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14/07/2021 A verdade oculta das ‘empresas de garagem’ do Vale do Silício | Tecnologia | EL PAÍS Brasil

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A verdade oculta das ‘empresas de garagem’ do Vale do


Silício
Em tecnologia, a norma é gabar-se de origens humildes Como as da Apple ou
do Google
A armadilha? Que nenhuma é como contam

TOM C. AVENDAÑO

28 NOV 2014 - 11:03 GMT-2

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Mark Zuckerberg nos primeiros escritórios do Facebook.

A tecnologia vem do Vale do Silício e o Vale do Silício vem de uma garagem. A lenda é
simples assim; complicado é decidir qual garagem. Há a do número 367 da Addison Avenue,
em Palo Alto, onde em 1938 William Hewlett e David Packard se trancaram para fazer
experiências com dispositivos eletrônicos e onde hoje uma placa diz: “Local de nascimento
do Vale do Silício”. Ou a do número 2066 da Crist Drive, em Los Altos, onde Steve Jobs e
Steve Wozniak construíram o primeiro computador Apple que foi vendido ao público em
1976. E há ainda a do número 232 da Santa Margarida Avenue, em Menlo Park. Essa foi
alugada em 1998 por dois jovens, Larry Page e Sergei Brin, para desenvolver uma jovem
empresa chamada Google. A garagem continua surpreendentemente intacta hoje. Com o
tapete azul que a então proprietária da casa, Susan Wojcicki, hoje executiva-chefe do
YouTube, instalou para que os inquilinos se sentissem mais à vontade. A mesa de pingue-
pongue onde se distraíam. Tudo disposto para que o mito pareça real e nada relembre que,
na realidade, o Google foi fundado dois anos antes; já havia arrecadado mais de um milhão
de dólares de vários investidores; e a economia que representava alugar uma garagem em
vez de um escritório era risível. E mais, em janeiro de 1999, depois de apenas cinco meses
pisando no tapete azul, os nove empregados do Google se mudaram para escritórios
convencionais. Mas a garagem está ali, é propriedade da empresa desde 2006, e os lucros
que gera em seu mito institucional são incalculáveis.

Tanto Hewlett Packard como Apple, Google, YouTube e Facebook se


gabam de terem sido criadas do nada. Na realidade, beberam da
experiência prévia e dos contatos de seus chefes

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Esse é o poder mágico da garagem. Um empresário que o menciona não está apenas
evocando o trabalho duro com o qual Hewlett e Packard ergueram um império tecnológico a
partir de seu escritório improvisado em Palo Alto. E também não está só relembrando os
intrépidos visionários da Apple a quem o mundo acabou dando razão. Está-se somando a
uma longa tradição a que pertence Walt Disney, que fundou sua empresa na garagem de
seu tio Robert em 1923 e que mais tarde usou dois estacionamentos como estúdios de
animação improvisados. Ou Harold Matson e Eliot Handler, que em 1945 vendiam molduras
de madeira para fotos e, com o material que sobrava, fabricavam brinquedos em sua
garagem. Fundiram seus nomes e, sob a marca Mattel, criaram a Barbie e tornaram-se uma
multinacional de primeira grandeza. Ou Michael Dell com a empresa que leva seu
sobrenome. Ou Jim Casey, da UPS. O mito da garagem transmite uma série de imagens e
valores admiráveis. Empreendedorismo. Geração espontânea de ideias brilhantes. Trabalho
duro. A liberdade de ser seu próprio chefe e desenvolver sua própria visão. A ingenuidade
de pensar que tudo vai dar certo e a humildade de continuar trabalhando quando dá certo. A
garagem não é só um enclave geográfico. “É um estado mental. É a rejeição do ‘statu quo’.
É afirmar: Não preciso de dezenas de engenheiros com mestrado para fazer frente à
concorrência”, explica Guy Kawasaki, ex-funcionário da Apple e autor de vários livros sobre
empreendedorismo no Vale do Silício. A garagem é um símbolo. Um aviso do gênero ao
qual pertence a origem de cada empresa. É o sonho americano. E também é mentira.

Steve Jobs na juventude.

Os homens por trás da cortina


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No Vale do Silício, a garagem é um estado mental. É a rejeição do 'statu quo'.


É afirmar: 'Não preciso de dezenas de engenheiros com mestrado para fazer
frente à concorrência'
Guy Kawasaki, escritor no Vale do Silício

“É muito romântico e muito individualista”, protesta Dan Heath, jornalista do Fast Company
e co-autor, com seu irmão Chip, de vários livros sobre estratégias empresariais. “Falam-
nos do mito da garagem e visualizamos dois caras que criam algo brilhante em segredo e
depois o mostram a um mundo mais que receptivo. Quer dizer, dá uma ideia errônea do
que é preciso para vencer. Se quer começar uma empresa, suas tarefas são encontrar
trabalho, aprender como funciona a indústria e fazer contatos. Claro, é muito mais
enfadonho que uma ideia maravilhosa desenvolvida em uma garagem”.

Poucos mitos da garagem resistem a um mínimo de escrutínio. Todos acabam revelando


os fatores clássicos que menciona Heath. Gente bem conectada com boas amizades,
experiência em outras empresas e mais capacidade organizativa que visão. Hewlett e
Packard, por exemplo, conheceram-se como estudantes em Stanford no ano de 1930, em
plena Grande Depressão, quando montar uma empresa era impensável. Packard trabalhou
vários anos na General Electric, onde aprendeu de tudo. E mais, um de seus amigos ali,
John Cague, terminaria como professor universitário e direcionaria para seu negócio todos
os alunos promissores, o que foi determinante no futuro império Hewlett Packard (adiante,
HP).

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Chad Hurley e Steve Chen, criadores do Youtube.

O mito original da Apple também esquece aquela ocasião, em 1967,


MAIS
quando um menino de 12 anos telefonou para os escritórios da HP. Era INFORMAÇÕES

Steve Jobs e queria componentes para construir um contador de Facebook quer


ser o seu jornal
frequências. Hewlett ficou tão impressionado com o menino que lhe
ofereceu um emprego de verão em seu próspero negócio. “O que aprendi Missão:
ali foi a base do que seria Apple”, confessou Jobs em uma entrevista em desbancar a
2003. Assim pôde recomendar seu sócio, Steve Wozniak, apresentado Apple.
Recompensa: 7
por um amigo comum, que entrou para a HP em 1973, enquanto ele bilhões de reais
continuava sua formação na recém-criada Atari. Todos esses elementos
seriam fundamentais em 1976, quando a Apple foi fundada. Wozniak A questão
pendente do
percebeu que o computador que tinha em mente não interessava à HP. Vale do Silício
Jobs trouxe da Atari o terceiro fundador da empresa, Ronald Wayne.
Naquela altura, já não eram jovens brincando com uma ideia. “Ninguém
quer ouvir a história dos rapazes ricos que se reúnem no Marriott para idealizar um plano
de negócios. Isso não é tão romântico”, escreve Heath. E não é preciso voltar muitas

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décadas para encontrar elaborados mitos de garagem. O do Facebook, por exemplo, é


possivelmente o mais sofisticado: um jovem estudante, Mark Zuckerberg, idealizou um
produto em seu dormitório em Harvard ajudado por amigos e, com poucos intermediários,
o mundo deixou-os ricos. Esta variação não esconde os elementos menos populares, mas
os disfarça. Harvard aparece como um centro rançoso e resistente à mudança, não como a
universidade para onde vão as elites. Os amigos de Zuckerberg aparecem como estudantes
entusiasmados, não jovens ricos com vontade de investir em algo.

Ninguém quer ouvir a história dos rapazes ricos que se reúnem no Marriott
para idealizar um plano de negócios. Isso não é tão romântico como a ideia
dos iluminados se desenvolvendo do nada 
Dan Heath, escritor
especializado em cultura empresarial

Também se conta que em 2005 dois amigos, Chad Hurley e Steve Chen, gravaram um
terceiro amigo em uma festa e, ao ver quanto era complicado jogar o material na Internet,
decidiram fundar o YouTube. Não se revela que Hurley tinha sido um dos primeiros
empregados no PayPal e até havia desenhado o seu logo. E que o seu sogro, James Clark, é
o fundador do Netscape Navigator. Ou seja, os criadores do YouTube eram mais de dois e
tinham conexão direta com investidores. Meses depois, Steve Chen confessou à revista
Time que a história da festa tinha sido “enfeitada” para que soasse melhor.

O mito feito realidade

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A garagem que Google alugou durante cinco meses quando já era uma empresa milionária.

A fábula é cada vez mais popular. Em 2005, dois professores da Universidade da Califórnia
fizeram um estudo entre seus alunos: 89% deles podiam citar alguma empresa criada
desse jeito. Somente 48% das empresas são criadas dessa maneira, mas o estudo estima
que as aparições dos mitos de garagem na imprensa se multiplicaram 250% entre 1980 e
2000. E, como qualquer mentira contada por vezes suficientes, está se aproximando da
realidade. Quando a Comissão Nacional de Empreendimento, dos EUA, estudou as raízes
das maiores empresas do país no século XX concluiu: “Em 1917, os empreendedores
costumavam ser aqueles aos quais se havia negado o sucesso por outras vias. Em 1997,
empreendem aqueles que podem se permitir o risco. O valor da experiência prévia parece
ter diminuído”. Nenhuma das empresas estudadas, por certo, tinha sido criada do nada.

Somente 48% das empresas são criadas dessa maneira, mas o estudo
estima que as aparições dos mitos de garagem na imprensa se
multiplicaram 250% entre 1980 e 2000

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O mito dá cara a dois motores tangenciais, mas inesgotáveis, do capitalismo atual: o sonho
americano, segundo o qual um homem pode chegar ao ponto mais alto somente
trabalhando duro; e o ego da indústria tecnológica, obcecada pela ideia de invadir o mundo.
É o que acontece com os mitos atraentes demais. “Quanto mais você conta uma história,
mais evolui”, explica Heath. “Os indivíduos vão sendo ressaltados, não as organizações. Os
momentos particulares, não o progresso gradual. Creio que a história do YouTube se
tornará ainda mais triunfal com o tempo. Mais majestosa.” Contanto que ninguém acredite
nela.

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