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TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO FRENTE À CORRELAÇÃO DE FORÇAS NA


LUTA DE CLASSES: uma análise do governo Bolsonaro na perspectiva
educacional

Celi Nelza Zülke Taffarel1


Márcia Luzia Cardoso Neves2

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo inferir quais rumos tomará a educação
brasileira a partir do mandato do presidente eleito Jair Messias Bolsonaro. O que
apresentaremos aqui não é o destino líquido e certo da educação, sobretudo da
educação pública brasileira, mas sim tendências que decorrem da política de
educação adotada pelo governo que, notadamente, é de ultradireita,
ultraconservador, neoliberal e protofascista. O cenário que se desenha para a
educação pública brasileira é coerente com entendimento de que a educação
pública é serviço e não direito. Em sendo serviço, a lógica do governo Bolsonaro é
que os serviços devem ser prestados pelo setor privado, o que implica a diminuição
ou retirada da participação do estado como prestador de serviço. Tal como a ciência
cuja utilidade reside em mostrar a face não visível da lua, as análises que nos
propomos a fazer não caminham no sentido de discorrer somente sobre os fatos
dados, mas sim no sentido de desvelar os reais objetivos travestidos na aparente
desorientação do governo federal. Para entendermos as políticas do governo, é
mister compreendermos as reais condições em que se desenvolveu a campanha do,
agora, presidente Bolsonaro. A plataforma de campanha do candidato moveu-se
sobre o imperativo da mudança, do combate à corrupção, do combate à violência
com mais violência e acima de tudo, do combate ao Partido dos Trabalhadores,
tipificado com o obsequioso e previsível trabalho da grande mídia como a
personificação das causas de todas as mazelas do Brasil. Coerente com o fato de
ser o representante da direita brasileira que logrou êxito nas eleições, o governo
Bolsonaro tem na agenda econômica sua bússola e força motriz. É com vistas a
garantir a satisfação dos interesses do mercado que trabalham todas as pastas do
governo, inclusive a Educação.

Palavras-chave: Dossiê. Análise de conjuntura. Governo Bolsonaro. Educação do


Campo.

1
Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal Bahia (FACED/UFBA),
Coordenadora do GEPEC/LEPEL/UFBA.e-mail: celi.taffarel@gmail.com
2
Professora do Centro de Formação de Professores, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia –
CFP/UFRB, Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação
da Universidade Federal da Bahia – PPGE/FACED/UFBA, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em
Educação do Campo – GEPEC/UFBA. e-mail: cardosoneves@gmail.com

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INTRODUÇÃO

O presente texto apresenta as tendências da Educação no Brasil, sob o


comando da extrema direita, ultraconservadora, fundamentalista religiosa, neoliberal,
protofascista, a-científica, a-histórica, acrítica, que assume o governo a partir da
eleição do Capitão Jair Messias Bolsonaro.
O estudo resulta da análise do conteúdo de documentos, notícias,
reportagens de fontes fidedignas, organizados em um dossiê de como a educação é
tratada pelo presidente eleito e seus Ministros da Educação. A pasta do Ministério
da Educação - MEC foi comandada nos primeiros 100 dias pelo colombiano Ricardo
Vélez Rodríguez, demitido pelo Presidente Bolsonaro em 08 de abril, e nomeou em
seu lugar o economista Abraham Weintraub para a pasta.
Faremos um recorte das nossas reflexões sobre a Educação no governo
Bolsonaro buscando analisar os 100 primeiros dias da política do MEC sob o
comando de Ricardo Vélez Rodríguez e de 08 de abril até 15 de maio de 2019, dia
das manifestações estudantis que pararam o país, estando no período à frente do
MEC o economista Abraham Weintraub.
Precisamos compreender a troca de ministros e dos cargos no MEC numa
conjuntura onde a palavra de ordem é aprovação da Reforma da Previdência e a
imposição de uma política econômica entreguista de desmonte do Estado Brasileiro.

QUEM SÃO OS MINISTROS DA EDUCAÇÃO DO GOVERNO BOLSONARO?

Para entendermos as escolhas do Presidente Bolsonaro para o comando do


MEC, precisamos conhecer os dois ministros, suas origens e o que pensam sobre a
educação pública, e quem os influencia do ponto de vista ideológico.
O primeiro Ministro da Educação, o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez,
possui em sua produção teórica artigos afastados de temas propriamente
acadêmicos e filosóficos. Mesmo aqueles anunciados como filosóficos têm negam a
filosofia e a ciência como formas mais avançadas de produção do conhecimento. A
grande parte de sua bibliografia constitui-se de artigos de jornal ou de publicações
em revistas sem valor acadêmico, artigos que tratam de temas distantes de debates

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filosóficos (como, por exemplo, sobre tráfico de drogas).3 Toda a carga ideológica
que permeou a campanha do Presidente Bolsonaro foi projetada no coração das
políticas públicas, especialmente do MEC. O ministro original, Ricardo Vélez
Rodríguez, sugerido com o das Relações Exteriores pelo guru antimarxista, Olavo
de Carvalho, foi destituído antes de completar 100 dias no cargo. Sua demissão foi
conseqüência da guerra aberta entre “olavistas” e militares pela política educacional
na qual Vélez não colocou em andamento projeto algum de destaque.
Entre idas e vindas, Vélez demitiu mais de dez assessores e quatro
secretários-executivos e propôs revisar a narrativa do golpe de Estado de 1964 ou
pedir às escolas que gravassem o alunado cantando o hino e enviassem seus
vídeos ao ministério, além de não conseguir dar andamento a quase nenhum projeto
em pouco mais de três meses de gestão. A demissão de Vélez do MEC foi uma
reivindicação dos setores empresariais reformistas pela sua incapacidade e letargia
em encaminhar as reformas que interessam esses grupos.
Com um currículo afinado com os interesses econômicos, o economista
Abraham Weintraub é o segundo ministro da Educação do governo Bolsonaro. Ex-
aluno de Olavo de Carvalho – o ideólogo do bolsonarismo - Weintraub é um
professor universitário que prega contra o “marxismo cultural” e que trata seus
opositores como inimigos. O ministro nunca gerenciou nada na área educacional,
em seu currículo configura como especialista em Previdência social, atuou como
executivo do mercado financeiro por mais de 20 anos, foi sócio da Quest
Investimentos, diretor do Banco Votorantim, membro do comitê de trading da
Bovespa, conselheiro da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de
Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord).
Na opinião de César Callegari, ex-membro do Conselho Nacional de
Educação e presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada4, o papel de
Abraham é o de defender os planos do ministério da Economia de desvincular a
educação do orçamento da união e aprofundar os processos privatizantes da
educação brasileira, a exemplo do projeto já anunciado de privatização das
universidades públicas.

3
https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/brasil/54463/filosofos-criticam-qualidade-academica-
do-ministro-da-educacao-de-bolsonaro Acesso: 01/03/2019
4
(https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/09/politica/1554763741_753478.html) Acesso: 01/03/2019
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QUEM É O INFLUENCIADOR DO GOVERNO BOLSONARO PARA AS


POLÍTICAS EDUCACIONAIS?

Olavo de Carvalho, 71 anos, é alguém que encarna magnificamente esta era


na qual ideias e sujeitos há pouco tempo marginais conseguiram colocar-se no
centro do debate público. E, em seu caso, ter influência. Este autodidata que vive na
Virginia (EUA) há anos e dá aulas de Filosofia pela Internet lidera à distância um dos
quatro grupos que apoiam diariamente o Governo de Jair Bolsonaro. É o pai do setor
mais ideologizado do Gabinete, aquele que está na guerra contra o globalismo, o
marxismo cultural, o feminismo. Os dois ministros da Educação do governo
Bolsonaro são discípulos dele. As demais são os militares, os econômico-
pragmáticos e os evangélicos (cristãos fundamentalistas). Olavo é a grande
referência ideológica do clã Bolsonaro, o inspirador da revolução direitista
conservadora empreendida para apagar qualquer sinal de esquerdismo no Brasil.5
O que faremos a seguir, iluminados pelo entendimento acima apresentado, é
analisar documentos, entrevistas e pronunciamentos do presidente eleito e dos seus
ministros da Educação. São analisados documentos de responsabilidade do
presidente eleito (programa da campanha, discurso de posse6, 100 dias de governo,
mensagem ao congresso e discurso em Davos)7 e os documentos sob a
responsabilidade do primeiro Ministro da Educação: A faxina ideológica8; Sete
pontos para mudar a educação - audiência pública do ministro da educação na
Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado9, onde ministro indica sete
pontos centrais para melhorar a educação; bem como e as notícias oficiais
veiculadas na página do MEC.
A análise dos conteúdos nos permitiu identificar seis âmbitos da proposta
educacional do atual governo que se caracteriza, pela sua forma de governar como
de extrema direita, neoliberal, ultraconservadora e protofascista. Os âmbitos são os
seguintes:

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/14/politica/1555201232_670246.html?rel=str_articulo#1559662
474804 Acesso: 01/03/2019
6
http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/2019/discurso-do-presidente-da-
republica-jair-bolsonaro-durante-cerimonia-de-posse-no-congresso-nacional Acesso: 01/03/2019
7
http://www.casacivil.gov.br/central-de-conteudos/downloads/agenda-de-governo-2019-gabinete-de-
transicao, https://docs.wixstatic.com/ugd/b628dd_f16f8088c3f24471a43c52a93e25e743.pdf
8
https://veja.abril.com.br/revista-veja/faxina-ideologica/ Acesso: 01/03/2019
9
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=73751 Acesso: 01/03/2019
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(1) Responsabilidade do Estado - desresponsabilizar o Estado de suas atribuições


de garantir direitos;
(2) Financiamento da Educação - privatização da educação;
(3) Direito à aprendizagem – competências e habilidades: foco nas aprendizagens e
avaliações meritocráticas dos estudantes com ênfase na inclusão excludente, na
concepção de formação para o mercado do trabalho, à distância, com conteúdos
mínimos;
(4) Processo de formação dos trabalhadores: desqualificação dos trabalhadores em
seu processo de formação;
(5) Valorização do trabalho e sistema de proteção do trabalho: desvalorização dos
trabalhadores de educação, pela precarização, terceirização do trabalho na escola;
(6) Formação e Exercício da docência: desvalorização da docência, desde a
formação inicial à formação continuada, desvalorização do trabalho dos professores,
das condições de trabalho, dos salários, da carreira, da seguridade social –
assistência, saúde e previdência.
Concluímos respondendo provisoriamente sobre as tendências da educação
levando em consideração o bloco histórico no poder, que está administrando
políticas públicas de Estado e de governo, constituído pelos: (1) economistas
ortodoxos da Escola de Chicago que defendem a reforma da previdência, as
privatizações do patrimônio público, a reforma do estado na perspectiva de passar
responsabilidades ao setor privado e a abertura do mercado ao capital imperialista;
(2) rentistas da economia imperialista, sustentado pela dívida pública; (3) militares
nacionalistas e entreguistas; (4) empresários parasitas que tensionam para baixar o
valor da força de trabalho pela via de retirada de direitos e quebra do sistema de
proteção do trabalho e do trabalhador; (5) fundamentalistas religiosos,
obscurantistas, a-científicos, acríticos e a-históricos; (6) latifundiários proprietários de
terras, florestas, águas e demais fontes energéticas; (7) parte do setor Judiciário,
que contribuiu para a instalação do Estado de Exceção; (8) a maioria do poder
legislativo que representa os interesses do grande capital e se organizam em lobby:
bancada do boi, da bala, da bíblia, da bola - a bancada BBBB.
Estes setores que estão no Governo e constituem a Sociedade Política, o
Estado Burguês, estão apoiados ou em confronto com os interesses da classe
trabalhadora organizada por setores da sociedade civil. Apoiados ou não pelas

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famílias, escolas, sindicatos, meios de comunicação, associações, partidos políticos


e movimentos social. Confrontam-se aí interesses de classes antagônicas,
posicionadas ideologicamente vez que vivemos em uma sociedade de classes. A
manutenção hegemônica da exploração de uma classe por a outra se dá, ou por
coesão, conciliação de classe, ou por coerção, pela via das forças armadas e o
aparato jurídico. Entram aí as táticas do capital para manter no poder um bloco
histórico que lhe favoreça na exploração do trabalho e do trabalhador, lhe favoreça
na rapinagem, no assalto das consciências e o assalto ao Estado.
O capital e seus vassalos cooptam forças que se disponham a aplicar os
ajustes designados pelos organismos internacionais como “Ajustes Justos”. Estes
ajustes decorrem do enfrentamento da crise, cada vez mais longínqua e profunda,
do modo capitalista de produzir e reproduzir a vida, baseado na propriedade privada,
na concentração dos lucros e das riquezas, na exploração do trabalho subsumido ao
capital. Tais ajustes que destroem forças produtivas têm consequências
econômicas, sociais, políticas e ambientais. Os ajustes implicam em destruição
econômica, regressão social e ataques à democracia que destroem as forças
produtivas. Para manter a destruição econômica, social e da democracia é preciso
acentuar a tendência de desqualificar o trabalhador em sua formação escolarizada
de modo a lhe manter alienado da exploração sob a qual está submetido. O texto
demonstrará esta tendência presente nos documentos aqui analisados e nas
referências utilizadas.
A seguir expomos dados da conjuntura mais geral, dados da educação, dados
da educação do campo para concluir a necessidade da resistência ativa, o que
implica em um programa de transição onde as reivindicações transitórias e históricas
estejam colocadas. Caso o setores que congrega as forças da classe trabalhadora
não vença no próximo período, estabelecendo a hegemonia dos interesses dos
trabalhadores, contra a lógica capitalista, teremos, sim, uma acentuação da barbárie
com regressão cujas consequências – econômicas, sociais, ambientais -, destroem
forças produtivas, colocam em risco a própria humanidade e seu processo de
humanização.
Não é exagerado dizer que entramos na fase mais perigosa do imperialismo
na história. Em seu livro Socialismo o Barbarie, o filósofo István Mészáros alertou
para a gravidade do momento histórico gerado pelo capitalismo sem travas:

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“[...] no es exagerado decir – [...] – que hemos entrado en la fase más


peligrosa del imperialismo en la historia. Porque lo que está en juego ahora
no es el control de una parte del planeta, no importa cuán grande, o poner
en desventaja a algunos rivales, aunque permitiéndoles acciones
independientes, sino el control de su totalidad por una superpotencia
hegemónica, económica y militar, con todos los medios – aún los más
autoritarios y, de ser necesario, los militares más violentos – a su
disposición.
Esto es lo que requiere la racionalidad esencial del capital desarrollado
globalmente, en su vano intento de poner bajo control sus irreconciliables
antagonismos. El problema es que, sin embargo, esta racionalidad – [...] –
es al mismo tiempo la forma más extrema de irracionalidad de la historia,
incluida la concepción nazi de dominación mundial, en lo que atañe a las
condiciones necesarias para la supervivencia de la humanidad”.
(MÉSZÁROS, 2003, p. 45.)

AVALIAÇÃO DA CONJUNTURA GERAL

A avaliação da conjuntura internacional demonstra o acirramento da guerra


Inter imperialista, expressa no bloco histórico que mantém, através de ajustes
estruturais e de guerras híbridas, a hegemonia do capital no planeta, enquanto modo
de produção hegemônico. A Geopolítica vem sofrendo alterações em decorrência
das disputas Interimperialistas. No espaço destas disputas avançam as forças
conservadoras, fundamentalistas, de extrema direita e neoliberais. Essas forças
surgem não para combaterem os demais capitalistas, não são resultado das pugnas
entre os capitais, muito pelo contrário, surgem para combaterem os trabalhadores
(suas políticas são para espoliar ainda mais os trabalhadores). A ação imperialista
para provocar a guerra convencional na Venezuela é apenas a ponta do iceberg da
lógica destrutiva dos imperialistas para manter sob seu controle, de forma coercitiva
nações que disponham de riquezas a serem exploradas, explotadas, roubadas.
A conjuntura no Brasil demonstra - após a posse do capitão Jair Messias
Bolsonaro, eleito através da utilização de táticas de guerra híbrida, que conta com a
utilização de redes sociais na internet para difundir mentiras, ocultar os programas
de governo e manipular o imaginário popular -, o aprofundamento do golpe de 2016
(jurídico, midiático e legislativo) que destituiu a presidente legitimamente eleita Dilma
Rousseff, condenou o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, retirando a
possibilidade de sua candidatura a presidente do Brasil em 2018, a aprovação no
legislativo e no judiciário de medidas que atentam contra a soberania nacional,
contra a democracia, contra o Estado de Direito, contra as políticas públicas sociais
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de governo e do Estado que beneficiam a classe trabalhadora, contra direitos e


conquistas históricas que criaram um sistema de proteção aos trabalhadores e
trabalhadoras.
Andrew Korybko, no seu livro Guerras Híbridas, traz a interpretação da
estratégia utilizada pelos Estados Unidos da América - EUA -, com campo de
observação do objeto nos países da Síria e Ucrânia, em tempos de crise. Com
extensão interpretativa para a situação que ocorre no Brasil, “percebe-se claramente
uma nova abordagem padronizada com vistas à troca de regime. Esse modelo
inicia-se com a implantação de uma revolução colorida como tentativa de golpe
brando, que logo é seguida por um golpe mais rígido, por intermédio de uma guerra
não convencional, se o primeiro fracassar”. (KORYBKO, 2018, p.13). As guerras
não-convencionais são mecanismos de atuação para apoderamento de uma infra-
estrutura política, militar e social pré-existente com o objetivo de, segundo John F.
Kennedy, acelerar, estimular e incentivar ações decisivas baseadas em ganho
político de interesse estadunidense. (KENNEDY apud KORYBKO, 2018, p. 71).
A análise do bloco histórico hegemônico no poder - constituído por forças
militares, religiosos pentecostais, setores do judiciário, latifundiários, setores
obscurantistas, setores entreguistas, setores da economia rentista -, constata que
eles estão agindo de forma coercitiva e violenta, para avançar na destruição da
Nação, do Estado de Direito, da Democracia, das conquistas e direitos da classe
trabalhadora e, no massacre das forças populares e de esquerda que constituíram e
constituem, com profundas contradições, a resistências ao projeto ultraliberal e
ultraconservador da extrema direita, que visa, em última análise, construir as
condições necessárias e mais favoráveis para a reprodução ampliada do capital e,
consequentemente, uma maior espoliação da classe trabalhadora.

AVALIAÇÃO DA CONJUNTURA EDUCACIONAL

A avaliação da conjuntura educacional apresenta fatos que permitem afirmar


que a Educação Estatal, pública, inclusiva, laica, democrática, de qualidade e
socialmente referenciada, em patamares conseguidos nos últimos governos de Luís
Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, está sendo destruída. São evidências dessa
destruição, a implementação da política neoliberal radicalizada que preconiza

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privatizar, desmontar o patrimônio público, entregar as riquezas e abrir o Brasil ao


capital imperialista predatório e parasita.
São evidências: a aprovação de medida de entrega do pré-sal ao capital
internacional; o não cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação; a
alteração dos perfis dos componentes do Conselho Nacional de Educação – CNE e
do Fórum Nacional de Educação, com a entrada dos empresários do setor privatista
da educação (Todos pela Educação) e a indicação de um militar para a Secretaria
Executiva do CNE; a aprovação da Reforma do Ensino Médio; a aprovação da
autoritária e esvaziadora do currículo Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
aprovação da Emenda Constitucional 95/16 que institui o ajuste fiscal e limita
investimentos em educação e saúde; aprovação das medidas que permitem a
terceirização sem limites, que precariza o trabalho docente; a aprovação da reforma
trabalhista, que atinge os trabalhadores em geral e em especial os trabalhadores da
educação, o exercício do magistério, o trabalho docente, pois retira dos professores
o atual modelo de aposentadoria aumentando o tempo mínimo de serviço
necessário para que o docente tenha direito a aposentadoria.
Mas, existem outras medidas específicas que estão atingindo a Educação,
desde a creche, passando pela educação de jovens e adultos e alcançando o ensino
superior. Elas estão relacionadas ao financiamento da Educação, da Ciência e da
Tecnologia, a gestão, a formação inicial e continuada dos professores e professoras,
ao trato com o conhecimento científico, ao currículo escolar, aos métodos e técnicas
de ensino, à censura nas escolas, à negação da ciência, ao projeto Escola Sem
Partido, a educação domiciliar, a militarização das escolas públicas, ao ataque ao
direito de cátedra, ao ataque a autonomia dos sistemas de ensino e, em especial,
nas universidades, a autonomia de gestão, administração, financeira e didático-
pedagógica.
Estão em curso medidas de precarização e privatização da educação. Para
tanto, serão implementadas medidas pragmáticas, alienadoras, com ênfase na
educação à distância que rebaixando a qualidade da educação pública,
inviabilizando a elevação do grau de consciência política das massas exploradas e,
portanto, perpetua a exploração.
Outra medida que tem recebido ênfase dos membros do partido do presidente
eleito é a perseguição de professores e professoras, de gestores e gestoras, bem

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como, rebaixamento dos conteúdos científicos nucleares e a precarização das


condições de trabalho, salários, carreira, seguridade social, assistência, saúde,
previdência, e perseguições às organizações dos trabalhadores, sejam entidades
científicas ou sindicatos. Esvazia-se assim, o trabalho de formação humana.
No mesmo dia em que manifestantes ocuparam as ruas de pelo menos 200
cidades brasileiras contra os contingenciamentos do Ministério da Educação sobre a
verba discricionária das universidades, o governo federal publicou um decreto que
tira a autonomia de reitores para nomear o segundo escalão administrativo das
instituições federais. A medida entrará em vigor em 25 de julho próximo. O Decreto
Nº 9.794, de 14 de Maio de 201910 “dispõe sobre as nomeações, as exonerações, as
designações e as dispensas para cargos efetivos, cargos em comissão e funções de
confiança de competência originária do Presidente da República institui o Sistema
Integrado de Nomeações e Consultas”. O texto confere poderes ao presidente para
nomeação e designação “incluem as competências para exoneração e dispensa”.
No Artigo 6°, porém, o decreto delega poder aos ministros para “nomeações para
provimento de cargos efetivos em decorrência de habilitação em concurso público; e
nomeação para provimento de cargos em comissão e designação para ocupação de
funções de confiança”. Entre os cargos em comissão e as funções de confiança,
porém, estão inclusos os cargos de pró-reitores e diretores, atualmente, nas mãos
dos reitores escolhidos pelas respectivas comunidades acadêmicas e nomeados
pelo ministro da Educação por meio de uma lista tríplice que não está sendo
respeitada pela atual gestão do MEC.
Coroando estes ataques temos agora o maior ataque, não só a nós
trabalhadores da educação, mas, a todos os trabalhadores e trabalhadoras: a
reforma da previdência que consolida a destruição do tripé que está na Constituição
de 1988 da Previdência Social que abarca a assistência, saúde, previdência.
Diante do exposto, conforme anunciado permite apontar as tendências,
conforme anunciado: (1) Responsabilidade do Estado - desresponsabilizar o Estado
de suas atribuições de garantir direitos; (2) Financiamento da Educação -
privatização da educação; (3) Direito à aprendizagem – competências e habilidades:
foco nas aprendizagens e avaliações meritocráticas dos estudantes com ênfase na
inclusão excludente, na concepção de formação para o mercado do trabalho, à

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9794.htm
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distância, com conteúdos mínimos; (4) Processo de formação dos trabalhadores:


desqualificação dos trabalhadores em seu processo de formação; (5) Valorização do
trabalho e sistema de proteção do trabalho: desvalorização dos trabalhadores de
educação, pela precarização, terceirização do trabalho na escola e (6) Formação e
Exercício da docência: desvalorização da docência, desde a formação inicial à
formação continuada, desvalorização do trabalho dos professores, das condições de
trabalho, dos salários, da carreira, da seguridade social – assistência, saúde e
previdência.
Posto isto, é possível afirmar que dois elementos ganham força e se
constituem em tendências nas políticas educacionais sob a condução do atual
governo, o componente conservador e o caráter mercantil privatizante da educação
que nos permite caracterizá-lo como de extrema direita, ultrarrecionário, neoliberal,
ultraconservadora e protofascista. Passamos a analisar em seguida algumas
medidas do atual governo que nos permitem afirmar que as Políticas de Educação
estão sendo atacadas e desmontadas. Buscaremos nesse contexto articular as
medidas com as adjetivações que estamos utilizando para caracterizar o governo
Bolsonaro.

A POLÍTICA NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO

Vélez Rodríguez (ministro original do MEC) em audiência pública na


Comissão de Educação Cultura e Esporte do Senado, afirmou considerar verdade
que os recursos da educação estão mal geridos, pois se concentram no Ensino
Superior em detrimento da Educação Básica. Segundo ele é necessário inverter este
quadro. Na oportunidade o ministro afirmou que a elaboração de uma política
nacional de alfabetização é o foco dos 100 primeiros dias de governo e que criou
dentro do ministério da educação a Secretaria de Alfabetização - Sealf; esta sob o
comando de Carlos Francisco de Paula Nadalim.
Com a demissão de Vélez Rodríguez antes de completar 100 dias de
governo, não há no site do Ministério da Educação, tampouco na página da Sealf,
nenhum documento oficial a respeito da nova política de alfabetização. Por outro
lado, tal como Presidente eleito que acredita governar pelo twitter, o secretário
Carlos Nadalim divulgou vídeo em que tece críticas ao que chama de binômio
alfabetização-letramento, associando o baixo desempenho dos alunos a esse
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binômio. No mesmo vídeo, o secretário defende o método fônico como alternativa


para superar o analfabetismo funcional. Demonstrando um completo
desconhecimento das concepções teóricas, o secretário chegando ao absurdo de
dizer que construtivismo é método.
Em que pese a veracidade de que o secretário de alfabetização parece
desconhecer o que seja alfabetização, letramento e construtivismo, também é grave
o aceno dado pelo presidente a possibilidade de implementar uma política de
alfabetização a distância para os locais e comunidades de difícil acesso. Ou seja,
estamos diante de um quadro de regressão histórica por dois motivos: ao considerar
que o problema da alfabetização está no binômio alfabetização-letramento e propor
o método fônico como solução, o secretário nos põe num cenário que precede os
anos 1980. Ao abrir a possibilidade de ensino à distância, inclusive para os anos
iniciais, nos dá margem a afirmar que não há interesse do governo em resolver o
problema do acesso à escola. A alternativa apresentada pelo presidente vai ao
encontro das práticas que rebaixam o ensino destinado às camadas populares que
são a maioria da população brasileira.
No que se refere a ausência de documentos oficiais e a ausência das
diretrizes da nova política nacional de alfabetização, entendemos que isto não é um
fato isolado. O presidente eleito acredita que a maior missão do seu governo em
relação à educação é combater o “marxismo cultural” e a ideologia de gênero. No
seu ideário e de parte dos congressistas, os professores brasileiros são
doutrinadores que estão na escola a serviço dos partidos de esquerda. Portanto, o
vazio de propostas efetivas a fim de resolver os problemas da alfabetização reflete o
fato de que o governo Bolsonaro não se efetivou sob a plataforma de combater os
reais problemas da educação brasileira - que tenhamos em mente são seculares;
mas sim sob o ódio nutrido em relação a determinado grupo político com o qual
Bolsonaro identifica os professores.

BASE NACIONAL COMUM – BNCC E O NOVO ENSINO MÉDIO

Poucos meses após ascender ao poder através de um golpe parlamentar-


jurídico-midiático, o presidente Michel Temer (2016-2018) editou medida provisória
(MP nº 746/2016) para realizar alterações na estrutura e organização do ensino
médio. Em 16/02/2017, o congresso aprovou a Lei nº 13.415 de 16/02/2017 que
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institui a Reforma do Ensino Médio. A BNCC11 e Diretrizes Curriculares para o


Ensino Médio (Resolução CNE Nº 3, de 21 de novembro de 2018)12 cumprem a
tarefa de definir a formação básica geral que está prevista na lei da reforma. Ambas
complementam e regulamento o que está previsto em lei. Nesse sentido a BNCC
ganha força legal. A lei fala da possibilidade de ensino à distância, determina, por
exemplo, que 20% do ensino diurno pode ser a distância.
A atual composição do Ministério da Educação sugere que o governo, em
certa medida, dá continuidade às políticas (econômica, social, educacional etc.) de o
governo golpista Temer, afinal os apoiadores de Jair Bolsonaro são os mesmos
reformadores empresariais, cuja concepção de educação defendida se baseia na
ideologia neoliberal e entende que o Estado é o principal inimigo para a geração da
qualidade social desta área. A eficiência do sistema educacional só seria atingida
sob o controle empresarial, sem intervenção do Estado. Uma das principais
apoiadoras dessa proposta é Viviane Senna, presidenta do Instituto Ayrton Senna e
conselheira fundadora do Todos pela Educação – TPE. (FREITAS, 2018).
Destarte, concordamos com a tese defendida por Beltrão (2019) de que

“a atual reforma do ensino médio se insere no movimento de ofensiva do


imperialismo, de destruição dos serviços públicos (dentre eles a educação)
e de forças produtivas, e visa criar melhores condições para a privatização
da educação pública e expansão de renovados campos para a valorização
do capital, ao mesmo tempo o novo ensino médio propõe uma formação
que acentua a unilateralidade, retirando conteúdos científicos e
desqualificando o jovem trabalhador ainda no seu processo de
escolarização básica, nessas condições, componentes curriculares ou áreas
do conhecimento tendem a ser dispensáveis ou rebaixados a atividades
escolares, seus conteúdos científicos passam a ser prescindíveis.”
(BELTRÃO, 2019, p. 28).

Para o autor supracitado, “[...] as alterações promovidas na organização e


estruturação do ensino médio favoreceram aos interesses do capital”; (Idem, p.230).
Justamente por isso que empresários e fundações vinculadas às instituições
financeiras se esforçam para que o debate se centre no âmbito curricular,
secundarizando ou negligenciando questões relacionadas ao financiamento, à
estrutura, à concepção de sociedade, a projeto de nação etc.

11
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf). Acesso
em 19/04/2019.
12
(http://portal.mec.gov.br/docman/novembro-2018-pdf/102481-rceb003-18/file). Acesso em
19/04/2019.
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MILITARIZAÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS

Esse ponto parece ter sido eleito como prioridade pelo então Ministro da
Educação, Ricardo Vélez Rodríguez atendendo ao desejo do presidente, de tal
forma que foi criada na Secretaria de Educação Básica (SEB), a subsecretaria de
Fomento às Escolas Cívico-Militares. Uma das primeiras medidas do ministro foi
encaminhar uma carta às escolas para executarem o Hino e ler o slogan de
campanha de Bolsonaro.
Segundo declaração do ministro da Educação ao jornal O Estado de São
Paulo o período da ditadura militar no Brasil foi um "ciclo centralizador" que atendeu
os anseios da população. "O ciclo 64-85 foi querido pela sociedade brasileira. Os
militares não caíram de Marte. Eles foram chamados para corrigir, como uma
espécie de poder moderador, os rumos enviesados que tinha enveredado a
República". O referido ministro defende a volta da educação moral e cívica para os
currículos das escolas em todas as etapas da educação básica – Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Médio.
A disciplina Educação Moral e Cívica foi instituída em 1969, durante o período
da ditadura militar, por um decreto-lei subscrito pelos ministros militares que a
fizeram obrigatória nas escolas de todos os graus e modalidades do país. Cerca de
dois anos depois da aprovação do decreto-lei, em 1971, entrou em vigor a segunda
versão da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Com ela, o presidente Emílio Médici
transformou a Comissão de Moral e Civismo em um órgão de doutrinamento, que
passou a controlar o ensino de forma absoluta.

EDUCAÇÃO DOMICILIAR: UMA PAUTA DA DIREITA NEOLIBERAL E


ULTRARREACIONÁRIA

A única realização nos 100 primeiros dias de governo Bolsonaro, além do


desmonte do MEC, foi enviar para análise do Congresso o projeto de lei
regulamentando o ensino domiciliar no Brasil. A tarefa de preparar a medida
provisória que virou projeto de lei foi dada à pastora evangélica Damares Alves,
ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. O Projeto de Lei dispõe sobre o
exercício do direito à educação domiciliar, altera a Lei nº 8.069, de 3 de julho de

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1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº 9.394, de


20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional.
A religião é a força propulsora e obscurantista da educação domiciliar
(homeschooling, como ficou conhecida a educação domiciliar nos EUA) no Brasil. A
bancada da bíblia formada por Deputados e Senadores ultraconservadores
fundamentalistas religiosos cristãos (evangélicos e católicos) se organizou e
comanda a pauta das reformas mais nefastas já feitas na educação brasileira. São
os mesmos parlamentares que também defendem o projeto Escola sem Partido, que
combate uma suposta doutrinação de professores. Posicionar-se contra a instituição
escola. Para além dos ataques aos professores e à escola, de maneira autoritária e
obscurantista a educação domiciliar, como está sendo proposta, desqualifica o
acúmulo de décadas de pesquisas da comunidade científica.
Por trás do discurso do governo para dar "liberdade aos pais" estão as
empresas e os grupos editoriais de olho no mercado em torno do homeschooling. Na
internet explodem novos sites de empresas brasileiras especializadas em materiais
para quem quer educar em casa. Todos eles com conteúdo religioso que negam a
conhecimento científico, histórico e filosófico acumulado até aqui pela humanidade.
Esses materiais para homeschooling não levam em conta nem mesmo os
documentos oficiais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aprovada em
2018 pelo governo federal. No ensino domiciliar as famílias, em sua grande maioria
religiosas fundamentalistas cristãos, irá adotar ensinamentos utilizando dogmas
fundamentalistas - o criacionismo, onde todos os seres teriam sido criados por uma
divindade; sendo produto de um ato divino elas seriam perfeitas e sua atual estrutura
era a mesma do ato da criação sem terem passado por nenhuma adaptação ou
evolução. Essa visão de mundo priva as crianças e os jovens do direito de conhecer
as diferentes concepções e formar seu próprio julgamento crítico e fazer suas
escolhas. Com discurso de suposto combate a “doutrinação dos professores”, as
famílias estarão resguardadas pela lei para fazer a “doutrinação religiosa” de
crianças e adolescentes. A prevalência dos grupos religiosos nas discussões da
educação domiciliar tem uma clara intenção de evitar que crianças e adolescentes
tenham contato com a diversidade presente na escola. Para Cesar Callegari, ex-

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conselheiro do CNE "Os grupos religiosos querem, por meio do homeschooling, criar
quadros puros para eles próprios.” 13
Outra questão preocupante do ensino domiciliar é que retira do Estado sua
responsabilidade com a garantia do direito à educação. Para Ivan Claudio Pereira
Siqueira, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação (CNE) a educação domiciliar cria um universo paralelo, pois mesmo a
educação religiosa tem normas nacionais a serem cumpridas, não é liberdade total
para fazer o que quiser. O Estado é laico e mesmo no ambiente privado há
interesses públicos, afinal é preciso pensar na implicação da autorização do
homeschooling no país. "Quem vai verificar os direitos de aprendizagem das
crianças, os materiais didáticos? E se houver pedidos dos pais por recursos
públicos?14
O que se esconde por trás do projeto de ensino domiciliar é um projeto
obscurantista que visa retirar do Estado sua responsabilidade com a garantia do
direito à educação e mais um instrumento de privatização da educação com
acirramento das práticas neoliberais.
Quando T. H. Huxley em 1860 saudou o livro de Charles Darwin A origem das
espécies, afirmou que o livro punha fim ao ofuscamento teológico antiquado,
Quem há de enumerar os pacientes e sinceros buscadores da verdade, dos
dias de Galileu até hoje, cujas vidas foram amarguradas e cujo bom nome
foi arruinado pelo fanatismo de Bibliólatras? [...] É verdade que se os
filósofos sofreram, sua causa foi amplamente vingada. Teólogos extintos
jazem em volta do berço de cada ciência como as cobras estranguladas ao
lado de Hércules, e a história registra que sempre que a ciência e
dogmatismo se opuseram de maneira clara, este último foi obrigado a
abandonar o combate, sangrando e subjugado, embora não aniquilado;
neutralizado, embora não morto. (HUXLEY, 1860, p.556 apud BROWNE,
2011, P.149).

De fato Huxley estava correto, os “Bibliólatras” nunca desapareceram, em


pleno século XXI estão mais vivos que nunca, com projeto de poder para doutrinar e
nos condenar ao obscurantismo medieval.
Diante do exposto, podemos inferir que o embate mais ardente de neoliberais
e ultrarreacionários pela pedagogia e pelo currículo é travados no interior das

13
https://www.jb.com.br/pais/2019/03/987949-grupos-religiosos-estimulam-defesa-do-ensino-
domiciliar-no-governo-bolsonaro.html Acesso: 21/03/2019
14
https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,grupos-religiosos-estimulam-defesa-do-ensino-
domiciliar-no-governo-bolsonaro Acesso: 01/04/2019
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escolas através do Projeto Escola sem Partido e fora dela através da educação
domiciliar (homeschooling).

AVALIAÇÃO DA CONJUNTURA EDUCACIONAL DO CAMPO

A conjuntura educacional do campo se agrava porque implica em atacar


territórios, constituídos por municípios, onde vivem seres humanos, impactados
pelas disputas de projetos de nação e projeto educacional. Os territórios estão em
disputa pelos recursos naturais, minerais, água, terra, cultura, força de trabalho.
Nesses territórios em disputa está situada a escola do campo que tem a função de,
através da apropriação do patrimônio cultural da humanidade, apropriação de
signos, elevar a capacidade teórica dos seres humanos, - contribuir para o processo
de consciência e emancipação –, realizando em cada um o processo histórico de
humanização, escola que está sendo fechada, rebaixada e destruída, para não
servir a classe trabalhadora do campo.
Agravando a situação da Educação do Campo, temos o ataque ao Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA, que atende áreas de
reforma agrária, desferido inicialmente durante o governo Temer com o desmonte do
Ministério de Desenvolvimento Agrário - MDA e no atual governo com os cortes
orçamentários. Soma-se a isto a extinção da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI/MEC, que cuidava da promoção da
valorização de diferenças e da diversidade sociocultural, à promoção da educação
inclusiva, dos direitos humanos, e da sustentabilidade socioambiental. A SECADI
desenvolvia ações no âmbito da “Educação de Jovens e adultos”, Educação
Especial na perspectiva inclusiva, Educação Ambiental e em Direitos Humanos,
Educação do Campo, Indígena, Quilombola, Educação para as relações Étnico-
raciais. Esse desmonte interessa ao modelo de desenvolvimento neoliberal, que
beneficia o latifúndio, o agronegócio, em detrimento de um projeto de nação cujas
bases estão assentadas em princípios da economia socialista, onde o ser humano,
sua vida, seu modo de produção e reprodução, suas relações com a natureza que
lhe garantem a vida e a relação com outros seres humanos não está pautada na
propriedade privada, na lógica do lucro e, da concentração de riquezas nas mãos de
poucos em detrimento do bem-estar da maioria. Concluímos que nos territórios

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compostos por 5.570 municípios nos 26 Estados Brasileiros, mais o Distrito Federal,
os quais as políticas sociais, em geral e em especial a política educacional
democrática e inclusiva, chegaram e existem acúmulos concretos de conquista de
direitos, de resistência ativa à destruição do patrimônio público e do que foi
conquistado.
Caso não ocorram alterações na correlação de forças no próximo período,
mais do que o desmonte das políticas de governo e de Estado até aqui
conquistadas, como já foi dito, duas tendências se consolida: (1) mercantilização e
privatização da educação - que promovem retirada de direitos nesse campo, a
privatização, o rebaixamento da forma, dentro outros, ao mesmo tempo que atende
aos interesses do capital; (2) conservadora, que se ocupa da disputa ideológica, da
coação e repressão, da formação de personalidades mais afeitas ao modo de
produção capitalista em tempo de crise (nesse caso, ganha destaque o Projeto
escola sem partido). Justamente quando é preciso avançar e superar contradições.
Segundo nossa análise dos conteúdos contidos nos documentos aqui
mencionados, será intensificada a retirada do direito dos povos do campo – sem-
terra, sem-teto, indígenas, quilombolas, atingidos por grandes obras, povos
tradicionais, povos dos campos, águas e florestas. Situam-se nesse escopo os
Programas Nacional de Educação do Campo - PRONACAMPO/SECADI e
PRONERA/MDA que apresentam grandes conquistas, apesar das contradições.
Entre as conquistas podemos mencionar: a formação inicial e continuada de
professores, técnicos em agricultura, saúde, educação, entre outros,
desenvolvimento de uma base na teoria crítica, que considera princípios de uma
pedagogia socialista, com a introdução de conteúdos científicos nucleares no
currículo escolar, relacionados à vida concreta dos agricultores e agricultoras em
seus territórios, com impactos na aprendizagem das crianças e jovens e, melhoria
de índices educacionais. Estas ações evitaram fechamento de Escolas e
contribuíram para a valorização da escola pela comunidade, do trabalho dos
trabalhadores da educação das escolas do campo e do magistério.

O QUE FAZER?

A constante comparação entre o hodierno período e os anos que sucederam


1964 mostra mais do que um desmonte na educação, mas um desmonte na
sociedade que passou por um curto tempo de democracia e avanços sociais.
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A educação, entretanto, parece ser a área em que há maiores esforços para


desmanchar, visto que influencia e protagoniza a transformação do pensamento
conservador, que perpassa as esferas da consciência e emancipação para
percepção da luta de classes, incluindo as ramificações gênero, sexualidade, raça e
outras.
Vale a menção de outro momento histórico: em maio de 1968, aconteceu na
França um movimento encetado pelos estudantes franceses da Universidade de
Nanterre, que fizeram um protesto contra a divisão dos dormitórios entre homens e
mulheres. O motivo do motim, entretanto, estava arraigado de uma geração que
reivindicava o fim de posturas conservadoras. Outros universitários franceses e
grupos político partidários resolveram engrossar fileiras dos protestos contra os
problemas vividos na França. Ainda no mesmo ano e mês, trabalhadores, envolvidos
nas reivindicações crescentes, estipularam uma greve geral com enorme proporção.
As manifestações ocorridas no mês de maio de 2019 no Brasil carregam a
mesma essência: uma massa de pessoas, sobretudo estudantes, inconformadas
com uma ascensão conservadora capaz de realizar cortes orçamentários
expressivos nas maiores universidades do país. Com a redução de verbas, o aviso é
expresso: não é superficialmente contra a universidade que se posiciona o governo,
é contra o que é produzido e incitado por ela. É pelo avanço social percebido no
cotidiano das universidades públicas, na entrada de uma classe historicamente
marginalizada nos espaços de produção científica conhecimento e na liberdade de
expressão conquistada pelos estudantes que é feita o contingenciamento.
As ruas de maio de 2019 no Brasil, estampadas de revolta, deixam claro o elo
com as esquinas francesas em 1968. Não há aceitação mansa no avanço da onda
conservadora, não há gosto pela mudança de comportamentos e pelo definhamento
da educação pública.
Frente às ameaças, aos ataques concretos que se expressam com violência
máxima na reforma da previdência, reafirmamos a resistência ativa contra a
implementação de medidas que retiram direitos da classe trabalhadora em geral e
em especial dos trabalhadores da educação.
Reconhecemos na bibliografia especializada indicações sobre a dimensão
educacional de um programa de transição, para enfrentar a extrema-direita, os
fundamentalistas religiosos ultrarreacionários, os ultraconservadores, neoliberais e

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protofascistas. Neste programa de transição, ordenamos as reivindicações em


transitórias e históricas. As transitórias de curto médio e longo prazo. A histórica que
significa outro modo de produção da vida, o socialismo rumo ao comunismo.
Em defesa da educação pública estatal gratuita democrática laica inclusiva de
qualidade socialmente referenciada:
Contra o desmonte do Estado brasileiro,
Contra a Reforma da Previdência,
Em defesa da democracia,
Lula Livre já!

REFERÊNCIAS

BELTRÃO, José Arlen. O novo ensino médio: o rebaixamento da formação, o


avanço da privatização da educação básica e a necessidade da construção da
resistência ativa e de alternativa pedagógica crítica. 2019. (Tese de Doutorado) -
Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade
Federal da Bahia. 2019.
BROWNE, E. Janet. Charles dawin: o poder do lugar. Trad. Otacílio Nunes. São
Paulo: Editora Unesp, 2011.
FREITAS, L. C. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias.
São Paulo: Expressão Popular, 2018.
IASI, Mauro. O fetichismo e as formas políticas: o Estado burguês na forma
burlesca. Blog da Boitempo. Disponível em:
https://blogdaboitempo.com.br/2019/02/14/o-fetichismo-e-as-formas-politicas-o-
estado-burgues-na-forma-burlesca/ Acesso: 04 mar. 2019.
KORYBKO, Andrew. Guerras híbridas: das revoluções colorida aos golpes. Trad.
Thyago Antunes. São Paulo: Expressão Popular. 2018.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Trad. Rubens Enderle. 2.ed.
São Paulo: Boitempo. 2011. (Livro 1).
MÉSZÁROS, István. El Siglo XXI: Socialismo o Barbarie?. Buenos Aires, Ediciones
Herramienta, 2003.

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