado (2009, p. 115) caracteriza esse período, como, sem dúvida, o reflexo
mais evidente de como a tensão da Guerra Fria, em sua manifestação de histeria
anticomunista, influenciou e condicionou a vida dos Estados Unidos em seu aspecto
cultural. Em síntese, o anticomunismo se tornou extremamente popular em um país
baseado sob o individualismo e a empresa privada, que se auto intitulava em termos
seletivos ideológicos, como o “americanismo”, que, na prática pode-se construir uma
alegoria, funcionando como o elemento contraditório do comunismo. (HOBSBAWM,
1994, p. 232)
Como de praxe, um dos setores que mais intencionaram esse processo
inquisitorial foi, inegavelmente, Hollywood, em que circulou uma lista negra com
todos os suspeitos comunistas na indústria cinematográfica. Durante os anos que
antecederam a guerra, vários simpatizantes de esquerda foram trabalhar na indústria
cinematográfica, sobretudo, como roteiristas. O House Un-American Activities
Committee (HUAC), alertado dessa circunstância e de que haviam detectado
tendências radicais perigosas em Hollywood, que, considerando o sindicato dos
roteiristas, até mesmo, como um centro de atividade de conspiração comunista
(JUSDADO, 2009, p. 124), impedia que quem estivesse na lista, encontrasse
trabalho na cidade.
Ainda conforme Jusdado (2009, p. 114), em 1947, 41 pessoas relacionadas
às artes e ao cinema foram convocadas a depor no interrogatório público. The
65
48
Tradução nossa: Os dez hollywoodianos.
66
superpotência rival que, nos anos 1980, com a eleição do republicano Ronald
Reagan (1981-1989), permitiu o acirramento da mudança de rumo iniciada pelo ex-
presidente (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 62), ressaltando o discurso anticomunista
para um cunho protuberante (GADDIS, 2005, p. 135), bem como proporcionou o
início de uma onda conservadora, que na companhia de Margareth Thatcher da Grã-
Bretanha, Brian Mulroney do Canadá e Helmut Kohl da Alemanha, formaram a
supremacia dominante do capitalismo mundial. (PAIVA, 2012, p. 83)
Partindo para o tópico comentado no subitem anterior, Reagan poderia ser
caracterizado como um anticomunista feroz, pois assim que ocupou a Casa Branca,
já estava com intenções de agilizar a contenção do comunismo mundial. Segundo
Silveira e Alves (2018, p. 62), isso ocorreu devido a sua crítica exacerbada da
détente, que considerava um absurdo a União Soviética e os Estados Unidos serem
iguais na prática; bem como da estratégia da Destruição Mutuamente Assegurada
(MAD), que via “como imoral a estratégia que oferecia milhões de concidadãos como
reféns em um potencial suicídio nuclear coletivo, caso uma guerra de grandes
proporções eclodisse entre Leste e Oeste.”
Para isso, por conseguinte, parou com os avanços do desarmamento nuclear
que, anteriormente, governos norte-americanos haviam negociado nos anos 1970,
ao consentir a instalação de mísseis norte-americanos na Europa, como também,
lançou seu programa intitulado como “Guerra nas Estrelas”,49 referindo-se ao uso de
lasers e satélites que iriam defender os Estados Unidos de mísseis soviéticos,
através do anúncio de pesquisas como estratégia. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 62)
Em contrapartida, Purdy (2007, p. 261) descreveu:
49
Originalmente: Strategic Defense Iniciative (SDI).
67
50
Originalmente: “As long as communists “preach the supremacy of the state, declare its omnipotence
over individual man, and predict its eventual domination of all peoples on Earth, they are the focus of
evil in the modern world.”
68
Para isso, foi preciso um novo período de distensão com o bloco capitalista e,
assim, o líder soviético procurou logo retomar o diálogo com os Estados Unidos, no
qual Reagan mostrava-se decidido. Hobsbawm (1994, p. 246) considera que a
Guerra Fria acabou no período, em que as duas superpotências reconheceram a
incongruência da corrida nuclear, e quando uma acreditou na sinceridade da
vontade da outra de acabar com a ameaça nuclear. Assim, o mundo tem uma dívida
enorme com Mikhail Gorbachev, que não apenas tomou essa iniciativa como
também conseguiu convencer o governo norte-americano e outros no Ocidente de
sua veracidade. Por outro lado, a contribuição do presidente Reagan também foi
essencial, pois seu idealismo rompeu com a profunda prudência de ideólogos,
fanáticos e guerreiros profissionais. Em 1989, ocorre a queda do muro de Berlim e
termina o comunismo na Europa Oriental já quando George Bush, vice de Reagan,
estava governando os EUA. Posteriormente, no final de 1991, a própria URSS é
extinta. (GADDIS, 2005, p. 65)
ILUSTRAÇÃO 7 – RAMBO
72
O final feliz do filme é visto por Kellner (2001, p. 95), como um retorno à
tradição hollywoodiana conservadora na qual a vitória sobre os comunistas
malvados transcende Rambo, através de seu heroísmo, a uma “redenção mítica”
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sobre a derrota estadunidense no Vietnã, que também foi realizada pelas políticas
de Reagan. Como corrobora Jeffords (1993), é preciso lembrar que, Reagan
utilizava dessa redenção mítica com naturalidade, ele e seu país eram sempre os
heróis. Era uma espécie de círculo completo de influência, em que a linguagem
maniqueísta hollywoodiana alimentou a visão acerca do inimigo comunista
propagada nos discursos do presidente “hollywoodiano”, este, por sua popularidade,
levaram o cinema a apresentar tal inimigo, por imagens e falas, de acordo com o que
o público esperava. (Apud SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 68)
Esta apresentação maniqueísta do outro malévolo se mostrou imprescindível,
pois uma vez assimilada esta visão de mundo pela sociedade; codificava-se como
positiva, até mesmo em relação às ações agressivas estadunidenses para resolver
os conflitos políticos, ainda que Reagan estivesse coibido de ordem legal e política
para realizar tais medidas violentas. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 68) Logo, os atos
mais conhecidos de Reagan como a invasão à Granada e o bombardeio da Líbia
eram, mais precisamente, o tipo de ato louvado nas produções Rambo, Top Gun
dentre outros épicos de sua era. (KELLNER, 2001, p. 103)
Rambo se tornou uma figura representativa do discurso político-ideológico dos
Estados Unidos, gerando uma verdadeira “Rambomania” cultural com lojas cheias
de artefatos de guerra como uma réplica do arco e flecha high-tech bem como
figuras de Rambo em pôsteres e buttons. (KELLNER, 2001, p. 97) Também, o
exército norte-americano se beneficiou pendurando cartazes do Rambo a fim de
instigar novos recrutas. Esse efeito do espetáculo Rambo expandiu os horizontes e
se tornou o campeão de bilheteria por todo o mundo, como na África do Sul, na
China, em Taiwan, na Venezuela e até em Israel. (Apud KELLNER, 2001, p. 101)
colidem, nações rivais (...) Parece que nossa liberdade luta contra as cordas. (...) é o
Ocidente contra o Oriente ou homem contra homem?” (PETERIK; SULLIVAN, 1985)
Fonte: IMDB.
O oponente soviético, Ivan Drago, como atleta e oficial do Exército Vermelho,
aparece pela primeira vez com trajes militares, um símbolo de força e de guerra. Por
possuir uma força surpreendente, é comparado à uma máquina mortífera invencível
e indestrutível (SOUZA ET AL., 2018, p. 63), não a um criminoso como de praxe. O
personagem não possui falas no longa e sua expressão facial é desprovida de
emoções. Em sua primeira luta, após derrotar violentamente Apollo, Drago não
demonstra nenhuma preocupação com a saúde de seu rival, agindo de maneira
desumana como indica a sua fala para a imprensa após o confronto: “Se ele morrer,
morreu.” (DOMINGOS, 2013, p. 9). Posteriormente, a morte de seu oponente não
causou impacto algum nele, apenas indiferença.
Sua equipe, também insolente e desumana, lhe disponibiliza drogas ilícitas
para aumentar seu desempenho, depreendendo-se como trapaceiros e criminosos
da nação soviética que fogem às regras. Drago é, somente, o instrumento desse
Estado, por ser dotado de menor poder e, por isso, funciona como um mero
mecanismo de obediência aos seus superiores. (SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 68)
Manoel Vega (James C. Green), seu treinador, desafia Rocky a lutar com seu aluno
boxeador e, quando indagado pela mídia sobre se o soviético teria condições de
enfrentar o norte-americano, Vega diz, referindo-se à Drago: “Não existe ninguém
que possa superar a sua força, resistência e agressividade.” (LUCENA, 2006, p. 31)
Isso demonstra a superioridade que o treinador implica, significando que o país
ocidental não teria nenhuma chance com a URSS. Em sequência, Rocky promete
vingar a morte de seu amigo Apollo Creed, aceitando o desafio com o mesmo
adversário russo.
A luta final entre eles se situa em Moscou, presente com o próprio estadista
soviético, interpretado por um ator sósia de Gorbachev. Dos filmes examinados,
77
Fonte: IMDB.
Pode ser constatado nas palavras do protagonista: “Para me vencer, ele terá
de me matar. E para me matar ele precisa ter coragem de ficar diante de mim. E
para fazer isso, ele deve estar disposto a morrer também”, o desejo reaganista de
solucionar os conflitos através da violência. Contudo, Rocky é um indivíduo
possuidor de uma enorme nobreza e, nos últimos minutos do filme, muda seu teor
vingativo à pacifista. (DOMINGOS, 2013, p. 12) Logo, vence a luta e, ainda muito
ferido, segue com um discurso – e também exerce críticas à guerra ao alegar que é
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melhor dois homens se matando no ringue do que vinte milhões morrendo. (SOUZA
ET AL. p. 64) Em suas singelas palavras:
Fonte: IMDB.
Top Gun – Ases Indomáveis (1986) é visto como o filme mais discreto em
relação à vilanização dos russos presente nessa compilação cinematográfica uma
vez que, apesar de seu tom militarista, não reflete o anticomunismo de maneira tão
temível, assim como nos filmes anteriores. Talvez por ter sido produzido nos fins da
Guerra Fria, em nenhum momento são identificados quem são os vilões que
enfrentam os norte-americanos nas águas internacionais – ainda que tenham
estrelas vermelhas nas boinas destes e voem em MIGs, um avião soviético, não é
feita nenhuma alusão direta. Mesmo assim, seu enredo é uma composição de
fatores correlacionados com o contexto geopolítico e social da época. (SILVEIRA;
ALVES, 2018, p. 73)
Da mesma forma que Rambo e outros filmes sobre o retorno do Vietnã, Top
Gun celebra o heroísmo individualista, a bravura militar, os valores norte-americanos
conservadores, e um universo binário de luta entre o bem e o mal, sendo os norte-
americanos considerados a bondade extrema ao passo que o inimigo é o mal
absoluto. O protagonista Pete Mitchell, cujo codinome é Maverick (Tom Cruise), é
um herói de guerra, que se localiza nesse cenário maniqueísta, que Jeffords (1993)
assemelha à Reagan, cujo happy end sempre designa seu país como o herói. (Apud
SILVEIRA; ALVES, 2018, p. 68) A guerra neste filme é contida destacando as
qualidades e os valores dos soldados norte-americanos, reciclados em um jovem
heroico, longe do Vietnã, em que a guerra parecia afastada do horizonte imediato
das nações. (TEIXEIRA DA SILVA, 2004, p. 20) É retratado, sobretudo, os ideais de
competição e de vitória através de elementos tais como a honra militarista, esportista
e também, a reputação social, sobressaindo o louvor acerca da retratação individual
de como ser e fazer o melhor para estar no topo. (KELLNER, 2001, p. 105)
Fonte: IMDB.
Top Gun representa uma das ficções reaganistas que coloca à disposição
representações culturais que mobilizavam o apoio e legitimavam sua política
agressiva (KELLNER, 2001, p. 104), codificando os valores conservadores e
militaristas. O reaganismo dos anos 1980 é encontrado através da estruturação
visual e narrativa infundida no sorriso vitorioso de Tom Cruise, e ideologicamente, o
heroísmo militar é celebrado como a forma de obter aceitação e prestígio social. O
militarismo do governo Reagan precisava de filmes como este para atingir jovens
competitivos perfeitos para impulsionar a economia e levá-la a atingir novos
patamares. (TEIXEIRA DA SILVA, 2004, p. 20) O elogio da competição e da vitória
como o valor supremo ajuda na propagação de valores sociais apropriados
(referentes ao capitalismo), ao mesmo tempo em que se perpetua o mito do
American Dream. (KELLNER, 2001, p. 105)
Foi anunciado que os EUA precisavam manter sua quantidade de pilotos de
caça de elite especializados no mundo contemporâneo e, para o treinamento destes,
a Força Aérea da Marinha criou uma escola: a Navy Fighter Weapons School ou,
simplesmente, Top Gun. (SHARP, 1998 Apud Dodds, 2003 p. 215) Nesse sentido, o
protagonista e a mocinha Charlie (Kelly McGillis) são personagens que, devido ao
seu poder atrativo e por fazerem parte das Forças Armadas dos Estados Unidos, a
U.S Navy (USN),52 redobraram às atenções ao ramo militar.
Referências estéticas com a estruturação modernista das imagens high-tech,
assim como as montagens destas com sons dos motores e a estruturação de aviões
utilizando um enquadramento não centralizado com cortes rápidos e embalados por
uma canção específica, deram aos pilotos de caça um viés completamente místico,
que baseados em um heroísmo e masculinidade, formam a figura Top Gun – um
indivíduo que triunfa em todos os setores da vida moderna, constituindo um modelo-
base para a juventude da Era Reaganista. Por fim, estabelecem toda essa carga
ideológica para criar um conjunto de pilotos e o ideal de poder e glória aterradores.
Maverick e seu copiloto Goose (Anthony Edwards) passam por uma prova para
entrar em uma competição que ganhará somente o “melhor dos melhores, os top
guns” ressaltados na imagem abaixo. Neste universo reaganista, apenas a elite
obtém sucesso na competição pela riqueza e poder, enquanto os tímidos ficam à
deriva e são privados da honra, pois são considerados apenas “perdedores”.
(KELLNER, 2001, p. 107)
Fonte: IMDB.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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