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INTRODUÇÃO
Diante dos desafios presentes, quando se procura entender quem é o ser
humano em suas mais diferentes formas de linguagem, um tema que se apresenta como
fundamental é a ética. O que significa? Como entendê-la? Quais as implicações que coloca para o
ser humano? Essas e outras questões serão respondidas na continuidade.
Tendo como enfoque a Teologia da Libertação, algumas tradições religiosas, cristãs ou não, em
especial, o catolicismo, contribuíram para o processo de transformação da sociedade. O mesmo
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não ocorreu com alguns movimentos apostólicos conservadores, que não fazem a opção por uma
dimensão política, econômica, social e cultural. A opção dessa vertente religiosa converge para a
dimensão espiritual. Assim, para essa vertente, é mais importante o aspecto religioso, não o social.
Essa opção religiosa pode ser encontrada no islamismo, mas também em parcelas consideráveis
do catolicismo.
Como vimos anteriormente, a moral refere-se à regulação dos valores e comportamentos; já “[...] a
ética deve ser entendida como o julgamento da validade das morais ou como uma reflexão crítica
sobre a moralidade. Nesse caso, todo comportamento moral passa pelo juízo ético” (SCOPINHO,
2013, p. 72).
Se tomarmos como exemplo um caso citado por Ferreira Gullar, vamos perceber que o
comportamento moral contribui para entender a distinção entre a ética e a moral:
[...] E li também que RukhsanaNaz, de 19 anos, grávida de sete meses de seu namorado
de infância, foi morta pelo irmão – estrangulada com um fio de náilon – enquanto a mãe lhe
segurava as pernas para que ela não se debatesse. Em defesa da honra. A mãe, enquanto
ajudava o filho na sua macabra tarefa, chorava desesperadamente, mas nem por isso
desistiu da decisão homicida. Gostaria de não ter que fazer aquilo, mas não podia deixar
de fazê-lo. Um poder maior que seu amor de mãe a obrigava. Que poder é esse? O poder
das ideias, dos valores culturais – sejam eles, religiosos, morais ou ideológicos – que
regem a vida das pessoas. Por isso, creio não haver exagero em dizer que o homem, filho
da natureza, é de fato um ser cultural que vive num mundo por ele inventado (GULLAR,
2005, p. 10 apud SCOPINHO, 2013, p. 72).
Como afirma Leonhardt (2008, p. 154), “[...] o homem é um ser eminentemente cultural, infere-se
que as atividades humanas − destacando-se o labor, o trabalho e a ação − dimanam dessa causa,
são produtos da cultura”.
Podemos perceber que, no caso citado por Ferreira Gullar, é preciso colocar um posicionamento
ético. Contudo, a ética não deve ser entendida como teoria. Para Scopinho (2013, p. 73):
Ela tem que ser percebida como um conjunto de princípios e disposições voltados para a
ação, histórica e socialmente produzida, cujo objetivo é balizar as ações humanas. A ética
existe, portanto, como uma referência para os seres humanos em sociedade, de tal modo
que os próprios seres humanos possam se tornar cada vez mais humanos, estabelecendo
critérios para a análise do comportamento moral. Diante do exemplo apresentado por F.
Gullar, caberia a seguinte pergunta: qual deve ser o posicionamento ético diante da moral
assumida pela família de RukhsanaNaz?
Tanto a moral quanto a ética não são um conjunto de verdades fixas e imutáveis. Nelas, devemos
levar em consideração o caráter histórico e cultural, pois os momentos históricos e as concepções
culturais interferem muito no entendimento ético e moral. Entretanto, é importante considerar que a
ética se apresenta como o julgamento da moral.
Antes de avançar, clique aqui e saiba mais sobre moral na visão de Aristóteles.
Desse modo, a ética é a referência a princípios humanitários fundamentais, que estão presentes em
todos os povos, nações, religiões etc. A ética é o principal regulador do desenvolvimento histórico e
social da humanidade. Ou seja, ela é imprescindível.
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Ethos (raiz de “ética”), em grego, designa a morada humana. O ser humano separa uma
parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente.
A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser
humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si. Ético significa,
portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia
saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente
fecunda.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU, no ano de 1948, é apontada
como sendo o objetivo a ser buscado por cada pessoa, cada sociedade, enfim, por toda a
humanidade.
No que diz respeito à ética, podemos encontrar, na Declaração, no artigo segundo, dois itens que
contribuem para um entendimento sobre a questão pluralidade cultural:
1 – Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos
nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.
2 – Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou
internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território
independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de
soberania (ONU, 2020, p. 5).
Agora, clique aqui para ler a Declaração Universal dos Direitos Humanos e
conheça na íntegra todos os princípios expressos.
Assim, cada ser humano está convocado a incorporar os princípios expressos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de modo a colaborar para que o mundo seja melhor e mais
sustentável, o que traria uma consequência ética inevitável.
Se considerarmos que a moralidade vigente, muitas vezes, é exercida sob pressão de interesses
religiosos, políticos e econômicos culturalmente determinados, podemos afirmar que ela sofre
frequentes e graves degenerações e distorções, além de desconsiderar a importância da ética,
pautada nos direitos humanos e no pleno exercício da cidadania.
Será que você compreendeu todo o conteúdo estudado neste tópico? Verifique sua aprendizagem
respondendo à questão a seguir.
O ser humano é um ser ético e moral, fazendo-o, por essa razão, distinto dos demais seres da
natureza. Assim, podemos afirmar que ética e moral significam, respectivamente:
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Não existe distinção entre ética e moral, pois ambas se referem ao comportamento
humano em qualquer sociedade historicamente constituída.
A ética tem uma dimensão específica, como, por exemplo, a ética profissional, entre
outras; a moral é o princípio regulador do desenvolvimento histórico-cultural da humanidade.
Retomando de outra maneira aquilo que já estudamos, navegue no infográfico a seguir, adaptado
da obra do professor Vanderlei de Barros Rosas (2002), e veja algumas concepções de ética, como
elas são organizadas em relação às regras morais e aos seus direcionamentos.
CONCEPÇÕES ÉTICAS
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Podemos dizer que o infográfico retrata o caráter humano da ética, ou seja, destaca que, enquanto
criação humana, a ética não está isenta e sua aplicação se filia a objetivos bem específicos. A ética
normativa compromete-se com a obediência, a ética teleológica vincula-se com o capital, e a ética
situacional defende uma organização política vigente durante um período. Você já pensou se
alguma dessas três formas ou compromissos éticos predomina na sua vida e qual deles? É uma
reflexão válida, especialmente para nos atermos a como organizamos nossas prioridades. Mesmo
sendo éticos, a vida pode nos surpreender com situações inesperadas, e as respostas que temos
para o dia a dia nem sempre são as melhores diante do contexto vivenciado.
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Nesse sentido, podemos considerar que algumas condições essenciais e de base ética precisam
ser construídas. Trata-se, nesse caso, especialmente, do desenvolvimento da alteridade – ou seja,
conhecer e aprender com o “lado do outro” – debatida ao longo dos ciclos anteriores de estudos.
JUSTIÇA SOCIAL
A noção de justiça social é muito presente na atualidade, pautada, inclusive, na Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948). Porém, sua discussão remonta a noções que foram se
transformando até chegarem aos dias atuais. Por isso, vamos esclarecer alguns pontos centrais.
De acordo com Lacerda (2016), a definição de justiça social do jesuíta Luigi Taparelli (1793-1862)
faz menção apenas a uma noção liberal de liberdade pessoal e de igualdade perante a lei. Isso
significa tratar a liberdade como direito de cada um, garantido a todos pela lei, mas sem menção
específica às condições econômicas, sem considerar se as condições materiais permitem ou não o
exercício dessa liberdade. Por uma vertente semelhante, caminharam outros autores que trataram a
expressão, como Antônio Rosmini (1797-1855) e Serafino Pachini (na sua obra Trattato della
giustizia sociale, de 1865). Quem esteve mais próximo do significado atualmente atribuído à justiça
social foi Louis De Potter (1786-1859).
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Segundo o autor, a única via que pode conduzir a humanidade à felicidade é a justiça, pois
somente por meio dela a liberdade de todos pode ser assegurada. A liberdade dissociada
da justiça conduz à anarquia, situação que inviabiliza os projetos de vida e,
consequentemente, a felicidade das pessoas. Até aqui, as palavras do autor nada trazem
de novo em relação à ideia liberal então consolidada. Um pouco mais à frente, no entanto,
algo diferente vem à tona. Para De Potter, a “justiça social” exige também que não existam
privilégios em demasia para os homens que tiveram a sorte de nascer favorecidos, e que
os privilégios existentes não sejam tão vultosos de modo a “privar um único dos membros
da sociedade das necessidades da vida ou das vantagens da educação social” (LACERDA,
2016, p. 70-71).
Portanto, inicialmente, a justiça social estava ligada à igualdade perante à lei e à liberdade pessoal,
sem fazer menção à questão econômica ou à desigualdade de condições sociais. Contudo, De
Potter tocou nesse tema, remetendo a evitar que os privilégios de uns privem outros.
Alfred Fouillée (1899) tratou desse tema em um artigo, elucidando uma noção de justiça social um
pouco mais próxima daquela que é comum na atualidade. De acordo com Lacerda (2016, p. 73):
A discussão caminhou muito, até que, no século 20, tivemos uma compreensão mais clara de
justiça social, a qual usamos como referência. Foi ficando evidente que a justiça social não dizia
respeito apenas a uma lei de Estado que regulamentasse a relação entre indivíduos, assegurando a
liberdade, mas incluindo questões de âmbito da igualdade em seu sentido material. No bojo dessas
discussões, estavam consideradas as condições de miséria vistas na Europa do século 19.
Contudo, o debate avançou de modo a contemplar não apenas o sentido material, mas também
espiritual, ensejando a submissão da economia a um caráter ético.
Por isso, a justiça social deve ser compreendida como algo mais que o direito a certo nível
de bem-estar material, pois é dever da sociedade política distribuir também educação e
bens culturais àqueles que não os possuem. Deste modo, além da distribuição dos
recursos materiais, compete às estruturas estatais repartir equitativamente “também os
interesses morais derivados da dignidade da pessoa humana, os educacionais, comuns a
todos os homens e ainda, também, na medida do possível, os culturais em sentido amplo”.
De fato, é o que se diz hoje: fala-se em salário justo e em assistência aos carentes, mas
também em direito à saúde, à educação, à cultura, ao lazer etc. (LACERDA, 2016, p. 85).
Portanto, justiça social remonta a um contexto de defesa da dignidade humana e da utilização dos
mecanismos estatais compatíveis a isso para a sua consecução efetiva. Na Constituição Federal de
1988, está exposto o posicionamento oficial do Brasil a esse respeito:
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Posto isso, considerando especialmente o contexto brasileiro e sua base conceitual de justiça, é de
suma importância fazer uma análise criteriosa com relação ao sistema econômico, político e jurídico
para perceber se a sua estrutura está causando desigualdade, injustiça, discriminação ou exclusão
dos direitos.
Se alguma dessas situações estiver acontecendo, pode-se considerar que esse sistema é
eticamente ruim, mesmo que ele seja moralmente constituído. Não pode haver uma miséria
estrutural, e, se ela ocorrer, a ética apontará que deve haver transformações radicais na estrutura
do sistema econômico.
MEIO AMBIENTE
Quando o ser humano transforma a natureza pelo trabalho, ele cumpre a finalidade de sustentar e
humanizar o próprio ser humano. Contudo, isso deve levar em consideração a preservação da
natureza, e não a sua destruição, como acontece em muitos países. “Mais do que nunca, preservar
e cuidar do meio ambiente é uma responsabilidade ética diante da existência humana”
(SCOPINHO, 2013, p. 75). Relaciona-se com a terceira geração de Direitos Humanos, identificada
como defesa da solidariedade/fraternidade universal. De inspiração na tomada de consciência
posterior à primeira metade do século 20, entende-se a necessidade de preservação ambiental,
tomando o meio ambiente natural como patrimônio da humanidade.
A pessoa humana faz parte da coletividade humana e, por isso, tem direitos de solidariedade por
parte dessa coletividade. Isso inclui os direitos ao meio ambiente pacífico, organizado e equilibrado
(noção ecológica de equilíbrio). Propõe o estímulo geral à preservação ambiental, defesa do
patrimônio histórico e cultural, combate à exploração predatória dos recursos naturais e proibição de
atividades contrárias à paz.
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População estimada em 2019: 60.724 pessoas (em 2015, havia 58.802 habitantes).
Primeira capital do estado de Minas Gerais.
Rica em metais preciosos e minérios.
Possui significado histórico para o Brasil, tendo mais de 300 anos de história e edificações
do período colonial.
Possui forte cultura local, com produção artesanal e turismo devido aos aspectos históricos
da região, além das paisagens naturais e riqueza ambiental.
Possui alguns locais muito importantes, como o distrito de Bento Rodrigues, com cerca de
612 habitantes e 317 anos, que possuía igrejas centenárias antes do desastre de
05/11/2015.
Há também as Áreas de Preservação Permanente em sua região.
Estrada Real no século 16: caminho que era feito pelo ouro e diamantes extraídos da região
de Mariana até o porto do Rio de Janeiro e que, de lá, era transportado para Portugal (IBGE,
2020; MARIANA.MG, 2020).
Conforme dispõe o artigo 3º, II do Novo Código Florestal – Lei n.º 12.651/2012, considera-
se Área de Preservação Permanente – APP a ‘área protegida, coberta ou não por
vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a
estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger
o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas’ (BRASIL, 2012).
ESPÍRITO DO LUGAR
De acordo com Pereira Costa et al (2016, p. 7-8):
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Resumidamente, esses dois conceitos-chave podem ser traduzidos da seguinte maneira: Área de
Preservação Permanente (APP) constitui uma área protegida devido à sua importância para o bem-
estar das populações humanas; e Espírito do lugar, em síntese, é o conjunto dos bens materiais e
imateriais, físicos e espirituais (que figuram no espírito humano) que dão sentido/valor a um lugar.
Com esses dois conceitos, de notável relevância ética, vamos analisar suscintamente o significado
humano do desastre de Mariana e o impacto sociocultural que ele alcança.
Para conhecer melhor a cidade de Mariana e região, assista aos vídeos a seguir, que
retratam a cidade antes da tragédia:
Vídeo 1 | Vídeo 2
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Propriedades rurais, que somavam cerca de 2,2 mil hectares, ficaram inundadas,
impedidas de produzir. O material fluiu rio abaixo em direção ao Rio Gualaxo do Norte e, na
sequência, para o Rio Doce, prejudicando o abastecimento público de água dos municípios
da região. Cerca de 80% dos rejeitos que desceram da Unidade de Germano ficaram
concentrados entre a área pós-Fundão e a Usina Risoleta Neves, ou Candonga, nas
proximidades de Santa Cruz do Escalvado (MG), numa extensão de 113km. O restante
seguiu do Rio Doce para o mar, causando transtornos em municípios mineiros e do litoral
norte capixaba. Muitos desses problemas demandarão tempo para ser contornados. A
Samarco, porém, está comprometida a atenuar danos socioeconômicos e socioambientais
ocasionados pelo rompimento da barragem (SAMARCO, 2020).
Vídeo 1 | Vídeo 2
Assim, considerando o impacto humano e ambiental, vamos traçar um panorama à luz dos dois
conceitos elencados para análise.
APLICANDO OS CONCEITOS
A definição de uma APP (Área de Preservação Permanente) deve-se à sua importância, de tal
modo que, em hipótese alguma, essa área deve ser afetada. Exige cuidado contínuo, pois não se
sabe se podemos recuperar sua estabilidade natural – e sua recuperação nunca fará que seja
novamente igual. Portanto, o dano a uma Área de Preservação Permanente pode ser considerado
irreparável; por isso, no caso analisado de Mariana-MG, pode-se diminuir o efeito e permitir
novamente a vida na região, mas a área afetada precisará recomeçar e reescrever sua história e
suas memórias – inclusive memórias de esforço para melhoria ambiental da região.
Desse modo, quanto ao Espírito do Lugar, ele também foi afetado de maneira definitiva. Não será
mais possível retomar o que ele foi. É necessário refletir sobre o que ele foi antes da tragédia e
construir o que pode ser depois. É preciso buscar a memória do local, porém com o objetivo de
traçar uma nova história. Tendo sido um acontecimento de impacto tão grande na região e o maior
rompimento de barragem já registrado em qualquer lugar do mundo, é imprescindível aprender
com ele e evitar que o mesmo ocorra em outras partes do Brasil e do mundo.
Contudo, o Decreto n.º 9.142, de 22 de agosto de 2017, do então presidente Michel Temer,
extinguia a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), criada em 1984, localizada entre os
estados do Amapá e do Pará, e abria espaço para a mineração privada na região. A reserva mineral
engloba unidades de conservação ambiental, além de territórios indígenas. O governo defendeu,
naquele momento, que isso não afetaria a área e até ajudaria na preservação. As repercussões
sobre o efeito desse decreto promoveram o debate sobre a possibilidade de ocorrer novamente um
“imprevisto”, como o que ocorreu em Mariana-MG, resultando em novos desastres. Diante disso, o
decreto foi revogado em 25 de setembro de 2017, mantendo as garantias anteriores.
Ainda assim, podemos considerar que tal imprevisto já aconteceu, na cidade de Brumadinho, em 25
janeiro de 2019, quando a barragem B1 da Mina Córrego do Feijão se rompeu e vitimou quase 300
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EDUCAÇÃO
A educação está amplamente ligada à dignidade do ser humano, integrando os
objetivos de justiça social, conforme vimos. É pela educação que é apresentada a ação interativa.
Na educação, o ser humano relaciona-se com o outro ser.
Para tratar de maneira introdutória o tema, vamos partir de um esquema simples, em que a função
da educação e sua complexidade é colocada numa relação de equilíbrio ou harmonização entre
indivíduo e sociedade. Acompanhe:
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Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1988).
Na continuidade, artigo 206, a Constituição defende, ainda, em seus três primeiros incisos:
Dessa maneira, podemos traçar um panorama em que a educação, dentro da compreensão ética
defendida pela Constituição brasileira de 1988, está diretamente ligada ao princípio da promoção da
dignidade humana e do desenvolvimento integral do ser humano, de maneira livre e democrática.
BIOÉTICA
Um campo que demanda uma abordagem mais aprofundada é o campo da
bioética. Bioética, por definição, reúne duas áreas distintas, que são a da biologia, enquanto estudo
da vida, e a da ética, tal qual estamos estudando. De acordo com Azevedo (2010, p. 255), esta
disciplina:
Teve na sua origem, entre outros, um profissional humanista, Van Potter, que considerou a
Bioética como “ponte para um futuro com dignidade e qualidade de vida humanas”, onde a
responsabilidade assume a dimensão mais importante para a sua efectividade, como ética
prática ou aplicada.
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O termo “bioética”, usado desde o início do século 20, ganha força devido às mudanças na
sociedade, especialmente no campo científico.
Nessa corrida em busca de respostas, surgiram os mais variados conflitos entre ciência e
ética. Visando dirimir tais conflitos, surge, na década de 70, a bioética, cuja finalidade é
auxiliar a humanidade no sentido de estabelecer diálogos entre os diversos ramos do
conhecimento, objetivando a reflexão acerca das soluções para questões éticas
provocadas pelos avanços científicos, principalmente no que diz respeito aos direitos
humanos (QUAGLIO; DANIEL, 2008).
SAIBA MAIS!
Como você viu, a bioética envolve diversos aspectos – e agora é a hora de você se aprofundar em
cada um deles. Clique no botão ao lado e boa leitura!
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A bioética é identificada com a quarta geração de Direitos Humanos, que propõe a defesa do
patrimônio genético da humanidade. De inspiração no recente processo de globalização da
economia capitalista (a partir da década de 1970 e especialmente depois do fim da Guerra Fria, em
1989), essa geração de Direitos Humanos tem como norte as inovações tecnológicas no mundo
capitalista, podendo interferir, inclusive, na estrutura genética do ser humano. Inclui, assim, a
preservação do patrimônio genético do ser humano, regulamentando e limitando o alcance de
pesquisas científicas nessa área. Propõe que nenhum indivíduo pode ser submetido a determinadas
manipulações provenientes de experimentos genéticos, uma vez que se trata de proteger não
apenas esse indivíduo, mas toda a espécie humana.
Sobre os direitos civis e políticos, clique aqui e leia um artigo de Carlos Weis.
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Portanto, a ética pode ser definida como um princípio regulador da sociedade, cuja finalidade é
possibilitar o exercício da cidadania e o reconhecimento dos plenos direitos da pessoa humana,
tanto individuais quanto sociais. Mas ainda permanece a questão: é possível, de fato, concretizar
uma ética e respectiva ação moral que respeitem a condição humana na sua totalidade?
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Podemos perceber que existe uma postura ética que não se preocupa com este assunto, pois não
acredita na sua importância. Para essa interpretação, a ciência não necessita desse tipo de
indagação, por se apresentar com características particulares. Scopinho e Daniel (2013, p. 108)
afirmam que a ética “[...] é entendida a partir de uma concepção positivista, que estuda a
sociedade da mesma maneira que se estuda a vida social das formigas ou das abelhas”.
A ideia de que a sociedade pode ser entendida como coisa (E. Durkheim) trouxe várias implicações
para o estudo das ciências não somente na área das ciências exatas e biológicas, mas também na
área das ciências humanas.
A mentalidade positivista esteve presente em várias ciências, desde a Sociologia até a Psicologia,
passando pela Teoria da Evolução e pela Física. A Psicologia, por exemplo, que começa a ser
entendida como ciência somente a partir do século 19, reflete esse tipo de pensamento.
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Fundamentando-se numa concepção positivista da mente humana, ela não se preocupou com
questões ligadas à alma (psyque). A tendência behaviorista, na sua formulação inicial, ressaltava o
estudo do indivíduo apenas interagindo com o meio, baseando-se na relação entre estímulo e
resposta. Essa concepção teve dificuldade em trabalhar com o método da introspecção, que
salientava as questões da alma, e não somente o indivíduo e o meio (JAPIASSU, 1995).
Um exemplo disso é a sociedade brasileira, que convive com uma diferença exorbitante de ricos
cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres, classificando o Brasil como um dos países com
pior distribuição de renda do mundo, com excelentes centros de pesquisa e, ao mesmo tempo, com
uma situação de extrema miséria. Ou no continente africano, onde os seus membros morrem por
motivos de doenças como a AIDS, ou por causa de guerras civis, sem o apoio de organismos
internacionais. Isso porque, como é um continente que não interessa política e economicamente,
seus problemas são irrelevantes para o capitalismo globalizado.
[...] parece que não existem saídas plausíveis. A apatia e a falta de perspectivas geram um
sentimento de desânimo generalizado. Basta olhar para a política no Brasil, diante dos
casos de fraude e corrupção cada vez mais evidentes nos três poderes: o executivo, o
legislativo e o judiciário. Ou o papel da imprensa diante destes fatos e de tantos outros que
envolvem vários campos da sociedade civil e política. Na maioria das vezes, se percebe
que ela não quer contribuir para o esclarecimento dessas questões, mas quer apenas criar
sensacionalismo e uma divulgação que não considera as causas reais desses
acontecimentos. E a violência explícita e implícita presente na sociedade? Não podemos
deixar de nos preocupar com toda essa problemática. Por isso, torna-se necessário pensar
um projeto ético que resgate a cidadania e o valor do ser humano não apenas como objeto
de consumo, de propaganda e de pesquisa (SCOPINHO, DANIEL, 2013, p. 110).
Podemos afirmar, com segurança, que é possível concretizar um projeto ético humanitário, e, para
obtê-lo, precisamos ter vontade para isso. Esse deve ser o compromisso de todos – e o caminho é
o da solidariedade, que se concretiza em atitudes de humanos para com humanos. Só assim será
possível obter relações sociais com características justas e equitativas, sem esquecer o respeito
pela natureza.
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04/10/2020 Ciclo 5 – Ética, Preconceitos e Fundamentalismos – Antropologia, Ética e Cultura
A solidariedade nos faz reconhecer o outro como pessoa. Nenhum ser humano é objeto, é coisa;
ele deve ser respeitado em todas as suas dimensões.
A solidariedade implica no compromisso com aqueles que são excluídos da sociedade. É possível
criar um processo de inclusão, no qual todos possam ter os direitos plenamente reconhecidos, mas
enquanto existir tamanha desigualdade social e enquanto tantas pessoas tiverem de viver embaixo
de pontes e viadutos, ou “puxando carroças” para sobreviverem, é sinal de que ainda há muita coisa
para ser feita. Talvez, diante disso, possamos sentir uma impressão de impotência. O que pode ser
feito para transformar essa realidade? Basta dar um pedaço de pão para quem precisa, ou dar uma
esmola para um mendigo que nos interpela na rua? Se isso não for suficiente, como reverter uma
estrutura geradora dessa situação?
O primeiro ponto a ser discutido é a necessidade de se fazer alguma coisa dentro das nossas
possibilidades. Dessa maneira, toma-se consciência do problema.
Contudo, muitas pessoas não se deparam com esse tipo de questionamento. Existe um
desconhecimento que ocorre ou por ignorância ou por negligência e omissão. Se o problema atinge
a todos, somos chamados a compartilhar com a transformação; do contrário, estaremos legitimando
a situação vigente. Podemos recuar, mas, se o fizermos, estaremos nos colocando como coniventes
com a maneira com a qual a sociedade está se organizando, tanto no desenvolvimento das ciências
como nas relações políticas e econômicas.
Quando se trata de relações sociais, somos motivados para criar uma ética humanitária. A
sociedade precisa oferecer condições de vida básica, para que o ser humano viva dignamente. E
levantar esses aspectos é considerar duas grandes áreas prioritárias: saúde e educação.
Somente com uma população saudável, na qual a medicina, por exemplo, não seja apenas curativa,
mais preventiva, é que será possível garantir os direitos à saúde, ao trabalho, ao lazer, à habitação,
entre outros. Uma vida saudável, que englobe todos esses elementos, exige também uma
educação não somente alfabetizadora, mas conscientizadora (FREIRE, 2000). Atualmente, essa
tarefa pode ser concretizada por várias instâncias da sociedade, que vai desde o ensino
institucional até outras formas de organização, como sindicatos, ONGs e empresas. A luta deve ser
de todos, especialmente daqueles que estão inseridos diretamente na prática pedagógica, atuando
como agentes de conscientização libertadora e promotora da vida.
Com relação à natureza, podemos afirmar não se tratar só de deixar de cortar árvores – isso
também, mas, muito mais que isso, é preciso recuperar e manter o ecossistema, pois a natureza
não pode ser tratada como um objeto de exploração e de consumo.
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Neste momento, clique aqui e leia a Carta Encíclica Veritatis Splendor, escrita
pelo Papa João Paulo II, que aborda questões do ensinamento da moral da
igreja.
Assim, apresentamos alguns elementos daquilo que estamos denominando ética humanitária. A
metodologia ou o caminho a ser seguido depende de cada um; o fato é que não podemos ficar
parados, esperando os problemas aparecerem. Temos que fazer a nossa parte!
Sugerimos, neste momento, que você dê uma pausa na sua leitura e reflita sobre sua
aprendizagem, respondendo à questão a seguir.
O ser humano é coisificado quando perde sua identidade humana e se torna instrumento
de interesses que o fazem objeto de uso e exploração; por sua vez, é humanizado quando
as condições materiais e espirituais são valorizadas e reconhecidas, fazendo-o respeitado
na sua dignidade e alteridade.
Objeto e sujeito são duas formas de linguagem que não podem ser usadas para atribuir
significado aos seres humanos; por isso, não tem sentido a forma como a pergunta está
sendo apresentada.
Jamais o ser humano pode ser entendido como “coisa”, pelo fato de que sua humanidade
o torna diferente de qualquer outro objeto presente na sociedade e na natureza; ele sempre
dever ser entendido no desenvolvimento pleno da sua humanidade.
Ser e não ser são duas dimensões que dizem respeito a todos os seres da natureza;
portanto, o ser humano, em determinado momento, pode ser sujeito e não objeto ou, em
outro momento, pode deixar de ser sujeito e se tornar objeto.
PRECONCEITO
Em seu sentido mais simples, podemos identificar o preconceito como uma ideia formada sobre
algo que não se conhece, ou um conceito que antecede o conhecimento/experiência daquilo que
está sendo conceituado.
Podemos considerar, ainda, que se trata de um comportamento comum diante daquilo que é
desconhecido: sem um precedente claro que permita se formar um valor a respeito, é feita uma
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Mas por que evitar a experiência de conhecer o diferente? Bom, muitas vezes a diversidade em que
vivemos pode nos expor ao reconhecimento de riscos. É comum buscarmos uma vida previsível,
organizada e segura, de acordo com nossos entendimentos e costumes, crenças e hábitos.
Contudo, uma circunstância ou pessoa pode nos expor ao conhecimento de que as coisas não são
exatamente da maneira que acreditávamos. O preconceito pode ser uma saída para fugir dessa
indesejável experiência.
Considerando a sociedade contemporânea, com seu ritmo de vida definido pelo trabalho contínuo e
mecanizado, temos um caminho definido e que parece ser coerente, dentro do qual colocamos
nossos afetos, família, amigos e sistema de crenças. Ao assumir esse caminho, o indivíduo o
interioriza e toma-o como uma realidade única e universal.
Assim, aquilo que se interpõe a esse modo de entender a vida pode ser preconceituosamente
negado ou taxado como inadequado, desconsiderando a complexidade e diversidade humana
inerente à vida em sociedade. O indivíduo, ao sentir-se confrontado por uma realidade diferente da
sua, enfrenta uma espécie de constrangimento. Ao defender-se desse constrangimento, o
preconceito surge como uma forma de se retirar do dilema e impingi-lo ao outro.
Preconceito nada mais é do que uma ideia ou conceito formado antecipadamente e sem
fundamento sério ou imparcial. Quer dizer, pode ser caracterizado como um juízo
preconcebido, geralmente manifestado na forma de atitude discriminatória perante
pessoas, lugares, tradições, crenças etc. Preconceito é um juízo pré-concebido, que se
manifesta numa atitude discriminatória perante pessoas, crenças, sentimentos e tendências
de comportamento. É uma ideia formada antecipadamente e que não tem fundamento
crítico ou lógico.
Dessa maneira, o preconceito pode gerar uma compreensão equivocada de pessoas e situações,
levando à discriminação e a classificações precipitadas. O preconceito não parte de uma análise do
objeto e, por isso, resulta em conclusões que o excluem, substituindo-o por uma apreciação que
possa fazê-lo “caber” dentro de um estigma.
ATENÇÃO!
Estigma vem do latim stigma, stigmătis. “Marca de ferro em brasa, ferrete (impresso em
escravos como sinal de desgraça). Estigma. Corte, cicatriz” (REZENDE, 2014).
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Caniato (2008, p. 22) elucida que o preconceito é uma forma de defender a hegemonia. Isso
significa que apenas alguns grupos de pessoas que se comportem e/ou pensem da mesma maneira
sejam tomados como corretos, e os demais são taxados como errados. Trata-se, portanto, de um
conflito entre formas de entender e viver a vida, em que está em jogo defender a concentração de
oportunidades e poder em um grupo específico.
Todavia, o preconceituoso defende que seu posicionamento é o mais correto, que não deve ser
questionado e que aqueles que o questionam são expressões de um mal proeminente – ou estão
abaixo do nível aceitável.
Dito de outra maneira, devido ao preconceito ser manifestado como se fosse algo natural,
propondo-se a definir o mais correto a ser feito, muitas vezes, é difícil entender quando ele está
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sendo aferido. A não identificação do preconceito pode levá-lo a ser tomado como verdade no
ambiente social, assim como à sua integração na psique do indivíduo estigmatizado. Assim, até a
vítima passa a olhar-se com preconceito, podendo estender essa forma de ver aos outros.
Uma das questões centrais sobre o preconceito refere-se a como se dá a relação entre os
aspectos psíquicos e sociais na sua constituição. Conforme as pesquisas de Allport (1946)
e de Adorno et al. (1965) mostram, o preconceito não é inato; ele se instala no
desenvolvimento individual como um produto das relações entre os conflitos psíquicos e a
estereotipia do pensamento – que já é uma defesa psíquica contra aqueles – e o
estereótipo, o que indica que elementos próprios à cultura estão presentes (CROCHIK,
1996, p. 47).
Em outras palavras, o preconceito não nasce com as pessoas ou grupos sociais, ele é construído
ao longo de um processo mais abrangente. Esse processo é ao mesmo tempo psíquico (depende
das características internas do indivíduo) e cultural (está de acordo com a cultura que rodeia esse
indivíduo e da qual ele faz parte).
Assim entendido, há certo grau de complexidade entre o preconceito, aquele que o manifesta e
suas vítimas.
Por outro lado, essas pesquisas indicam também que o indivíduo que apresenta o
preconceito em relação a um objeto tende a apresentá-lo em relação a outros objetos, o
que revela uma relativa independência do indivíduo que porta o preconceito e o objeto ao
qual esse se destina (CROCHIK, 1996, p. 47).
Desse modo, o preconceito pode estabelecer mais que uma relação de repulsa de alguém (pessoa
ou grupo social) a esse ou aquele indivíduo/grupo: pode constituir um padrão de atitude que
direciona a ação geral de determinadas pessoas em relação a todas as coisas.
Contudo, como são diversos os estereótipos presentes nos preconceitos que são dirigidos
a diferentes objetos, algo destes últimos deve estar presente para a constituição daqueles,
ainda que não se refira aos próprios objetos, mas à percepção que se tem deles. Ou seja,
ao mesmo tempo que podemos afirmar que o indivíduo predisposto ao preconceito
independe dos objetos sobre os quais aquele recai, podemos dizer também que o objeto
não é totalmente independente do estereótipo apropriado pelo preconceito que lhe diz
respeito. O estereótipo em relação ao negro não é o mesmo daquele que se volta contra o
judeu que, por sua vez, é diferente do estereótipo sobre o deficiente físico (CROCHIK,
1996, p. 47-48).
Todavia, concluiu-se que há uma participação ativa de quem é vítima do preconceito, muito embora
não seja uma questão de escolha individual ser ou não vítima de preconceito. O que ocorre é que a
atribuição de preconceitos depende também daqueles que a eles são expostos, levando, assim, a
diferentes resultados e mesmo diversos tipos de preconceitos.
Como foi dito anteriormente, devido à força com que o preconceito é imposto dentro da organização
social, muitas vezes, a própria vítima do preconceito passa a acreditar nele, aceitando a “maldade”
ou inadequação que lhe é atribuída. Por isso, também, preconceitos diferentes são atribuídos a
diferentes tipos de pessoas em diferentes momentos da história.
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Cabe a nós inteirarmo-nos sobre o assunto, considerarmos que cada tipo de preconceito tem a sua
trajetória sociocultural, com dilemas que não podem ser tratados de maneira simplista e fora de uma
investigação mais profunda e abrangente.
Circunstanciando-o de maneira rápida na sociedade atual, temos alguns agravantes que precisam
ser considerados. Segundo Crochik (1996, p. 59):
Portanto, o preconceito, em suas diferentes formas de expressão, coloca uma questão muito séria
que se refere às relações humanas e à vivência em sociedade. A defesa de uma sociedade
moderna e racional, que funcione com critérios claros e previamente definidos, pode impor, como
apontou Crochik (1996), uma submissão das pessoas a esse sistema organizativo racionalizante,
de modo que mantê-lo se torne mais importante que buscar as melhores condições de vida. Nesse
sentido, podemos dizer que a busca cega pela afirmação de uma racionalidade ligada ao trabalho e
à produção de lucro é a demonstração mais evidente de como a irracionalidade está presente em
nossa forma de viver.
Dito resumidamente, uma vez que essa racionalidade da produção de lucro não se apresenta
necessariamente como forma mais eficiente de viver em todos os contextos, a sua defesa irrestrita
se torna ofensiva às condições de vida de muitas pessoas – e até mesmo de quem a defende.
Nesse ínterim, a continuidade dessa defesa passa a ser irracional, culminando no uso do
preconceito para acusar os que não se adequam ao sistema e isentar de responsabilidade o próprio
sistema.
O Ministério Público do Estado de São Paulo lançou, em 2014, uma cartilha chamada Tolerância,
esclarecendo que: “Na raiz da intolerância está o preconceito, que pode ser racial, econômico, de
gênero, social, sexual, religioso, esportivo, político, etário, de pessoa com deficiência, dentre outros”
(MPSP, 2015).
Em concordância com a Constituição brasileira (1988) e com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), a proposta é um exemplo dentre os esforços empreendidos pelo poder público do
Brasil, a partir de cada um de seus entes (estados, municípios e União), no combate à violência
gerada pela intolerância.
Agora, propomos que você assista a seguir a um vídeo do canal do Ministério Público do Estado de
São Paulo no YouTube, com a cantora Deena Love cantando uma música que integra a campanha
Tolerância, ilustrando diversas formas de discriminação e preconceito comuns no cotidiano.
Cabe a cada um de nós refletir sobre nossas próprias ações e motivações e cultivar o respeito
mútuo.
Contudo, esse desafio alcança um campo ainda mais abrangente, em que a afirmação de crenças e
posições ideológicas assume um nível destrutivo que tem se mostrado cada vez mais frequente no
mundo todo, que é o dos fundamentalismos (tema que veremos na sequência).
Pronto para testar seus conhecimentos? Responda à questão a seguir e identifique se o seu
aprendizado está eficiente.
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Em seu sentido mais simples, podemos identificar o preconceito como uma ideia formada
sobre algo que não se conhece, ou um conceito que antecede o conhecimento/experiência
daquilo que está sendo conceituado.
O preconceito pode ser um mal necessário sempre que estamos diante de uma situação
que não temos condições de entender.
O preconceito trouxe, pelo menos, um bem e um mal: o bem foi que, através dele, o
indivíduo pôde se impor diante da adversidade; e o mal foi que essa imposição pode ser
equivocada devido à falta de uma análise exaustiva da adversidade.
FUNDAMENTALISMO
Outro aspecto que dificulta a implantação de uma ética humanista diz respeito a
toda e qualquer forma de fundamentalismo.
Inicialmente, vamos destacar duas definições, oferecidas pelo Dicionário Michaelis On-line (2020)
sobre o tema:
1. Movimento dos cristãos protestantes dos Estados Unidos da América, nascido nos
primórdios do século XX, que pregava a rejeição das tendências liberais das igrejas
protestantes, nas quais julgavam encontrar uma aceitação, ainda que incipiente, de ideias e
teorias seculares ou ateias, como, por exemplo, o marxismo e o evolucionismo biológico de
Darwin. (As igrejas fundamentalistas tendem a ser separatistas e frequentemente não se
associam a outras igrejas que não observem a interpretação literal da Bíblia.)
Também é apresentada uma definição geral de fundamentalismo, que é traduzido como a atitude de
seguir uma doutrina a tomando como fundamental.
O mesmo dicionário relaciona esse verbete com a definição de fundamentalismo islâmico, o qual
trata da seguinte maneira:
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Na mídia, é muito comum a palavra “fundamentalismo” ser utilizada no contexto do islamismo para
tratar dos conflitos que permeiam o Oriente Médio atualmente e ao longo de sua história,
possibilitando confundir a religiosidade Islã com tal movimento de doutrinação – embora sejam duas
coisas distintas. De modo geral, o fundamentalismo não é identificado como a doutrina em si, mas
como a postura de um grupo de seguidores diante da doutrina a que são adeptos. Podemos,
inclusive, fazer uma abordagem dos fundamentalismos de acordo com a psicologia analítica.
Acompanhe no vídeo a seguir.
Há uma discussão ampla, sendo difícil chegar a um ponto inequívoco sobre o tema. De todo modo,
podemos estabelecer alguns pontos de orientação.
Por definição, podemos considerar que fundamentalismo diz respeito a considerar uma doutrina
como tão fundamental que seus fundamentos precisam ser tratados de maneira única, ortodoxa,
sem interpretação ou variação de entendimento. E sendo assim tão importante segui-la, não há
espaço para discordância: a doutrina deve ser seguida cegamente e defendida plenamente,
tornando-se o principal sentido de existência de seus seguidores. A doutrina passa a ser o
fundamento de todas as coisas, o fundamento da existência da vida, sendo apropriado viver e
morrer – talvez até matar – em nome dela.
Assim, ter a própria vida rigorosamente fundamentada em uma doutrina, arbitrariamente excluindo
qualquer espaço de diversidade de pensamento e opinião, pode ser considerado uma forma de
fundamentalismo.
No bojo das discussões sobre os Ataques Terroristas de 11 de setembro, como ficaram conhecidos,
o jornal Folha de S. Paulo publicou, em 21 de outubro de 2001, um artigo do ensaísta Sérgio Paulo
Rouanet, no qual o autor defendia que o conflito envolvia três fundamentalismos distintos: o
fundamentalismo islâmico, o judaico e o cristão. Contudo, a definição de fundamentalismo teria sua
origem no território americano.
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O próprio nome nasceu nos EUA, a partir de uma série de fascículos publicados entre 1909
e 1915, em que pastores de várias denominações relacionaram os “fundamentals” ou
pontos fundamentais da fé cristã, dos quais nenhuma das igrejas poderia se desviar. O
principal desses pontos era a infalibilidade da Bíblia. O fundamentalismo protestante
expôs-se ao ridículo mundial quando um professor secundário do Estado de Tennessee foi
processado por ter ensinado o evolucionismo na escola, contrariando uma lei estadual.
Mas os fundamentalistas continuam vivos e atuantes (ROUANET, 2001).
De acordo com ele, apesar de suas distinções doutrinárias, esses três fundamentalismos possuem
alguns aspectos em comum:
Nessa perspectiva, os fundamentalistas não são, em sua base, contrários a alguns fenômenos que
caracterizam a modernidade, tais como a industrialização e o comércio, ou o acúmulo de riqueza e
a propriedade. Mas fazem menção a modelos ultraconservadores de família – conforme as noções
específicas das doutrinas que os fundamentam – e à certa rigidez moral. Tudo isso é tomado pelos
adeptos como aquilo que é inequivocamente e indubitavelmente certo. Aqueles que não são
adeptos de tal moralidade, portanto, são considerados, pelos fundamentalistas, como aqueles que
estão errados, devendo ser doutrinados, ignorados e/ou combatidos.
Tal fenômeno tem sido amplamente discutido em diversas áreas do conhecimento, tanto
considerando as dinâmicas psíquicas quanto o seu alcance coletivo. Do ponto de vista psicológico,
é importante chamar a atenção para o processo interior do qual ele é resultante.
Rocha (2014) considera que os fundamentalistas se relacionam com a religião, da qual são
adeptos, semelhantemente ao modo como um apaixonado lida com o objeto de sua paixão
amorosa. Investem sua libido no ideal religioso, como os apaixonados o fazem em relação
ao seu objeto de amor. Da mesma forma como o objeto da paixão é idealizado com todas
as perfeições, de tal modo que o apaixonado não consegue se imaginar sem ele, o
fundamentalista também percebe seus ideais religiosos como algo que lhe traz plenitude e
sem os quais não poderia viver. Por esses ideais, ele sente que vale a pena viver e morrer
e, em situações de extremismo, até matar (OLIVEIRA, 2018, p. 146-147).
Todavia, assim exposto, o fundamentalismo passa por um processo de idealização no sujeito, o qual
se vê “apaixonado” pela defesa de ideais que, muitas vezes, professam um mundo em que as
pessoas não devem se render às paixões seculares.
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A historiadora das religiões Karen Armstrong (2001) constata que um dos fatos mais
alarmantes do século XX foi o surgimento de uma devoção militante popularmente
conhecida como fundamentalismo e demonstra que, no final da década de 1970, os
fundamentalistas começaram a rebelar-se contra a hegemonia do secularismo e
empreender esforços para tirar a religião da posição subalterna que ela ocupou com a
modernidade. Sua hipótese de base é que o fundamentalismo pode ser compreendido
como uma reação à cultura científica e secular que nasceu no Ocidente e que se arraigou
no resto do mundo, destituindo as verdades religiosas. Para a autora, as estratégias de
ataque utilizadas pelos fundamentalistas aos preceitos secularistas e liberais revelam o
temor da aniquilação e a tentativa de preservar sua identidade por meio do resgate de
certas doutrinas e práticas do passado (COELHO; JORGE, 2017, p. 12).
Dito de outra maneira, em se tratando de mudanças no ambiente social que se orientam pela
cultura científica, por concepções laicas e que interferem diretamente na formação da identidade
das pessoas, religiosos de diferentes origens reagiram se afirmando, afirmando a identidade
pessoal pautada em concepções religiosas milenares e consideradas como verdades atemporais,
retomando ortodoxamente também as suas práticas.
Como resultado, podemos identificar uma resistência às instituições modernas e às suas formas de
funcionamento.
O sociólogo Manuel Castells (1999) assume a mesma direção de análise e argumenta que
os movimentos fundamentalistas objetivam o resguardo da identidade religiosa abalada
com o enfraquecimento das formas tradicionais de socialização. Ao forjarem uma
identidade de resistência (CASTELLS, 1999), constroem trincheiras de sobrevivência com
base em princípios diferentes ou opostos àqueles que permeiam as instituições da
sociedade em que estão inseridos (COELHO; JORGE, 2017, p. 12).
Diante da proposta de uma cultura globalizada, com parâmetros a serem seguidos de maneira
coletiva e universal para a produção e o consumo, o sentido da vida cotidiana passou a ser definido
mais em alguns centros específicos do planeta, mantendo as localidades imersas e com pouca
possibilidade de definir as “verdades” da vida de acordo com suas histórias específicas e seus
processos psicossociais.
Bauman (1999), quando se refere ao mundo globalizado, mostra que esse mundo passou a ser
definido mais como algo não localizado, fora do alcance da vida local, sem espaços públicos.
Perde-se, dessa forma, a localidade, propriamente dita.
Ou seja, os processos locais são interpretados dentro de uma dinâmica econômica e social global e
de acordo com intelectuais que não possuem vínculo direto com a localidade. E, muitas vezes,
esses processos locais sequer são considerados relevantes. Não é o religioso, o sábio ancião ou o
intelectual que participou diretamente de sua experiência na localidade que indica o valor e a
originalidade dessa experiência: ela é, no máximo, valorizada diante de um processo mundial muito
mais abrangente e de difícil assimilação.
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Tal processo, de acordo com Bauman (1999), resulta em desagregação, com movimentos de
resistência que buscam atribuir sentido para seus processos na localidade e reivindicam seus
espaços diante de uma “cultura global”. Isso leva a uma progressiva separação e exclusão.
De maneira similar, as ideologias políticas e teorias do Estado que tiveram suas formulações
originais na Europa a partir do século 15 têm seus conceitos básicos deslocados de seu contexto,
os quais são tratados e aplicados de maneira aproximativa no bojo de disputas políticas nos mais
diversos cantos do mundo todo. Na prática, as noções de esquerda e direita oriundas da Revolução
Francesa (1789) são esvaziadas de sentido ao serem tratadas diante das dinâmicas de diferentes
países da África, da Ásia, dos estados norte-americanos ou do Brasil, por exemplo.
E como fica o fundamentalista dentro dessa dinâmica? Quais são as suas dinâmicas interiores?
Como fica a sua psique diante da necessidade de mudar costumes, de adaptar as suas práticas e
crenças, implicando, inclusive, em mais trabalho e custos financeiros?
Entre outras possibilidades, podemos traçar um caminho, ainda que inconcluso, para compreender
tais questões e repensarmos nossas próprias motivações, a partir do estudo do ego.
Em Psicologia das massas e análise do ego, Freud (1921) propõe que o ego ideal da
infância pode, ao longo da vida do indivíduo, ser projetado sobre figuras ou ideias
substitutivas. Dentre essas figuras substitutivas do ego ideal infantil, destaca-se o objeto da
paixão amorosa. A partir dessa consideração de Freud, pode-se dizer o mesmo dos ideais
fundamentalistas. Na adesão irrestrita que o fundamentalista faz em relação à crença
religiosa, ele também pode estar buscando uma alternativa para o ego ideal de sua
infância. Nesse sentido, ele estaria tentando recuperar, por meio dos ideais religiosos, a
plenitude psíquica e narcísica infantil, do mesmo modo como o apaixonado tenta fazer
através do seu objeto de amor. Esse paraíso de plenitude infantil – que foi perdido para
sempre e que tanto se busca reaver de variadas formas – nunca existiu realmente, a não
ser na fantasia da criança, nos sonhos dos adultos e nos mitos da humanidade (OLIVEIRA,
2018, p. 148).
Desse modo, o fundamentalista nega o mundo que se apresenta a ele e impõe a esse mundo uma
dinâmica – a única – que lhe faz sentido, que estabelece conexão com suas “verdades”
interiorizadas durante o seu processo de formação da psique. Assim são construídas as ilusões em
torno de doutrinas perfeitas, de líderes que nunca erram e dos mitos de heróis que salvam a
humanidade.
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Antes de prosseguir, clique aqui e leia A cúpula do milênio sobre a paz dos
líderes religiosos e espirituais, que trata do compromisso com a paz global.
Agora, finalizando este tópico, teste seus conhecimentos respondendo à questão a seguir.
O fundamentalismo opõe-se ao princípio ético unificador, solidário e pacífico que pode ser
manifestado por uma doutrina religiosa. Isso acontece de que maneira? Assinale a afirmativa
correta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro aluno, estamos concluindo o quinto e último ciclo da disciplina. No conjunto,
procuramos oferecer vários elementos que contribuem para compreender o ser humano nas suas
dimensões biológicas, psíquicas e espirituais.
Apresentamos aqui o tema da ética, mostrando que ela se distingue da moral e que deve ser
compreendida em seus vários campos de atuação, como na política e na economia, assim como em
outros campos da experiência humana.
Outro objetivo deste ciclo foi apresentar a existência de vários preconceitos e posturas
fundamentalistas, que, infelizmente, dificultam uma vivência ética verdadeiramente humanitária e
uma participação cidadã, que contribua para a sustentação de uma sociedade justa e equitativa.
É evidente que são temas polêmicos e que, muitas vezes, não são bem compreendidos. Assim, a
intenção deste estudo foi apresentar uma visão científica, filosófica e teológica da questão,
ajudando a não fazer dela uma leitura simplista ou até mesmo superficial.
Agora, cabe a você fazer a sua leitura. Nosso desejo é de que tenhamos ajudado nessa atividade e
que você contribua para que possamos ter uma sociedade justa e pautada em princípios que a
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tornem cada vez mais humana e corresponsável com o meio ambiente e com tudo o que faça o ser
humano se tornar cada vez mais humano.
QUESTÕES ON-LINE
Responda as Questões on-line disponibilizadas na Sala
de Aula Virtual.
PONTUAÇÃO
De 0 a 2,0 pontos.
https://mdm.claretiano.edu.br/anteticul-g00146-2020-02-grad-ead-dp/2020/06/19/ciclo-5-etica-preconceitos-e-fundamentalismos/ 28/28