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Comunicação ABRACE 16/06/2021

- Primeira fala:

Bom dia pessoal, Sou o Douglas Kodi, sou ator, mascareiro, e pesquisador,
mestre e doutorando pela UDESC, tenho como principal tema de pesquisa, a
Commedia dell’arte e sua prática.

Abro minha fala expondo que: é a primeira vez que participo da ABRECE e
fiquei muito na dúvida sobre qual GT eu deveria me inscrever, por fim, optei por
este, pois um dos principais escopos de minha pesquisa dentro da Commedia
dell’arte é a dramaturgia que por consequência, está atrelada a atuação, enfim,
optei pela tradição e contemporaneidade no título do GT, que eu acho que
seriam as palavras-chave com maior ligação a minha pesquisa.

Como introdução a tudo, vou exibir o vídeo de uma curta cena, o texto que
utilizo na cena foi escrito por um anônimo no século XVII.

https://www.youtube.com/watch?
v=4Eeac13kZus&ab_channel=DouglasKodiS.T.

Esta mesma cena foi ensaiada, ou pouco ensaiada, durante o processo de


gravação de um filme sobre a Commedia dell’arte, na direção de Roberto
Innocente, eu era o diretor assistente e um dos atores do projeto. O título desse
projeto inacabado é: Manual mínimo da Commedia dell’arte, em suma, a ideia
do projeto foi a de realizar um obra audiovisual de quatro capítulos que
demonstra tecnicamente esse estilo teatral, e dar definições históricas,
buscando uma forma pouco escolástica e mais acessível possível, para isso, e
talvez contraditoriamente, foram utilizados textos de época, textos originários
do próprio período da Commedia dell’arte, que data entre o século XVI e XVIII.

As gravações foram realizadas durante Março e Abril, estávamos gravando


neste período para cumprir as datas do edital que praticamente ignorava as
condições da Pandemia. Nesse projeto, que envolvia sete atuantes e mais uma
equipe técnica. No meio desta empreitada, durante a gravação do segundo
capítulo, a equipe, que seguia os protócols de segurança contraí COVID, todos
saem ilesos, exceto o diretor Roberto Innocente, meu mestre na Commedia
dell’arte, falece

Certo, dada essa primeira introdução, ou esse preambulo.

Vou ao escopo da minha pesquisa que parte deste trecho que foi montado
durante essa obra, ainda inacabada, O Manual mínimo da Commedia dell’arte.
Em que foi montado um texto teatral de um anônimo do século XVII, o texto de
um anônimo do século XVII montado no século XXI. Isso é Commedia
dell’arte? Ou o que é Commedia dell’arte?

Para refletir um pouco melhor, recorro a seguinte indagação, abordada em


alguns seminários italianos sobre este fenômeno teatral, tendo como principais
nomes: Siro Ferrone, Roberto Tessari e Ana maria testaverde, entre outros
teatrólogos, foram iniciados com a seguinte afirmação “A commedia dell’arte
não exsite”, ou pergunta “A Comédia dell’arte realmente existiu?"

Para isso, é levado em conta de que A Commedia dell’arte, nome que vem
depois do fim do fenômeno teatral, não existiu de maneira monolítica, sempre
igual a si mesmo no período de existência, ao invés de um quid específico que
define tal teatralidade, encontramos aqui, um espaço de experimentação
cênica, ou como define Betti Rabetti, de mecanismo tão perigosos quanto
inovadores, de um mercado de venda de peças e produção de espetáculo que
até então, nunca visto na história do teatro.

Certo, dito isso, temos um ponto, a Commedia dell’arte histórica.

Agora temos outra ponta desta corda remendada. O que é Commedia dell’arte
hoje?

Pra isso uso a definição da pesquisadora Giulia Filcanapa, que ganhou


contornos em sua tese de doutorado (2016), mas primeiramente utilizado em
um artigo publicado em 2014, em que a autora define o que seria a Neo-
Commedia dell’arte, que é todo o movimento de invenção ou reinvenção de
uma teatralidade contemporânea para a Commedia dell’arte.

Este movimento tem seu embrião nos teatrólogos de vanguarda: Copeau,


Craig, Meyerhold, depois tem fortes influencias de Lecoq e Decroux, mas
ganha contorno a partir da montagem do Arlequim Servidor de dois patrões no
picollo teatro de milão 1947, dirigido pelo encenador Giorgio Strehler. Todavia,
a autora Filacanapa, não considera esse espetáculo como o marco do que
tornaria a ser a Neo-Commedia dell’arte, pois a montagem de Strehler era
muito pautada no texto, e próxima do que seria a Commedia dell’arte dentro da
reforma Goldoniana — o que não desmerece tudo que foi desenvolvido dentro
destea montagem, que foi necessária — e influenciou, anos depois, em 1983,
no espetáculo de um aluno do Piccolo Teatro de Milão, o diretor e ator Carlo
Boso, o espetáculo “Il Falso Magnifico”, e posteriormente culminaria em
diversas obras dentro do TAG Teatro de Veneza, dirigido por Carlo Boso, que
montou diversos espetáculos seguindo algumas Entre aspas, leis da
Commedia dell’arte, encontradas nessa empreitada.

O Falso Magnifico retomaria um possível modus operandi da Commedia


dell’arte, tanto em âmbito de trabalhos com a dramaturgia própria do estilo, o
Canovaccio que foi trabalhado uma metodologia muito própria. Quanto em
outros pontos, como o casting do espetáculo composto por atores de diversas
nacionalidades, o que trazia o caráter regional da Commedia dell’arte histórica,
agora, em âmbito global.

Roteiros nunca publicados de Carlo Boso

E esse é o segundo ponto, um marco que separa o fenômeno histórico da


commedia dell’arte com a reinvenção que ocorre séculos depois, temos aqui
então, uma tradição que de certo modo não é uma tradição pois não existiu
forma única de Commedia dell’arte e nem uma linha ininterrupta do estilo
Teatral, mas em todo caso, não deixa de ser A Tradição, pois graças a ela, e
somente ela, foi possível criar e recriar o que vem a ser a Neo-Commedia
dell’arte.
Por fim, retomando ao trecho do vídeo, pego alguns elementos presentes:
temos em cena, um texto dramatúrgico do século XVII montado no século XXI,
uma direção cênica feita por um diretor italiano que foi discípulo e trabalhou por
diversos anos no TAG Teatro com Carlo Boso, o mesmo que foi um dos
responsáveis por essa neo-Commedia dell’arte. Temos um ator em cena, este
mesmo que vos fala, que é brasileiro, de ascendência nipônica em parte, a
outra parte aquela velha mistura do brasil com Egito. Que continua a direção da
cena, e segue o que seria a reinvenção de uma técnica.

E agora, finalizar, algumas questões, eu vi que eu não trouxe muitas resposta


para elas, são mais como disparos vindos deste período de Pandemia, com
esta empreitada kamikaze que resultou na morte de meu mestre: Existe, pode
existir uma Neo-Commedia dell’arte Brasileira? Temos espetáculo do grupo
que fazem uma reinvenção ou um abrasileiramento na criação de personagens,
isso é Commedia dell’arte, até em que ponto?

Seria necessário pegar um termo europeu para valutar? Seria para valutar ou
seria um categorizador, a que ponto isso pode influenciar na dramaturgia, na
cena, na atuação?

Em que ponto interessa a dramaturgia da Commedia dell’arte? E Essa


commedia dell’arte, agora, que me refiro, é aquelas dos séculos passados,
que foi muito bem documentada pelo pesquisador Vito Pandolfi, no século XX,
em um compendio de 6 volumes, com diversos textos de diversos
personagens, e também, é claro, diversos canovacci, ou canovaccios. No meu
caso, e na experiência que tenho, as dramaturigas serviram em um sentido
muito pedagógico para entender como se dá tal estilo teatral.

E obviamente, não é um estilo de uma tradição única, e unilateral, mas de uma


Commedia dell’arte que aprendi, e se essa foi uma Commedia dell’arte, então
de fato, na contemporaneidade não existe Commedia dell’arte, existem, em
uma expressão bem abrasileirada, Commedias dell’artes.

A últma questão que lanço: Quando um autor, para nós, um anônimo, quando
esse autor, escreve um texto no século XVII, será que ele imagina sua obra
estudada e montada três séculos depois?
O anonimato presente nessa dramaturgia me leva seguinte conclusão, não
existe um só dono ou um grande nome da Commedia dell’arte e isso a situa em
um centro nevrálgico de sua tradição e sua reinvenção na contemporaneidade,
pois ela vive e um ritornelo, para usar um termo deleuzeano, da repetição de si
mesma, de idas e vindas entre passado e futuro para buscar sua repetição e
em cada repetição uma nova variação.

Olhar para determinados momentos do passado para encontrar momentos do


presente que possibilitem novos futuros.

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