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Palesta proferida pelo Professor Turi Collura durante a segunda Feira da Música Capixaba,
FAMES, Faculdade de Música do Espírito Santo, Vitória, 22 de novembro de 2004.
“Prelúdio”
Durante o encontro de hoje desejo apresentar a
vocês algumas coisas que andei “descobrindo”,
sobre o argumento “geometria musical”, com refe-
rência ao círculo das quintas.
Confesso que, quando estudante de harmonia,
não deixava de pesquisar o lado racional, científi-
co-matemático da música. Fascinado por esse
lado, procurava achar fórmulas, estruturas que se
repetissem, para desvendar os mistérios dessa
arte. Obviamente eu tive altas referências e ante-
cessores, entre os quais meu ídolo John Coltrane,
o qual fazia verdadeiras viagens através de “siste-
mas planetários”; de fato ele, apaixonado pelo
sistema solar e pelas estrelas do universo, as quais
achava ligadas, de certa forma, à espiritualidade,
andava pesquisando afinidades entre estes sistemas e as tonalidades.
Falando em antecessores, cito brevemente os antigos Gregos, que costumavam dizer que a
geometria é "música congelada". Para os Egipcios a geometria sagrada e a música estavam
indissoluvelmente ligadas, já que as leis geométricas governam as relações matemáticas que
formam as notas da escala e os intervalos.
A relação entre a geometria, a matemática e a música é particularmente importante nos
Mandalas Budistas, cujas elaboradas geometrias são a manifestação física dos cantos (man-
tras) usados para a meditação.
Na cultura árabe, para citar outro exemplo, esta relação foi cuidadosamente guardada através
das decorações dos azulejos utilizados para a construção de palácios e mesquitas.
O homem ocidental, ao longo dos séculos, tentou descobrir se atrás do fenômeno musical não
teria algo sobrenatural. Ao mesmo tempo, desde a antiguidade, resolveu brincar com as pro-
porções geométrico-numéricas, para transformá-las em música.
(Bb) (F#)
(Bb, ...)
(Bb, ...) (Bb, ...)
(F#, ....)
(F#, ....)
(F#, ....)
D: 3 7 (C# e F#)
7 3 6 2 5 1 4
F:
(Bb)
4
Bb:
(Bb, Eb)
1 4
Eb:
(Eb, Ab, Bb)
1 4 5
Ab: 1 2 4
(Ab, Bb, Db, Eb)
5
Db: 1 2 4 5 6
(Db, Eb, Gb, Ab, Bb )
Cb: 1 2 4 7
(Cb, Db, Eb, Fb, Gb, Ab, Bb)
3 5 6
4 1 5 2 6 3 7
Tonalidades com # 7 3 6 2 5 1 4
Tonalidades com b 4 1 5 2 6 3 7
Esta seqüência está, praticamente, à base de toda a música tonal. Vendo as coisas por este ponto
de vista, o círculo das quintas não é mais um simples recurso para a memorização das escalas.
Ele representa, geometricamente, o sistema tonal.
A de trítono resulta ser, em termos absolutos, a maior distância entre dois acordes.
Já experimentou tocar uma seqüência composta por dois acordes cujas fundamentais distam ,
entre si? Tocamos, por exemplo as duas triades de : C e Gb... Experimentamos a sonoridade.
Mas o círculo das quintas pode-se tornar algo mais. Ele pode ser uma ferramenta para transcen-
der a música através da geometria. Este é o caso do John Coltrane, por exemplo, que usou o cír-
culo e suas geometrias, para superar as barreiras do sistema tonal caracterizado pela centralida-
de da tônica e pelos acordes organizados por quintas descendentes.
Em 1960 Coltrane alcança um raciocínio que marcará o, assim chamado, “segundo período” da
sua carreira artística. E este raciocínio é alcançado através do uso do círculo das quintas.
Coltrane escreve, naquele ano, uma música: Giant Steps, ou seja, passos de gigante, nome que
revela um “passo” maior, na sucessão de acordes do que na típica progressão por quintas
descendentes. A música não tem uma tonalidade, mas sim três: B7M, G7M e Eb7M. Vale res-
saltar que, por sua natureza simétrica, o acorde aumentado foi, no século XIX um recurso muito
usado para fugir da tonalidade e modular. Claude Debussy usou muito este recurso melódica e
harmonicamente.
Isso tudo se dá apenas em dezesseis compassos. Na primeira parte da música Coltrane colo-
ca as três tonalidades de forma descendente, alcançando cada uma delas através da própria
dominante (compassos 1-7). Na segunda parte da música as três tonalidades são ordenadas
de forma ascendente, e cada uma delas é alcançada através de um movimento cadencial
IIm7-V7.
Esse caminho harmônico passou a ser chamado de Ciclo de Coltrane. A figura abaixo evi-
dencia as três tonalidades, ciclicamente em relação de terça maior, e as próprias dominantes.
Se até agora você tinha olhado para o círculo das quintas e pensava que ele fosse somente
uma representação geométrica das tonalidades, das alterações das escalas maiores (e menores),
e achou ele simples e inócuo.. Se é assim, agora o mágico círculo desvelará para você uma mági-
ca. Vou afirmar que ele contém nada menos que ... as escalas modais (jônico, dórico, frígio, etc..,
para nos entendermos) derivadas pela escala maior. Não acredita? Então vamos ver:
C (Jônico)
Bb - (Mixolídio) F# - (C Lídio)
Bb, Eb - (Dórico)
Lídio #4 F#
Jônico
Mixolídio b7 Bb
Dórico b3, b7 Bb - Eb
Eólio b6, b3, b7 Bb - Eb - Ab
Frígio b2, b6, b3, b7 Bb - Eb - Ab - Db
Lócrio b5, b2, b6, b3, b7 Bb - Eb - Ab - Db - Gb
C#° = E° = G° = Bb°
D° = F° = Ab° = B° (Cb°)
É possivel inscrever, no círculo, dois hexágonos, cada um representando uma escala hexagonal.
Mais uma vez, geometricamente fica claro que só existem duas escalas hexafonicas.
Chegamos ao fim dessa nossa viagem pelo mágico mundo do círculo das quintas. Mais
algumas coisas poderiam ser ditas. Para concluir, faço somente uma observação com relação às
geometrias do sistema tonal. Elas podem ser encontradas nas frases em contraponto de uma
fuga, ou nas composições de muitos autores (veja-se Skrjabin, por exemplo). Ainda, buscar geo-
metrias no sistema tonal, significa encontrar outros mundos, mágicos também, na serialidade,
assim como nas composições da cultura “erudita” de cada século (cada uma com as próprias
características), ou, ainda, nas músicas de outras culturas, assim como citado no começo deste
artigo.
Bom, espero ter despertado, em vocês, a curiosidade para procurar essas (e outras) geo-
metrías. Para cada uma vale parar para pensar o que nasceu antes: a geometria e, a partir dela,
a música, ou a música, e a partir dela a sua representação geométrica?
Estava terminando de escrever este artigo quando um amigo, com o qual estava dividindo
umas idéias sobre o círculo, me mandou a imagem abaixo. A figura, em si, me surpreendeu muito,
pela sua (pelo menos aparente) complexidade. Logo pensei que ela poderia ser, goliardicamente,
o estandarte dos “músicos pesquisadores”, viajantes no espaço sideral das tonalidades.
Ele representou o círculo de forma especular a mim, ou seja, colocando as tonalidades
com os sustenidos à esquerda e as com os bemóis à direita. Tanto faz. Aí as palavras dele:
“Todos os acordes dentro de um campo hormônico maior, exceto Dominante e o Meio-
Diminuto, pertencem também a outros campos maiores. Am7, por exemplo, pode ser considerado
como II de G, III de F ou VI de C.
Claro que minhas tentativas deveriam passar pelo círculo das quartas - não seria possível,
numa combinação de ciclos, visualizar todos os acordes da mesma "família" (tom)?
Minha consideração inicial era a seguinte: como explicitar TODAS as relações em um único
gráfico?
Coloquei, então, no círculo mais externo, os acordes Maiores com Sétima Maior. Depois os
Menores e então os Dominantes. Poderia ter colocado mais um círculo com os acordes do tipo Meio-
Diminuto, mas não previ que talvez tivesse que fazer os círculos externos um pouco maiores. O ideal
é fazer 4 círculos concêntricos com os acordes de cada categoria povoando cada um deles.
Cada um dos 12 pentágonos do diagrama resultante representa os acordes derivados dos 7
modos de cada uma das 12 escala maiores (o campo de C está em amarelo para exemplificar). O
legal é que com o jogo das intercessões só precisei citar cada acorde apenas uma vez. Que tal?”.
Abdalan