Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo inferir quais rumos tomará a educação
brasileira a partir do mandato do presidente eleito Jair Messias Bolsonaro. O que
apresentaremos aqui não é o destino líquido e certo da educação, sobretudo da
educação pública brasileira, mas sim tendências que decorrem da política de
educação adotada pelo governo que, notadamente, é de ultradireita,
ultraconservador, neoliberal e protofascista. O cenário que se desenha para a
educação pública brasileira é coerente com entendimento de que a educação
pública é serviço e não direito. Em sendo serviço, a lógica do governo Bolsonaro é
que os serviços devem ser prestados pelo setor privado, o que implica a diminuição
ou retirada da participação do estado como prestador de serviço. Tal como a ciência
cuja utilidade reside em mostrar a face não visível da lua, as análises que nos
propomos a fazer não caminham no sentido de discorrer somente sobre os fatos
dados, mas sim no sentido de desvelar os reais objetivos travestidos na aparente
desorientação do governo federal. Para entendermos as políticas do governo, é
mister compreendermos as reais condições em que se desenvolveu a campanha do,
agora, presidente Bolsonaro. A plataforma de campanha do candidato moveu-se
sobre o imperativo da mudança, do combate à corrupção, do combate à violência
com mais violência e acima de tudo, do combate ao Partido dos Trabalhadores,
tipificado com o obsequioso e previsível trabalho da grande mídia como a
personificação das causas de todas as mazelas do Brasil. Coerente com o fato de
ser o representante da direita brasileira que logrou êxito nas eleições, o governo
Bolsonaro tem na agenda econômica sua bússola e força motriz. É com vistas a
garantir a satisfação dos interesses do mercado que trabalham todas as pastas do
governo, inclusive a Educação.
1
Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal Bahia (FACED/UFBA),
Coordenadora do GEPEC/LEPEL/UFBA.e-mail: celi.taffarel@gmail.com
2
Professora do Centro de Formação de Professores, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia –
CFP/UFRB, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação
da Universidade Federal da Bahia – PPGE/FACED/UFBA, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em
Educação do Campo – GEPEC/UFBA. e-mail: cardosoneves@gmail.com
INTRODUÇÃO
filosóficos (como, por exemplo, sobre tráfico de drogas).3 Toda a carga ideológica
que permeou a campanha do Presidente Bolsonaro foi projetada no coração das
políticas públicas, especialmente do MEC. O ministro original, Ricardo Vélez
Rodríguez, sugerido com o das Relações Exteriores pelo guru antimarxista, Olavo
de Carvalho, foi destituído antes de completar 100 dias no cargo. Sua demissão foi
conseqüência da guerra aberta entre “olavistas” e militares pela política educacional
na qual Vélez não colocou em andamento projeto algum de destaque.
Entre idas e vindas, Vélez demitiu mais de dez assessores e quatro
secretários-executivos e propôs revisar a narrativa do golpe de Estado de 1964 ou
pedir às escolas que gravassem o alunado cantando o hino e enviassem seus
vídeos ao ministério, além de não conseguir dar andamento a quase nenhum projeto
em pouco mais de três meses de gestão. A demissão de Vélez do MEC foi uma
reivindicação dos setores empresariais reformistas pela sua incapacidade e letargia
em encaminhar as reformas que interessam esses grupos.
Com um currículo afinado com os interesses econômicos, o economista
Abraham Weintraub é o segundo ministro da Educação do governo Bolsonaro. Ex-
aluno de Olavo de Carvalho – o ideólogo do bolsonarismo - Weintraub é um
professor universitário que prega contra o “marxismo cultural” e que trata seus
opositores como inimigos. O ministro nunca gerenciou nada na área educacional,
em seu currículo configura como especialista em Previdência social, atuou como
executivo do mercado financeiro por mais de 20 anos, foi sócio da Quest
Investimentos, diretor do Banco Votorantim, membro do comitê de trading da
Bovespa, conselheiro da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de
Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord).
Na opinião de César Callegari, ex-membro do Conselho Nacional de
Educação e presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada4, o papel de
Abraham é o de defender os planos do ministério da Economia de desvincular a
educação do orçamento da união e aprofundar os processos privatizantes da
educação brasileira, a exemplo do projeto já anunciado de privatização das
universidades públicas.
3
https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/brasil/54463/filosofos-criticam-qualidade-academica-
do-ministro-da-educacao-de-bolsonaro Acesso: 01/03/2019
4
(https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/09/politica/1554763741_753478.html) Acesso: 01/03/2019
Estudos IAT, Salvador, v.4, n.2, p. 310-329, set., 2019.
http://estudosiat.sec.ba.gov.br
313
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/14/politica/1555201232_670246.html?rel=str_articulo#1559662
474804 Acesso: 01/03/2019
6
http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/2019/discurso-do-presidente-da-
republica-jair-bolsonaro-durante-cerimonia-de-posse-no-congresso-nacional Acesso: 01/03/2019
7
http://www.casacivil.gov.br/central-de-conteudos/downloads/agenda-de-governo-2019-gabinete-de-
transicao, https://docs.wixstatic.com/ugd/b628dd_f16f8088c3f24471a43c52a93e25e743.pdf
8
https://veja.abril.com.br/revista-veja/faxina-ideologica/ Acesso: 01/03/2019
9
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=73751 Acesso: 01/03/2019
Estudos IAT, Salvador, v.4, n.2, p. 310-329, set., 2019.
http://estudosiat.sec.ba.gov.br
314
10
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9794.htm
Estudos IAT, Salvador, v.4, n.2, p. 310-329, set., 2019.
http://estudosiat.sec.ba.gov.br
320
11
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf). Acesso
em 19/04/2019.
12
(http://portal.mec.gov.br/docman/novembro-2018-pdf/102481-rceb003-18/file). Acesso em
19/04/2019.
Estudos IAT, Salvador, v.4, n.2, p. 310-329, set., 2019.
http://estudosiat.sec.ba.gov.br
323
Esse ponto parece ter sido eleito como prioridade pelo então Ministro da
Educação, Ricardo Vélez Rodríguez atendendo ao desejo do presidente, de tal
forma que foi criada na Secretaria de Educação Básica (SEB), a subsecretaria de
Fomento às Escolas Cívico-Militares. Uma das primeiras medidas do ministro foi
encaminhar uma carta às escolas para executarem o Hino e ler o slogan de
campanha de Bolsonaro.
Segundo declaração do ministro da Educação ao jornal O Estado de São
Paulo o período da ditadura militar no Brasil foi um "ciclo centralizador" que atendeu
os anseios da população. "O ciclo 64-85 foi querido pela sociedade brasileira. Os
militares não caíram de Marte. Eles foram chamados para corrigir, como uma
espécie de poder moderador, os rumos enviesados que tinha enveredado a
República". O referido ministro defende a volta da educação moral e cívica para os
currículos das escolas em todas as etapas da educação básica – Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Médio.
A disciplina Educação Moral e Cívica foi instituída em 1969, durante o período
da ditadura militar, por um decreto-lei subscrito pelos ministros militares que a
fizeram obrigatória nas escolas de todos os graus e modalidades do país. Cerca de
dois anos depois da aprovação do decreto-lei, em 1971, entrou em vigor a segunda
versão da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Com ela, o presidente Emílio Médici
transformou a Comissão de Moral e Civismo em um órgão de doutrinamento, que
passou a controlar o ensino de forma absoluta.
conselheiro do CNE "Os grupos religiosos querem, por meio do homeschooling, criar
quadros puros para eles próprios.” 13
Outra questão preocupante do ensino domiciliar é que retira do Estado sua
responsabilidade com a garantia do direito à educação. Para Ivan Claudio Pereira
Siqueira, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação (CNE) a educação domiciliar cria um universo paralelo, pois mesmo a
educação religiosa tem normas nacionais a serem cumpridas, não é liberdade total
para fazer o que quiser. O Estado é laico e mesmo no ambiente privado há
interesses públicos, afinal é preciso pensar na implicação da autorização do
homeschooling no país. "Quem vai verificar os direitos de aprendizagem das
crianças, os materiais didáticos? E se houver pedidos dos pais por recursos
públicos?14
O que se esconde por trás do projeto de ensino domiciliar é um projeto
obscurantista que visa retirar do Estado sua responsabilidade com a garantia do
direito à educação e mais um instrumento de privatização da educação com
acirramento das práticas neoliberais.
Quando T. H. Huxley em 1860 saudou o livro de Charles Darwin A origem das
espécies, afirmou que o livro punha fim ao ofuscamento teológico antiquado,
Quem há de enumerar os pacientes e sinceros buscadores da verdade, dos
dias de Galileu até hoje, cujas vidas foram amarguradas e cujo bom nome
foi arruinado pelo fanatismo de Bibliólatras? [...] É verdade que se os
filósofos sofreram, sua causa foi amplamente vingada. Teólogos extintos
jazem em volta do berço de cada ciência como as cobras estranguladas ao
lado de Hércules, e a história registra que sempre que a ciência e
dogmatismo se opuseram de maneira clara, este último foi obrigado a
abandonar o combate, sangrando e subjugado, embora não aniquilado;
neutralizado, embora não morto. (HUXLEY, 1860, p.556 apud BROWNE,
2011, P.149).
13
https://www.jb.com.br/pais/2019/03/987949-grupos-religiosos-estimulam-defesa-do-ensino-
domiciliar-no-governo-bolsonaro.html Acesso: 21/03/2019
14
https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,grupos-religiosos-estimulam-defesa-do-ensino-
domiciliar-no-governo-bolsonaro Acesso: 01/04/2019
Estudos IAT, Salvador, v.4, n.2, p. 310-329, set., 2019.
http://estudosiat.sec.ba.gov.br
326
escolas através do Projeto Escola sem Partido e fora dela através da educação
domiciliar (homeschooling).
compostos por 5.570 municípios nos 26 Estados Brasileiros, mais o Distrito Federal,
os quais as políticas sociais, em geral e em especial a política educacional
democrática e inclusiva, chegaram e existem acúmulos concretos de conquista de
direitos, de resistência ativa à destruição do patrimônio público e do que foi
conquistado.
Caso não ocorram alterações na correlação de forças no próximo período,
mais do que o desmonte das políticas de governo e de Estado até aqui
conquistadas, como já foi dito, duas tendências se consolida: (1) mercantilização e
privatização da educação - que promovem retirada de direitos nesse campo, a
privatização, o rebaixamento da forma, dentro outros, ao mesmo tempo que atende
aos interesses do capital; (2) conservadora, que se ocupa da disputa ideológica, da
coação e repressão, da formação de personalidades mais afeitas ao modo de
produção capitalista em tempo de crise (nesse caso, ganha destaque o Projeto
escola sem partido). Justamente quando é preciso avançar e superar contradições.
Segundo nossa análise dos conteúdos contidos nos documentos aqui
mencionados, será intensificada a retirada do direito dos povos do campo – sem-
terra, sem-teto, indígenas, quilombolas, atingidos por grandes obras, povos
tradicionais, povos dos campos, águas e florestas. Situam-se nesse escopo os
Programas Nacional de Educação do Campo - PRONACAMPO/SECADI e
PRONERA/MDA que apresentam grandes conquistas, apesar das contradições.
Entre as conquistas podemos mencionar: a formação inicial e continuada de
professores, técnicos em agricultura, saúde, educação, entre outros,
desenvolvimento de uma base na teoria crítica, que considera princípios de uma
pedagogia socialista, com a introdução de conteúdos científicos nucleares no
currículo escolar, relacionados à vida concreta dos agricultores e agricultoras em
seus territórios, com impactos na aprendizagem das crianças e jovens e, melhoria
de índices educacionais. Estas ações evitaram fechamento de Escolas e
contribuíram para a valorização da escola pela comunidade, do trabalho dos
trabalhadores da educação das escolas do campo e do magistério.
O QUE FAZER?
REFERÊNCIAS