Você está na página 1de 6

CONJECTURA SOBRE A RAZÃO DE ALGUMAS DISSONÂNCIAS GERALMENTE

ACEITAS EM MÚSICA.
Thiago Vinicius Alves Ueda (UEM)
e-mail:uedathiago@gmail.com

RESUMO

Este artigo pretende apresentar uma resenha do artigo Conjecture on the Reason for
some Dissonances Generally Accepted in Music, traduzido por Scaramazza. A versão
original vem sob o título: Conjecture sur la raison de quelques dissonances généralement
reçues dans la musique, e é de autoria de Leonhard Euler. O matemático e teórico da
música defende que a proporção percebida pelos sentidos é frequentemente diferente
daquela que na verdade ocorre. em termos das notas. Em síntese, Euler está dizendo que
dada uma proporção complicada que descreve as notas, o ouvido irá substituí-la por uma
aproximação próxima que é mais simples

INTRODUÇÃO

Leonhard Paul Euler foi um matemático e físico suíço que fez relevantes
descobertas na matemática. Trouxe inovações no campo do cálculo e da teoria dos
grafos, por exemplo. Introduziu o conceito de função matemática e muitas das
terminologias e notações da matemática moderna. Além disso, foi reconhecido por
trabalhos na área de astronomia, fluidos, mecânica, óptica, e o assunto de interesse deste
artigo: Teoria da música.
No referido artigo, Euler objetiva estudar os sons, as notas, utilizando os números.
O temperamento utilizado para tecer as principais relações é a entonação justa - just
intonation - numa escala diatônica. Este tipo de temperamento força as frequências das
notas a ocorrer em frações de números inteiros pequenos (2, 3, 5, etc…)

Segundo Barbour (2004) apud BENSON (2006, p.154) as escalas baseadas em


torno da oitava são categorizadas em cinco grupos: Pitagórica, Justa, Meantone,
Temperamento Igual e Sistemas irregulares.
A escala pitagórica advém da descoberta do intervalo de quinta, feita por Pitágoras,
que correspondente à proporção 3:2. O filósofo e matemático concluiu que a partir das
proporções 2:1 (oitava) e 3:2 (quinta), uma escala convincente poderia ser construída. Ou




seja, a nota dó corresponderia à proporção 1:1, e a sua oitava, 2:1. A nota sol, a quinta de
dó, possuiria a proporção 3:2. A nota ré seria obtida através de duas quintas consecutivas,
do-sol-re, isto é, seria obtido a partir da multiplicação 3:2 x 3:2 = 9:4. No entanto, este
resultado está uma oitava acima do desejado, por isso, é preciso dividir 9:4 por 2, e desta
forma obtemos 9:8. Procedendo analogamente, obteremos as proporções para uma
escala maior pitagórica, conforme a tabela abaixo:

Nota DO RE MI FA SOL LA SI DO

Proporção 1:1 9:8 81:64 4:3


3:2 27:16 243:128
2:1

Tabela 1 - Escala diatônica maior no temperamento pitagórico

É notável que as frações compostas por números inteiros grandes possuem maior
dissonância, particularmente, a terça maior pitagórica (81:64) é uma sonoridade que
destoa consideravelmente da entonação justa e do temperamento igual.
Após a oitava e a quinta, na série harmônica, o próximo intervalo com uma fracão
interessante é 4:3. Como uma oitava (2:1), menos uma quinta (3:2) resulta em 4:3, nada
novo é acrescentado, logo, ater-se-á ao próximo intervalo da série harmônica. Trata-se do
quinto harmônico duas oitavas abaixo, correspondente à fração 5:4.
Partindo desses pressupostos, Euler constrói a entonação justa, aquela que
prioriza as frações compostas por pequenos números inteiros, conforme a tabela abaixo:

Nota DO RE MI FA SOL LA SI DO RE MI FA SOL LA SI


4:3
15:8

Proporção 1:1 9:8 5:4 3:2 5:3 2:1 9:4 5:2 8:3 3 10:3 15:4

Tabela 2 - Escala diatônica maior no temperamento justo

Outro fato interessante da entonação justa é que cada uma das tríades construídas
sobre o I, VI e V, possuem suas frequências proporcionais a 4:5:6.
Por exemplo, vamos assumir DO (1:1 = 4:4), MI (5:4) e SOL (3:2 que é a simplificação de
6:4).
Uma vez que Meantone e sistemas irregulares não são citadas no artigo original,
falaremos apenas do temperamento igual de 12 notas. Nesta tipo de afinação, os
semitons são todos iguais, ou seja, a oitava é dividida em 12 partes iguais.
Matematicamente, isto corresponde a uma progressão geométrica de razão 12√2,

conforme evidencia a tabela 3 abaixo:






Nota DO DO# RE RE# MI FA FA# SOL SOL LA LA# SI DO


#

Proporção 1:1 2√21 2√22 2√23 2√24 2√25 2√26 2√27 2√28 2√29 2√210 2√211 2

Tabela 3 - Escala cromática no temperamento igual

O temperamento igual difere por pouco da afinação justa. Dependendo do intervalo, esta
diferença, em valor absoluto, chega até 16 cents, conforme a tabela 4 a seguir:

Tabela 4 - Comparação do tamanho dos intervalos no temperamento igual e justo, e suas respectivas
diferenças em cents.

No entanto, o maior triunfo do temperamento igual foi possibilitar a transposição


irrestrita mantendo a qualidade dos intervalos.

EXPOENTE DE UM ACORDE

Euler pontua que nós devemos notar que a a única diferença entre dissonância e
consonância é a simplicidade dos intervalos. Enquanto as consonâncias são formadas por
proporções mais simples, as dissonâncias resultam de frações mais complicadas,
tornando o processo de escuta mais ininteligível.


Se considerarmos a tabela 2, e multiplicarmos todas as proporções por 24, apenas


para obter números inteiros, obteremos a tabela 5, como segue:

Nota DO RE MI FA SOL LA SI DO RE MI FA SOL LA SI

Proporção 24 27 30 32 36 40 45 48 54 60 64 72 80 90

Tabela 5 - Proporções das escala diatônica maior expressa em números inteiros.

Por exemplo, ao expressar as notas que formam o acorde de sétima dominante em


números, chega-se em proporções tão complicadas que parece impossível para o ouvido
entendê-las. Há, na verdade, acordes muito menos complicados que não são usados
porque a mente não seria capaz de identificar as proporções envolvidas. A saber, as
respectivas proporções das notas sol, si, re e fa, são 36, 45, 54 e 64.
Euler prossegue definindo expoente de um acorde como o menor número inteiro
divisível por todas as proporções que representam as notas do acorde. No caso do
acorde de sétima, o expoente é 8640, ou expresso pelos fatores 26*33*5.
Note que é a nota fá que torna o expoente tão complicado, conferindo alto grau de
dissonância para o ouvido do músico. Para comprovar isto, basta omitir a nota referida
nota, e desta forma as notas sol, si e re, apresentam respectivamente as proporções
36,45 e 54, que são todos números inteiros divisíveis por 9. Logo, pode-se simplificar a
proporção aos números 4,5 e 6.
Diferentemente do acorde de sétima, esta tríade harmônica, mais comumente
conhecida como tríade maior, possui um som mais agradável e uma consonância perfeita,
que tem o expoente 22*3*5 = 60, um número 144 vezes menor do que o 8640 de outrora.
O que segue no artigo original é uma discussão paradoxal. A teoria parece estar
em contradição com a prática. Se por um lado a adição da nota fá à tríade, parece
deteriorar a consonância o suficiente para o acorde ter um lugar em música, por outro
lado, o acorde de sétima tem sido usado com grande sucesso. Segundo o teórico
matemático, parece que uma composição musical adquire um certa força deste acorde, e
sem ele seria desinteressante.
Sabe-se hoje que o acorde de sétima dominante possui uma forte direcionalidade,
ou em termos da teoria de Edmond Costère, um escoamento preferencial para a tríade
maior.
O fisico e teórico francês Jean le Rond d’Alembert acredita que há uma
circunstância peculiar para que o acorde de sétima seja aceito em música: o uso do








acorde de G7 como indicativo da tonalidade de C maior para a composição, e da mesma


forma, o F6 mostra aos ouvintes que a tonalidade não mudou para F.
No temperamento igual todos os 12 intervalos de uma oitava são iguais, e não há
consonâncias exatas exceto as oitavas. A quinta, por exemplo, é expressa pela
proporção irracional 12√27 que difere substancialmente da proporção 3:2. Entretanto,
uma vez que o instrumento está afinado neste temperamento, o ouvido não se importa
com esta proporção irracional e ao ouvir o intervalo do-sol, ainda o relaciona à
proporção 3:2.
A seguinte frase poderia resumir este artigo: está suficientemente comprovado
que a proporção percebida pelos sentidos é frequentemente diferente do que aquela
que na verdade ocorre em termos das notas.
Euler continua dando exemplos. Numa situação hipotética, em que duas notas
possuam a proporção de 1000 para 2001, a proporção percebida será, indubitavelmente 2
para 1, uma oitava. Analogamente, se duas notas possuirem a proporção de 200 para
301, ou 200 para 299, o sentimento da quinta-perfeita, cuja proporção é 3:2, será
evocado.
Em síntese, Euler está dizendo que dada uma proporção complicada que descreve
as notas, o ouvido irá substituí-la por um aproximação próxima que é mais simples.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parece que um acorde como sol-si-re-fa, cujo o expoente é 8640, só é permitido


em música, caso corresponda aos números 4, 5, 6, 7. E, de acordo com as teorias
supracitadas, neste caso, o ouvido substituiria a nota fá, 64, por outro representante,
alguns cents mais baixo, com uma proporção de 63.
Trata-se de um julgamento mental que atribui a este som um valor que ele na
verdade não possui.
Mesmo que o fá seja na realidade apenas uma nota, os sentidos relatam de forma
diferente. Euler argumenta que os ouvidos assumiriam o valor natural de fá, 64, em todos
os outros acordes, exceto para o acorde de sétima, embora sua afinação hipotética na
verdade seja 63 para fazer o acorde de sétima soar melhor.
Talvez, seja aqui que se fundamente as regras de preparação e resolução de
dissonâncias, para quase alertar os ouvintes de que é o mesmo som embora sirva como
dois diferentes, para que não pensem que um nova nota foi introduzida.








REFERÊNCIAS

BARBOUR, James Murray. Tuning and temperament: A historical survey. Courier


Corporation, 2004.

BENSON, Dave. Music: A mathematical offering. Cambridge University Press, 2006.


COSTÈRE, Edmond. Lois et Styles des Harmonies Musicales. Paris: Presses
Universitaires de France, 1954.

D'ALEMBERT, Jean Le Rond. Élemens de Musique théorique et pratique, suivant les


principes de M. Rameau. Bruyset, 1779.

EULER, L. Conjecture on the Reason for some Dissonances Generally Heard in


Music. Trans. by JA Scaramazza from Conjecture sur la raison de quelques
dissonances generalement recues dans la musique). Mathematics Department,
Rowan University, v. 9, 1766.

Você também pode gostar