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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS:


PERSPECTIVAS SOBRE CENTRALIZAÇÃO,
DESCENTRALIZAÇÃO, UNITARISMO E FEDERALISMO

LUCAS MONTEIRO OLIVEIRA

Trabalho final apresentado como resultado da


pesquisa realizada na ICV/2019-2020, sobre
orientação de Deborah Dettmam Matos.

TERESINA
2020
SUMÁRIO

Sumário
Introdução...................................................................................................................................3
Capítulo I – Dos Conceitos Fundamentais..................................................................................4
Capítulo II – A Constituição de 1824........................................................................................15
1. Introdução.........................................................................................................................15
2. Centralização e Descentralização.....................................................................................16
3. Do Município...................................................................................................................20
4. A Capacidade de Auto-organização das Províncias..........................................................22
Capítulo III – A Constituição de 1891......................................................................................24
1. Introdução.........................................................................................................................24
2. Centralização e Descentralização.....................................................................................26
3. Do Município...................................................................................................................30
4. Da Capacidade de Auto-organização dos Estados............................................................32
Capítulo IV – A Constituição de 1934......................................................................................33
2. Centralização de Descentralização...................................................................................35
3. Do Município...................................................................................................................39
Capítulo V – A Constituição de 1937........................................................................................41
2. Centralização e Descentralização.....................................................................................42
3. Do Município...................................................................................................................43
Capítulo VI – A Constituição de 1946......................................................................................44
2. Da Organização do Estado...............................................................................................45
3. Do Município...................................................................................................................47
Capítulo VII – A Constituição de 1967.....................................................................................49
REFERÊNCIAS........................................................................................................................52
Introdução
A identidade de um povo é definida pela sua história. As tradições, a cultura, a forma
que suas instituições adquirem, tudo isto depende de um sem número de condições e
acontecimentos, imprevistos e imprevisíveis, que só com o passar do tempo podem ser
agrupados e analisados. Qualquer esforço histórico é, portanto, um esforço de reconstrução de
um passado artificial, ou, pelo menos, artificioso, mas não menos importante – talvez por isso
mesmo importante.
Empreender este esforço histórico, procurando nos quadros do passado seus modos e
motivos, é empreender um esforço para compreender a realidade do homem, enquanto ente e
gênero. É um empreendimento que busca não somente as causas e motivos de fatos e atos, da
ação de certos indivíduos enquanto tai, mas também a criação de uma história das instituições,
poderíamos dizer: uma história da “pessoa jurídica” (entre muitas aspas). As instituições, lato
sensu, governam, é verdade, através da ação de indivíduos, o grosso da vida social humana e
elas possuem origem, forma, modos de ação, documentos e moral, que nos dão suas
possibilidades de ação e fornecem a chave para compreendê-las. Para isto é preciso entender
sua história.
O presente trabalho se assenta nestes pressupostos e propõe uma pequena investigação
sobre as formas de organização do Estado nas constituições brasileiras. É um estudo que
combina duas áreas do conhecimento, concatenando as categorias jurídicas e políticas,
expostas na forma de textos legais, com a história constitucional. Desta forma procuramos
auxiliar aqueles que pretendem entender o Estado brasileiro e seus contornos institucionais,
no presente e no passado.
Isto é especialmente relevante em um país que conta com sete constituições em sua
história. Cada um destes textos abordou os fatos e anseios da população, dos governos e
governantes e dos diversos grupos que compõe a vida política e social. Cada uma trouxe, em
conjunto com as teorias que lhe serviram de base, uma série de alterações e cores locais, seja
para melhor se adequarem a realidade nacional, seja para suprir os anseios e desejos de um
certo indivíduo ou classe.
Essa diversidade, tão comum ao Brasil, é um dos entraves para aqueles que buscam
traçar um panorama da política e da evolução do Estado, em sua dimensão histórica, mesmo
que a análise se atenha ao lano puramente dogmático da questão.

Capítulo I – Dos Conceitos Fundamentais


Quando consideramos a forma do Estado estamos nos referindo ao esquema interno
pela qual se organizam seus aspectos integrantes e constitutivos. Portanto, trata-se de observar
como são organizados: os poderes, o território e o povo, além dos modos de exercício da
soberania e da autonomia. O que obtemos desta análise é um esquema geral, um esqueleto da
existência formal e jurídica deste Estado, possibilitando assim uma série de comparações
históricas e teóricas.
É importe que não confundamos os estudos sobre a organização do estado, uma área
atrelada a teoria geral do Estado, com as teorias das formas de governo. Os temas são conexos
e se confundem, dado que certos conceitos e temas são essenciais a ambos. Nas palavras de
Norberto Bobbio:
Considerando a sociedade política (numa definição provisória) como a forma mais
intensa e vinculante de organização da vida coletiva, a primeira constatação que
qualquer observador da vida social é induzido a fazer é que existem vários modos,
conforme o lugar e o tempo, de dar forma a esta organização. A pergunta a que
responde a temática das formas de governo é a seguinte: “Quais são estes modos?”.

(BOBBIO, 2017, p.10)


Ao aspecto descritivo da matéria, que se interessa pela diversidade das formas, soma-se um
ímpeto valorativo de classificar para prescrever os melhores modelos de governo, novamente
nas palavras de Bobbio:
No entanto, não existe tipologia que só tenha função descritiva. À diferença do
botânico, que não se coloca outro problema a não ser o da descrição e não opera
nenhuma escolha entre uma e outra espécie descrita o escritor político não se limita
a descrever. Coloca-se geralmente outro problema, que é o de indicar, segundo um
critério de escolha que naturalmente pode variar de autor para autor, qual das formas
de governo descritas é boa, qual é a má, qual melhor e até, eventualmente, qual é a

ótima e a péssima. (BOBBIO, 2017, p.11)


Assim vemos que ambas as áreas apresentam o mesmo objeto de interesse, o mesmo
fenômeno: a vida política do homem e sua organização, no entanto o observam de uma óptica
diversa. O enfoque da teoria do Estado, como dito acima, está nas estruturas internas de
organização do poder. Define o tema Hermann Heller:
La Teoría de Estado, em cúanto ciencia de la realidad, ha de mostrar-nos si y cómo
existe el Estado, en cuanto unidad concreta que actúa em el tiempo y em el espacio.
Lá Teoría del Estado debe ser el conocimiento autónomo del Estado em suas leyes
específicas. Si únicamente pudíera determinar al Estado como un mero fenómeno de
espresíon o como función e3 un contenido parcial de la realidad social o natural, no
sólo habría errado su misión, sino que además vendría a revelar que no estaba

justificada su existencia.( HELLER, 1971, p. 155).


Pedro Calmon define a Teoria Geral do Estado como sendo o estudo da estrutura dos Estados
conforme seus aspectos históricos, sociológicos e jurídicos1.
Clarificado isso temos que toda a presente análise dos núcleos constitucionais depende
da correta compreensão de dois pares de conceitos: unitarismo e federalismo, centralização e
descentralização. É através deles que se torna possível estabelecer uma comparação entre a
realidade constitucional brasileira, em seus diversos períodos, e o quadro teórico geral, nos
permitindo sair do puro esforço descritivo para adentrar, com a devida moderação, no âmbito
dos juízos de valor.
Antes de passarmos para as definições centrais, aquelas que se referem diretamente às
formas de Estado, abordaremos outro dois conceitos essenciais a toda ciência política dos

1 Cf Azambuja, 2000, p.13.


últimos séculos, indispensáveis para a compreensão tanto das conceituações posteriores como
do tema em geral. O primeiro é o conceito de Soberania, a summa potestas. Azambuja a
define como: “… o grau supremo a que pode atingir esse poder, supremo no sentido de não
reconhecer outro poder juridicamente superior a ele, nem igual a ele dentro do mesmo
Estado.”(AZAMBUJA,2000, p. 50), esse poder teria dois aspectos um externo, que dita a
igualdade nas relações recíprocas entre Estados, e o interno que prescreve seu caráter supremo
quanto a edição de leis e ordens em seu território2.
Martin Loughlin nos apresenta uma perspectiva temporal do termo:
The concept of sovereignty has its roots in the figure of the sovereign. The term
‘sovereign’ originally denoted the office of the ruler, and it signifed the nature of the
authority of that office. The sovereign ruler was not legally obliged to any other
power, and a medieval king who remained subject to the control of the emperor was
therefore not a sovereign ruler. Once the nature of the office of the sovereign ruler
was recognized, it was accepted not only that the ruler’s ‘sovereignty’ indicated his
independence from higher authority, but also that sovereignty signified the quality of
the legal relationship between ruler and subject. The potestas of the sovereign ruler

was absolute. (LOUGHLIN, 2010, p.184)3


Esta forma de conceber a soberania passa por duas importantes modificações: em
primeiro lugar temos a institucionalização da soberania, passando da idealização da figura, ou
da posição, do soberano (que não exerce o poder pessoalmente mas tem, pelo cargo, sua
vontade tida como a máxima potestas) para o reconhecimento de um “poder” soberano, um
atributo que indica a máxima força legal daqueles que o exercem, não sendo mais
exclusivamente exercido pelo soberano. O poder soberano, portanto, permanece como
unidade, mas seu exercício não4.
A segunda alteração advêm do processo de secularização da política. A soberania, que
antes era apresentada como sendo concedido por Deus, passa a ter seu fundamento no povo,
concebido como um ente político e social e não como sendo a soma total da população. É a
2 Cf Azambuja, 2000, p.50.
3 O conceito de soberania tem suas raízes na figura do soberano. O termo ‘soberano’ originalmente denotava o
exercício do poder do governante, e indicava a natureza da autoridade daquele cargo. O governante soberano
não era legalmente submisso a nenhuma nenhum outro poder, um rei medieval que estivesse subjugado ao
controle do imperador, não era, portanto, um governante soberano. Uma vez que a natureza deste cargo do
soberano foi reconhecida, passou-se a compreender que a soberania de um governante indicava sua
independência das autoridades superiores, e também indicava a qualidade da relação legal entre governante e
governado. A potestas do governante soberano era absoluta. TRADUÇÃO PRÓPRIA
4 Loghlin, Martin. Foundation of Public Law. Cf pg 185 - 186. O autor compreende uma divisão entre os
sovereign powers of rule e a soberania (como a autoridade absoluta do poder governante), como
consequência de uma progressiva institucionalização, diferenciação e “corporativização” dos órgão sde
auxílio do governo do soberano (do officie).
partir da concepção da soberania popular concedida através de um contrato social que o
conceito sofre uma virtualização 5, de forma que:
But it is only through this type of virtual exercise that the imaginative world of the
political—the world of public law—is created. Only then can sovereignty be
recognized as a representation of the power and authority created through the
formation of that world. Sovereignty is vested neither in the ruler, nor in the office
of government, nor in the people: sovereignty vests in the relationship itself

(LOUGHLIN, 2010, p.186)6


Dado isso é necessário que a autoridade absoluta se torne uma instituição, outra consequência
é a ampliação ilimitada das competências dos Estados para governarem através da lei,
conforme:
The first claim concerns the establishment of the authority of government by
operation of political right (droit politique), and the second suggests that, through
the operations of political right, an unlimited competence to govern by way of

positive law (potestas) is conferred.7 (LOUGHLIN, 2010, p.186)


Norberto Bobbio, quando apresenta o pensamento de Jean Bodin, o pai do moderno
conceito de soberania, nos fornece um conceito do poder soberano como absoluto, porém com
determinadas limitações (o que diferencia do que nos apresentou Loughlin), conforme:
Contrariamente Àquilo em que se acretida de modo habitual, poder absoluto não
quer dizer ilimitado. Uqer dizer simplesmente que o soberano, sendo detendtor do
poder de fazer leis que valem para todo o país, não está, ele mesmo, submetido a
estas leis, porque “não é possível comandar a si mesmo”. […] o poder do soberano
terreno não é o último dos poderes porque acima está a summa potestas de Deus, de
que dependem as leis naturais e divinas. Outros limites são dados pelas leis
constitucionais, como é numa monarquia a lei que estabelece a sucessão do trono.

(BOBBIO, 2017, p.89)


A estas leis dos estados soma-se a limitação que regulam as relações entre os súditos, de
caráter privado, como as relações de propriedade, por este feito Bodin reconhece a sociedade
como um ente dual, existindo a esfera do público e a do privado. Esta dualidade é essencial
para toda a história política do ocidente, que durante séculos procura formas de bem realizar

5 Ibdem, p. 186.
6 Mas apenas por meio de exercício virtual que o mundo imaginativo da política – o mundo da lei pública – é
criado. Apenas ai pode a soberania ser reconhecida como a representação do poder e da autoridade criada
pela formação deste mundo. Soberania não revestida nem no governante, nem no cargo, nem no povo: a
soberania reveste a relação mesmo. Tradução nossa.
7 A primeira afirmação trata do estabelecimento da autoridade governamental através da atuação do direito
político (droit politique), e a segunda sugere que por meio da operação do direito político, uma competência
ilimitada para governar pelo caminho da lei positiva (potestas), que ira garanti-lo. Tradução própria.
este princípio de liberdade8. Ele reconhece também o titular da soberania não precisa coincidir
com aqueles que a exercem9.
De posse do conceito de soberania passamos agora a tratar brevemente sobre território,
o último dos conceitos preliminares a ser tratado. Território tem sido reconhecido, em
conjunto com o povo e com a soberania, ou governo, como sendo um dos principais
elementos integrantes do Estado. Assim, território é a “[…] porção do globo por ele ocupada,
que serve de limite à sua jurisdição e lhe fornece recursos materiais.” (AZAMBUJA,2000, p.
37). De forma sintética, Pedro Lenza nos apresenta a seguinte correlação entre os elementos
integrantes do Estado: “A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem
comum, com a vinculação deste a certo povo e, finalmente, a territorialidade, limitadora da
ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território”(LENZA,
2017, p. 497). A tradição da Staatslehre identifica o Estado como um território independente e
claramente definido, território que é ocupado pelos membros do Estado, seus cidadãos10.
Com os conceitos preliminares exposto podemos agora tratar dos conceitos próprios a
presente análise. Primeiramente, para mantermos o bom entendimento, devemos estabelecer o
conceito de centralização e, inevitavelmente, o de descentralização. Para Kelsen, dado que o
Estado é compreendido como sendo uma ordem jurídica11 e que o território é uma das esferas
de validade desta ordem, centralização e o de descentralização são tipos de ordens jurídica
(KELSEN, 2016, p. 433).
Para realmente compreendermos este conceito precisamos entrar na distinção seguinte
que o autor propõe. A perspectiva estática do conceito de centralização é associada
essencialmente ao território, poderíamos dizer, portanto, que uma ordem é centralizada ou não
quando perscrutamos o escopo de validade de suas normas perante o território geral do
Estado, o mesmo vale para a descentralização estática, nas palavras do próprio Hans Kelsen:
O enunciado de que o Estado é descentralizado ou de que o território do Estado é
dividido em subdivisões territoriais significa que a ordem jurídica nacional contém
não apenas normas centrais, mas também normas locais. As diferentes esferas

8 Bobbio, 2017, p.89


9 Ibidem, 2017, p.90
10 Loughlin, 2010, p. 192: “The first aspect, Staatsgebiet, is relatively straightforward: it refers to the existence
of the state as a clearly defined, independent territory. The entire world is thus divided into an of bounded
territories, or states.”
11 KELSE, 2016, p. 262: O estado é a comunidade criada por uma ordem jurídica nacional (em contraposição a
uma internacional). O Estado como pessoa jurídica é uma personificação dessa comunidade ou a ordem
jurídica nacional que constitui essa comunidade. De um ponto de vista jurídico, o problema do Estado,
portanto, surge como o problema da ordem jurídica nacional.
territoriais de validade das ordens locais são as subdivisões territoriais. (KELSEN,

2016, p. 434)
Dai retiramos as duas espécies de normas: as locais e as centrais. As normas centrais valem
em todo o território nacional, em contrapartida, as normas locais valem apenas em uma
determinada subdivisão territorial. É importante acrescentarmos que este é um conceito que
varia em graus, exitem locais mais ou menos centralizados e mais ou menos descentralizados,
portanto “Quando nem a centralização, nem a descentralização são totais, falamos de
descentralização parcial e centralização parcial, que, deste modo, são iguais. A centralização e
descentralização totais são apenas polos ideais.” (KELSEN, 2016, p. 437). Reforço aqui que
este é um conceito estritamente geográfico, é necessário a subdivisão do território, não se
transmite este conceito a qualquer outro critério de criação de ordens jurídicas parciais, como
os que afetam indivíduos baseados em características pessoais12
Ainda tratando dos conceitos de centralização e descentralização em sua forma
estática, temos que, para os fins da presente pesquisa, saber quais os critérios determinantes
para avaliar o grau de descentralização ou centralização. Kelsen resolve este problema
elencando dois critérios:
O grau quantitativo de centralização e descentralização depende, em primeiro lugar,
do número de estágio de hierarquia da ordem jurídica aos quais se estende a
centralização ou a descentralização; em segundo lugar, do número e da
importância das matérias regulamentadas por normas centrais ou locais.

(KELSEN, 2016, p. 437, grifos nossos)


Esclarecendo, o primeiro critério diz respeito a hierarquia das normas de regulamentação
jurídica, o que significa a regulamentação central ou não da legislação, administração e
prática jurídica, sendo o menor grau o de centralização das regras que controlam a legislação
em si, portanto, tornando os demais estatutos legislativos (criados pelos órgão legislativos
locais) e as normas de execução (normas individuais) de validade localizada., independente da
matéria13 Destaco que existe a hipótese da parcialidade dessa descentralização, especialmente
quanto a execução, ou seja, a particularização desta norma para o caso local.
A descentralização dinâmica diz respeito não mais a simples análise territorial, ela é
definida pela preocupação com o órgão que cria a norma, com quem fez e de onde fez. Kelsen
a determina assim:

12 Kelsen, 2016, p. 436


13 Kelsen, 2016, p. 436 e 437
Para o conceito dinâmico de centralização e descentralização, é importante não
apenas o número de órgãos criadores de normas, mas também o modo como eles são
instituídos. O contraste entre uma criação de órgãos centralizadas e uma
descentralizada é nitidamente realizado colocando-se, por um lado, um monarca

hereditário e, por outro, um presidente eleito.(KELSEN, 2016, p. 442)


Percebe-se que este conceito não exclui o anterior, portanto é possível que haja
combinações entre ambos. Também percebe-se que este conceito ainda está fortemente
conectado a uma divisão territorial fática, às porções geograficamente repartidas de um
Estado onde se aplica um duplo grau de legislação. Como no conceito anterior temos a
distinção entre o grau total e o parcial de centralização e descentralização dinâmica.
Ainda dentro da centralização e descentralização dinâmica encontramos também a
subdivisão entre suas formas completas e incompletas:
Falamos de descentralização perfeita quando a criação de noemas locais é definitiva
e independente. Ela é definitiva quando não existe possibilidade de a norma local
poder ser abolida e substituída por uma norma central. A divisão do poder legislativo
de um Estado federal ente um órgão central e vários órgãos locaias fornece um
exemplo de descentralização não-definitiva. Neste caso certas matérias são
reservadas à legislação local, isto é, à legislação dos Estados-membros; no entanto,
em alguns casos, um estatuo local (de Estado-membro) pode ser abolido ou
substituído por um estatuto central (federal)contrário, com base no princípio de que
a lei federal se sobrepõe à lei do Estado-membro. A criação de normas locais é
independente se os seus conteúdos não forem determinados, de modo algum, por
normas centrais. Do mesmo modo, a descentralização é imperfeita quando uma lei
contém os princípios gerais, aos quais a legislação local tem apenas de dar uma

aplicação mais detalhada. (KELSEN, 2016, p. 446)


Este trecho é muito importante, pois ele além de descrever um conceito chave para a análise
de situações reais como a nossa, ele já dá uma pincelada na dinâmica legislativa da forma
federativa do Estado.
Segue um pequeno treco que resume bem a temática:
Sempre que for aceita esta premissa e esclarecido que centralização e
Descentralização totais são apenas polos ideais, pode também ser aceito, com
objetivos descritivos, o critério do mínimo indispensável para poder-se falar de
Descentralização. Temos centralização quando a quantidade de poderes das
entidades locais e dos órgãos periféricos é reduzida ao mínimo indispensável, a fim
de que possam ser considerados como entidades subjetivas de administração. Temos,
ao contrário, Descentralização quando os órgãos centrais do Estado possuem o
mínimo de poder indispensável para desenvolver as próprias atividades. (BOBBIO

et al. 1998, p. 330)


O próximo conceito fundamental é o de unitarismo. Os Estados unitário ou simples
pode ser definido como:
Hairiou dá a seguinte noção de Estado simples e de Estado composto: “Pode-se
denominar ‘Estado simples’ o que não é divisível em parte internas que mereçam o
nome de Estado e não estão unidas por um vínculo de sociedade, e ‘Estado
composto’ o que, ao contrário, é divisível em partes internas que merecem o nome
de Estados e que são unidos entre si por um vínculo de sociedade.”

(AZAMBUJA, 2000, p. 363)


Vemos aqui que a forma de unitária do Estado se define pelo contraste com o Estado
composto. Mal grado a expressão simples esta forma, que é comumente tratada como sendo a
primeira forma de Estado, não apresenta uma organização simples e nem uma definição de
todo precisa. Como expõe Arendt Lijphart descentralização e federalismo se opõe ao governo
centralizado (unitarismo)14 o que comprova a afinidade conceitual de ambos.
Kelsen também aplica o conceito de centralização e descentralização, dentro de seus
próprios critérios, para definir o Estado unitário do Estado federal:
Apenas o grau de descentralização diferencia um Estado unitário dividido em
províncias autônomas de um Estado federal. E, do mesmo modo que um Estado
Federal se distingue de um Estado unitário, uma confederação internacional de
Estados se distingue do Estado federal apenas por meio de um grau de
descentralização maior. Na escala de descentralização, o Estado federal encontra-se
entre o Estado unitário e uma união internacional de Estados. Ele apresenta um grau
de descentralização ainda compatível com uma comunidade jurídica constituída por
Direito nacional, isto é, com um Estado, e um grau de centralização não mais
compatível com uma comunidade jurídica internacional, uma comunidade

constituída por Direito internacional. (KELSEN, 2016, p. 451)


Há grande proximidade entre a foma federal e a forma unitária descentralizada, a diferença de
grau é dada segundo a quantidade e qualidade das matérias de competência exclusiva dos
Estados-membros15. Percebe-se que o Estado unitário, portanto, seria aquele que possui
somente uma ordem jurídica válida para todo o território. Deste trecho retiramos também que

14 Lijphart, 2012, p.174: … in this chapter I deal with the first variable of the federal-unitary (divided-power)
dimension: federalism and decentralization versus unitary and centralized government. It is appropriate to
give this fi rst-place honor to the subject of federalism because it can be considered the most typical and
drastic method of dividing power: it divides power between entire levels of government. In fact, as a term in
political science, “division of power” is normally used as a synonym for federalism.”
15 Kelsen, 2016 p.452.
o Estado federal se encontra no grau máximo de descentralização possível dentro da
concepção de Estado (uma ordem jurídica nacional).
A manualistica nacional pode nos ajudar a compreender de forma simples e sintética o
tema. Pedro Lenza apresenta o Estado unitário como contendo três espécies: estado unitário
puro, estado unitário descentralizado administrativamente e Estado unitário descentralizado
administrativa e politicamente. A primeira espécie não teria exemplos concreto na história
mas se caracterizaria pela absoluta concentração do poder e de sua execução 16. O
descentralizado administrativamente tem sua decisões políticas tomadas de forma centralizada
e a execução feita, longa manus, por entes administrativos17. A última das espécies, uma das
formas de Estado mais comuns no mundo, as decisões políticas e administrativas são
descentralizadas, a população local escolhe o procedimento para aplicar no caso concreto as
decisões centrais18. Classificação semelhante nos é dada por Azambuja19.
Existem muitas maneiras de abordar, e portanto, de conceituar a forma federal do
Estado. Um de seus principais aspectos é a oposição, através de uma estrutura política e
administrativa mais descentralizada, ao unitarismo, nas palavras de Lijphart: “… there is
broad agreement on its most basic characteristic: a guaranteed division of power between
central and regional governments.”20 (LIJPHART, 2012, p. 175). A divisão do poder entre
estas duas instâncias se da de forma geográfica, o que nos remete ao próprio conceito de
descentralização apresentado por Kelsen, novamente nas palavras de Lijphart:“federalism is
usually described as a spatial or territorial division of power in which the component units are
geographically defined”21.
Kelsen, a partir de seus critérios de centralização, descentralização e de sua concepção
de Estado como ordem jurídica, nos fornece a seguinte caracterização de federação:
O Estado federal caracteriza-se pelo fato de que o Estado componente
possui certa medida de autonomia constitucional, ou seja, de que o
órgão legislativo de cada Estado componente tem competência em
matérias referentes à constituição dessa comunidade, de modo que
modificações nas constituições dos Estados componentes podem ser
16 LENZA, 2017, p. 498
17 Ibidem
18 Ibidem
19 Azambuja, p. 365, 2000.
20 Mas existe um consenso em ssua mais básica característica: a garantida divisão de poderes entre governo
central e regional. (tradução nossa)
21 Federalismo é usualmente descrito como uma divisão espacial ou territorial do poder na qual as unidades
são geograficamente definidas. (tradução nossa)
efetuadas por estatutos dos próprios Estados. Essa autonomia
constitucional dos Estados componentes é limitada. Os Estados
componentes são obrigados por certos princípios constitucionais da
constituição federal. (KELSEN, 2016, p. 451)
Ingo Sarlet aborda o conceito a partir do problema das ordens jurídicas, semelhante a
Kelsen, e nos entrega a seguinte conceituação:
Assim, há que sublinhar que o Estado Federal é caracterizado, pelo menos na sua
versão clássica e que ainda hoje corresponde à regra geral, pela superposição de
duas ordens jurídicas, designadamente, a federal, representada pela União, e a
federada, representada pelos Estados-membros,cujas respectivas esferas de
atribuição são determinadas pelos critérios de repartição de competência
constitucionalmente estabelecidos. O Estado Federal, portanto, é formado por duas
ordens jurídicas parciais, a da União e a dos Estados-membros, que, articuladas e
conjugadas, constituem a ordem jurídica total, ou seja, o próprio Estado Federal …
Cuida-se, neste sentido, de um pluralismo do tipo territorial levado a efeito
mediante um sistema de distribuição do exercício de poder entre as unidade

territoriais. (SARLET e col., 2018, p. 889)


Com uma definição básica da característica central do federalismo é bom
observarmos, também, algumas adjacências que nos ajudam a identificá-lo e diferenciá-lo de
outras tipologias. Este material adjunto foi sendo criado pela prática constitucional durante os
séculos e sua função é, acima de tudo, a de ajudar a manter a divisão de poder. Segue a
apresentação de Lijphart:
In addition to these primary characteristics, federalist theorists often identify several
secondary characteristics of federalism: in particular, a bicameral legislature with
a strong federal chamber to represent the constituent regions, a written
constitution that is difficult to amend, and a supreme court or special
constitutional court that can protect the constitution by means of its power of
judicial review. These are among the most important of what Ivo D. Duchacek
(1970, 188–275) calls the “yardsticks of federalism.” Their connection with
federalism is that they can all serve to ensure that the basic federal division of power
will be preserved. Unlike the primary characteristics, they are guarantors of

federalism rather than components of federalism itself. (LIJPHART, 2012, p.


176-7)
A lista inclui, portanto: a legislatura em duas câmeras (uma representando os Estados-
membros e outra o componente populacional), uma constituição escrita rígida (pelo menos
quanto ao núcleo) e algum órgão de proteção constitucional.
A divisão entre União e Estados-membros nos faz questionar sobre a soberania nesta
forma de organização. Os Estados-membros não são soberanos, contudo, possuem uma série
de “autonomias”- poder de executar, sem que outra instância do Estado possam alterá-las
(contudo podendo revogá-las), ações de caráter administrativo, legislativos e judicial. Este
poder, obviamente, é limitado pela constituição federal através das competências atribuídas
aos Estados-membros e de outras leis que impõe, proíbem ou permitem que determinado
estado faça ou possa fazer determinada ação. O professor Sarlet expões a questão assim:
Considerando que o Estado Federal é uma forma composta (complexa) de Estado,
num certo sentido, um Estado formado por outros estados, de tal sorte que tanto a
unidade nacional soberana, ou seja, o Estado Federal como um todo, quanto os
estados-membros (embora não da mesma maneira), possuem qualidade estatal, uma
das características distintivas da autonomia atribuída constitucionalmente aos
últimos reside, no que diz com a auto-organização, na existência de um poder
constituinte , habitualmente designado como de natureza decorrente (e sempre
derivada), por parte dos estados-membros no sentido de elaborarem (observados os
limites postos pela Constituição Federal) a sua própria constituição … Convém
frisar, todavia, que embora a auto-organização tenha no poder constituinte estadual
a sal expressão essencial, nela não se esgota, pois engloba o poder de legislar de
modo mais amplo, ou seja, a existência de uma legislação estadual própria e
exercida mediante e nos limites de um sistema constitucional de repartição de

competências entre a União e as unidades federadas autônomas. (SARLET et al.


2018, p. 891)
Estas breves definições nos ajudam a formar um panorama geral e genérico suficiente
para nosso objetivo – a investigação dos modelos constitucionais da organização do Estado
através da história constitucional brasileira – sem, contudo, abordar todos os aspectos
relevantes ao assunto. Estes esquemas básicos são especialmente relevantes quando tratamos
de Estados federais pois, dado que a existência da federação preexistiu sua conceituação e
teorização (largamente baseada na experiência concreta), suas formulações, na prática,
apresentam significativos desvios da regra.
Existe ainda o conceito de confederação, que tangencia nosso tema mas que é de bom
tom tratarmos, mesmo que brevemente. De forma simples: “O que distingue a Confederação
de uma simples aliança entre Estados é que os Estados confederados instituem um órgão
político de caráter diplomático, composto de representantes de cada Estado, com a
incumbência de tomar decisões de interesse comum” (BOBBIO et al. 1998, p. 218,). A
confederação é uma estrutura baseada em direito internacional, portanto, as decisões do órgão
central são baseadas na regra da unanimidade e não da maioria, como vemos nas estruturas
federais. Desta forma, apenas o próprio Estado pode escolher se aplica ou não as decisões da
confederação em seu próprio território, o que torna esta decisão uma decisão descentralizada.
Comumente os Estados que a compõe, por conta de sua natureza soberana, tem o direito de
retirada, de secessão, algo que os Estados-membros de uma federação, portanto não
soberanos, não possuem.

Capítulo II – A Constituição de 1824

1. Introdução
A Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, também conhecida como
constituição imperial ou constituição outorgada, foi o primeiro texto constitucional nacional.
Outorgada pelo imperador Dom Pedro I em 1824, dois anos após a proclamação da
independência junto as margens do Ipiranga, foi a mais longeva constituição brasileira, tendo
sido vigente por todo o período imperial (até o ano de 1889). Sua história é um tanto
conturbada, houve a convocação da Assembleia Constituinte, que iniciou seus trabalhos em 3
de maio de 1823 e foi encerrada em novembro do mesmo ano 22, contudo a visão mais liberal
da assembleia se opunha ao governo forte que propunha o Imperador23.
A situação conflituosa, marcada inclusive pelas edições de dois jornais de combate
pelos Andradas: o Tamoio e a Sentinela da Liberdade à Beira Mar, teve seu estopim com o
espancamento de um boticário brasileiro por dois militares portugueses no dia 5 de novembro.
Um tumulto se espalhou pelas ruas da capital, encabeçado pelos Andradas e pelos dois

22 “Em 3 de maio de 1823 iniciaram-se os trabalhos da Assembleia Constituinte, que havia sido convocada em
junho do ano anterior (meses antes da declaração formas de Independência). Dom Pedro I jurou defender a
Constituição que seria escrita, se fosse a mesma digna dele e do Brasil. Isto é, o monarca não aceitaria uma
carta que lhe reduzisse demasiadamente a esfera de poder. Entretanto, foi exatamente esse o rumo escolhido
pela Assembleia. Havia pressão dos liberais por uma soberania absoluta do Parlamento (como havia na
Inglaterra), e discutia-se acaloradamente se o Imperador teria ou não poder de sanção e veto de leis, além do
poder de dissolver a Câmara.” NEIVA, 2020, n.p.
23 “Desde a sessão inaugural foi visível a incompatibilidade entre o govêrno forte e essa Câmara desconfiada.
Pode-se dizer que começou a trabalhar sob a forte ameaça da dissolução, que acabou com ela seis meses
depois”. CALMON, 1958, p. 1520.
jornais, de forma que o D. Pedro temia o rompimento das forças armadas (que continham uma
grande proporção de portugueses) e optou por dissolver a Assembleia 24. No dia 12 de
novembro de 1823 soldados e canhões se encontravam às portas do paço da cadeia, atual
Palácio Tiradentes, para concretizar a dissolução, episódio que ficou conhecido como “noite
das agonias”.
No dia seguinte o Imperador decretou a formação do Conselho de Estado, que liderado
pelo próprio apresentou já em dezembro daquele ano o projeto que viria a se tornar a
constituição. O projeto foi enviado para aprovação das municipalidades que seguiram a
iniciativa da Câmara do Rio de Janeiro e adotaram o projeto 25, houve também a convocação
de cidadãos por edital para que se manifestassem contra ou a favor do projeto26. No dia 25 de
março de 1824 D. Pedro I outorgou a constituição e prestou seu juramento a carta que
limitava seus próprios poderes.
Devemos lembrar que existia um grande receio de que o Brasil, aos moldes da
América espanhola, após a independência se separasse em diversos países independentes. Este
receio, fundado em diversas causas históricas, como a desunião linguística e o contato direto
das províncias com Portugal27, teve grande influência na forma de organizar o Estado na
constituição de 1824, onde se optou pelo unitarismo.

2. Centralização e Descentralização
Nenhuma constituição é construída num vácuo, nela estão sempre presentes as
diversas opções e debates que inflamam a sociedade de sua época, de certa forma ela
representa o “espírito do século” e a cultura de sua nação. A Constituição Imperial não foi
diferente, João Camilo de Oliveira Torres nos diz que:
Ao longo de toda a história do Império duas grandes correntes se digladiam sem
cessar: uma lutando pela descentralização e a outra, contra. De um lado o ideal da
Revolução Francesa, da República una e indivisível: mais liberdade para os
indivíduos e maior concentração da autoridade; do nutro, o estilo americano: maior

força ao Poder Executivo e dispersão da autoridade através do espaço. (TORRES,


2017, p.405)

24 CALMON, 1958, p.1525


25 CALMON, 1958, p. 1527
26 NEIVA, 2020, n.p.
27 A instituição das Junta Governativas Locais, que se reportavam e prestavam contas diretamente ao Soberano
Congresso de Lisboa, era, para um país com a extensão do Brasil, um perigoso precedente. NOGUEIRA,
2012, p.20.
Estes embates persistem ao longo da história do império e as duas correntes conseguem, com
maior ou menor sucesso, se fazerem ouvir. Num primeiro momento, ou seja, antes do ato
adicional, a visão unitária persiste, os liberais conseguem emplacar sua visão no ato adicional
que logo depois é “interpretado” de forma mais conservadora. Vamos tratar primeiramente do
texto não emendado.
Como definimos no primeiro capítulo a centralização e descentralização são conceitos
eminentemente geográficos, dizem respeito a forma de organização do poder (ou da ordem
jurídica) no espaço. A Constituição Imperial define sua organização territorial nos termos do
artigo 2o:
Art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na fórma em que
actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o
bem do Estado.
As províncias são as unidades administrativas, o que equivaleria hoje aos Estados da
federação. Sua organização é o assunto do Título 7 o –
Da Administração e Economia das
Províncias, que se inicia com o art. 165:
Art. 165. Haverá em cada Provincia um Presidente, nomeado pelo
Imperador, que o poderá remover, quando entender, que assim convem
ao bom serviço do Estado.
O administrador a nível local é escolhido diretamente pelo chefe do Estado, que
também tinha a prerrogativa para retirá-lo. As províncias não tinham gerencia sobre esta
escolha, que portanto era totalmente centraliza (tanto estática quanto dinamicamente). O
Presidente da província era o chefe da administração e representante do Imperador, do poder
do executivo central que ele exercia na esfera local, este aspecto se torna mais interessante
quando analisamos como eram determinadas suas competências.
As atribuições deste administrador provincial foram delegadas para lei suplementar,
infraconstitucional, segue o artigo in verbis:
Art. 166. A Lei designará as suas attribuições, competencia, e
autoridade, e quanto convier no melhor desempenho desta
Administração.
Percebe-se que o escopo da administração não possui a estabilidade constitucional,
sendo determinados pelo poder legislativo. O poder legislativo nesta constituição era exercido
pela Assembleia Geral, composta pela câmara dos deputados e pelo senado, e sancionado pelo
Imperador, portanto, mesmo que houvesse algum grau de participação local na formação da
vontade da nação o poder moderador28 do Imperador tornava este um aspecto potencialmente
irrelevante.
A autoridade executiva deste presidente era bastante ampla – encontrava-se, inclusive,
acima dos comandantes de armas. Ele inspecionava em sua província as diretrizes de todos os
ministérios, comandava a defesa local, nomeava livremente os delegados de polícia 29 e todos
os serviços públicos, segue a explicação de Leonardo Neiva:
Como representante do Poder Executivo central, cabiam-lhe amplos poderes ára
executar e inspecionar as ordens de todos os ministérios em seu território. Assim,
todos os serviços públicos nacionais e provinciais estavam sob a autoridade local de
um chefe em comum, o que evitaria a repetição e mistura de atividades atualmente

observada. (NEIVA, 2020, n.p.)


Com o advento do Ato Adicional em 1834 ocorreram significativas mudanças na
estrutura das Províncias. Elas contavam agora com assembleias legislativas, conforme o art.1 o
da Lei no 16, de 12 de agosto de 1034:
Art. 1o O direito reconhecido e garantido pelo art. 71 da Constituição será
exercitado pelas Camaras dos Districtos e pelas Assembléas, que, substituindo os
Conselhos Geraes, se estabeleceráõ em todas as Provincias com o titulo de
Assembléas Legislativas Provinciaes.
A autoridade da Assembléa Legislativa da Provincia, em que estiver a Côrte, não
comprehenderá a mesma Côrte, nem o seu Municipio.
O Ato Adicional também modificou as prerrogativas do Presidente de Província,
que anteriormente eram regidas pela lei de 20 de outubro de 182330. O novo regimento, que
acrescentou uma série de prerrogativas, é a lei 3 de outubro de 1834 que em seu primeiro
artigo determina a primazia da autoridade dos presidentes em sua circunscrição territorial de
forme que todos estão a ele subordinados 31. Sobre as atribuições do presidente convêm a lição
de João Camilo de Oliveira Torres:
Como primeira autoridade da província, competia ao presidente sancionar ou vetar
as leis provinciais. As resoluções não dependiam da sanção presidencial: parágrafos
4º, 5º, 6º e 7º do artigo 10 e parágrafos 1º, 6º, 7º e 9º do artigo 11 do Ato Adicional:

28 Conforme o art. 101 da Constituição de 1824, que indica as prerrogativas do poder moderador do Imperador.
Para mais considerações sobre o poder moderador ver CARVALHO, David. A ORIGEM DO CONCEITO
DE PODER MODERADOR: UMA INVESTIGAÇÃO ACERCA DOS PROJETOS DE
MODERAÇÃO PROPOSTOS POR BENJAMIN CONSTANT E PELOS MONARQUIANOS. 2018
29 O Chefe de Polícia era nomeado pelo executivo central- conforme NEIVA, 2020, n.p.
30 SOUSA ,1867, p. 434, 1867.
31 cf. TORRES, 2017, p. 407
No artigo 10 as exceções se referiam a questões de interesse municipal, e, no artigo
11, assuntos da economia interna da Assembleia, como o seu regimento, ou casos em
que não se justificaria intervenção do presidente – suspensão de magistrados ou o
processo dos próprios presidentes. A sanção se dava pela fórmula: “sanciono”, e
“publique-se como lei”. Exigia-se, como hoje, o prazo de 10 dias para a sanção – se
transcorresse sem manifestação da vontade do presidente, tinha-se a lei como
automaticamente sancionada, promulgando-a o presidente da Assembleia. Gozavam
os presidentes do direito de veto: em caso de julgarem que a lei ou a resolução não
convinha aos interesses da província, cabia-lhes devolver o projeto à Assembleia,
com as razões do veto. A decisão do Legislativo manter-se-ia na hipótese de poder
contar com mais de dois terços da votação. Era, pois, o tipo do veto que hoje vigora.
Se entre as razões do veto estivessem as de inconstitucionalidade, ofensa aos direitos
de outra província ou tratados feitos com nação estrangeira, e a Assembleia
rejeitasse o veto, cabia recurso ao governo geral e ao parlamento nacional. Aliás,
devia o presidente remeter cópias de todos os atos legislativos provinciais ao

governo imperial para a necessária conferência. (TORRES, 2017, p.408)


O artigo 24 do ato adicional acrescenta algumas outras atribuições:
Art. 24. Além das attribuições, que por Lei competirem aos
Presidentes das Provincias, compete-lhes tambem:
§ 1o Convocar a nova Assembléa Provincial, de maneira que possa
reunir-se no prazo marcado para as suas sessões.
Não a tendo o Presidente convocado seis mezes antes deste prazo, será
a convocação feita pela Camara Municipal da Capital da Provincia.
§ 2o Convocar a Assembléa Provincial extraordinariamente, prorogal-a
e adial-a, quando assim o exigir o bem da Provincia; com tanto porém
que em nenhum dos annos deixe de haver sessão.
§ 3o Suspender a publicação das Leis Provinciaes, nos casos, e pela
fórma marcados nos arts. 15 e 16.
§ 4o Expedir Ordens, Instrucções e Regulamentos adequados á boa
execução das Leis Provinciaes.
Além disto o art. 5 da lei de 3 de outubro de 1834 estabelece ainda uma série de
atribuições puramente administrativas, como por exemplo: executar e fazer obedecer as leis,
inspecionar as repartições, administrar a fazenda provincial, promover a segurança pública,
entre outras32. Também haviam numerosas responsabilidades e atribuições entre os presidentes

32 cf. TORRES, 2017, p. 409


e o governo geral. Pelo gigantesco número de atribuições33, que em sua essência reunia e dava
cara aos serviços público e de certa forma ao próprio Estado em sua respectiva província,
vemos o grau de importância desta figura na vida política e administrativa do Império, sendo
a chave que tornava a centralização exequível34. João Camilo de Oliveira Torres atribui esta
posição de primazia da presidência ao fortalecimento dos órgãos Executivos, em especial ao
presidente do Conselho de Ministro, em detrimento da figura imperial, reduzida à função de
fiscalizar35.
Com estas mudanças, em especial o estabelecimento das assembleias legislativas nas
províncias, o Estado brasileiro passou a experimentar um modelo mais descentralizado, que
Pedro Calmon classifica como “semi-federal”36. Não se pode comparar este aumento de
autonomia com a “federalização” do Estado, mas é algum avanço nesta direção, Leonardo
Neiva faz uma bela síntese de toda esta questão:
De acordo com o que se pode observar no conjunto de poderes provinciais e
municipais acima descritos, a Constituição de 1824 criou um Estado bastante
centralizado. O verdadeiro poder político se exercia através dos órgãos do governo
central, o Gabinete, a Assembleia Geral e o Imperador. Dado o reduzidíssimo poder
dos conselhos provinciais, praticamente não havia autonomia local. E isso só foi

amenizado a partir do Ato Adicional. (NEIVA, 2020, n.p.)

3. Do Município
A tradição portuguesa nos legou o município, instituição herdada do direito romano 37,
segundo Iris Tavares: “A instituição das municipalidades portuguesas aparece já nas
Ordenações Afonsinas (anteriores a 1512) e nas Manuelinas (de 1512). Era regulada pelo
33 Nas provincias só compete aos presidentes a execução das leias, a administração, a superintendencia dos ditos
meios no respectivo territorio, e não o governo proriamente dito, pois que a impulsão vem do centro “do
ministerio” e não póde haver mais que uma política, um plano de governo, que no imperio em geral deve ser
fielmente observado e mantido. (SOUSA, 1867, p.437)
34 Vejamos o Ministério da Justiça. Diz Andrade Pinto, que só isto basta: “a independência do Poder Judiciário
não exclui que os presidentes, como supremos administradores, tenham direito de ser informados dos negócios
da administração da justiça”. Aliás, em seus relatórios, apresentados à Assembleia, expunham minuciosamente a
situação relativa à justiça, muito embora fosse matéria da competência nacional. Já a polícia pertencia aos
presidentes: o chefe de polícia da província provinha de nomeação do governo central, mas os delegados cabia
aos presidentes escolher por indicação dos chefes de polícia. (TORRES, 2017, p.411)
35 A importância dos presidentes, como órgãos políticos, nasceu do fenômeno que iria caracterizar a segunda
metade do século – o aparecimento da figura do presidente do Conselho de Ministros, responsável pelo
funcionamento do Poder Executivo, com a redução do Imperador a órgão meramente fiscalizador, com o direito,
correspondente, de negar a confiança ao gabinete, e, mais, o aparecimento da política partidária. Com isto, entre
a magistratura neutra e suprapartidária do Imperador, generalíssimo nato, e o Exército, passara a existir a figura
do presidente do Conselho de Ministros, chefe de partido, com o seu agente, o presidente de província, que ele
podia manobrar à vontade, sem dar atenção às queixas imperiais. (TORRES, 2017, p.412)
36 NOGUEIRA, 1867, p. 20.
37 NOGUEIRA, 1867, p. 23.
Título LXVI do Livro I das Ordenações Filipinas quando foi transplantada para o
Brasil.”(TAVARES, 1997, p. 169). O município foi importante instrumento de organização
durante quase toda a história brasileira.
O instituto foi regulado no segundo capítulo do Título VII, que inicia determinando,
através do artigo 167, que: “Em todas as cidades e vilas ora existentes, e nas mais que para o
futuro se criarem, haverá Câmaras, às quais compete o governo econômico e municipal das
cidades e vilas.”. As Câmaras municipais são compostas por vereadores com mandato eletivo,
sendo o mais votado o presidente (art.168). As funções que cabem a esta câmara são definas
no art. 169:
Art. 169. O exercicio de suas funcções municipaes, formação das suas
Posturas policiaes, applicação das suas rendas, e todas as suas
particulares, e uteis attribuições, serão decretadas por uma Lei
regulamentar.
A lei regulamentar veio através da Lei de 1o de outubro de 1828, que ficou conhecida como o
Regimento das Câmaras Municipais, que poucas modificações sofreu até 1891.
As câmaras exerciam funções puramente administrativa, não ocupavam o papel
executivo e nem judiciário de seus primórdios, segue:
O mais importante de seus dispositivos, porém, é o art. 24: “As Câmaras são
corporações meramente administrativas, e não exercerão jurisdição alguma
contenciosa”. Com esta disposição, pôs-se fim ao regime colonial das Câmaras
Municipais, revogando na prática os Livros 66 e 67 das Ordenações que até então
regiam o seu funcionamento. A prática republicana, na verdade, pouco inovou em

matéria de organização municipal, ao que se herdou do Império. (NOGUEIRA,


2012, p. 26)
João Camilo de Oliveira Torres resume bem a situação do município durante o
império:
Dentro do espírito do século XIX o Império foi pouco municipalista; a Revolução
Francesa caracterizou-se como reação do espírito nacional e do individualismo
contra as tendências pluralistas do Antigo Regime. Individualismo e centralização,
lembrando os grandes documentos franceses de 3 décadas antes: “as funções
municipais foram restringidas, se as compararmos com as que, até a Independência,
exerciam as câmaras locais”, comenta um especialista, o prof. Orlando M. Carvalho,
que acrescenta: “realmente a lei de 1 de outubro de 1828 interpretou a Constituição
num sentido unificador (...). Declarando as câmaras corporações meramente
administrativas (art. 24), reduziu os municípios a simples peças da engrenagem
monárquica, arrancando-lhes o exercício de um Poder Judiciário que lhes dera, em

tempo, prestígio singular.” (TORRES, 2017, p. 457)


Podemos perceber que os municípios exerciam papel-chave na execução da
administração imperial. O grau de controle do Estado em suas decisões locais, e a ausência da
clássica atribuição de funções judiciárias, que a tradição portuguesa lhe atribuía, tornava essas
estruturas incompatíveis com o princípio da auto-organização e do autogoverno. Contudo, a
organização municipal era mais próxima da estrutura colonial que o Brasil já adotava, sofria
igualmente com as províncias a falta de recursos e tinha pouca autonomia mas suas
ferramentas não eram imuteis, principalmente se levarmos em consideração a mão de obra
escrava disponível38.

4. A Capacidade de Auto-organização das Províncias


Um dos critérios para análise da organização de um Estado é a capacidade de auto-
organização de suas partes componentes, o que implica diretamente no grau de autonomia
destas unidades territoriais. Na constituição Imperial não há que se falar em Estados-
membros, atributo das federações, e muito menos em autonomia constitucional, mas sim em
autonomia administrativa das províncias.
Como vimos, as províncias tinham um presidente indicado diretamente pelo
Imperador, que neste caso representa o poder executivo central, para executar os ditames do
Estado naquela localidade. Como a população da localidade não tinha capacidade de escolher
este administrador não tinham autogoverno. Este conceito de autogoverno se relaciona com a
auto-organização e com a autoadministração, sendo todos estes conceitos ligados pelo fato de
que a localidade, não sendo soberana, tem a “última palavra” quanto a certos aspectos de seu
funcionamento, sendo a decisão local respeitada pelo poder central que pode proceder pela via
da nulidade mas não pela emenda.
Quanto a isto as províncias não possuíam capacidade de auto-organização, pelo menos
não a priori, dado que não tinham capacidade de editar nem constituições locais e nem leis
orgânicas.
As províncias se organizam através das determinações advindas do executivo e do
legislativo central e através dos Conselhos Gerais, que deliberavam por meio de

38 TORRES, 2017, p. 462.


representantes eleitos certas questões de interesse provincial. Nas palavras de Leonardo
Neiva:
A principal função dos Conselhos Gerais das Províncias era tão somente discutir e
deliberar sobre os mais importantes negócios de interesse provincial, bem como
sobre os negócios de interesse municipal que lhes eram encaminhados pelas
câmaras. Isto é, não se tratavam de órgãos legislativos. Além disso, era
expressamente vedado aos mesmos deliberar sobre assuntos de interesse geral da
nação, sobre ajustes entre as províncias, sobre imposições de iniciativa da Câmara
dos Deputados, e sobre a execução de leis. Nesse último caso, deveria o Conselho
Geral da Província encaminhar representações à Assembleia Geral e ao Poder

Executivo de forma conjunta. (NEIVA, 2020, n.p.)


As resoluções alcançadas pelo conselho eram intermediadas através do presidente para o
poder executivo central, este por sua vez as remeteria como projeto de lei para a Assembleia
Geral se esta estivesse em seção, caso contrário eram remetidas ao Imperador, que poderia
determinar sua execução provisória ou sua suspensão 39. Todas as resoluções, ao cabo,
deveriam ser apreciadas pela Assembleia Geral. Estes órgãos eram meramente consultivos
O elevado centralismo da administração provincial permanece até a edição do Ato
Adicional, a Lei No 12 de agosto de 1834. Logo no primeiro artigo temos:
Art. 1o O direito reconhecido e garantido pelo art. 71 da Constituição será
exercitado pelas Camaras dos Districtos e pelas Assembléas, que, substituindo os
Conselhos Geraes, se estabeleceráõ em todas as Provincias com o titulo de
Assembléas Legislativas Provinciaes. A autoridade da Assembléa Legislativa da
Provincia, em que estiver a Côrte, não comprehenderá a mesma Côrte, nem o seu
Municipio.
A conversão dos Conselhos Gerais em Assembleias Legislativas Provinciais quebra a
unicidade do poder legislativo central e traz capacidade de autoadministração e autolegislação
para o âmbito local. O art.3o nos informa que o sistema seria unicameral com a possibilidade
de criação, por pedido da assembleia local à assembleia geral, de uma segunda câmera 40. Os
membros eram eleitos conforme as mesmas regras da eleição para a Assembleia Geral,
contudo o mandato era de apenas dois anos com possibilidade de reeleição.
A maior parte de suas atribuições era de caráter estritamente legislativo, sendo
enumeradas nos onze parágrafos do art. 10 do Ato Adicional e em alguns dos parágrafos do

39 Cf NEIVA, 2020, n.p.


40 Cf Torres, 2017, p. 436. Nos informa que nenhuma das propostas de criação desta segunda câmera se
concretizou.
art. 1141, e incluíam desde a mudança da capital da província até sua organização econômica e
criação de empregos municipais e provinciais. As poucas atribuições não legislativas, segundo
Pimenta Bueno, eram: intervenção no caso pronúncia do presidente, suspensão e demissão de
magistrados que praticaram crimes, suspensão de garantias e defesa da lei e das instituições42.
Na prática este assunto era um tanto complexo, as competências do governo central e
das províncias se mesclavam e se encontravam espalhados em múltiplos dispositivos (artigos
da constituição, no ato adicional e na lei de interpretação do ato adicional), contudo a
interpretação dominante tendia a considerar todos os serviços públicos existentes na
localidade como de responsabilidade local43.
Em maio de 1840 os conservadores, com sua influência restaurada, aprovam a Lei N o
105 de 12 de maio de 1840, que ficou conhecida como a lei de interpretação do ato adicional.
O objetivo era retomar ao grau de centralização maior através da limitação e da organização
das prerrogativas concedidas as Assembleias Provinciais no ato adicional. Não foi um retorno
ao satus quo ante, mas um novo capítulo no perene embate entre centralização e
descentralização. Em resumo a reforma do Ato Adicional resultara em centralização
administrativa combinada com uma descentralização política44.
Mesmo com estes avanços na autonomia provincial, chegando a um status semi-
federal, a tendência a centralização durante o império foi vitoriosa por motivos de fato e de
direito. Nas palavras de João Camilo de Oliveira Torres “Na realidade a autonomia das
províncias era limitada, de fato, por seus parcos recursos financeiros, reflexo da pobreza geral
do meio.” (TORRES, 2017, p.439).

Capítulo III – A Constituição de 1891

1. Introdução
A constituição de 1891, foi a primeira constituição republicana do Brasil. Em 15 de
novembro de 1889 cai o Império, a família real é deposta e assumem o poder o grupo
republicano em conjunto com o braço revoltoso do exército. Na mesa noite, Rui Barbosa
41 Torres, 2017, p. 437-38.
42 Pimenta Bueno citado em Torres, 2017, p. 438.
43 Cf Torres, 2017, p.438
44 Cf Torres, 2017, p.407: “E, segundo Nelson Werneck Sodré, a coisa saíra-lhe às avessas, pois o Ato
Adicional reformado dera em centralização administrativa, acompanhada da descentralização política. De fato,
possuíam as províncias assembleias deliberantes, mas o chefe da administração vinha de fora. “
prepara o Decreto No1 institucionalizando o governo provisório e tornando o Brasil uma
república federativa. A revolução incruenta, que nascera do descontentamento dos militares
com um ministério, acabara por mudar todo o país num sopro, sem explosões ou tiros.
Não era que o movimento republicano fosse maioria, eles eram opinião minoritária e
nem sequer apresentavam uma unidade coerente – eram compostos por republicanos à moda
americana e pelos positivistas. Sem uma figura carismática para servir, tomando o poder de
supetão pela cavalgada do Marechal Deodoro da Fonseca, valeram-se da figura de Rui
Barbosa, respeitado jurista e ferrenho defensor da Federação, que contudo era um cético
quanto as formas de governo45. O movimento ganhou aderência popular posterior, os
chamados “adesistas”, membros advindos após o golpe, se mesclavam aos “históricos”
(membros dos primórdios do “partido”). O governo provisório foi estruturado sobre a
liderança de Deodoro da Fonseca com o auxílio de Rui Barbosa (como vice-chefe) e outros
grandes nomes das diversas alas pol´ticas como Aristides Lobo, Manoel Campos Sales e
Quintino Bocaiuva, pelo movimento republicano, com Benjamin Constant, representando a
juventude militar, Vandenvolk, pela armada e Demétrio Ribeiro, que representava a militância
positivista.
Ao fim dos decretos iniciais do governo provisório:
… foi nomeada a Comissão dos 5 para elaborar o projeto de Constituição
Republicana, integrada por Saldanha Marinho, presidente, o velho estadista que
servira altos cargos do Império e inscrevera-se entre os primeiros “históricos”;
Américo Brasileiense de Almeida Melo, outro histórico como vice-presidente; e
ainda Antônio Luís dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José Antônio

Pedreira de Magalhães Castro.(BALEEIRO, 2012, p.17)


Pedro Calmon sobre o tema diz:
O decreto número um antecipara-se à discussão sôbre a forma do Estado criando a
República federativa a semelhança dos Estados Unidos. Nascia de súbito,
surpreendentemente. Revestia-se do prestígio ideal que lhe dava, as velhas
aspirações, ligando-se aos projetos históricos, 1789, 1817, 1824, 1835, numa
continuidade lógica. Tiradentes era o seu símbolo; a Revolução Francesa, o seu
exemplo; o positivismo, a doutrina de alguns de seus próceres; o sentimento da
organização jurídica, a impaciência dos demais; e para que não desandasse em

45 BALEEIRO, 2012, p. 13
tumulto, contava a República com a disciplina das armas que a tinham fundado,

comandadas em chefe pelo marechal-presidente. (CALMON, 1959, p.1826)


A constituinte foi instalada no dia 15 de novembro de 1890 na Quinta da Boa Vista,
local do antigo palácio imperial, finalizando seus trabalhos em 24 de fevereiro de 1891, data
da promulgação da constituição. A composição da assembleia era heterogênea, composta por
militares, profissionais liberais, deputados e senadores, poucos com efetiva experiência
parlamentar. O projeto elaborada pela comissão dos cinco 46, apesar das amplas discussões,
mudou muito pouco – existia um consenso, o que deveriam ali criar era uma constituição para
consolidar a república federativa nos moldes americanos47.
A influência de diversos grupos políticos se fizeram sentir tanto na elaboração da carta
magna quanto na vida política per si. Os militares, responsáveis pela execução do golpe de 15
de novembro, tiveram a dianteira neste processo48. Os positivistas tiveram sua influência a
nível nacional mais reduzida, tendo sua ação mais concentrada, por exemplo, no governo e na
elaboração da constituição do Rio Grande do Sul. A ordem era o centro, por ela se fizeram
concessões e o descarte das opiniões radicais. Podemos dizer que este foi um regime formado
mais por um sentimento pragmático do que pelos ardores ideológico, nas palavras de Oliveira
Viana49: “não foi a república de nosso sonhos”, foi, sim, a república possível.

2. Centralização e Descentralização

A República dos Estados Unidos do Brasil, nome oficial do país sobre o nome regime,
seguia o modelo presidencialista do federalismo norte-americano e tirara inspiração de
federações como Argentina e Suíça. Não tinha como ser diferente, Rui Barbosa, figura-chave
tanto no estabelecimento do governo provisório quanto na constituinte 50, sendo um dos
principais responsáveis pela lapidação do texto final da constituinte, era ferrenho defensor do
federalismo, a república já nasceu federal. O primeiro artigo da carta, no título primeiro: da
organização federal, assim define o regime:
Art. 1o A Nação Brasileira adopta como fórma de governo, sob o
regimen representativo, a Republica Federativa proclamada a 15 de

46 ROURE, 1920, p. 6
47 BALEEIRO, 2012, p. 25
48 Ibidem
49 Oliveira Viana (1937, p. 81, apud CALMON,1959 p.1895
50 Cf BARBOSA, 1946, p. XI -XIII
novembro de 1889, e constitue-se, por união perpetua e indissoluvel
das suas antigas provincias, em Estados Unidos do Brasil.
O artigo segundo proclama a transformação das antigas províncias em estados-
membros. A federação brasileira não nasceu, portanto, de um pacto entre Estados soberanos
que abdicam de sua soberania, mas não de sua autonomia, a fim de formarem não somente um
a confederação mas uma federação, cujo ente central, a União, detêm toda a soberania do
Estado. Uma federação, conforme já expomos, é um estado com duplo grau de jurisdição, a
local e a central (ou nacional), o processo de formação centrípeto, ou seja, o pacto federativo
criado a partir da concessão do status de Estado as antigas províncias (entes de caráter
administrativo), da federação brasileira não é diferente.
O caráter indissolúvel do pacto é definido também no artigo primeiro, como no caso
americano e de praxe comum às federações. A união indissolúvel, ou seja, a ausência de uma
cláusula de direito interno que permita aos estados-membros romperem o pacto que os liga a
União é uma das principais diferenças entre um Estado federal e uma confederação, é o que
torna os membros do pacto pertencentes a uma ordem jurídica nacional. Esta cláusula é
devida ao paradigma clássico da formação jurídica das federações: se parte da soberania dos
estados-membros para a união destes em uma forma combinada, detentora única da soberania,
conquanto os estados mantêm sua autonomia. Foi uma opção pela ortodoxia51.
As províncias, agora estados, não participaram da revolução republicana, esta lhes foi
imposta da mesma forma que a federação. Não houve momento para que estes recém-
nascidos estados decidissem pela sua adesão a federação. Pode-se argumentar a ficção do
pacto, contudo isto é de menor importância os efeitos jurídicos pretendidos com a
implantação de uma forma federada se concretizaram, pelo menos textualmente.
A forma federal procura realizar uma administração e uma política mais
descentralizada. O Império tinha consagrado, antes do ato adicional, um elevado centralismo
– as províncias e municípios executavam decisões centrais, tendo gerência sobre questões
locais menores e não possuindo acesso a um legislativo local – o que se torna depois um
sistema semi-federal. O objetivo da República e criar um sistema federal, politicamente
descentralizado, verdadeiro, sem as confusas combinações entre elementos
descentralizadores, como a adoção das Assembleias provinciais eletivas, com elementos
altamente centralizado, como o presidente da província advir do poder executivo central. O

51 BARBOSA, 1946, p. XV.


objetivo era concretizar os avanços advindos do ato adicional, reconhecia-se o país formado já
em 182252.
O art. 4o possui um elemento descentralizador interessante, segue na íntegra:
Art. 4o Os Estados podem encorporar-se entre si, subdividir-se, ou
desmembrar-se, para se annexar a outros, ou formar novos Estados,
mediante acquiescencia das respectivas assembléas legislativas, em
duas sessões annuaes successivas, e approvação do Congresso
Nacional.
Cabe ao poder local dos Estados, não mais ao poder central como na carta de 1824, a
capacidade de se reorganizarem territorialmente por iniciativa de seus legislativos. O processo
legislativo era especial, necessitava da aprovação em duas sessões e dependia da posterior
ratificação do Congresso Nacional. Apesar da necessidade no processo da União, na forma do
Congresso, este dispositivo conversa com a descentralização estáticas (a aprovação através de
representantes num órgão local) e dinâmica (a iniciativa parte de um órgão de criação local).
Este é um dos dispositivo clássicos dos estados federais.
O artigo. 5o trata da responsabilidade do governo local em sustentar através de seu
próprio erário seu corpo político e administrativo:
Art. 5o Incumbe a cada Estado prover, a expensas proprias, ás
necessidades de seu governo e administração; a União, porém,
prestará soccorros ao Estado que, em caso de calamidade publica, os
solicitar.
A possibilidade de auxílio da União é devido ao caráter de mútuo auxílio e
composição dupla do Estado enquanto federação. Entende-se que este auxílio deve ser
buscado pelo estado e que não compreende os casos de intervenção federal53.
A intervenção federal é um dos instrumentos clássicos da federação para manter sua
unidade e preservar o caráter unitário, que obedece a regras gerais de validade nacional. Ela é
prevista no artigo sexto:
Art. 6o O Governo Federal não poderá intervir em negocios peculiares
aos Estados, salvo:
1o Para repellir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro;
2o Para manter a fórma republicana federativa;

52 ROURE, p. 21, 1920.


53 MILTON, p. 20, 1898.
3o Para restabelecer a ordem e a tranquillidade nos Estados á
requisição dos respectivos governos;
4o Para assegurar a execução das leis e sentenças federaes.
O dispositivo não se distancia do que era apresentado nas constituições que lhe
serviram de base, como a americana e a argentina. Há em relação a estas uma breve ampliação
mas o sentido geral é o mesmo. Nas palavras de Aristides Augusto Milton
A importância do dispositivo, consagrado em todo este art, 6, é devéras
transcendental. Nelle está consagrado o princípio da intervenção federal, cuja
applicabilidade offerece embaraços bem serios, e perigos assombrosos; exactamente
por ser questão de vida e morte, no regimen federativo, o equilíbrio indispensavel

entre os poderes da União e os dos Estados.(MILTON, p. 25, 1898)


Os artigos sétimo e oitavo tratam da divisão de competências. Neste primeiro título
são enumeradas as competências exclusivas da União, as competências residuais dos Estados,
que completa a formulação tradicional sobre este assunto, é estabelecida no art. 65. O artigo
nono estabelece a competência exclusiva dos Estados quanto a formulação de certos impostos,
mas nos parágrafos restringe em certas hipóteses este direito:
Art. 9o E’ da competencia exclusiva dos Estados decretar impostos:
1o Sobre a exportação de mercadorias de sua propria producção;
2o Sobre immoveis ruraes e urbanos;
3o Sobre transmissão de propriedade;
4o Sobre industrias e profissões.
§ 1o Tambem compete exclusivamente aos Estados decretar:
1o Taxas de sello quanto aos actos emanados de seus respectivos
governos e negocios de sua economia;
2o Contribuições concernentes aos seus telegraphos e correios.
§ 2o E’ isenta de impostos, no Estado por onde se exportar, a
producção dos outros Estados.
§ 3o Só é licito a um Estado tributar a importação de mercadorias
estrangeiras quando destinadas ao consumo no seu territorio,
revertendo, porém, o producto do imposto para o Thesouro Federal.
§ 4o Fica salvo aos Estados o direito de estabelecerem linhas
telegraphicas entre os diversos pontos de seus territorios, e entre estes
e os de outros Estados que se não acharem servidos por linhas
federaes, podendo a União desaproprial-as, quando fôr de interesse
geral.
A vedação do art.11 estabelece quais assuntos não estão ao alcance nem da União nem
dos Estados:
Art. 11. E’ vedado aos Estados, como á União:
1o Crear impostos de transito pelo territorio de um Estado, ou na
passagem de um para outro, sobre productos de outros Estados da
Republica, ou estrangeiros, e bem assim sobre os vehiculos, de terra e
agua, que os transportarem;
2o Estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercicio de cultos
religiosos;
3o Prescrever leis retroactivas.
Estes artigos e ponderações nos apresentam o framework geral da República brasileira.
Percebe-se pela reprodução de diversos dispositivos da tradição federal, alguns quase que
literalmente outros de forma adaptada a realidade local, uma tendência a descentralização
tanto política quanto administrativa, esses dispositivos legais impõe ao estado uma dupla
legislação para que bem funcionem. A centralização é sempre presente, mas esta formulação
impõe, por usa natureza, um grau maior de descentralização.
Em toda federação deve existir um fino equilíbrio entre centralização e
descentralização. A Nação é soberana, nela é que a União e os Estados combinam-se e
formam a vontade geral, procurando o bem comum e o melhor para o Estado como um todo.
A autonomia do poder local tem como objetivo a manutenção da diversidade dentro de uma
união, cada local deve ter o poder de resolver suas questões dentro de forma apropriada para a
sua realidade.
Podemos perceber que em termos legais a constituição apresentava um modelo de
descentralização bastante razoável, compatível com a clássica teoria federalista e com o ideal
liberal que ainda representava uma importante força política e intelectual no Brasil e no
mundo.

3. Do Município
O município sempre esteve presente na organização política e administrativa do Brasil,
desde de sua concepção colonial e por todo o império. O grau de independência e os assuntos
de responsabilidade das vilas e cidades, contudo, variaram muito, bem como a importância
dada a este tema. O município é “… cellula embryonaria, a essência, o elemento fundamental
de todos os regimes livres e descentralizados, o casúlo donde a democracia sahiu, pujante e
formosa.” (MILTON, 1898, p. 346)
A constituição de 189154 trata do tema no art. 68, componente solitário do título III, in
verbis:
Art. 68. Os Estados organizar-se-hão de fórma que fique assegurada a
autonomia dos municipios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse.
O dever dos Estados é oferecer autonomia para o município, tendo o dever de
organizar estas estruturas tendo em vista o respeito aos seus interesses, mas sempre
respeitando as esferas e limites institucionais, assim “Em geral, a Constituição de cada Estado
determinou que os Municípios seriam regulados por uma “lei orgânica”, aplicável a todos.”
(BALEEIRO, 2012, p. 33). O respeito ao município é uma das fronteiras ao direito de livre
organização dos entes federados55 e um importante componente na organização
descentralizada, agora também em nível político dado que em geral possuíam capacidade
legislativa – vide a elaboração de lei orgânica. Nas palavras de Avila:
A presença do Município no texto constitucional não corresponde, no
entanto, à garantia de manutenção da instituição municipal nos
mesmos moldes anteriores. Autores como Bastos (1985, p. 29-30)
criticam a redução do poder local, quando da opção pelo modelo
federal, e o fato de, na vigência da Constituição de 1891, a entidade
local não poder ser considerada propriamente detentora de autonomia
política, com fundamento na seguinte razão: não dispor de poder para
decidir sobre sua organização e sobre a eleição dos responsáveis por
exercer função executiva. (AVILA, p. 511, 2018)

54 Exceto a disposição sobre rendas que lhe deviam ser atribuídas e tiradas dos impostos estaduais, havia
apenas o art. 68 que mandava ao Estado assegurar aos Municípios a autonomia em tudo quanto respeitasse
ao seu “peculiar interesse”. BALEEIRO, 2012, p.33.
55 MILTON, 1898, p. 347.
4. Da Capacidade de Auto-organização dos Estados
A República dos Estados Unidos do Brasil se organizava através da federação. Isto
implica que os Estados-membros deveriam se organizar livremente, contanto que
obedecessem uma série de restrições constitucionais. É precisamente neste contexto que
podemos falar de capacidade de autogoverno, auto-organização e autolegislação.
O artigo 63, no título II, é o primeiro a abordar o assunto: “Art. 63. Cada Estado reger-
se-ha pela Constituição e pelas leis que adoptar, respeitados os principios constitucionaes da
União”. Os estados-membros são dotados de poder constituinte derivado, esta espécie de
poder constituinte originário é a que permite que eles se auto-organizarem através de um
documento que merece o nome de constituição. É justamente este artigo, ao estabelecer o
duplo grau de jurisdição que impera nos territórios dos Estados (Estados-membros e da
Federação), que garante sua autonomia56. Resume bem a questão Milton:
Nos Estados, ha dous Governos independentes entre si, tendo cada um delles
distincta da do outro, equilibrando-se ambos pela combinação das forças e mutuo
respeito das attribuições respectivas. Ha no entanto, uma diferença a notar: O
Governo federal tem poderes definidos, ao passo que o estadoal os tem indefinidos.
Assim reputa-se bastante para a felicidade dos Estados a autonomia de que
todos, entre nós, gozam; pois a liberdade de cada um delles está sufficientemente

garantida pela nossa lei insitucional. (MILTON, p.332, 1898)


O art. 65 aborda a liberdade dos Estados para congregarem entre si diversos ajustes,
contanto que não sejam de caráter político (conforme o art.48 n.16), no seu número 1 e no
ponto 2 traz a fórmula dos poderes remanescentes, ou seja, o Estado pode exercer direitos e
poderes, portanto, legislar em matérias que não lhe sejam expressamente proibidas pela
constituição57. Consagra-se assim a proteção especial que a constituição dá aos Estados-
membros e nos informa que assuntos concernentes a estes entes são de matéria essencialmente
constitucional, portanto dependem de emendas – um processo legislativo especial. Desta
forma limita-se o poder da união, que age em matérias mais restritas e onde há a necessidade
de uma maior congregação de forças e são do interesse geral da nação.
Um exemplo de limitação do poder legislativo dos Estados se encontra já no artigo
seguinte:
Art. 66. E’ defeso aos Estados:

56 Constituições 1891, p.32, XXXX. “Cada Estado se regeria pela Constituição e leis que adotasse, respeitados
os princípios constitucionais da União”.
57 MILTON, p.332, 1898.
1o Recusar fé aos documentos publicos, de natureza legislativa,
administrativa, ou judiciaria, da União, ou de qualquer dos Estados;
2o Rejeitar a moeda, ou a emissão bancaria em circulação por acto do
Governo Federal;
3o Fazer, ou declarar guerra entre si e usar de represalias;
4o Denegar a extradicção de criminosos, reclamados pelas justiças de
outros Estados, ou do Districto Federal, segundo as leis da União, por
que esta materia se reger. (Art. 34, n. 32.)
Como percebe-se os Estados tem grande liberdade e capacidade para se auto-
organizarem, seguindo a fórmula federal e seguindo os preceitos constitucionais (em especial
evitando os casos do art.6o). As eventuais incursões da União dos estados, que ocorreram
neste período foram muita mais decorrentes da política e da irascível ganância do que de
alguma falha na técnica constitucional.

Capítulo IV – A Constituição de 1934

Fruto das revoluções de 1930 e de 1932, a carta constitucional de 1934 inaugura o


período constitucional do governo Vargas. A revolta de 1930, liderada por Getúlio Vargas e
pelo tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, marcou o fim da primeira república,
seu objetivo era impedir a posse de Júlio Prestes e derrubar o governo de Washington Luís.
Inciada em 24 de outubro houve a rápida tomada do poder, ao revés da revolta de 1889 desta
vez houve certa resistência. Em 3 de novembro já era Vargas o presidente interino.
Esta situação provisória manteve-se até 1934, data da promulgação do texto
constitucional. Contudo, para que se cumprisse o prometido na revolução, São Paulo
capitaneou solitário uma revolta constitucionalista, inciada em 1932. O movimento, sem
adesão dos demais Estados, mesmo tendo amplo apoio local, sucumbiu após a efetiva resposta
militar do governo.
Mesmo tendo sido derrotado o movimento de 1932 foi bem-sucedido, segundo
Calmon:“Os sucessos de São Paulo forçaram o govêrno a criar, em 14 de maio, a comissão
incumbida de redigir Constituição. E anunciou as eleições para 3 de maio de 1933.”
(CALMON, p.2223, 1959). De forma que: “Dominada a insurreição, suas consequências
foram reparadores – e imediatas. Reconstitucionalizou-se o Brasil, apesar do insucesso das
armas alçadas com êste lema; ou por isso mesmo.” (CALMON, p.2228-29, 1959).
Em virtude do novo Código Eleitoral58, promulgado em 14 de maio de 1932, foram
convocadas eleições para a formação da Assembleia Constituinte, prevista para maio do ano
seguinte. O governo provisório instituiu, como previsto no decreto que convocou o pleito, a
comissão responsável pela elaboração do anteprojeto, que ficou conhecida como Subcomissão
do Itamarati59. O objetivo era proporcionar um projeto que abarcasse várias visões políticas.
O anteprojeto fora demasiadamente revolucionário, contendo propostas que exibiam
os anseios de diversas alas progressistas e inclinavam o Estado em uma direção mais
socialista, ou, pelo menos, mais aos moldes da social-democracia. Haviam nela propostas
como: salário-mínimo, legislativo unicameral, diversas e amplas garantias sociais,
possibilidades de socialização de empresas e da terra, restrição ao direito de herança,
liberdade sindical expropriação latifundiária e outras 60. A habilidade política da Assembleia
tornou a constituição uma representação dos ideais liberais republicanos, das poucas
novidades que passaram ao texto final temos o mandato de segurança. Importante ressaltar a
composição mista da assembleia, eram 214 deputados eleitos e 40 representantes de classe,
eleitos através dos sindicatos, o que garantiu a maioria do governo61. Assim:
A Constituinte não se opôs à administração; nem perturbou o govêrno Vargas.
A condição de tudo terminar bem era, no final, a sua recondução: ou reproduzir-se-ia
(agravado pelas dissensões ideológicas) o ambiente explosivo que cercou, em

58 Este decreto, regulando em todo o país o alistamento e as eleições federais, estaduais e municipais,
apresentava uma série de inovações. A maior delas era, sem dúvida, o estabelecimento do sufrágio universal
direto e secreto. O voto secreto constituíra um dos pontos-chave de toda a campanha da Aliança Liberal,
consistindo numa das medidas consideradas básicas para a “moralização” da prática eleitoral no Brasil. Em
torno deste expediente político, reuniam-se em críticas às “eleições a bico de pena” da República Velha tanto
setores das oligarquias dissidentes que participaram da Revolução de 1930, quanto setores revolucionários
da corrente tenentista. A conquista do voto secreto representava uma aspiração antiga de todos aqueles que,
vendo-se excluídos do poder, lutavam para alcançá-lo ainda na década de 1920. Neste sentido, a consagração
do voto secreto representava o cumprimento de uma primeira grande promessa da revolução, no sentido do
saneamento dos costumes políticos da nação e também um passo essencial para sua reintegração no futuro
regime constitucional.
Além disso, o novo código ampliava o corpo político da nação concedendo o direito de voto a todos os
brasileiros maiores de 21 anos, alfabetizados, sem distinção de sexo. Pela primeira vez, por conseguinte, as
mulheres conquistavam o exercício da cidadania, o que além de ter um significado político muito
importante, implicava um acréscimo numérico substancial ao corpo de votantes. Permaneciam, entretanto,
excluídos do direito de voto, além dos mendigos e analfabetos, os praças de pré e os clérigos regulares. Em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/assembleia-nacional-constituinte-de-1934
59 POLETTI, 2012, p. 15.
60 CALMON, 1959, p. 2232-33.
61 Ibidem, p. 2231, 1959.
novembro de 1891, a confirmação do Marechal Deodoro na presidência da

República que fundara. (CALMON, p. 2231, 1959)


As principais inspirações dos constituintes foram a constituição de Weimar (1919) e a
constituição espanhola (1931).

2. Centralização de Descentralização

Um dos objetivos da constituição era estabelecer um Estado para ressolver os diversos


problemas políticos vivenciados durantes a primeira república. Inclusive, começou-se a
chamar o novo regime de República Nova, um dos primeiros passos nesta direção fora o
Código Eleitoral de 1932, que ampliou o número de votantes, estabeleceu o voto secreto
desvincolou a suprema corte do processo eletivo. Já não se buscava estabelecer um Estado
federal, ou formar uma nova nação, o que se procurava era resolver os flagrantes problemas
da política republicana anterior e efetivar uma verdadeira república.
O ambiente político, contudo, era bem mais diverso e conturbado do que ao final do
século XIX. Diversas correntes políticas, como os socialistas, sindicalistas e anarquistas,
estavam envolvidas no jogo político, havia uma classe proletária e a vida social estava mais
urbanizada. Ocorreram acirrados debates entre aqueles favoráveis ao federalismo e aqueles
que pretendiam uma forma mais centralizada de Estado, o que resultou em uma constituição
que ainda sendo federalista procurava controlar o “ultrafederalismo”, portanto, aumentaram-
se os casos de intervenção federal, coibiu-se os impostos interestaduais e intermunicipais,
deus controle de policias a União, entre outras medidas62.
A Assembleia Constituinte conseguiu com sucesso tornar a constituição em projeto
mais moderado, restringiu-se o poder do executivo, dando ao legislativo o poder exclusivo de
decretar estado de sítio63.
O título primeiro é muito semelhante ao da constituição de 1891. A forma de Estado e
a estrutura geral é mantida, ou seja, o Estado é uma federação e os Estados continuam sendo
os mesmos que no regimen anterior. Como afirmamos aumentaram os casos de intervenção,
como nos informa o art. 13:
Art. 13. A União só intervirá em negócios peculiares aos Estados, nos
seguintes casos:
62 Constituições vol III, p. 45.
63 Cf Calmon, p. 2234, 1959
a) para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro; b) para
manter a integridade nacional; c) para fazer respeitar os princípios
constitucionais enumerados no art. 81; d) para garantir o livre
exercício de qualquer dos poderes públicos estaduais, por solicitação
dos seus legítimos representantes, e para, independente disso, pôr
termo á guerra civil, respeitada a existência das autoridades do Estado;
e) para tornar efetiva a aplicação mínima de 10 por cento dos impostos
estaduais, e municipais no serviço da instrução primária e dez por
cento no da saúde pública; f) para reorganizar as finanças do Estado,
cuja incapacidade para a vida autônoma se demonstre pela cessação de
pagamentos de sua dívida fundada, por mais de dois anos; g) para
impedir a violação dos preceitos estatuídos no art. 17; h) para dar
cumprimento ás leis federais; i) para assegurar a execução das
decisões e órdens da Justiça e o pagamento dos vencimentos de
qualquer Juiz, em atrazo por mais de três meses de um exercício
financeiro.
§ 1o Compete privativamente á Assembléia Nacional, nos casos das
letras c e f, decretar a intervenção.
§ 2o Compete ao Presidente da República:
a) executar a intervenção decretada pela Assembléia ou requisitada
pelo Supremo Tribunal ou o Superior Tribunal Eleitoral; b) e intervir
quando qualquer dos poderes públicos estaduais o solicitar, e,
independentemente de provocação, nos outros casos dêste artigo.
§ 3o Compete privativamente ao Supremo Tribunal, nos casos da letra
i, requisitar a intervenção ao Presidente da República. A mesma
competência cabe ao Tribunal
Superior para fazer cumprir as decisões da justiça eleitoral.
§ 4o É vedado ao Presidente da República, quando a iniciativa da
intervenção lhe competir, efetuá-la sem prévia aquiescência do
Conselho Supremo.
O artigo 12 também apresenta possibilidade de intervenção
Art. 12. Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, ás
necessidades de seu govêrno e administração.
Parágrafo único. O Estado que, por insuficiência de renda, não
provêr, de maneira efetiva, a tais necessidades, poderá, para êste fim,
receber da União suprimento financeiro. Em tal caso poderá ela
intervir na administração estadual, fiscalizando ou avocando o serviço
a que o auxílio se destinar, ou suspendendo a autonomia do Estado
O sentido destes artigos é duplo, em primeiro lugar procura-se coibir os excessos dos
Estados-membros em relação ao seu próprio governo, nas suas relações com outros membros
da federação e em vista da União(função central e clássica do instituto); a segunda função é
mais voltada para o caso nacional, procurou o constituinte regular mais o instituto para evitar
os abusos do poder central e sua intervenção excessiva nos Estados (conforme o §4 o do art.
13).
O clima de geral era uma maior centralização, não para beneficiar a União e o poder
pessoal dos presidentes, mas como medida para a proteção da autonomia dos Estados-
membros. Pode parecer contraditório, mas concomitantemente ao processo de centralização
houve a retirada de poderes do presidente e concessão dos mesmos aos ministros64, por meio
de atos ordenados (art. 61, §19). Foi retirado do presidente também a habilidade de decretar
estado de sítio (art. 175). Outro bom exemplo desta tendência é o art. 7 o : “Art. 7o Sómente a
União poderá ter correios, telégrafos, alfandegas, moeda e bancos de emissão.”.
O fortalecimento do sistema representativo significada maior independência de todos
os poderes e no prospecto da descentralização, tanto no âmbito dos Estados quanto na
federação como um todo. Marinho se pronuncia nesta linha:
Fortaleceu o regime representativo: consagrando o voto secreto (arts. 23,89 e 181) e
a supervisão, no processo geral das eleições, da Justiça Eleitoras (art.83);
estabelecendo a obrigatoriedade de comparecimento dos Ministro de Estado à
Câmara dos Deputados, nos casos previstos (art. 60, d), e assegurando o mandato
aos Deputados, quando nomeados Ministros de Estado ou designados para o
desempenho de missão diplomática (art. 62 e art. 63, n o 2) Reforçou a estrutura
federativa, na especificação da competência legislativa e política dos Eestados e
Municípios (art. 7o e art.13), como na distribuição de rendas (art. 8 o e art.13).

(MARINHO, p. 21, 1987)

64 MARINHO, p.20, 1987.


A carta constitucional enumera em um único artigo os preceitos da federação e as demais
regras da federação, não desviando muito do padrão, segue:
Art. 81. Os Estados organizar-se-ão de acôrdo com a Constituição e
as leis que adotarem, respeitados os seguintes princípios
constitucionais:
a) fórma republicana representativa; b) independência e harmonia dos
poderes; c) temporariedade das funções eletivas, não podendo o seu
período exceder o dos cargos federais analogos; d) Poder Legislativo
unicameral; e) autonomia dos municipios; f) garantias do Poder
Judiciário; g) direitos políticos, individuais e sociais, assegurados
nesta Constituição; h) não reeleição dos Presidentes dos Estados e dos
Prefeitos municipais; i) possibilidade de reforma constitucional e
competência da Assembléia para decretá-la; j) normas financeiras e
prescrições relativas aos funcionários públicos, estabelecidas nesta
Constituição, e restrições nela impostas aos poderes dos Estados.
§ 1o A especificação dos principios acima enumerados não exclue a
observancia de qualquer preceito explícito ou implícito nesta
Constituição.
§ 2o E’ facultado aos Estados, mediante aprovação do Presidente da
República, celebrar entre si ajustes e convenções, sem carater politico.
§ 3o Os Estados não poderão recusar fé aos documentos publicos, de
qualquer natureza da União ou de outro Estado.
§ 4o Os Estados e os Municipios não poderão contrair emprestimo
externo, sem a prévia aquiescência da Assembléia Nacional.
Quanto a capacidade de auto-organização dos Estados o que ocorre em relação a
constituição de 1891 é uma redução. O enfoque em resolver os problemas do antigo regime e
em voltar os olhos para uma perspectiva menos liberal e mais social, pelo menos de alguns
setores do projeto e cuja influência a assembleia não eliminou por completo, trouxe um
controle à liberdade excessiva dos Estados, não se desejava um caso como o do Rio Grande
do Sul. Para isso aumentou-se a quantidade das possibilidades de intervenção, como já se
disse, para que o Executivo central também não se precipitasse em poder, causando
desequilíbrio, tentou-se limitar o poder deste também. Ocorreram também mais limitações ao
exercício do poder constituinte derivado, bom exemplo é a situação do município.

3. Do Município
Ao revés da constituição de 1891, que deixava a cargo dos Estados a organização do
município cuja a única restrição era que eles tivessem gerencia sobre seus assuntos locais, a
nova carta magna trouxe mais robusta legislação. O município é tratado no título IV, que
inicia-se com o art. 87:
Art. 87. Os Estados organizarão seus Municípios, assegurando-lhes
por lei, e de acôrdo com o desenvolvimento econômico-social dos
mesmos, um regime de autonomia em tudo quanto lhes disser respeito
ao privativo interesse.
§ 1o Os Municipios de mais de dois mil contos de renda e cujas sédes
tiverem mais de cincoenta mil habitantes, e os que forem capitais de
Estado, terão carta municipal própria, de acôrdo com os principios
gerais estabelecidos pelas Assembléias Legislativas, e submetida ao
seu referendum.
§ 2o Os Estados poderão constituir em Região, com a autonômia, as
rendas e as funções que a lei lhe atribuir – um grupo de municípios
contiguos, unidos pelos mesmos interesses econômicos. O Prefeito da
Região será eleito pelos Conselheiros dos Municipios regionais e o
Conselho Regional compor-se-á dos Prefeitos destes Municípios.
§ 3o Nenhum Município poderá ser constituido ou mantido sem renda
suficiente para o custeio de um serviço regular de instrução primária,
saúde pública e conservação de estradas e ruas.
§ 4o Os Municípios só perderão a autonomia, podendo então ser
supressos, nos seguintes casos:
a) incapacidade para prover ás necessidades normais de sua vida, de
acôrdo com as regras estabelecidas pela Constituição de cada Estado;
b) deficit orçamentário de um terço ou mais de sua receita, durante
três anos consecutivos; c) falta de pagamento de sua dívida fundada
por mais de dois anos consecutivos.
§ 5o A fusão, ou o desmembramentos municipal por lei do Estado,
dependerá do referendum popular dos Municipios interessados.

O primeiro parágrafo determina que os municípios que forem capitais ou que


atingirem determinada renda e população são regulados por carta municipal própria. Esta é
uma inovação na legislação brasileira, na primeira república alguns Estados determinaram a
organização de seus municípios por meio de lei orgânica mas isto não era uniforme, pela
primeira vez a constituição dá uma certa amplitude a autonomia municipal (em seu aspecto
jurídico). Marta Marques Avilla ao tratar do tema nos apresenta o seguinte prognóstico:
Diferentemente do até então disposto, nota-se, na Constituição de 1934, que o
Município sai do âmbito dos Estados-membros e, nas palavras de D’Aquino (1940,
p. 154),“socializa-se” ao se relacionar com a Nação como um todo e ao colaborar na
resolução dos problemas sociais. Pode-se, portanto, afirmar que a entidade local
passa a ser considerada como tal. Identifica-se, na redação da Constituição de 1934,
um núcleo mínimo de autonomia municipal, em consonância com a afirmação de
Tavares (1998, 240),45 uma vez que estão previstos a eletividade de seus

governantes, sua capacidade tributária e o poder de organizar seus serviços .

(AVILLA, p. 515, 2018)


O §3o exige que os municípios sejam responsáveis pelo seu sustento próprio dos
seviços básicos de saúde, educação primária e manutenção de estradas e rodagens, não
permitindo criação ou manutenção dos que não cumprirem o preceito. Tema corrente, a
autonomia fiscal é também um dos deveres dos Estados, e permite que o Estado intervenha no
município (analogamente ao que a União executa no Estado-membro).
O artigo 88 determina que a eleição dos Prefeitos será por meio de eleições diretas e
secretas – a proteção dos sufrágios foi um dos temas preponderantes neste período (vide o
Código Eleitoral) especialmente quando se pretende manter a autonomia de alguma parte
componente da federação. A outra parte do artigo trata sobre a possibilidade das entidades e
classe comporem o Conselho Municipal.
O poder de legislar dos municípios ganha uma prerrogativa exclusiva (art. 88) sobre
impostos prediais, sobre licenças e taxas de serviços municipais, os Estados podem
complementar estas prerrogativas por meio de leis, ou seja, essa capacidade pode ser
ampliada. O município, um dos elementos essenciais para a descentralização efetiva, tanto
política quanto administrativa, ganha proteção constitucional adicional e com isso se torna
mais relevante para o esquema geral da vida política 65. Há, inclusive, limitação no poder de
interferência dos Estados nestes entes.

Capítulo V – A Constituição de 1937

O Estado Novo é fruto de um golpe. Após as revoltas de 1935, fruto de movimentos de


cunho socialista como a Aliança Nacional Libertadora, percebeu-se que era impossível manter
a ordem com os entraves da legislação ao poder central (Executivo), adveio então a emenda
número um a constituição flexibilizando o estado de sítio a ditadura constitucional estava ao
alcance do executivo66. O clima internacional, com a vitória e prestígio dos totalitarismos, era
favorável a concentração do poder, à mão de ferro dos governos, o poder pessoal do chefe.
Em 1937 Getúlio Vargas já estava decidido, não seguiria as regras do jogo eleitoral.
Pediu a Francisco Campos que elaborasse um projeto de constituição compatível com suas
crenças, uma mescla de forte presidencialismo com trabalhismo a moda italiana 67. No dia 10
de novembro de 1937 amanheceu vitoriosa outra revolução incruenta, o desfecho de um
processo que já vinha se desenhando por dois anos. Fechado o legislativo instaurara-se o
Estado Novo.
A nova constituição outorgada no dia 10 de novembro, que segundo o grande Pedro
Calmon (p.2245, 1959) tem uma clara inspiração polaca, é um texto menos importante na
questão doutrinal e mais pelas linhas ideológicas que sustenta. Acentuou-se o populismo e o
trabalhismo, que até os dias de hoje é fortemente associado ao nome Vargas, e institui-se de
democracia autoritária, um paternalismo de cunho centralizador e forte68.
É interessante ressalvar que o próprio Francisco Campos, o autor do texto, diz que a
constituição de 1937 realmente nunca chegou a estar em vigência 69. O seu argumento baseia-
se em dois artigos: o 175 e o 80, que em conjunto determinavam que o presidente ao tempo
teria um mandato de seis anos e que após isso teria seu mandato renovado caso a constituição
fosse acolhida pelo povo através de um plebiscito, como este nunca realizou-se a constituição
foi apenas um texto de caráter provisório70.

65 Cf AVILLA, 2018, p. 515.


66 Cf CALMON, 1959, p. 2238.
67 Cf CALMON, 1959, p. 2242.
68 Ibdiem
69 PORTO, 2012, p.12.
70 Cf ibidem
2. Centralização e Descentralização
Pelo breve histórico apresentado não se poderia conceber que um Estado
descentralizado assim instituído. Contudo não é bem assim que desenrola o aspecto normativo
do documento, o foco do presente trabalho. O próprio Francisco Campos afirma que o texto
garantia autonomia aos Estados-membros e importante limitações ao poder, os abusos não
podem, portanto, serem atribuídos ao texto legal71. Porém devemos ter sempre em mente que
está é uma constituição que claramente valoriza o poder executivo acima dos outros, não
seguindo a fórmula clássica dos poderes equilibrados e harmônicos entre si. Analisaremos se
este foi realmente um Estado de absoluta centralização.
O artigo primeiro incia definindo o país como sendo uma república, donde o poder
emana do povo: “Art. 1o O Brasil é uma republica. O poder politico emana do povo e é
exercido em nome delle, e no interesse do seu bem estar, da sua honra, da sua independencia e
da sua prosperidade.” e é complementado pelo artigo terceiro, que determina a forma
federativa de organização do Estado: “Art. 3o O Brasil é um Estado Federal, constituido pela
união indissoluvel dos Estados, do Districto Federal e dos Territorios. É mantida a sua actual
divisão politica e territorial.”. São mantidos os Estados-membros em sua anterior
conformação territorial, é um tradicional artigo e semelhante ao de outros textos
constitucionais nacionais.
Inovação que aponto para um maior centralismo é dada no artigo 4o::
Art. 4o O territorio federal comprehende os territorios dos Estados e
os directamente administrados pela União, podendo accrescer com
novos territorios que a elle venham a incorporar-se por acquisição
conforme as regras do direito internacional.
Os territórios federais são uma certa novação, já se concebia sua existência em relação a
capital nacional, mas agora sua existência é ampliada. Este artigo complementa o:
Art. 6o A União poderá crear, no interesse da defesa nacional, com
partes desmembradas dos Estados, territorios federaes, cuja
administração será regulada em lei especial.
A possibilidade de criação de novos territórios estando estes a serviço direto do poder central,
pois são de administração direta, é interessante do ponto de vista centralizador – existe um

71 Cf ibidem, p.14.
potencial grande de interferência do Estado na autonomia territorial, como não se via desde a
constituição de 1824. Nos demais aspectos segue mais ou menos o padrão das constituições
federais: estabelece as competências exclusivas da União (com o acréscimo do art. 17
possibilitando a competência suplementar em caso de delegação expressa em lei) e dos
Estados, define o território, estabelece as matérias que não serão alvo de legislação, entre
outras coisas.
Um dos fatores de centralização é a possibilidade de intervenção federal mais ampla:
O centralismo pode ser igualmente observado nas relações entre a União e os
Estados. Nestes, a chefia do Poder Executivo caberia ao Interventor Federal, de livre
nomeação pelo Presidente da República. Ao contrário das demais constituições
brasileiras, que afirmaram a não intervenção da União nos Estados, salvo em casos
excepcionais, a Constituição de 1937 é clara ao indicar, no artigo 9o, que “o Governo
Federal intervirá nos estados”, tanto nas hipóteses de emergência das alíneas do

caput do referido artigo, quanto na nomeação do Interventor. (CABRAL, p. 142,


2011)
O interventor era uma inserção do poder central no poder local, que efetivamente
tornava-se um braço dos assuntos de interesse deste poder. O poder do executivo em inserir
alguém que lhe obedece diretamente nos Estados é uma quebra da autonomia local, este
instituto assemelha-se ao da nomeação do presidente de província na constituição imperial.
Ressalvo que o art.9o, que apresenta as causas que provocam a intervenção federal, não desvia
da técnica, sendo elencadas hipóteses comuns de intervenção.
A existência dos entes federados como tais foi mantida e defendida, porém a
dilapidação das formas de exercício do legislativo e a excessiva concentração de poderes no
Executivo, em especial no presidente, tornavam complexa a efetiva autonomia do Estados-
membros. Até de maneira simbólica se procurou a unificação do país 72. Esta constituição, por
sua história é um exemplo de como a lei depende da vontade política para ser executada.

3. Do Município
A situação dos municípios, em princípio, parece ter permanecido idêntica. O artigo 26
assim prescreve:

72 CABRAL, 2011, p.143


Art. 26. Os municipios serão organizados de fórma a ser-lhes
assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse, e especialmente:
a) á escolha dos vereadores pelo suffragio directo dos municipes
alistados eleitores na fórma da lei;
b) á decretação dos impostos e taxas attribuidos á sua competencia por
esta Constituição e pelas Constituições e leis dos Estados;
c) á organização dos serviços publicos de caracter local
Similar ao prescrito na carta de 1934 temos o município novamente com um grau elevado de
autonomia em suas questões locais. A redução quanto a proteção constitucional e quanto seu
grau de descentralização encontra-se quando percebemos que não é mais necessária, em
nenhum caso, que ele elabore sua lei orgânica, também não vemos casos em que sejam
asseguradas suas prerrogativas legislativas (quanto mais competência exclusiva). Não há
proteção contra a intervenção do Estado em seus assuntos, não sendo prevista a intervenção
de forma direta mas também não sendo proibida. O controle municipal volta a ser assunto de
competência dos Estados.
A situação municipal complica-se quando vamos para o artigo seguinte:
Art. 27.O prefeito será de livre nomeação do Governador do Estado
A livre nomeação do prefeito reduz ainda mais a autonomia dos municípios, tornando o
aspecto local um assunto de direta ingerência do poder externo. Houve também uma redução
nas receitas municipais – outro fator de impacto direto na capacidade de efetiva auto-
organização73.

Capítulo VI – A Constituição de 1946


Com a queda do governo Vargas, insustentável no clima pós-guerra, era preciso que se
estabelecesse uma nova constituição, agora aos moldes de um mundo traumatizado pela
experiência totalitária e receoso com a concentração de poder nas mãos de dulces. Para esta
tarefa o povo foi às urnas em 1945, enviando senadores e deputados dos diversos partidos
políticos nacionais, sendo o maior número os membros do PSD. Instalara-se em fevereiro de
1946 no Palácio Tiradentes.

73 AVILA, 2017, p. 516.


Foi escolhida uma comissão de 37 homens para elaborar o projeto que seria debatido
pela Assembleia, ficaram conhecidos como “Grande Comissão” e diferente das demais
constituintes, esta era a quarta, não trabalhou em cima de um pré-projeto mas fez do zero,
subdividindo-se em subcomissões 74.
A intenção manifesta desta constituinte era a restauração da ordem aos moldes liberais,
por isso tomou-se como influência geral o federalismo republicano da carta de 1891 com as
inovações do texto magno de 1934, sobretudo as de caráter social 75. O desprezo pela
constituição de 1937 era manifesto e claro.
O clima democrático permitiu as diversas alas ideológicas manifestarem-se. Assim
tivemos uma forte bancada comunista e ao seu lado o já tradicional movimento trabalhista, a
esquerda havia resistido ideologicamente no país mesmo após fortes repressões. A força
dessas já não tão novas ideologias não refreou o ímpeto liberal e o texto, como afirmamos,
seguiu muito próximo ao espírito de 1891 com as modificações e modernizações necessárias
ao novo contexto. Haviam, não obstante, influências do Estado Novo na nova carta e na vida
política brasileira como um todo, um bom exemplo disso nos dá Boris Fausto:
Foi na parte referente à organização dos trabalhadores que os constituintes revelaram
seu apego ao sistema corporativista do Estado Novo. Legislou-se esmiuçadamente
sobre muitas coisas, mas não se suprimiu o imposto sindical, suporte principal dos
“pelegos”. Uma fórmula ambígua estabeleceu a liberdade de associação sindical ou
profissional, “sendo-lhe regulada por lei a forma de constituição, a representação
legal nos contratos coletivos de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo
poder público”. O texto, em si mesmo, traduz a idéia de sindicato como órgão de
colaboração com o Estado. Além disso, como a lei não foi alterada, o princípio de
unidade sindical ficou mantido, assim como o poder do Estado para intervir na vida

sindical. (FAUSTO, 2006, p. 401)


Sobre a Presidência de Dutra, em 18 de setembro fora promulgada a nova constituição.
Era novamente uma República Federativa e não mais o Estado de um homem só.

2. Da Organização do Estado
Pouco podemos falar de inovador quanto ao tema da organização do Estado nesta
constituição. Advinda de uma nação abalada pela instabilidade política buscou-se restaurar as
bases de uma república federativa, nos moldes liberais clássicos, acrescida as inovações

74 BALEEIRO et al. 2012, p. 9.


75 ibidem
sociais do século XX, presente nas sociais-democracias e em constituições de forte impacto
doutrinário como a da república de Weimar (1919). Pode-se dizer que está e a união de 1891
com 1934.
O primeiro capítulo da constituição aborda a organização federal do Brasil. Contem
em seu artigo primeiro o estabelecimento, como fizeram as outras, a Federação e a República,
que tem seu poder emanado do povo. Uma das inovações que o texto traz é a possibilidade de
conversão dos Territórios, reconhecidos como integrantes da federação no art. 1 o, em Estados
por meio de lei especial, segue:
Art. 3o Os Territórios poderão, mediante lei especial, constituir-se em
Estados, subdividir-se em novos Territórios ou volver a participar dos
Estados de que tenham sido desmembrados.
O artigo 7o estabelece as hipóteses de intervenção, sendo aquelas que habitualmente se
reconhece, como manter a integridade nacional, defesa nacional tanto interna como externa,
reorganização financeira (que comumente vinha em um artigo a parte, agora ssossiada a um
prazo: 2 anos de não pagamento de dívida externa certa), assegurar os princípios da República
e garantir a ordem judicial. No âmbito das competências reservadas e remanescentes também
segue o padrão do federalismo tradicional.
O Estado, portanto, configura-se realmente como uma federação. O grau de
descentralização é compatível com o esperado para uma federação, reconhece a cada estado
sua constituição autônoma, com os três poderes funcionais e harmônicos entre si. O artigo 18
é o que estabelece a capacidade auto-organização e de independência dos Estados:
Art. 18. Cada Estado se regerá pela Constituição e pelas leis que
adotar, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1o Aos Estados se reservam todos os poderes que, implícita ou
explicitamente, não lhes sejam vedados por esta Constituição.
§ 2o Os Estados proverão às necessidades do seu govêrno e da sua
administração, cabendo à União prestar-lhes socorro, em caso de
calamidade pública.
§ 3o Mediante acôrdo com a União, os Estados poderão encarregar
funcionários federais da execução de leis e serviços estaduais ou de
atos e decisões das suas autoridades; e, reciprocamente, a União
poderá, em matéria da sua competência, cometer a funcionários
estaduais encargos análogos, provendo às necessárias despesas.
O pacto federativo garante a ajuda mútua e a independência local no grau necessário, permite-
se uma grande descentralização sem corroer às bases da federação.
A organização do judiciário local era de responsabilidade do Estado, conforme dita o
art. 124, tendo o dever de seguir os preceitos dos artigos 96 e 97:
Art. 96. É vedado ao juiz:
I – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função
pública, salvo o magistério secundário e superior e os casos previstos
nesta Constituição, sob pena de perda do cargo judiciário;
II – receber, sob qualquer pretexto, percentagens, nas causas sujeitas a
seu despacho e julgamento;
III – exercer atividade político-partidária.
Art. 97. Compete aos tribunais:
I – eleger seus presidentes e demais órgãos de direção;
II – elaborar seus regimentos internos e organizar os serviços
auxiliares, provendo-lhes os cargos na forma da lei; e bem assim
propor ao Poder Legislativo competente a criação ou extinção de
cargos e a fixação dos respectivos vencimentos;
III – conceder licença e férias, nos têrmos da lei, aos seus membros e
aos juízes e serventuários que lhes forem imediatamente
subordinados.
Consciente dessas limitações, gerais ao judiciário, os Estados poderiam criar tribunais
de caráter inferior ao do Tribunal de Justiça, subdividir este após passados cinco anos da lei
que o cria, entre outras medidas que garantem que o poder local dê a plasticidade necessária a
esta organização.

3. Do Município
O município sofreu duros golpes em relação sua autonomia e participação, tanto
efetiva quanto jurídica, da vida política da nação. O Estado Novo foi um golpe especialmente
duro. No processo da constituinte aperceberam-se da precariedade deste importante instituto,
que em 1934 tinha alçado papel mais ativo na composição do Estado, inclusive tendo
prerrogativa legislativa exclusiva, e tentaram restaurar sua antiga posição. Avila nos informa:
De acordo com Villa (1952, p. 26-27), a Constituição de 1946 avançou na concessão
de poder à entidade municipal, já que alargou as competências legislativas e “[...]
ampliou os recursos financeiros dos Municípios, adotando uma nova política de
distribuição tributária, que embora não satisfaça inteiramente, representa, contudo,

de qualquer forma, uma medida inicial útil às comunas.” (AVILA, p. 517, 2017)
O artigo 28 é o responsável pela a autonomia formal dos municípios, segue:
Art. 28. A autonomia dos Municípios será assegurada:
I – pela eleição do Prefeito e dos vereadores;
II – pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar
interêsse e, especialmente:
a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à
aplicação das suas rendas;
b) à organização dos serviços públicos locais.
§ 1o Poderão ser nomeados pelos governadores dos Estados ou dos
Territórios os prefeitos das capitais, bem como os dos Municípios
onde houver estâncias hidrominerais naturais, quando beneficiadas
pelo Estado ou pela União.
§ 2o Serão nomeados pelos governadores dos Estados ou dos
Territórios os prefeitos dos Municípios que a lei federal, mediante
parecer do Conselho de Segurança Nacional, declarar bases ou portos
militares de excepcional importância para a defesa externa do país.
Percebemos que a primeira garantia é a eleição dos membros políticos do município, a
habilidade de escolher os próprios representantes (que exercerão cargos locais e exercerão as
atribuições políticas) é essencial ao conceito de autonomia e de descentralização (em ambas
as modalidades dinâmica e estática). A segunda medida garante a independência
administrativa, decretando quais são os assuntos que essencialmente concernem ao interesse
local (o que por vezes foi matéria sem definição nas outras constituições), está lista poderia
sem ampliada pelo Estado.
Além de garantir a independência administrativa e política era necessário conceder
condições materiais mínimas para que isto fosse relevante, era preciso que o constituinte
tratasse da arrecadação. Para esta missão foi preciso que o constituinte lhe garantisse
benefícios como a exclusividade dos impostos sobre indústria e profissões, além de 10% do
Imposto de Renda (caso não fosse capital)76. Esses dois artigos seguintes são relevantes para a
autonomia fiscal e financeira dos municípios:
Art. 20. Quando a arrecadação estadual de impostos, salvo a do
impôsto de exportação, exceder, em Município que não seja o da
capital, o total das rendas locais de qualquer natureza, o Estado dar-
lhe-á anualmente trinta por cento do excesso arrecadado.
Art. 29. Além da renda que lhes é atribuída por fôrça dos §§ 2 o e 4o do
art. 15, e dos impostos que, no todo ou em parte, lhes forem
transferidos pelo Estado, pertencem aos Municípios os impostos: I –
predial e territorial urbano; II – de licença; III – de indústrias e
profissões; IV – sôbre diversões públicas; V – sôbre atos de sua
economia ou assuntos de sua competência

Capítulo VII – A Constituição de 1967

O histórico de instabilidade política do Brasil não cessou com o retorno da República


em 1946. As questões sociais, agora cada vez mais relevantes e politizadas (através das
organizações sindicais, partidos políticos e dos movimentos de esquerda), somaram-se as
tradicionais questões políticas e ao clima geral de medo generalizado da Guerra Fria. O último
governo do período democrático de 1945 a 1964 foi o de João Goulart, o “Jango”.
Derrubado pelo golpe de 1964, orquestrado pelos militares sobre a tutela do general
Olímpio Mourão Filho, que moveu suas tropas de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. Houve
Expectativa de confronto, que não se realizou, o movimento, rápida e incruentam ente,
arvorou-se do poder. Brizola tentou ainda movimentar uma resistência no Rio Grande do Sul,
como havia ocorrido em 1961, mas sem sucesso acabou exilando-se no Uruguai, onde
encontrava-se Jango77.
Os militares acabaram por consolidar-se no poder. As incursões e golpes capitaneados
por esta instituição não eram raros na história do Brasil, contudo nunca os militares tinham
pretendido ficar no mando desta forma78. Para concretizar a revolução o Presidente Castello

76 Ibidem, p. 43.
77 Cf FAUSTO, 2006, p. 460-61.
78 Ibidem
Branco encaminhou ao congresso o Projeto de Lei Maior 79, esta nova constituição deveria
institucionalizar os valores dos revolucionários. A constituição de 1967 foi um texto
conservador80 e acabou por preservar a forma federal do Estado.
Apesar do grande interesse histórico deste período, em termos de organização do
Estado as diposições desta Carta maior em muito se assemelha à anterior, basicamente o que
ocorreu foi uma modificação nos processos de escolha das autoridades legislativas e
executivas. Essencialmente se trata de um Estado federal, que inclusive buscava resolver o
problema de sub-representação de alguns Estados.-membros 81, o que contudo não se
concretiza82. A centralização deste texto se dá através do fortalecimento do poder de inciativa
do Presidente na propositura de leis em combinação com a limitação de tempo ao congresso
para aprová-las, houve também restrição no número de emendas aos projetos advindos do
Executivo83. O decreto-lei foi outra importante ferramenta neste processo. Esta prerrogativa
ampliada do presidente, que adquiria agora certa porção do legislativo é uma das
características mais marcantes desta época.
A maior invasão em relação aos poderes dos municípios e Estados é foi de natureza
tributária. Contudo esta sistemática de restrição ao poder dos Estados e municípios em
aprovar impostos, advinha da emenda 18 da constituição de 1946. Sobre o município Cabe a
lição de Avila:
Os textos de 1967 e 1969 não trouxeram inovações de ordem prática, entendidas
como relevantes para a competência municipal. No entanto, o artigo 15 da
Constituição de 196754 e o parágrafo único do artigo 14 da Constituição de 196955
merecem ser referidos, já que possibilitaram a organização variável dos Municípios,
tendo em vista características das instituições locais (peculiaridades locais). Tais
previsões, lamentavelmente, não foram aproveitadas pelo texto constitucional hoje
em vigor.56 Até a Constituição de 1969, inclusive, discutiu-se, na doutrina, que o
Município não integrava formalmente a federação.57 58 No entanto, doutrinadores
como Miranda e Meirelles (1977, p. 148;150) já defendiam o Município como uma
das partes do todo, tal qual União e Estados-membros. A partir da Constituição de
1946, Miranda (1953, p. 131), ao tratar da competência municipal, afirma: “O
Município é entidade intraestatal rígida, como a União e o Estado-membro”,59

79 CAVALCANTI et al. 2012, p. 31


80 Ibidem
81 ibidem p. 32.
82 Ibidem, p. 35.
83 Ibidem, p. 68
demonstrando que, em sua opinião, o Município integrava a organização do Estado .

(AVILA, p. 518, 2017)

Considerações Finais

Com humildade e dentro de várias restrições tentamos conceber o presente trabalho.


Seu objetivo era traçar um quadro esquemático e acessível das formas pela qual o Estado
brasileiro foi moldado em seus diversos panoramas constitucionais. A longa dimensão história
, a quantidade inesgotável e fontes e a própria história brasileira, marcada por reviravoltas,
aventuras e batalhas, e uma forma própria de encarar os movimentos gerais do mundo,
tornaram este trabalho limitado.
Sacrificou-se a profundidade e miudezas, tão caras a nós e que dão os tons e cores que
tornam cada momento único, para concretizarmos a tarefa de apresentar um quadro coeso e
conciso, que informe as direções gerais do processo e que instigue o leitor a buscar, pela sua
iniciativa e curiosidade aprofundar-se na medida que achar conveniente. Assunto não falta e a
história brasileira, a qual os momentos constitucionais integram indelevelmente, é fascinante.
O mais recompensador deste processo é poder fazer parte do esforço de criar uma
identidade nacional, de preservar e compreender o que há de brasileiro. Compreender a
legislação e política, como se desenrolaram os desenhos institucionais, como se concebeu e
executou o poder, como se entendeu (dentro da evolução histórica) o Estado e sua organização
ideal, tudo isto é imprescindível para termos consciência de quem somos e para onde vamos.
Apesar do clichê, isto não deixa de ser menos verdadeiro e nossa esperança é de auxiliar
aqueles que podem ajudar e estudar com mais propriedade e profundidade o Brasil.
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