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FSCE 54/2020

FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA II

Organizadores
Adriana Pacheco do Amaral Mello
Jessica Akemi Kawano Ribeiro
Márcio Ricardo Dias Marosti
Marta Ferreira Gomes de Lima

Coordenação
Fabiane Carniel
APRESENTAÇÃO

Quando recorremos ao significado da palavra experimentar, chegamos à ideia


de “submeter à experiência; ensaiar, testar”. Pois bem, é isso que propomos a
você, que a partir da leitura dos textos selecionados seja possível uma
experiência de imersão nessa leitura permitindo conhecer mais sobre cada um
desses temas e ainda como eles circulam em nossa sociedade.
Assim, uma leitura crítica na qual você se permita interagir com o texto,
considerar seu autor e sua fonte, que possa relacionar com outras leituras e
outras linguagens será fundamental nesse processo.
Diante disso, apresentamos os textos selecionados e desejamos uma boa
leitura!

Equipe e Formação Sociocultural e Ética.


PILAR INTELECTUAL

Política, Economia e Meio Ambiente

TEXTOS SELECIONADOS

FILOSOFIA POLÍTICA

Mateus Bunde

A filosofia política é tida como uma vertente filosófica, em que sua função
abrange estudar questões que norteiam a convivência entre humanos e grupos
de seres.
O estudo fundamenta, na prática, questões que envolvam Estado, governo,
iniciativa privada, justiça, liberdade, pluralismo, e, claro, a política.
É o ponto que converge a ética com os integrantes da sociedade, em que dita
as melhores formas de se agir no meio social. A filosofia política abrange,
dessa maneira, o direito à liberdade, à propriedade, à defesa pessoal e à vida.

(Imagem: Reprodução)
A filosofia política tem por objetivo principal buscar respostas que sejam
complementares às perguntas como:
• O que é governo?
• Por que o Estado é necessário?
• É possível haver legitimidade no governo?
• O governo deve assegurar direitos? Como?
• Quando um governo pode/deve ser deposto?

Principais pensadores da filosofia política

Aristóteles e Maquiavel foram os primeiros a aderir ao “pensar político” dentro


da filosofia. Posteriormente, os iluministas também assumiram tal alcunha
como filósofos políticos.

Aristóteles

Aristóteles teve como uma de suas obras mais respeitadas no campo da


filosofia política o trabalho de nome homônimo: Política. Além de “A República”,
de seu mestre Platão.
Para Aristóteles, a natureza da humanidade era a justificativa para o homem
residir em sociedade (grupos/tribos). Esta seria, para ele, uma das principais
características dos seres humanos enquanto pensamento como seres.
Ou seja, o pensamento humano só seria possível de ser perpetuado, se em
sociedade capaz de evoluir em conjunto. Só assim, para o filósofo grego, o
homem se tornaria homem.
Em sua obra “Política”, o filósofo ainda aponta e atesta: “O ser humano é um
animal político”. Durante a Idade das Trevas, a Igreja Católica se apossou de
Aristóteles, tornando-o um homem mais voltado ao cristianismo.
A corrente ordenada por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino extraiu o
pensar político de Aristóteles. Evocava-se, assim, um conceito de política
aristotélica muito mais voltada ao poder hierárquico do que propriamente da
política social.
Maquiavel

Maquiavel decide por romper a compreensão do europeu quanto a filosofia


política. Nas suas obras “O Príncipe” e “Os Discursos”, o filosofo político e
pessimista reflete sobre o bem e o mal.
Para Maquiavel, os antagonismos são apenas métodos de chegar a um fim.
Dessa forma, ele desvincula ética, moral e atributos cristãos da política.
O estudo da política, segundo o filósofo francês, necessitava isolamento. Era
algo mais inerte ao humano e não dependeria de proposições criadas por
mortais.

Os iluministas

O ponto alto da filosofia política na Europa. Voltaire, Rousseau e Locke foram


os que propuseram uma continuação dos estudos maquiavélicos e
aristotélicos.
Denominada como era de ouro da filosofia política, o iluminismo vinha com a
proposta de ser a luz na escuridão política do período.

BUNDE, Mateus. Filosofia Política. Todo Estudo. Disponível em:


http://www.todoestudo.com.br/historia/filosofia-politica. Acesso em: 14 set.
2020. (adaptado)
A COVID-19 E A TEORIA ECONÔMICA: SENTINDO NA
PELE A DRAMÁTICA DIFERENÇA ENTRE RISCO E
INCERTEZA

Maurício Bugarin

Até o dia 8 de maio de 2020, a pandemia causada pelo novo coronavírus havia
causado a morte de 9.899 pessoas em todo o território nacional, enquanto
139.900 cidadãos se tornaram vítimas fatais de doenças cardiovasculares no
país. Comparando-se esses valores poder-se-ia estranhar a grande
preocupação originada pela pandemia do covid-19. O que torna essa epidemia
tão diferente dos desafios de saúde que os brasileiros enfrentam há anos e
dominam as causas de mortalidade?
O efeito da nova pandemia sobre a sociedade nos oferece a oportunidade de
ilustrar dois conceitos fundamentais da Teoria Econômica: risco e incerteza.
Ambos conceitos estão associados ao fato de vivermos em um mundo “não
determinístico” em que não temos informação completa sobre os fenômenos
que nos cercam, mas diferem quanto ao nível de incompletude dessa
informação.
Em uma situação de risco, conseguimos antecipar o que pode ocorrer e
determinar probabilidades razoáveis sobre os possíveis acontecimentos.
Quando nos deslocamos em nossa típica cidade brasileira, por exemplo,
sabemos que corremos riscos. No entanto, por conhecermos a cidade, temos
uma boa ideia de que regiões são mais perigosas, que horários são mais
arriscados, etc. Com toda essa informação, podemos calcular com alguma
precisão os riscos que corremos e escolher um deslocamento sem que o
pânico nos domine.
Em uma situação de incerteza, por outro lado, a informação é mais limitada, é
difícil estimar as diferentes probabilidades do que pode acontecer e, em alguns
casos, sequer conseguimos prever tudo que é passível de ocorrer. Se tivermos
que nos deslocar em uma cidade desconhecida e perigosa em um país
estrangeiro, estaremos em uma situação de incerteza: não sabemos que
bairros são mais seguros, que vias são mais arriscadas, etc. Nesse caso é bem
mais difícil decidir com segurança e não será de se estranhar que um certo
pânico tome conta de nós...
Uma doença que há anos acomete nosso país é a dengue. Em 2019 foram
mais de um milhão e meio de casos em todo o país. Essa doença, no entanto,
é relativamente bem conhecida. Sabemos diagnosticá-la e tratá-la. Ainda que
não exista vacina, morreram menos de 800 cidadãos pela dengue em 2019.
Trata-se de uma situação de risco, certamente, mas não é de se estranhar que
a dengue não cause comoção social.
Compare agora com a covid-19. Surgida em finais de 2019, parecia
relativamente circunscrita à província chinesa de Hubei até que, de repente
explodiram os casos mundo afora. Sobre essa nova cepa de coronavírus muito
pouco se sabe até hoje, nem mesmo se uma pessoa pode ser reinfectada.
Trata-se de uma claríssima situação de incerteza em que não conseguimos
estimar as probabilidades associadas à pandemia. Que órgãos de nosso corpo,
além do pulmão, o vírus atinge? Que remédios poderiam ser usados? Qual é a
verdadeira taxa de fatalidade da doença? Confrontados com essa situação de
grande incerteza, entende-se a dificuldade que temos em tomar decisões bem
pensadas.
Com o surgimento da covid-19 sentimos na pele a dramática diferença entre
risco e incerteza. Fica então a esperança de que rapidamente acumulemos
informações suficientes para passarmos de um ambiente de incerteza para um
de risco. Até lá, resta-nos manter o isolamento social, uma vez que uma das
poucas certezas que temos é que esse vírus tem altíssima transmissibilidade
mesmo antes dos sintomas se manifestarem.

BUGARIN, Maurício. A covid-19 e a Teoria Econômica: sentindo na pele a


dramática diferença entre risco e incerteza. UnB Notícias. Disponível em:
http://noticias.unb.br/artigos-main/4209-a-covid-19-e-a-teoria-economica-
sentindo-na-pele-a-dramatica-diferenca-entre-risco-e-incerteza. Acesso em: 16
set. 2020.
POR QUE PANTANAL VIVE 'MAIOR TRAGÉDIA
AMBIENTAL' EM DÉCADAS

Vinícius Lemos

O Pantanal passa pela sua fase mais crítica das últimas décadas. O bioma
enfrenta uma de suas maiores secas da história recente, sofre com o
desmatamento e tem o pior período de queimadas desde o fim dos anos 90.
A atual situação do Pantanal, maior área úmida continental do planeta,
preocupa ambientalistas.
Nos primeiros sete meses deste ano, o principal rio do Pantanal atingiu o
menor nível em quase cinco décadas. A chuva foi escassa. O desmatamento
cresceu. Os incêndios aumentaram. E a fiscalização por parte do poder
público, segundo entidades que atuam na preservação da área, diminuiu.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que os
primeiros sete meses de 2020 foram os que registraram mais queimadas em
comparativo ao mesmo período de anos anteriores, ao menos desde o fim do
anos 90 — período em que o Inpe desenvolveu a plataforma que se tornou
referência para monitorar focos de calor no Brasil.
O mês passado, por exemplo, foi o julho em que o Pantanal mais pegou fogo
nos últimos 22 anos. Conforme o Inpe, foram registrados 1.684 focos de
queimadas. No mesmo mês, no ano passado, foram 494 focos. O recorde de
queimadas em julho, até então, havia sido em 2005, com 1259 registros.
Pesquisadores apontam que a situação no bioma, localizado na Bacia
Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP), deve permanecer difícil pelos próximos
meses.
Em julho, algumas cidades de Mato Grosso do Sul e de Mato Grosso, Estados
que abrigam o Pantanal, sentiram as consequências de um dos períodos
ambientais mais difíceis do bioma. Essas regiões chegaram a ficar encobertas
por fumaças vindas dos incêndios no Pantanal. A situação piora os problemas
respiratórios de moradores da região e se torna ainda mais perigosa no atual
contexto da pandemia de coronavírus, principalmente para as pessoas que
integram o grupo de risco, como idosos e pacientes com doenças pré-
existentes.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil consideram que não há dúvidas: o
Pantanal vive atualmente a sua maior tragédia ambiental das últimas décadas.
"Esse cenário de redução de chuvas no primeiro semestre do ano, o menor
nível do rio (em período recente) e, principalmente, os incêndios de grandes
proporções indicam isso", diz o engenheiro florestal Vinícius Silgueiro,
coordenador de inteligência territorial do Instituto Centro de Vida (ICV).
"E o receio é que isso seja um 'novo normal', como consequência das
mudanças acumuladas causadas pelo homem, que alteram o ciclo de chuvas,
seca e das inundações naturais do Pantanal", acrescenta o geógrafo Marcos
Rosa, coordenador técnico do MapBiomas, iniciativa que monitora a situação
dos biomas brasileiros.

LEMOS, Vinícius. Por que Pantanal vive 'maior tragédia ambiental' em


décadas. BBC News Brasil. Disponível em:
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-53662968. Acesso em: 16 set. 2020.
(adaptado)
PILAR PROFISSIONAL

Ciência e Tecnologia

TEXTOS SELECIONADOS

JANE GOODALL: “COM DESTRUIÇÃO DA NATUREZA,


NOVAS DOENÇAS PODEM SURGIR”

A lendária primatóloga, em atuação há seis décadas, diz que a pandemia é


resultado do desrespeito ao meio ambiente e pede aos jovens que lutem pelo
planeta.

Jennifer Ann Thomas

Jane Goodall - Ibl/Shutterstock


Em julho de 1960, a primatóloga e ambientalista britânica Jane Goodall
desembarcava pela primeira vez no Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia.
Desde a primeira incursão na selva, Jane mergulhou a fundo no
comportamento dos chimpanzés, tornando-se nos últimos 60 anos a principal
referência mundial no estudo desses animais. Suas descobertas não apenas
jogaram luz nas complexas relações sociais estabelecidas pelos macacos
como ensinaram ao mundo que há menos diferenças entre homens e
chimpanzés do que se imaginava. Jane publicou mais de 300 artigos sobre
primatas, estrelou diversos documentários (um deles disponível na Netflix) e
passou a ser uma das relevantes ativistas na defesa do meio ambiente. Aos 86
anos ela está passando a quarentena em Bournemouth, cidade onde cresceu
na Inglaterra. Jane falou a VEJA de sua casa, ao lado de porta-retratos com
fotos da família, do cachorro e dos inesquecíveis amigos chimpanzés.

Após seis décadas de dedicação à natureza, como a senhora avalia a


preservação ambiental hoje em dia?
Gradualmente, a situação do meio ambiente ficou cada vez pior. O
desaparecimento de animais resultou na sexta grande extinção (como a ciência
se refere ao período atual, marcado pela aniquilação biológica de inúmeras
espécies) e as mudanças climáticas causaram danos em várias partes do
mundo, inclusive no Brasil, devido à destruição da Amazônia. A tragédia se
traduz na pandemia que trouxemos para nós mesmos marcada pelo
desrespeito à natureza e aos animais.

Por que a senhora diz isso?


Enquanto destruímos o mundo natural, nos aproximamos dos animais e novas
doenças podem surgir. As espécies perdem o seu habitat e fica mais fácil para
um vírus ou uma bactéria infectar um humano. Na África, os mercados de
carne de chimpanzés levaram a epidemia de AIDS. A Síndrome Respiratória do
Oriente Médio – MERS, começou quando um patógeno passou de um camelo
para um humano, no Oriente Médio. Todo o ambiente pode estar contaminado
com urina e fezes, e, assim, começa uma nova epidemia. Cientistas preveem
esse tipo de comportamento há anos.
O que a senhora pensa a respeito da política ambiental brasileira?
Líderes como o presidente Jair Bolsonaro estão cometendo crimes contra as
gerações futuras. Seja Bolsonaro ou qualquer outro presidente, eles estão
colocando o desenvolvimento econômico à frente do meio ambiente, o que é
um grande equívoco. É política de curto prazo e os poderosos querem ganhos
pessoais e lucro para as empresas. A estratégia é uma contradição por si só.
Não há como ter desenvolvimento econômico global ilimitado em um planeta
com recursos limitados. Em vários lugares, já estamos usando esses recursos
de forma mais rápida do que a natureza consegue recuperar. Há mais de 7
bilhões de pessoas no planeta. Teremos 9,7 bilhões em 2050. Temos que
pensar em uma nova economia verde e uma forma diferente de interagir com o
mundo natural, do qual somos dependentes.

Qual é a sua avaliação sobre as ações de Bolsonaro?


Desde que Bolsonaro assumiu, o impacto no meio ambiente foi extremamente
negativo. Não há dúvidas quanto a isso. Neste sentido, há dois aspectos a se
levar em consideração. O primeiro é o que ele está fazendo com as florestas e,
consequentemente, com o clima global. O segundo é que a floresta está sendo
transformada em pasto. Como o mundo está comendo mais carne, há mais
indústrias. Esses animais precisam ser alimentados. Áreas enormes de habitat
foram destruídas para produzir ração. Bilhões de animais que vivem de forma
torturante produzem gás metano, altamente poluente. O manejo e a forma de
criar os animais são ruins e causam impactos negativos no ambiente.

Há negacionismo sobre a pandemia e as mudanças climáticas. Como


conversar com essas pessoas?
Há duas opções para aqueles que dizem não acreditar nas mudanças
climáticas: são 100% estúpidas ou falam que não acreditam por causa de seus
interesses econômicos. É um ou outro. Só algumas pessoas são realmente
desinformadas e não acreditam nos efeitos do clima. A maioria sabe que é real
e defende que as alterações não têm a ver com as ações humanas. No
entanto, quando quero fazer alguém mudar de ideia, sempre digo para alcançar
a pessoa pelo coração. Com os líderes que temos por aí, não sei se eles têm
coração. Como alcança-los nesse lugar se ele não existe?
É uma questão de se investir mais em ciência?
Em muitos países há mais dinheiro entrando em pesquisa científica, como nos
Estados Unidos. Fiquei totalmente chocada quando, meses atrás, a equipe de
conselheiros de Donald Trump explicou o impacto econômico das mudanças
climáticas na Flórida. Trump olhou para o cientista e disse: não acredito em
você. O que fazer? Está além da minha compreensão. Temos que trabalhar
com o público em geral e espero que a pandemia mostre o luxo de ter ar limpo
e um céu com estrelas. Na prática, estamos matando as nossas crianças. O
futuro será impossível para elas no modelo em que vivemos. É terrível.

Por que proteger florestas como a Amazônia?


A floresta amazônica, junto com as florestas do Congo, são grandes órgãos
vitais do mundo. Ambas absorvem CO2, providenciam oxigênio e são regiões
absolutamente fantásticas para a biodiversidade, com uma variedade muito rica
de espécies. Nós dependemos do mundo natural. E ele depende de sua
biodiversidade. Cada espécie tem uma função. Elas podem parecer
insignificantes, mas um pequeno animal pode ser a fonte de alimento para
outro e o efeito em cadeia pode levar a um colapso. Se não mudarmos logo, o
planeta que sobrará não é um local em que eu gosto de pensar.

A senhora acredita que as medidas para uma recuperação econômica


verde serão implementadas?
Se nossa única preocupação for econômica, será o fim da vida na Terra como
a conhecemos. Esta não é uma fala da boca para fora. O planeta não pode
continuar sendo alvo de ataques ambientais da mesma maneira como vem
acontecendo nos últimos anos. É uma situação desesperadora. Torço para que
a pandemia deixe mais pessoas determinadas a proteger o futuro para as
próximas gerações.

O que precisa mudar?


É importante entender o que fizemos de errado. Desrespeitamos a natureza.
Cada um de nós pode ser um fator de mudança. Comer menos carne, proteger
florestas. Tenho um programa para crianças, o Roots and Shoots. Quando
você conversa com elas sobre suas ideias, o leque é enorme. Uma quer plantar
árvores, a outra quer defender os povos indígenas. Isso é animador. Entre os
jovens, há quem queira resolver todos os problemas que temos e eu já não
consigo mais fazer isso.

Qual é o objetivo desse trabalho?


Entender que, todos os dias, cada um de nós causa um impacto no planeta. Só
os mais pobres não têm escolha, eles fazem o que precisam para sobreviver.
Vou deixar o mundo um pouco melhor ou não? Depende de nós.

Movimentos como o da sueca Greta Thunberg podem ser decisivos?


Sim. Eles aumentaram a consciência sobre a causa ambiental. No entanto,
nosso projeto é escolher um objetivo, arregaçar as mangas e agir. Não é só
sobre protestar. As crianças aprendem que precisamos romper barreiras entre
pessoas de nações, culturas e religiões diferentes. Com a globalização,
podemos alcançar o mundo inteiro. É o que aconteceu comigo durante a
quarentena. Nunca estive tão exausta.

A senhora defende uma dieta vegetariana?


Cresci durante a Segunda Guerra e comíamos um pedaço de carne por
semana. Hoje em dia as pessoas querem carne todos os dias. Mais jovem, não
sabia que a produção em escala industrial existia. Quando li um livro sobre
esse método, vi que havia uma espécie de campo de concentração para
animais. Logo depois, ao ver um pedaço de carne no meu prato, percebi que
ele simbolizava dor e morte. Decidi que não queria mais aquilo dentro de mim e
assim mudei de dieta. Agora estou tentando ser vegana, porque aprendi
demais sobre a crueldade com os animais.

A senhora foi muito questionada sobre as suas descobertas no campo do


comportamento animal?
Quando estudei em Cambridge, me falaram que só os humanos tinham
personalidade. Por sorte, cresci com um cachorro e ele me ensinou o contrário.
Quando pensamos em frigoríficos, temos que lembrar que cada animal tem
personalidade e sentimentos. Quando a ciência saiu da forma reducionista de
pensar sobre os bichos, abriu-se o caminho para que esse campo pudesse ser
estudado. Sabemos que não só os humanos, mas também porcos, vacas e
outras espécies também são inteligentes.

Como lidou com os questionamentos?


Veja, não tínhamos a comunicação de hoje. Alguns diziam: “por que acreditar
na Jane, ela é apenas uma garota”. Não me importei. Eu sabia que tudo o que
eu escrevia e era totalmente preciso. Deixei que eles falassem. O objetivo era
aprender mais sobre chimpanzés e escrever livros. Meu mentor ameaçou me
expulsar de Cambridge, porque cientistas não escreviam livros populares. Por
sorte, minha pesquisa era nobre, única, e a universidade queria o meu estudo.
Hoje em dia, o objetivo de todos os cientistas é escrever um livro popular para
ganhar dinheiro.

A senhora foi julgada por ser mulher?


Quando fui a campo, tive o apoio incondicional da National Geographic.
Naquela época, me falaram: “Jane só está ganhando dinheiro porque ela está
na capa da revista e isso só aconteceu porque ela tem belas penas”. Eu
pensei: “Bem, se minhas penas ajudaram, obrigada, pernas.” O documentário
comprova, eram ótimas pernas. As atitudes naquele tempo eram
completamente diferentes. Agora sabemos de situações horríveis de homens
abusadores. É realmente trágico e inaceitável.

Como tem sido a sua quarentena?


Viajar 300 dias por ano é moleza perto do que vivemos agora. Nunca em minha
vida estive tão ocupada. Todos os dias tenho uma sequência de compromissos
virtuais. Acho que alcancei mais gente em diferentes países nos últimos quatro
meses do que nos últimos quatro anos. Estou acostumada com o auditório e a
plateia. Agora eu fico olhando para a câmera do computador e me tornei capaz
de lidar com isso.

THOMAS, Jennifer Ann. Jane Goodall - Com destruição da natureza, novas


doenças podem surgir. Disponível em: http://veja.abril.com.br/ciencia/jane-
goodall-com-destruicao-da-natureza-novas-doencas-podem-surgir/. Acesso
em: 14. set. 2020. (adaptado)
FUTURO: O PAPEL DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E
INOVAÇÃO

As projeções mundiais de aumento do consumo de água (+50%), energia


(+40%) e alimentos (+35%) até 2030 são reflexos principalmente das
tendências de expansão populacional, maior longevidade e aumento do poder
aquisitivo de grande parte da população mundial, particularmente na Ásia,
África e América Latina. Esses aspectos, associados ao processo de intensa
urbanização, alterações no comportamento dos consumidores, às mudanças
nas cadeias produtivas globais e aos conflitos geopolíticos, pressionam o setor
agrícola no mundo inteiro para que concilie o aumento da produção de
alimentos, fibras e bicombustíveis com a necessária sustentabilidade.
Internacionalmente, agendas inclusivas e integradas têm demandado das
organizações de Ciência, Tecnologia e Inovação - CT&I, novos
comprometimentos diante do desenvolvimento sustentável. Destaque pode ser
dado aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS, coordenados
pelas Nações Unidas. São 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até
2030, com ações mundiais nas áreas de erradicação da pobreza, segurança
alimentar, agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das
desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de
produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e
uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento
econômico inclusivo, infraestrutura, industrialização, entre outras. Agricultura e
alimentação estão no centro dessa agenda mundial, e o Brasil está preparado
para desempenhar papel de destaque no alcance das metas estabelecidas.
Nesse contexto, a agricultura brasileira passa por profundas transformações
econômicas, culturais, sociais, tecnológicas, ambientais e mercadológicas, que
ocorrem em alta velocidade e em direções distintas, impactando de forma
substancial o mundo rural. O conjunto mais recente de sinais e tendências
globais e nacionais sobre essas transformações captado e analisado pela
Embrapa e sua rede de parceiros, dando origem a um grupo de sete
megatendências que, integradas, proporcionam uma visão sobre o futuro da
agricultura brasileira, detalhada nos capítulos anteriores e sintetizada na figura
abaixo:

O futuro da agricultura brasileira: principais sinais e tendências em cada


megatendência

Processos como expansão e intensificação agrícolas serão ainda mais


dinâmicos e continuarão a impulsionar a velocidade das mudanças
socioeconômicas e espaciais na agricultura no Brasil. A conjunção desses
processos tende a concentrar ainda mais a produção de grãos em larga escala
no Cerrado brasileiro e com potencial expansão em novas direções para o
Norte do País. A especialização e a intensificação das produções animal e
vegetal serão crescentes em todas as regiões. Haverá maior contribuição
desses sistemas para elevar a produtividade de forma sustentável,
aumentando a oferta de alimentos, fibras e bicombustíveis no mercado interno
e a diversidade da pauta de exportações.
A disponibilidade de mão de obra no campo continua em queda, decorrente
não somente da tendência de concentração da riqueza, que limita as
oportunidades sociais, mantendo a pobreza rural como importante desafio em
algumas regiões, mas também da busca por melhores oportunidades nas
cidades, especialmente pela população mais jovem. A abertura de postos de
trabalho com maior nível de qualificação continuará crescente, especialmente
os atrelados à intensificação tecnológica.
Ações inovadoras de governança dos processos e resultados nas cadeias
produtivas deverão experimentar melhorias estratégicas. Estudos
multiescalares envolvendo análises de paisagens, biomas, tanto no Brasil
quanto no mundo, deverão se intensificar. Monitoramentos geoespaciais e
inteligência territorial estratégica serão desafiados a integrar uma diversidade
ainda maior de dados agrícolas com aspectos sociais, econômicos, ambientais,
mercadológicos, de infraestrutura, de logística e armazenamento, além de
viabilizar a realização de análises sob diferentes recortes geográficos.
A compreensão desses processos se tornará cada vez mais relevante para o
planejamento e a tomada de decisão, tanto na esfera pública quanto privada.
Serão essenciais políticas públicas inovadoras e integradas (saúde, educação–
com ênfase na formação profissional –, saneamento, crédito e assistência
técnica), com foco na inclusão social, na redução das desigualdades e na
erradicação da pobreza rural; bem como investimentos privados em pesquisa e
desenvolvimento.
A sociedade terá preocupação crescente e demandará das instituições públicas
e de suas políticas, bem como do setor produtivo, atenção no desenvolvimento
de sistemas de produção mais sustentáveis. O Brasil poderá fortalecer seu
reconhecimento e protagonismo mundial na elevação da produtividade e no
aumento da oferta de produtos agrícolas com maior equilíbrio ambiental.
Porém, será necessário elevar ainda mais os esforços visando à
intensificação e à sustentabilidade dos sistemas de produção agrícolas
diante da limitação de recursos naturais, especialmente água e solo, e da
pressão mundial pela sustentabilidade em seus três aspectos (social,
econômico e ambiental).
Sistemas de produção mais resilientes e sustentáveis serão incentivados e
priorizados nas novas agendas de pesquisa de organizações públicas e
privadas. No mundo rural, serão cada vez mais presentes os seguintes
sistemas e processos:
• integração lavoura-pecuária-floresta;
• agrofloresta;
• agricultura orgânica;
• plantio direto;
• fixação biológica de nitrogênio;
• recuperação de pastagens degradadas;
• manejo de florestas nativas e florestas plantadas;
• otimização da irrigação;
• controle biológico de pragas e doenças;
• reciclagem de resíduos e produção protegida.
A intensificação, viabilizando de dois a três cultivos por ano em um mesmo
local, será incrementada ainda mais pela inovação tecnológica, gerando
maiores benefícios sociais, econômicos e ambientais. A demanda crescente
por energia impulsionará ainda mais a produção de agroenergia –
biocombustíveis e biogás – e das energias eólica e solar no ambiente rural. Em
substituição às fontes fósseis, essas energias renováveis estarão vinculadas à
intensificação agrícola e deverão amplificar as oportunidades regionais de
emprego e renda.
As sinergias e interdependências do nexo água- energia-alimento irão elevar a
necessidade de planejamento, implementação, monitoramento e integração de
políticas econômicas, sociais e ambientais. Serviços ambientais providos nas
APPs e em áreas de RL das propriedades poderão constituir um diferencial na
competitividade brasileira diante dos mercados internacionais de produtos
agropecuários e florestais. A multifuncionalidade do espaço rural, com a
integração de atividades econômicas não agrícolas, como turismo rural e
gastronomia, tende a crescer em todo o País. O desenvolvimento de métodos,
indicadores e protocolos de certificação desses sistemas sustentáveis
precisará ser incrementado, favorecendo a superação de possíveis dicotomias
entre a produção agrícola e a preservação do meio ambiente.
Apontada por inúmeros cenários, a mudança do clima indica riscos e
possíveis impactos para a agricultura em todo o mundo nas próximas décadas.
A contínua discussão e análise dessas mudanças produzirão novos
compromissos nacionais e internacionais. Novas tecnologias de adaptação e
mitigação dos efeitos da mudança do clima deverão ser desenvolvidas e
implementadas para as diferentes realidades rurais do País. A redução das
emissões de GEE, a diminuição das taxas de desmatamento, o aumento das
áreas com sistemas agropecuários intensivos de baixa emissão de carbono e a
recuperação de áreas degradadas serão fundamentais no processo de
valoração da agricultura brasileira nas negociações mundiais.
As tecnologias avançadas serão um ingrediente essencial para a
sustentabilidade, porém dependentes das decisões humanas em suas formas
de uso. Estudos sobre métricas de resiliência, ciclo de vida e balanço de
energia de sistemas de produção animal e vegetal deverão apoiar a
governança da política nacional de mudança do clima. Será necessário
amplificar estudos, análises e zoneamento das potencialidades e
vulnerabilidades ambientais e socioeconômicas nos diferentes biomas para o
crescimento da agricultura no Brasil, com base na oferta de água e insumos.
Questões ambientais, energéticas, sanitárias (animais e vegetais), de insumos,
investimentos, mercado e comercialização poderão elevar ainda mais os
riscos na agricultura na próxima década. É imprescindível o enfrentamento
dos riscos de forma mais articulada entre os setores público e privado,
passando por sua gestão integrada. O Brasil deverá contar com novas
políticas, programas e mecanismos que contribuam para minimizar riscos e
diminuir o diferencial tecnológico entre as diferentes classes de produtores
rurais.
Haverá uma progressiva necessidade de otimização e aperfeiçoamento do
desempenho dos sistemas de produção, com melhor aproveitamento dos
períodos de plantio, manejo e colheita; além da elevação da eficiência das
operações no dia a dia da propriedade rural. Novas plataformas acessadas por
múltiplas vias, incluindo dispositivos móveis, devem prover acesso a dados e
informações estratégicas, projeções, cenários e comunicação diretamente para
a sociedade, em escalas locais. Análises integradas e prospectivas deverão
apoiar a tomada de decisão e incrementar a capacidade dos produtores de
antecipação e de adaptação dos seus sistemas produtivos às diferentes fontes
de riscos.
A agregação de valor nas cadeias produtivas agrícolas será crescente,
inclusive com perspectiva de ampliação no uso da biodiversidade nativa. A
diversificação e a especialização permitirão atender expectativas de uma
sociedade mais exigente, sofisticada e com consumidores propensos a pagar
preço-prêmio, em um ambiente em que os mercados serão ainda mais
competitivos. A rastreabilidade dos produtos que contenham informações de
seu local de origem, insumos utilizados, colheita, abate, processamento,
conservação, qualidade, armazenamento e transporte se tornará condição
essencial para atendimento ao consumidor que exigirá transparência em
relação a tais características.
O desenvolvimento de alimentos e bebidas baseados em nichos de mercado,
como funcionais, fortificados, reduzidos ou isentos de açúcar, sódio e gorduras
trans, será ampliado. Além da nutrição, o alimento ganhará novos espaços,
como seu poder de socialização, prazer sensorial e experiência cultural.
Produtos com novas funcionalidades, comercialização diferenciada, terroir ou
regionalidade de bebidas, queijos, embutidos, polpas, frutas e doces tendem a
gerar cada vez mais empregos e renda no meio rural.
O uso de recursos biológicos renováveis será amplificado na produção de
alimentos, químicos, semioquímicos, fármacos, nutracêuticos, fibras, extratos e
óleos essenciais, produtos industriais e energia. A domesticação e o
aproveitamento da biodiversidade nativa deverão continuar crescentes,
permitindo poupar recursos naturais e fortalecer os espaços rurais com
inclusão social e econômica das populações locais. Aspectos relacionados à
rotulagem e às certificações, como os selos de qualidade, denominação de
origem, produto orgânico e socioambiental, tendem a expressivo crescimento
nas próximas décadas.
O protagonismo dos consumidores acelera movimentos globais em direção
à intensificação do uso de plataformas digitais nas relações de consumo, à
cocriação de produtos e serviços e à redução do desperdício de alimentos. O
crescente nível de escolaridade da população adulta brasileira nas próximas
décadas deverá aumentar esse protagonismo, em razão do maior acesso às
informações por meio de novas mídias nos meios urbano e rural. Os avanços
das mídias sociais e das plataformas de comércio eletrônico têm impulsionado
grandes transformações no relacionamento, na interação e na comunicação
entre produtores, comerciantes e consumidores.
A economia digital e colaborativa incrementará ainda mais as habilidades de
negociação e interações do consumidor nos processos comerciais. No setor
agroalimentar, isso é evidenciado pela emergência de novos modelos de
negócio, como a venda direta do produtor, o desenvolvimento de alimentos a
partir de excedentes e a valorização de produtos regionais, orgânicos,
probióticos, vitamínicos, alergênicos, bioestimulantes, bem-estar animal,
gourmet e premium. Cada pessoa pode tornar-se um produtor e/ou um criador
e difundir seus próprios produtos e conteúdos por meio de suas redes de
relacionamento através das plataformas digitais.
Cadeias produtivas serão mais valorizadas por causa da inclusão dos
diferentes grupos sociais de produtores tradicionais e da incorporação de
novas responsabilidades em seus negócios, tanto em termos de compliance,
quanto pela capacidade de executar e comunicar práticas empresariais
ambientalmente corretas e socialmente mais justas. As redes de fair trade
tendem a maior protagonismo associado ao incremento das certificações de
comércio justo, com o desenvolvimento de melhores condições de troca e a
garantia dos direitos para produtores e trabalhadores.
Concomitantemente às mudanças sociais, culturais e econômicas nacionais e
mundiais, a agricultura passará por novas transformações baseadas na
convergência tecnológica e de conhecimentos na agricultura. A
convergência das geotecnologias (GPS, Vants e sistemas de informação) com
a agricultura de precisão (robótica, automação, inteligência artificial e
impressoras 3D) proporcionarão novos patamares de eficiência e
sustentabilidade na produção animal e vegetal via agricultura digital.
A interoperabilidade por meio da IoT permitirá ampliar a supervisão e a análise
das operações nas propriedades rurais. O número de aplicativos para
pequenos, médios e grandes produtores terá elevado desenvolvimento,
especialmente para a gestão das áreas agrícolas, manejo de rebanhos,
cotação de insumos, previsão de clima, identificação de doenças, uso de
defensivos, irrigação, código florestal e comercialização. O desenvolvimento
científico será ampliado com a utilização convergente das áreas de
nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e ciência cognitiva
(NBIC).
Abordagens e análises sistêmicas via bioinformática proporcionarão melhor
compreensão sobre o funcionamento de sistemas agrícolas mais complexos e
suas interações com o meio. A engenharia genética, por meio da edição
genômica, tende a evoluir exponencialmente na busca de genes que conferem
maior resistência e tolerância a estresses climáticos, no controle de pragas e
doenças agrícolas e no melhoramento genético animal, bem como na
diminuição de custos de produção e maior sustentabilidade. Rotas metabólicas
inovadoras serão desenvolvidas visando à obtenção de novos bioprodutos,
como cosméticos, biofármacos, bioplásticos, biofertilizantes, bioenzimas e
biocombustíveis. Espera-se ainda um crescente desenvolvimento da citizen
science (ciência cidadã) para melhorar a tomada de decisão de produtores
rurais e políticas públicas.
Nesse paradigma, os negócios convencionais se desenvolverão sob a ótica do
mercado digital. O relacionamento com clientes e consumidores será
fortalecido por meio dos ecossistemas empresariais, do uso intensivo da
automação e da convergência das TIC. A inteligência cognitiva computacional
viabilizará a criação de novos produtos e serviços digitais para a sociedade.

Desafios comuns e transversais a todas as organizações dedicadas a


CT&I agrícola
Para superar os desafios em CT&I decorrentes das megatendências e
aproveitar as oportunidades em uma agricultura cada vez mais complexa e um
mercado exigente em qualidade e sustentabilidade, alguns desafios serão
comuns e transversais a todas as organizações dedicadas a CT&I agrícola,
destacando a necessidade de:
• Fortalecer a articulação público-privada e público-pública, visando integrar
investimentos e esforços estruturais diante das rupturas tecnológicas
crescentes e ampliar o acesso à saúde, à educação e à segurança alimentar
das comunidades rurais, a fim de minimizar as desigualdades regionais.
• Amplificar a análise integrada das incertezas e riscos econômicos, sociais e
ambientais em escalas regionais e sua influência global no planejamento
estratégico da organização das diferentes cadeias produtivas agrícolas.
• Definir estratégias de planejamento territorial visando ao uso e à ocupação
do solo via nexo de produção alimentar e energias renováveis, conservação e
preservação ambiental.
• Identificar e analisar novos padrões de consumo visando atender às
crescentes exigências do consumidor em saudabilidade, praticidade, qualidade,
confiabilidade, sensorialidade, prazer, sustentabilidade e ética da produção e
consumo de alimentos e derivados.
• Contribuir para políticas públicas regionalizadas visando ao maior
dinamismo organizacional científico-industrial- institucional, apoiando arranjos
produtivos agroindustriais e sua integração aos mercados locais.
• Estabelecer novas conexões entre sistemas de conhecimento tradicionais e
científicos envolvendo múltiplos atores e agentes públicos e privados para
gerar inovações sociais e tecnológicas.
• Aprimorar articulações para construção de redes institucionais de múltiplos
atores – do governo, da sociedade civil organizada e do setor privado – com
articulações intersetoriais e intergovernamentais para desenvolver tecnologias
e práticas voltadas também à agricultura urbana e periurbana.
• Melhorar a capacitação, tanto pública quanto privada, técnica e
profissional, bem como o acesso a tecnologias, inovações e conhecimentos de
gestão das propriedades agrícolas, a fim de atender às diferentes classes
rurais e às necessidades específicas de gênero (avançando na equidade de
gênero).
• Fortalecer alianças estratégicas nacionais e internacionais, conjugando
atores e ações governamentais, do setor privado e da sociedade civil
organizada para maior acesso a informações, tecnologias, financiamentos e
mercados.
• Desenvolver estratégias de comunicação rural-urbana e Brasil-Mundo,
fortalecendo a importância estratégica da produção de alimentos saudáveis e
da agroenergia limpa, ambas ambientalmente sustentáveis.
Ciência, tecnologia e inovação foram pilares do desenvolvimento agrícola
brasileiro nessas últimas décadas e será com essa mesma tríade, desenvolvida
por fortes parcerias público-privadas orientadas por políticas públicas
consistentes e efetivas, que o protagonismo da agricultura no desenvolvimento
econômico, social e ambiental no País e no mundo será mantido. Para tanto, o
papel das organizações públicas e privadas de CT&I, como a Embrapa, será
imprescindível. As seguintes questões centrais se apresentam para o futuro
das organizações: definir seu foco de atuação, reconhecendo a necessidade de
realizar pesquisa e inovação responsáveis, e fomentar a adoção de novos
padrões de consumo, a diversificação da produção e melhorias na governança
e inovação institucional.
O Brasil alcançou seu recorde de produção de grãos na última safra, com cerca
de 240 milhões de toneladas de grãos. Produz mais de 400 produtos de origem
animal e vegetal, provenientes das diferentes escalas e tamanhos de unidades
produtivas, os quais são consumidos internamente e exportados para mais de
150 países de todos os continentes. Os efeitos dessa condição proporcionaram
preços mais acessíveis aos consumidores, elevaram a renda, geraram novos
empregos e impulsionaram a participação da agricultura no PIB brasileiro. Em
2017, as exportações de produtos agropecuários alcançaram US$ 96,1 bilhões
e responderam por 44,1% do total das exportações brasileiras. O sucesso
competitivo e sustentável da agricultura nacional passará por sua diversidade,
pluralidade e heterogeneidade, resultantes das relações culturais, sociais,
econômicas e ambientais em curso e futuras.
O conjunto das megatendências e os desafios apresentados neste estudo
podem moldar a agricultura do futuro e seu efeito transformador para nossa
história. A população e a renda continuam crescendo e a longevidade se
expandindo em âmbito global, acarretando o desafio de atender à elevação do
consumo de alimentos, fibras e energia de mais de 2 bilhões de pessoas
adicionais no planeta até 2030. As vulnerabilidades e incertezas são
crescentes e, nesse futuro próximo, não bastará produzir maiores volumes,
será imperativo produzir com mais qualidade, reduzindo custos, minimizando
riscos e conservando os recursos naturais.

EMBRAPA – Portal Embrapa. Futuro: o papel da ciência, tecnologia e


inovação. Disponível em: http://www.embrapa.br/visao/o-papel-da-ciencia-
tecnologia-e-inovacao. Acesso em: 14 set. 2020 (adaptado).
10 MUDANÇAS QUE A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE
DADOS CAUSARÁ NA SUA VIDA

Débora Ely

Medida começará a valer nos próximos dias, após sanção do presidente Jair
Bolsonaro

Aprovada para vigência imediata pelo Senado, a Lei Geral de Proteção de


Dados (LGPD) assegura a privacidade de informações compartilhadas pelos
usuários e estabelece diretrizes a serem seguidas por qualquer empresa que
armazene e colete dados pessoais – desde o histórico de buscas no Google de
um indivíduo até sua digital registrada na portaria do condomínio, por exemplo.
Na véspera da análise pelos senadores, a Câmara dos Deputados havia
decidido pelo adiamento do início da validade para 2021, atendendo a uma
Medida Provisória (MP) de Jair Bolsonaro. Agora, com a reviravolta sobre o
prazo imposta pelo Senado, o teor da norma, que foi aprovada em 2018,
começará a valer a partir da sanção presidencial.
Para especialistas em privacidade digital, o Brasil chega atrasado em um
movimento mundial de proteção de dados. De acordo com a Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, 66% dos países possuem
regras específicas sobre o tema.
– Até a edição desta lei, as empresas eram, de certa forma, proprietárias dos
dados pessoais de seus clientes e colaboradores. Agora, há uma inversão
desta cultura. Os titulares passam a ter a consciência de que têm o direito de
dispor de seus dados pessoais, enquanto as empresas precisam correr atrás
para atender a essa demanda — analisa a advogada Bruna Serro, especialista
em direito digital.
Embora a vigência da lei tenha sido antecipada, as sanções que serão
aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), instituída
em um decreto presidencial publicado na madrugada desta quinta-feira (27),
terão início apenas em agosto de 2021. Bruna afirma, contudo, que outros
órgãos, como o Ministério Público, têm autonomia para fiscalizá-la:
– Com a entrada em vigor nos próximos dias, os titulares de dados, caso se
sintam ofendidos ou queiram entender como suas informações foram coletadas
e tratadas, podem demandar estes relatórios das empresas.
Também advogada, a especialista em direitos digitais do Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec), Bárbara Simão, antecipa que o maior desafio à
adaptação será de empresas pequenas.
– Esta confusão legislativa sobre a data criou uma insegurança jurídica sobre
quando as regras passam efetivamente a valer, sobretudo para os menores.
Mas muitas empresas, principalmente as maiores, já estavam passando por um
processo de adequação à lei, enviando e-mails de consentimento de seus
novos termos de uso – diz Bárbara.
Confira os 10 principais aspectos que mudam com a lei, segundo levantamento
do Idec:
1. Permissões detalhadas
Torna obrigatório que as empresas detalhem aos usuários o uso de seus dados
pessoais, proibindo termos genéricos, como "melhoria dos serviços". Se o
consumidor informar seu e-mail para se inscrever em um evento, por exemplo,
a empresa não poderá usá-lo para enviar mensagens promocionais. Terá de
pedir uma autorização específica para este uso.
2. Pacote de direitos
Pela norma, cada usuário terá controle sobre seus próprios dados e poderá
autorizar a coleta de suas informações. A pessoa terá a possibilidade de
questionar uma empresa sobre o uso que está sendo dado ao seu nome, CPF
e registros de compras. Também garante que o usuário possa retificar dados
imprecisos e se opor à coleta de informações consideradas sensíveis, como
sua orientação sexual.
Um exemplo dado pelo Idec é sobre o usuário de um aplicativo de
relacionamentos, como o Tinder. A lei possibilita que a pessoa solicite à
empresa quais dados possui, como são tratados e com quem são
compartilhados. "Se o Tinder analisa todos os seus likes para formar um perfil
de 'parceiro ideal', isso deve ser explicado", ilustra o instituto.
3. CPF na compra de medicamentos
Ao assegurar o direito de saber como dados estão sendo empregados, a
norma permite que o consumidor consulte uma farmácia sobre o uso de seu
CPF e registro de compras. No caso de informar seu CPF para conseguir
descontos em um medicamento, o cliente tem a garantia de que seus dados
não serão usados para criar um "perfil farmacológico" – valendo-se de um uso
contínuo, por exemplo, para cobrar mais caro pelo remédio.
4. Reparação em caso de vazamentos
Empresas controladoras e operadoras, responsáveis pela coleta e pelo
tratamento de dados, precisam manter registrados seus procedimentos,
podendo ser chamadas a qualquer momento para informar um relatório de
proteção.
Se a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) constatar o
vazamento, o usuário terá de ser notificado e informado sobre as medidas
tomadas. Também poderá solicitar reparação e indenização pelo dano.
5. Reconhecimento facial e dados biométricos
O uso de "câmeras inteligentes", que coletam dados sobre as emoções dos
usuários, por meio do reconhecimento facial, está proibido sem autorização. A
venda de dados de reconhecimento facial e biométricos também passa a ser
vedada pela lei.
6. Digital em condomínios
A instalação de biometria na portaria de condomínios poderá ser feita apenas
com base legítima, como o consentimento dos moradores ou a previsão
expressa em contrato. Não será mais permitido implementá-la, de maneira
impositiva, pelos administradores. Em caso de uso, o condomínio terá de
assegurar uma estrutura segura para a coleta e o armazenamento das digitais.
7. Inteligência artificial
O uso de inteligência artificial para decisões automáticas, incluindo acesso a
crédito bancário e seleção de emprego, deverá ser informado ao usuário, que
terá, ainda, de autorizá-lo.
Segundo o Idec, se uma decisão automatizada causar impacto em interesses
pessoais, profissionais ou de consumo, poderá ser questionada pelo usuário,
pedindo que seja revisada. "Se você foi desclassificado da primeira etapa de
uma seleção de emprego porque não sorriu o suficiente, você pode pedir a
revisão dessa decisão", informa o instituto.
8. Testes de personalidade
A lei determina que desenvolvedores de testes e aplicativos solicitem a menor
quantidade de dados necessário para suas atividades, respeitando, de acordo
com o Idec, o "princípio da finalidade". Esta diretriz aplica-se para os populares
testes de envelhecimento ou que mudam a foto de gênero.
Normalmente, estes aplicativos coletam, de maneira gratuita, dados além da
foto, como lista de amigos, curtidas e interesses, sendo vendidos,
posteriormente, para empresas. O usuário terá o direito de solicitar ao
desenvolvedor um relatório das informações colhidas e pedir que sejam
deletados.
9. Preço diferenciado
Empresas de comércio eletrônico precisam informar aos seus clientes sobre
seus dados colhidos e a eventual oferta de preços individualizados, baseados
em sua localização e histórico de busca, entre outros. O consumidor poderá
acolher – ou não – a política e, em caso de diferenciação de preço sem seu
consentimento, pedir indenização.
10. Portabilidade de dados pessoais
O usuário, pela lei, terá o direito de pedir a portabilidade de seus dados
pessoais de uma ferramenta para outra – do Spotify para o Deezer, exemplifica
o Idec. Neste caso, o responsável precisará excluir suas informações ou torná-
las anônimas. Será semelhante à portabilidade de uma operadora de telefonia
para outra.

ELY, Débora. 10 mudanças que a Lei Geral de Proteção de Dados causará


na sua vida. Disponível em:
http://gauchazh.clicrbs.com.br/tecnologia/noticia/2020/08/10-mudancas-que-a-
lei-geral-de-protecao-de-dados-causara-na-sua-vida-
cked925vy002k013girwkg7uv.html. Acesso em: 11 set. 2020. (adaptado)
TECNOLOGIA NA PANDEMIA

“Obesidade digital”: como o excesso de tecnologia pode ser prejudicial.

Marcia Hino, Daniela Leluddak e Taiane Ritta Coelho

Foto: Eirik Solheim/Unsplash

Em abril de 2020, mais da metade da população global estava com algum nível
de distanciamento social ou lockdown. A pandemia da Covid-19 nos mostrou a
necessidade de estarmos conectados e não vivermos excluídos, à margem da
sociedade. As medidas de isolamento nos forçaram a nos fazer presentes em
um mundo digital para manter nossa rotina de trabalho, de estudo, de consumo
e até de entretenimento. Houve uma grande mudança nas nossas vidas, que
só foi possível pelo uso mais intenso de tecnologia.
A mudança também ocorreu nas organizações. A transformação digital era
latente e ocorria lentamente. No entanto, durante a pandemia essa
transformação foi impulsionada e, em menos de três meses, foi significativa e
impactante para toda a sociedade mundial. O receio e o desconhecimento
deram espaço à adoção de tecnologias digitais. Muitas empresas aceleraram
sua transformação digital, com a implementação de diversos recursos
tecnológicos que permitissem seus negócios continuarem funcionando.
O uso indiscriminado de tecnologia já existia, contudo, passou a ser a forma de
conexão entre a empresa e seu funcionário, entre a empresa e seu cliente,
entre o cliente e o mundo real. O trabalho remoto se popularizou, e assim, a
utilidade da tecnologia para as empresas. A partir de então, novas ferramentas
tecnológicas começaram a ser utilizadas. Historicamente, o uso de tecnologia
foi sempre acompanhado da necessidade de mudança de paradigmas no dia a
dia, e as empresas não tiveram tempo para amadurecer reflexos dessa
mudança em processos e, principalmente, nas pessoas.

/ Diante desse uso intenso de tecnologia, chamamos a atenção para o


risco de uma obesidade digital.
E o que seria isso? O termo “obesidade digital” foi inicialmente usado em
2004 pela Toshiba para representar o aumento do volume de dados
digitais que pessoas e organizações começavam a acumular em seus
dispositivos tecnológicos.
Transportando esse conceito para os tempos atuais, a obesidade digital
pode ser entendida como o uso excessivo e indiscriminado de
ferramentas tecnológicas ou digitais. /

A obesidade digital pode ser gerada pela falta de consciência crítica no uso de
tecnologia. Poderíamos até dizer que é um estágio inicial da dependência
digital. Ela é um problema iminente tanto para as pessoas, quanto para as
organizações, pois a tecnologia está sendo utilizada para saciar necessidades
sociais que o isolamento impediu que fossem supridas da forma tradicional.
Seu uso intenso pode ser percebido pelo aumento de 76% do uso de
WhatsApp, o incremento de 70% no tempo de uso do Facebook e o aumento
em 70% das lives no Instagram em março de 2020. E ainda, em 18 de abril,
mais de oito milhões de pessoas assistiram ao festival online “One World:
Together at Home”. Dessa forma, artistas, médicos, organizações,
empreendedores, professores, religiosos, prestadores de serviço, e outros
profissionais ressignificaram as transmissões em vídeo.
O uso intenso não é percebido somente nas mídias sociais e tende permanecer
intenso quando o isolamento social acabar. O home office deve continuar
sendo estimulado pela maioria das organizações. A instituição financeira XP
Inc, bem como a JP Morgan Chase, a Barclays e outras organizações de Nova
York, avaliam manter o home office como prática permanente. Essa mudança
veio para ficar, como um novo comportamento das pessoas. Nossa identidade
no mundo real está sendo substituída por nosso perfil no ambiente virtual.
Uma pesquisa recente de Cassitas Hino, Coelho e Leluddak realizada com
mais de 300 pessoas identificou que mais de 45% das pessoas utilizam três ou
mais aplicativos diferentes para fazer a mesma coisa. Mas já paramos para
entender o por quê? Essa mesma pesquisa indicou que o nível de ansiedade
por estar conectado aumentou mais de 400% durante a pandemia e que,
embora o uso de tecnologia esteja mais intenso, as pessoas não querem voltar
a usá-la como antes.

/ Isso nos leva a crer que as pessoas não parecem perceber o que está
acontecendo e é esse comportamento que está levando as pessoas à
obesidade digital.
Usamos e dependemos tanto da tecnologia que se quer percebemos o
risco que podemos correr.
A obesidade digital pode afetar vários aspectos da vida de uma pessoa e
pode até exigir tratamento.
A frequência e duração do uso podem influenciar e impactar na
biomecânica do corpo, como no caso dos smartphones, interferindo
também nos aspectos sociais e psicológicos. /

E o que você faz quando se está obeso? Uma dieta. Mas a dieta digital não é
tão simples assim. O uso de tecnologia tem a ver com utilidade e essa utilidade
dificulta o processo de libertação ou “equilíbrio” de seu uso.
O smartphone, por exemplo, ficou mais popular à medida que sua conveniência
aumentou. O smartphone hoje é agenda, máquina fotográfica, calculadora,
navegador de internet, plataforma de jogos, equipamento de trabalho, enfim: a
partir do momento que os usuários passaram a perceber mais utilidade, eles se
tornaram mais relevantes, mais presentes, e nós, mais dependentes. Da
mesma forma, o uso da internet em equipamentos móveis, que, por um lado,
nos possibilita ter acesso em qualquer lugar e a qualquer hora, é o que nos
monitora, controlando nossas vidas e nossos hábitos.
No momento em que você se depara com mudanças tecnológicas que são
incorporadas na sua rotina e facilitam o seu dia a dia, as pessoas não desejam
mais regredir. Algumas pessoas abandonarão estes hábitos, mas muitas
ficarão dependentes destas novas tecnologias. A tecnologia já está tão
incorporada na vida das pessoas que elas passaram a ver isso como algo
“normal”, ou ainda, “o novo normal”. A tendência é cada vez mais as pessoas
ficarem mais dependentes e obesas digitais.

Temos a tendência de olhar a obesidade digital como algo ruim, perigoso.


Será? Como tratar isso se as pessoas se sentem confortáveis e felizes com o
uso intenso de tecnologia? Como tornar a vontade de ficar desconectado o
objeto de desejo do “novo normal”?
*Marcia Regina Martelozo Cassitas Hino é PhD em Administração. Atua como
pesquisadora na Cibiogás e faz pós-doutorado em Administração na
Universidade Positivo. Possui artigos de tecnologia publicados no Brasil e no
Exterior.
*Daniela Leluddak é especialista em gente. Atua como psicóloga clínica e
corporativa, palestrante, colunista e orientadora de carreiras em mercados
diversos no Brasil e no Exterior.
*Taiane Ritta Coelho é pesquisadora e professora do Departamento de Ciência
e Gestão da Informação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutora
em Administração pela FGV-EAESP, possui inúmeras publicações e pesquisa
realizadas sobre tecnologia e gestão estratégica da informação.

LELUDDAK, Daniela et al. Tecnologia na pandemia. Disponível em:


http://www.gazetadopovo.com.br/vozes/gazzconecta-colab/obesidade-digital/.
Acesso em: 14 set. 2020. (adaptado)
PILAR EMOCIONAL

Ética, Sociedade e Direitos Humanos

TEXTOS SELECIONADOS

A ÉTICA NOSSA DE CADA DIA

Somos todos habitantes de uma grande polis, deste planeta que nos abriga

Jailson Vieira Alves

Estava eu essa semana caminhando por aí, numa comunidade do interior,


tentando exercitar as pernas e oxigenar a alma nesses tempos de pandemia.
Aquele exercício que não é apenas físico, mas também terapêutico, porque
olhar e ouvidos atentos captam canto dos pássaros, flores, visão de belas
espécies de bichos percorrendo espaços, natureza exuberante. Sabe aquele
dia que resolvemos “tirar o plugue da tomada”, ficarmos menos reféns da
tecnologia e nos aproximarmos um pouco mais de nossa essência? Foi o que
busquei neste dia, indo trilhar, subindo a montanha!
Lá pelas tantas, após uns cinquenta minutos de caminhada, na beira da
estrada me deparo com uma mesa. Dezenas de vasos com plantas
diferenciadas, uma pequena etiqueta com preço em cada uma delas. Um
isopor onde estava escrito: “pague e leve”, com outro pote ao lado contendo
dinheiro dentro, para troco. A ideia é você escolher a planta que lhe agrada,
pagar, e pegar o troco caso o valor depositado seja maior que o preço da
planta.
Simples assim! Mas onde estavam os donos das plantas? Estavam em sua
casa, a uns cem metros dali, embora eu nem os tenha visto. Onde estava a
placa com a mensagem: “Sorria, você está sendo filmado”? Não havia! Ah, mas
com certeza havia lá alguma câmera escondida, você deve estar pensando.
Nada de câmera. A única câmera escondida ali era a da minha própria
consciência. A situação inusitada com a qual me deparei transmitia um recado
inteligente, uma sabedoria silenciosa: nós estamos aqui fazendo nossa parte,
agora faça você a sua!
Diante da situação real que vivenciei, podemos fazer algumas considerações
sob o ponto de vista da Ética, campo de investigação da Filosofia, e palavra tão
usada em nosso cotidiano. Se pensarmos naquilo que os gregos chamavam de
ethos, e que pode ser traduzido como “hábito, costume, caráter”, entenderemos
que a Ética está fundamentalmente ligada ao modo de vida, a uma conduta
pessoal e intransferível, que cada um de nós resolve adotar diante do mundo
(da natureza) e da vida na pólis (a vida em sociedade). Por isso Sócrates,
aquele que foi considerado a mais sábio entre os gregos, dizia que é preferível
ser vítima do mal a ser autor do mal. O cálculo moral é simples: se você é
vítima do mal, nada fez de errado. Mas se você é autor do mal, e até considera
ser esperto por conta disso ao obter uma vantagem ilícita sobre o outro (por
exemplo), você tem o caráter corrompido. E ter o caráter corrompido, para
Sócrates, é o maior dos males: uma pessoa de mau caráter tem que conviver o
tempo todo consigo.
Por outro lado, quem é vítima deste mau-caratismo, mas está em paz com sua
consciência, pode botar a cabeça no travesseiro e dormir em paz. Isso não
significa que não tenhamos que ter prudência em nossas ações, mas sim, que
retidão de caráter é característica de pessoas virtuosas. Algo muito parecido
nos disse Immanuel Kant, filósofo do Iluminismo, que em uma das formulações
de seu famoso imperativo categórico, nos diz: “Pensa e age de tal modo que
todas as tuas ações possam ser transformadas em lei universal”. Ou seja:
quando fores agir, faça o seguinte exercício de exame em sua consciência: e
se todos fizerem o mesmo que eu farei agora, isso será bom para a vida em
sociedade? É o que toda pessoa que joga lixo na rua deveria pensar: “mas se
todos fizerem o que vou fazer agora, se todos jogarem lixo na rua, isso será
bom?” A resposta, sabemos, obviamente é negativa. E se eu, naquela trilha,
não pagasse pela planta que escolhi e ainda levasse embora o dinheiro que
estava lá para o troco, isso seria bom? Segundo Sócrates e Kant, segundo
uma concepção de Ética universal, certamente não. Ah, mas o mundo é dos
espertos, muitos dirão. Mas o que é ser esperto? Apropriar-me daquilo que não
me pertence, enganar deliberadamente os outros para obter vantagem, ser
lobo em pele de cordeiro? Ora, somente uma espécie de doença da alma
poderia me levar a trair a confiança da pessoa que deixou as plantas ali, com o
dinheiro para o troco. O recado implícito, que não estava escrito, mas que
entendi de imediato era: agora é você e sua própria consciência. Poderíamos
nos perguntar: no final das contas, não é sempre assim?
Somos todos habitantes de uma grande polis, deste planeta que nos abriga.
Um papel de bala jogado no chão, a embriaguez ao volante, um pedra riscada
para deixar meu nome registrado num lugar ermo, uma gentileza no trânsito ou
no estacionamento do supermercado, devolver o troco correto, não são e
nunca serão ações isoladas. Todas as nossas ações reverberam no contexto
social no qual estamos inseridos, em maior ou menor grau. Talvez nossa maior
esperteza consista em estarmos atentos à necessidade de lapidarmos nosso
caráter para sermos melhores pais, amigos, companheiros, cidadãos. Estarmos
atentos ao modo como nos conduzimos no mundo. Ou como nos diz Zélia
Duncan, poeta da MPB: “O que eu tenho é minha atitude. O que eu levo é
minha atitude. O que pesa é minha atitude. Minha porção maior”.

ALVES, Jailson Vieira. A ética nossa de cada dia. Disponível em:


http://notisul.com.br/opiniao/211521/. Acesso em: 22 set. 2020.
AS BOMBAS E A NECESSIDADE DE UMA NOVA ÉTICA

Daniel Medeiros

Há 75 anos, o governo Harry Truman decidiu que poderia abreviar a guerra


com o Japão jogando sobre o seu território um novo artefato, com um poder
destrutivo sem precedentes. E jogou não um, mas dois desses artefatos, sobre
Hiroshima e sobre Nagasaki. O resultado foram mais de duzentos mil mortos e
uma nova e irreversível realidade: os humanos tornaram-se capazes de
destruir a vida no planeta Terra.
A Ética é o ramo da Filosofia que estuda a conduta humana. A condição para a
Ética é a necessária reflexão sobre como devemos agir em um mundo no qual
não é possível nos eximir da presença das outras pessoas. Aristóteles é uma
espécie de “pai” da Ética, pois escreveu o seu “Ética a Nicomaco” para mostrar
ao filho como alcançar um estado de espírito pleno, a eudaimonia, em meio às
outras pessoas. Para isso, o filho de Aristóteles não podia pensar só em si
mesmo, mas no bem comum, na felicidade como algo coletivo. A Ética,
portanto, busca a melhor forma de existência comum entre as pessoas.
Kant, no século XVIII, também pensou uma ética para melhorar o mundo,
igualmente voltada para a relação com as outras pessoas, condicionando a
conduta a um comando que poderia ser resumido assim: “é ético agir se a sua
ação puder ser algo que qualquer um também possa fazer, sem prejuízo para
os outros.” Kant submete nossa condição de pessoas éticas à nossa própria
avaliação racional, sem a necessidade de nenhuma instância superior,
metafísica, divina. Somos capazes de agir corretamente a partir de nossa
própria avaliação das coisas. Só precisamos fazê-lo.
Todas essas reflexões, porém, centraram-se nos humanos, ignorando os
outros seres vivos do planeta, e isso por uma razão simples: não havíamos
ainda desenvolvido a capacidade de pôr em risco as espécies animais e
vegetais da Terra. Nosso problema era com a gente mesmo. Mas isso foi antes
das bombas atômicas. Quando os cientistas que se uniram em torno do projeto
Manhattan e decidiram construir um artefato capaz de liberar uma quantidade
tão grande de energia que seria capaz de devastar o planeta, pensavam em
proteger o mundo da loucura do nazismo. Parecia nobre a causa e os cientistas
acreditaram que poderiam ajudar a paz mundial. No entanto, Hitler caiu sem
precisar desse estratagema e Truman resolveu usar as bombas para acabar
com a guerra no Pacífico e, ao mesmo tempo, mandar um recado para Stalin.
Os cientistas se sentiram traídos, mas, enfim, já era tarde.
Pensar uma ética que envolva a natureza, todas as formas de vida, e que
permita aos cidadãos comuns controlarem os projetos dos cientistas, parece
ser a urgência do nosso tempo. Os avanços da tecnologia – o que
ingenuamente chamamos de progresso – parecem legitimar a ação da ciência,
como se os cientistas não fossem pessoas com falhas de caráter como
qualquer um de nós. Como afirma o filósofo Hans Jonas, a ciência é um
exercício do poder humano, e toda forma de ação humana está sujeita a uma
avaliação moral. Um mesmo poder pode ser usado para o bem e para o mal. A
técnica moderna se traduz enquanto poder humano enormemente aumentado.
Daí precisar ser tratada como um caso novo e especial. Cabe ao cientista ter a
obrigação em relação à integridade do ser humano do futuro. Dessa
responsabilidade se depreenderia que o homem não pode tratar com descuido
nem o mundo da vida extra-humana, nem a si mesmo.
As bombas mostraram nosso limite em relação ao quanto a ciência é capaz de
colocar-nos em risco. Todos os que virão têm direito a uma vida autêntica, com
rios, mares, ar puro e a convivência dos outros seres vivos. É dever de todos
nós ensinarmos às futuras gerações para que tenham consciência disso e que
possam exigir esse controle. As duas bombas foram recado suficiente para nos
alertar. Ou construímos uma nova ética ou um dia o planeta inteiro será
Hiroshima, será Nagasaki.

MEDEIROS, Daniel. As bombas e a necessidade de uma nova ética.


Disponível em: http://paranashop.com.br/2020/09/as-bombas-e-a-necessidade-
de-uma-nova-etica/. Acesso em: 18 set. 2020.
GOVERNO REGISTRA 1,3 MIL DENÚNCIAS DE
VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS APÓS
RESTRIÇÕES POR CORONAVÍRUS

Isabelle Barone

Índice de denúncias de violação de direitos humanos aumentaram significativamente


após quarentena. Imagem ilustrativa. Foto: Unsplash.

À medida que governos estaduais e municipais estabeleceram medidas


restritivas de deslocamento na tentativa de conter a pandemia do novo
coronavírus, o número de denúncias de violação de direitos humanos
aumentou significativamente no país. É o que revela um levantamento do
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) divulgado
em 26 de março/2020.
Em 14 de março, quando o Brasil registrou 121 casos de coronavírus e após os
primeiros anúncios de restrição, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos
(ONDH) recebeu apenas 5 denúncias de violação de direitos humanos. Dez
dias depois, em 24 de março, o número chegou a 236; o pico de queixas
ocorreu no dia 23: 406. De 14 a 24 de março, foram registradas 1,3 mil
denúncias dessa natureza. Veja o gráfico abaixo:
Evolução diária de denúncias

Infográfico: Direitos humanos - Evolução diária de denúncias - Coronavírus - Covid 19.


Fonte: ONDH.

Entre as principais queixas de violação estão a exposição de risco à saúde,


sobretudo no ambiente de trabalho, seguida de maus tratos e escassez de
recursos para sustento familiar devido à restrição de deslocamento e acesso a
espaços públicos e privados.
Ainda de acordo com o MMFDH, as violações teriam ocorrido, principalmente,
contra pessoas socialmente vulneráveis, como trabalhadores informais, e
pessoas em unidades prisionais. Também há denúncias de violação de direitos
humanos contra idosos, crianças ou adolescentes, e contra a mulher. Observe,
no gráfico, as principais queixas:
Principais queixas apresentadas

Infográfico: Direitos humanos - Principais queixas apresentadas - Coronavírus - Covid


19. Fonte: ONDH.

Apenas São Paulo, onde há o maior número de casos registrados de


coronavírus (862 até a manhã do dia 26 de março), foram registradas 360
denúncias de violação de direitos humanos. Do Rio de Janeiro, que já
contabiliza 370 infectados pelo vírus, partiram 236 queixas. Minas Gerais,
Santa Catarina e o Paraná registraram 151, 106 e 31 denúncias cada,
respectivamente. O índice de reclamações, como nota o órgão, converge com
a incidência de infectados nas regiões.
Observe, abaixo, o número de queixas por região:
Denúncias por estados

Infográfico: Direitos humanos - Denúncias por estados - Coronavírus - Covid 19.


Fonte: ONDH.

No dia 25 de março, o governo estendeu o canal de denúncias a brasileiros


que residem em outros 50 países. "Temos que nos preocupar com essas
pessoas. Elas não estão no Brasil, mas são brasileiros e nós temos olhos para
eles", afirmou a ministra da pasta, Damares Alves.

Denúncias
Os canais de atendimento da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos
(ONDH) funcionam 24 horas por dia, de forma gratuita. Caso precise realizar
uma denúncia em território brasileiro, basta ligar para o Disque 100. Para
brasileiros no exterior, o canal de denúncias é o 180.
Em breve, a pasta deve divulgar um aplicativo e um site por meio dos quais
poderão ser registradas as denúncias.

BARONE, Isabelle. Governo registra 1,3 mil denúncias de violações de


direitos humanos após restrições por coronavírus. Disponível em:
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/governo-registra-13-mil-
denuncias-de-violacoes-de-direitos-humanos-apos-restricoes-por-coronavirus/.
Acesso em: 18 set. 2020 (adaptado).

ATUALIDADES: CONHEÇA UM PANORAMA GERAL


SOBRE OS DIREITOS HUMANOS

O tema aparece constantemente em questões de vestibulares e do ENEM


(Exame Nacional do Ensino Médio), assim como em concursos públicos.

Clara Ribeiro

Muito se fala sobre Direitos Humanos. Está presente nas notícias do dia a dia,
nos livros, nas apostilas, nas aulas, assim como na rotina cotidiana. Afinal, se
referem às determinações que nos protegem contra atos que ferem a honra e a
dignidade.
Mas apesar de ser um tema super debatido, muitas pessoas ainda têm dúvidas
sobre os seus conceitos e suas características.
Por aparecer constantemente em questões de vestibulares e do ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio), assim como em concursos públicos, trouxemos um
panorama para você conhecer.

Contexto histórico
Para entender a proclamação dos direitos humanos, precisamos voltar no
tempo e entender o contexto pós Segunda Guerra Mundial.
Com a invasão das tropas aliadas adentrando territórios nazistas e
presenciando o horror humanitário, sobretudo pelo holocausto e seus terríveis
campos de concentração.
Vale frisar que ao contrário do que sabemos hoje em dia sobre essa época de
terror nazista. As suas práticas de extermínio no Terceiro Reich comunidade
internacional.
O que se sabia sobre o governo autoritário de Adolf Hitler girava em torno da
perseguição de certos povos. Como por exemplo:

• Judeus
• Negros
• Homossexuais
• Ciganos
• Entre outros

Porém, o holocausto e todo seu terror não era, de fato, algo de conhecimento
público. Logo após o fim da Segunda Guerra ocorre a exposição do holocausto
e de seus terríveis campos de concentração, o que choca o mundo todo.
Com isso, a ONU (Organização das Nações Unidas), que na época tinha pouco
tempo desde a sua criação, decide criar um instrumento jurídico que proteja os
direitos considerados fundamentais para qualquer pessoa.

Proclamação dos direitos humanos


Diante deste cenário em 1948 a ONU proclama a Declaração Internacional dos
Direitos Humanos e afirma que “direitos inerentes a todos os seres humanos,
independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou
qualquer outra condição”.
A ONU ainda cita as características mais importantes dos direitos humanos,
que podem ser acessadas por meio de seu site oficial.

Veja as principais características:


 Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o
valor de cada pessoa;
 Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados
de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas;
 Direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus
direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas.
Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é
considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido
processo legal;
 Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e
interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos
e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito
por muitos outros;
 Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual
importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor
de cada pessoa.

RIBEIRO, Clara. Atualidades: conheça um panorama geral sobre os


direitos humanos. Disponível em:
http://noticiasconcursos.com.br/educacao/atualidades-direitos-humanos/.
Acesso em 21 set. 2020.
PILAR ESPIRITUAL

Ética, Cultura e Arte

TEXTOS SELECIONADOS

PRA QUE SERVE A ARTE

Margaret Imbroisi e Simone Martins

As obras de arte, desde a Antiguidade até hoje, nem sempre tiveram a mesma
função. Ora serviam para contar uma história, ora para rememorar um
acontecimento importante, ora para despertar o sentimento religioso ou cívico.
Foi só neste século que a obra de arte passou a ser considerada um objeto
desvinculado desses interesses não artísticos, um objeto propiciador de uma
experiência estética por seus valores íntimos.
Assim dependendo do propósito e do tipo de interesse com que alguém se
aproxima de uma obra de arte, podemos distinguir três funções principais para
a arte.
Função Utilitária: A arte serve ou é útil para se alcançar um fim não artístico,
isto é, ela não é valorizada por si mesma, mas só como meio de se alcançar
uma outra finalidade.
Esses fins não artísticos variam muito no curso da história. Na Idade Média, por
exemplo, na medida em que a maior parte da população dos feudos era
analfabeta, a arte serviu para ensinar os principais preceitos da religião católica
e para relatar as histórias bíblicas.
Função Naturalista: A obra é encarada como um espelho, que reflete a
realidade e nos remete diretamente a ela. Em outras palavras, a obra tem
função referencial de nos enviar para fora do mundo artístico, para o mundo
dos objetos retratados. Essa atitude perante a arte surge bastante cedo. Ela
aparece na Grécia, no século V a.C., nas esculturas e pinturas que “imitam” ou
“copiam” a realidade. Essa tendência caracterizou a arte ocidental até meados
do século XIX, quando surgiu a fotografia. A partir de então, a função arte,
especialmente da pintura, teve de ser repensado e houve uma ruptura do
naturalismo.
Função Formalista: Preocupa-se com a forma de apresentação da arte. Há,
nessa função, uma valorização da experiência estética como um movimento
em que, pela percepção e pela intuição, temos uma consciência intensificada
do mundo, ou seja, é a análise da obra de arte como todo, pela sua forma, seu
conteúdo, sua temática, seu contexto histórico, sua técnica, enfim, todos os
elementos para a compreensão da obra em si.
Quando o ser humano precisa pensar sobre algo, geralmente, busca encontrar
elementos funcionais que lhe deem sentido e um valor. Então ele procura
responder perguntas como: para que serve? E qual sua importância no
mundo?
Esse sentido utilitarista é comum a todos os povos desde as suas formações
iniciais. O homem primitivo, por exemplo, precisava se cercar, primeiramente,
de objetos que respondessem à sua necessidade urgente de sobrevivência.
Por isso, os desenhos nas cavernas, as danças e as representações primitivas
precisavam ter utilidade, ou seja, deveriam servir para que os espíritos dos
animais fossem atraídos e aprisionados, ajudando os homens nas caçadas.
Com o tempo, essas manifestações artísticas primitivas começaram a ser
desvinculadas das suas funções primitivas nas comunidades. O homem
passou a revelar interesse por aspectos e objetos que não possuíam função
prática na vida, como as formas, as cores, as texturas em tecidos, certos sons,
que passaram a ser apreciados por puro prazer. Nesse sentido, tais utensílios
e representações passaram, cada vez mais, a ser criados e executados pelo
prazer em si, desligando-se de uma utilidade.
Assim, os humanos demonstram, desde tempos ancestrais, interesse pelo
enfeite, pelo belo, por elementos e fatos capazes de instigar e manifestar
pensamentos e emoções.
A pintura corporal em uma tribo indígena, na maioria das vezes, tem a função
de camuflar, preparar-se para a guerra, determinar uma posição social do
individuo, preparativos para diversos rituais da tribo, como culto aos deuses,
casamento, funeral, ou, simplesmente, enfeitar-se. Atualmente, a pintura da
pele, como as tatuagens, na maioria das vezes, estão ligadas a um sentido
decorativo, servindo apenas para adornar ou decorar o corpo.
Há vertentes e perspectivas diferentes quanto à função da arte. Isso ocorre
porque cada sociedade estabelece uma relação muito específica com os
objetos artísticos, definindo necessidades e importâncias particulares. Pode-se,
contudo, definir duas correntes de pensamento muito comuns, no que se refere
à utilidade da arte.
A primeira defende que as artes não derivam de uma necessidade prática,
existindo independentemente de qualquer utilidade, tais como: ensinar,
entreter, instigar, inspirar ou educar. Uma das escolas defensoras dessa
vertente foi o Romantismo, que estabeleceu o que ficou conhecido como
autonomia da arte.
A outra corrente defende que a arte só pode existir ligada a alguma
funcionalidade, ou algo que lhe dê um sentido, tal qual ocorria nas sociedades
primitivas. Nessa concepção, só pode haver objeto artístico se este se
relacionar, por exemplo, a uma função social, histórica, educativa ou
psicológica.
Obviamente, as duas correntes possuem fundamentos e argumentos
necessários de serem discutidos, mas é inevitável que convivam, em um
mesmo processo de criação artística, elementos estéticos e outros de ordem
funcional, econômica, etc.
Vale dizer que a humanidade não vive sem a arte, seja ela funcional, mista ou
puramente ligada à fruição da beleza.
“A arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o
mundo. Mas a arte também é necessária em virtude da magia que lhe é
inerente.” Ernst Ficher, A Necessidade da Arte.
IMBROISI, Margaret; MARTINS, Simone. Pra que serve a arte. História das
Artes, 2020. Disponível em: http://www.historiadasartes.com/olho-vivo/pra-que-
serve-a-arte/. Acesso em: 22 set. 2020.

CULTURA DE MASSA

Francisco Porfírio

A cultura de massa faz parte da cultura em geral, que é o bem mais precioso
produzido pela humanidade. Por cultura, entendemos um conjunto de hábitos,
costumes, religião, idioma e produções artísticas ligadas a um grupo específico
de pessoas, ou seja, a uma comunidade ou sociedade.
Dentro desse recorte, temos a cultura autêntica e a cultura inautêntica. A
cultura inautêntica é a cultura de massa, que é produzida em larga escala e
serve como artifício para fazer girar o mecanismo capitalista por meio dos
lucros com a produção cultural e com a manipulação das massas, que serve
aos interesses políticos e mercantis.

O que é cultura de massa

No horizonte da produção cultural humana, existem formas artísticas que


buscam um fim em si mesmas: fazer arte, promover a arte, despertar
sensações estéticas no espectador. Também nesse horizonte, existe um
fenômeno do século XX possibilitado pelos meios de comunicação de massa:
produzir uma forma de arte que seja agradável apenas pelo entretenimento e
que não tenha uma finalidade em si mesma, mas em outras coisas, como o
poder político e o lucro. Nesse sentido, a cultura de massa utiliza-se da arte
para fazer algo distinto dela: movimentar o mecanismo capitalista.
Os filósofos e sociólogos da Escola de Frankfurt Adorno e Horkheimer criaram o termo
“cultura de massa”.

A cultura de massa não é produzida, mas sim reproduzida. A ideia aqui não é
criar algo autêntico, mas reproduzir incessantemente o que já foi produzido (até
que a demanda pelo objeto reproduzido esgote-se) para conseguir atingir o
maior número de espectadores, gerando assim um maior lucro com menos
esforço e gasto. O grande comunicador brasileiro Abelardo Barbosa,
imortalizado pelo seu nome artístico Chacrinha, lançou uma frase que ainda
circula na mídia: “Na TV nada se cria, tudo se copia”.
Ironicamente, Chacrinha é copiado até hoje. Seu formato irreverente de
apresentar um programa de auditório, com piadas, música ao vivo,
competições, dançarinas e cenários chamativos ainda é utilizado nos
programas de auditório brasileiros. A música comercial, os filmes comerciais,
até mesmo as artes plásticas atuais renderam-se a um sistema de reprodução
de cópias.
A cultura de massa apresenta-se como o modelo de reprodução cultural que
deixa de lado o que o filósofo e crítico literário alemão Walter Benjamin chamou
de aura da obra de arte, para dar lugar à produção de fácil acesso, de fácil
“digestão”, de baixa qualidade e de baixo nível intelectual e técnico.
Filmes com roteiros que prendem o espectador por sua fórmula que mistura
ação, romance e planos dinâmicos; músicas de poucos acordes e poesias
pobres; estampas reproduzidas que dão lugar à arte plástica produzida pelo
pintor, enfim, tudo isso pode compor a gama de objetos da cultura de massa. A
cultura de massa trata as pessoas não como indivíduos, mas como uma massa
que busca sempre as mesmas coisas.

Cultura de massa e consumo

Há uma grande pesquisa da área da comunicação que envolve a sociologia, a


psicologia e a administração para descobrir o que é capaz de agradar o grande
público, que consiste no espectador médio da cultura de massa. Seguindo essa
linha, as produtoras criam conteúdo de fácil acesso para prender a atenção
dessas pessoas e dominá-las.
Em meio à programação ofertada, na TV, no rádio, na internet ou nos grandes
shows de música, há a inserção de anúncio de patrocinadores que financiam a
produção e esperam, em troca, a busca do público pelos produtos anunciados.

A cultura de massa estabeleceu-se como um artifício de manipulação das massas.


Um carro que aparece no comercial, ou mesmo em um filme ou novela, torna-
se um objeto de desejo das pessoas por ter sido utilizado pelo ator/atriz ou
personagem. Uma bebida, um alimento, uma grife de roupas, enfim, qualquer
produto que apareça vinculado diretamente ao conteúdo apresentado ou
indiretamente (em um anúncio de intervalo) é mostrado de forma a seduzir o
consumidor.
O hábito de fumar, por exemplo, popularizou-se bastante nos Estados Unidos
após a disseminação de filmes de Hollywood que mostravam atrizes e atores
fumando de forma elegante e sedutora. Algumas marcas de refrigerante e
cerveja tornaram-se mundialmente conhecidas por seus anúncios bem
elaborados e incorporação em filmes e novelas.

Cultura de massa e indústria cultural

Os termos “cultura de massa” e “indústria cultural” foram cunhados pelos


filósofos e sociólogos judeus alemães da Escola de Frankfurt: Theodor Adorno
e Max Horkheimer, no livro Dialética do esclarecimento. Essa obra visa
condensar uma visão comum dos pensadores da chamada primeira geração da
Escola de Frankfurt: de que o iluminismo falhou enquanto projeto de mundo
civilizado.
Enquanto os iluministas pensavam que o avanço científico e intelectual aliado à
ampliação do acesso a esse conhecimento levaria, diretamente, ao avanço
moral e social, o século XX vivenciou a barbárie do holocausto judeu e o
avanço do capitalismo a ponto de chegar-se a uma sociedade extremamente
desigual. A indústria cultural é aquela que produz a cultura de massa,
incorporando todas as formas de fazer artístico.
Um forte aliado do capitalismo e do totalitarismo em seus projetos particulares
de dominação foi a cultura de massa, pois ela é um eficiente meio de
manipulação das massas. Adorno e Horkheimer perceberam que há uma
fórmula descoberta pela indústria cultural para produzir sua arte massificada.
Essa fórmula consistiria em mesclar elementos da cultura popular com a
cultura erudita em uma linguagem simplista, com técnicas rudimentares, e
utilizar-se dos meios de reprodutibilidade técnica (meios de comunicação pelos
quais se é possível reproduzir o mesmo elemento milhares ou milhões de
vezes, como a fotografia, o cinema, o rádio, a televisão e a internet) para
disseminar o conteúdo gerado. Para saber mais sobre esse outro conceito
fundamental da primeira fase da Escola de Frankfurt, acesse o nosso texto:
Indústria cultural.

Cultura de massa e cultura popular

Pelo forte apelo popular da cultura massificada, tende-se a confundi-la com a


cultura popular. No entanto, os dois conceitos são diferentes. A cultura popular
é um modo de fazer artístico autêntico, fruto dos esforços de criação de uma
camada popular da sociedade com o que se tem ao alcance.
A cultura popular é a cultura tradicional, muitas vezes com uma menor
elaboração técnica, mas que objetiva apenas a produção artística para a
expressão do artista. Podemos eleger como exemplos de cultura popular a
música caipira brasileira, o samba, o grafite como arte urbana, a literatura de
cordel nordestina, e a nossa culinária popular.

A literatura de cordel é um exemplo de cultura popular produzida no Nordeste


brasileiro.

Termo oposto à cultura de massa é a cultura erudita, criada pelas elites e


voltada para as elites. Por nascer em um meio que possui maior acesso ao
estudo formal, a cultura erudita tende a ser mais elaborada do ponto de vista
técnico. Temos como exemplo a música produzida por mestres como
Beethoven, Bach, Vivaldi e Heitor Villa-Lobos. No campo das artes plásticas,
temos pintores como Rembrandt, Van-Gogh, e Portinari (o pintor brasileiro que
já foi mal visto pelas elites artísticas europeias, mas que hoje é considerado um
clássico da arte mundialmente aclamado).
No campo da literatura e da dramaturgia, temos os clássicos escritores Miguel
de Cervantes, Shakespeare, Victor Hugo e Clarice Lispector (que, por ser
mulher, contemporânea e radicada no Brasil, foi considerada uma literata
menor, mas que hoje é reconhecida como uma erudita pelas elites). O grande
escritor austro-húngaro Franz Kafka já foi considerado menor, hoje é
reconhecido como um erudito. Fechando a conta, percebe-se que quem decide
se um artista ou sua obra é erudita, é a elite.
A cultura de massa vai na contramão de tudo o que acabou de ser
apresentado. Sua preocupação não está na própria obra de arte, mas no
alcance e no lucro que ela pode gerar. O que se espera é que o público saia
satisfeito e queira mais, queira consumir mais.
Uma diferença marcante entre a cultura de massa e as culturas populares e
eruditas é que estas perduram por muito tempo e são sempre lembradas e
revisitadas, enquanto a cultura massificada tem um curto prazo de validade.
Logo após ser lançada e consumida, a cultura massificada deixa de ser
novidade e deve ser substituída por outro produto.

PORFÍRIO, Francisco. Cultura de massa - Brasil Escola. Disponível em:


http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/cultura-de-massa.htm. Acesso em: 22
set. 2020.
LIVES COMO ALTERNATIVAS DE ENTRETER EM
TEMPOS DE PANDEMIA

Thamiris Magalhães

As lives surgiram como alternativa para entretenimento digital

Quem em sã consciência um dia poderia imaginar o que estamos vivendo


hoje? Um confinamento forçado, por conta de um vírus que resolveu assolar
toda a humanidade. Um vírus que não escolhe país, sexo, cor, classe social…
Que veio mostrar que todos, afinal, somos iguais. E fazer com que a
sociedade, pelo menos neste tempo (espera-se que não apenas), torne-se
mais solidária, humana e fraterna. Quando o altruísmo entra em voga, ao se
abdicar por um tempo do maior bem, em prol de uma causa maior: a
sobrevivência de toda a humanidade.
As consequências estão aí, surgindo dia após dia. A cada instante surge um
atrativo, uma novidade a preencher os dias vazios, sem cor, em que cada dia é
um dia – e não se sabe como terminará – sendo essas singularidades de horas
e dias interrogações nas mentes, ao não se imaginar quando cessarão. Eis
aqui uma mudança de paradigma. Estamos entrando em uma nova era,
justamente em uma nova década… E, claro, com a tecnologia e o mundo
digital já bem consolidados.

Há, portanto, uma mudança maior de paradigma. As Novas Tecnologias de


Informação e Comunicação, com a Internet, as redes sociais digitais e seus
derivados, antes tão novas e cheias de surpresas, tornam-se corriqueiras em
tempos de coronavírus, preenchendo os dias de isolamento social e sendo a
única alternativa de trabalho disponível. O que antes era tão novo, hoje torna-
se a única opção encontrada para alegrar – ou entediar – os dias em casa.
Uma constatação, porém, é fato: nunca almejamos estar tão conectados, tão
próximos uns dos outros, tão ligados por meios virtuais e, justamente quando o
que nos resta são apenas esses meios (claro, juntamente com os já
tradicionais, TV, rádio e jornais impressos), nunca objetivamos tanto estar em
contato físico com os outros. Abraçar, beijar, tocar… sentir o calor humano.
Quem sabe, depois de tudo isso, não passemos a dar valor nas pequenas
coisas da vida: nos apertos de mãos, nos afagos, nos encontros com os
amigos, nos cafés recheados de ideias, nos restaurantes, que sempre tinham
como sobremesa aquele insight que mudava as nossas vidas de alguma
maneira… Enfim, quando tudo isso passar – e esperamos que seja logo –
seremos seres humanos, no mínimo, bem diferentes. Tudo mudará.

Lives: o novo entretenimento na era da Pandemia

Uma das coisas que tem chamado a atenção, principalmente do público fiel às
redes sociais e que aderiu – seja agora em tempos da Covid-19 ou há algum
tempo – às lives é o fato destas estarem ocorrendo constantemente, sendo
realizada pela maioria dos artistas, de todos os gêneros musicais, do Brasil e
do mundo, como forma de alegrar e entreter os seus públicos, ao mesmo
tempo em que continuam sendo vistos, logo não esquecidos pelo público-
internauta nessas redes.
Percebe-se a participação massiva dos artistas nas redes sociais digitais há
algum tempo. Porém, as lives, mais predominantemente no Instagram e
YouTube, estão sendo realizadas com maior frequência nos últimos dias, por
conta da pandemia do coronavírus, por conseguinte, do isolamento social,
principalmente no Brasil, onde, não por mera coincidência, concentra-se o
número maior de pessoas que estão e participam ativamente do mundo digital,
uma vez que o Brasil é um dos principais países com maior participação on-
line, mais especificamente o segundo que passa mais tempo “conectado”,
perdendo apenas das Filipinas .
Não à toa que os recordes de público assistindo a uma live simultaneamente
tenha ocorrido, até a realização deste artigo, no Brasil, com mais de 3 milhões
de acessos simultâneos, a um show de uma dupla sertaneja. Números que
ultrapassam qualquer show presencial de um artista renomado
internacionalmente. Ou, mesmo destes, ao realizarem suas lives na Internet.

O fortalecimento da Cibercultura com as redes sociais

O fato inquestionável é que o mundo da Cibercultura, iniciado no final século


passado com o advento e domesticação dos computadores, e fortalecido
especialmente no início deste, com as redes sociais digitais, proporcionou uma
nova forma de ser e agir. Isso já não é mais novidade. O que muda a partir de
agora é que somos forçados a nos adaptar quase que exclusivamente a este
meio para realizar quase todas as coisas que realizávamos nele, e fora dele:
conversar, conhecer pessoas, namorar, “sair para a balada”, “passear”, fazer
um tour pela cidade¸ ir a aniversários, frequentar às missas e cultos (o que
antes era inconcebível!)… Tudo isso agora “deve” e pode ser feito pela
Internet. Atentem à palavra entre aspas. Ela é repleta de signos e significados
sentimentais, emocionais e atitudinais sem precedentes na humanidade até
aqui.
A Internet, que já estava sendo utilizado em demasia, mas porque sabíamos
que tínhamos outra opção, agora é utilizada como a única “opção” disponível
que temos. E isso é terminantemente entediante! Queremos sair, ver pessoas,
tocar, dialogar, abraçar, conversar – nem que seja com o celular à mão – talvez
até mesmo por sabermos que a palavra “fique em casa” como uma obrigação e
um ato de solidariedade, carrega a carga emocional e efetiva de um
comprometimento, que não estamos acostumados a ter. Sendo assim,
queremos, necessitamos, o proibido, como outrora “necessitávamos” estar
conectados. Agora, a necessidade, o proibido, é “apenas” sair. Nunca se
valorizou tanto a liberdade.
Mas, como sabemos que não podemos ir para a rua, não o fazemos. Só que
agora temos uma opção. Há algum tempo a temos, mas não a víamos como
única opção, e sim como mais uma alternativa entre tantas. E está na palma de
nossas mãos. Então, se estamos ansiosos para ir ao show de nossa banda
favorita, que, por sinal, estávamos com o ingresso comprado para o show que
foi cancelado, temos a oportunidade de assistir – e participar – por meio das
lives, que os nossos ídolos fazem e nos “dão” de presente.
As lives começaram de maneira espontânea, caseiras, inusitadas, cheias de
falhas e improvisos, mas bastante agradáveis de se ver. Com o tempo – e está
muito cedo para definir algo maior, pois ainda estamos no meio delas – foram e
estão se tornando mais “profissionais”, com um número razoável de pessoas
que fazem parte da produção e execução, sendo cada vez mais cobradas
pelos fãs e tornando – se quase que uma obrigação a muitos artistas. Quem
ainda não a fez, é visto com desconfiança pelo público. Virou questão de
Marketing. Os artistas começam a se sentir na obrigação de as fazer, o que
perde muito de seu valor, e o resultado de tudo isto veremos mais para frente.
Um fato intrigante, porém, é que um símbolo eficaz ocorre quando o presente é
espontâneo e inesperado, e não obrigatório. Ou seja, quando se torna uma
obrigação, perde grande parte de sua aura do “presenteamento”, no seu
sentido literal.
O fato é que, como obrigação ou por vontade própria, as lives acabam
“reunindo” novamente o público, sendo este muito maior, cada um em suas
casas. Elas alegram, divertem, sendo uma forma de o artista, enfim, poder
presentear o seu público com o “show” gratuito.
As lives como presentes dos artistas para com o público lembram ainda as
palavras de Belk (1993), quando afirma que o presente, representando o
doador, está na vida do destinatário. Nesse processo, o presente fornecido
como uma extensão do doador também se torna uma extensão do destinatário.
Dessa maneira, os parceiros efetivamente começam a se tornar auto-
extensões mútuas. O que, de fato, percebemos nas lives. Como os presentes
são vistos como parte do eu estendido do doador, aceitar um presente a partir
de uma data – o dia da live – forma um vínculo com essa pessoa, o artista.
Além disso, “presentes não materiais são especialmente prováveis de serem
vistos como extensões do eu”. (Belk, p. 405). Neste caso, o presente não
material seriam as lives que acabam se tornando extensões do eu do artista
para com o seu público, que aceita o presente, realizando uma troca mútua, ao
participar das lives.
Ademais, de acordo com Belk (1993), presentes denotam troca e a
reciprocidade se torna o elemento chave da troca. Esta implica em oferecer
alguma coisa em troca de algo recebido anteriormente ou simultaneamente, ou
em antecipação de retornos futuros. O que de fato se percebe nas lives, uma
vez que os artistas as fazem como forma de retribuir o carinho dos fãs para
com eles durante toda a trajetória artística até o momento, que compareceram
aos shows, compraram seus DVD’s etc.; uma maneira de agradecer o carinho
recebido no momento da live, e, principalmente, uma estratégia de ação que
objetiva o futuro, pós-pandemia, ao objetivar que o público não esqueça o
“presente” que lhe ofereceu, em sua casa. Sendo assim, haverá uma
probabilidade muito grande de o fã não deixar de ir para o primeiro show que o
artista fizer em sua cidade – ou não – pós-isolamento social. E isso está sendo
“plantado” pelo artista desde agora, com, entre outras ações, as lives.
Ainda assim, mesmo após o período de confinamento, acredita-se que o novo
hábito criado por ele de divertimento e entretenimento, por meio das lives, entre
outras possibilidades que ganharam mais força em tempos de isolamento
social, permanecerá, tornando-se um caminho sem volta, como foram a
Internet e as redes sociais digitais há alguns anos. Resta aos artistas saberem
se adaptar a este novo cenário, que requer cuidados, atenção, espontaneidade
e planejamento.

MAGALHÃES, Thamiris. Lives como alternativas de entreter em tempos de


Pandemia – Portal Comunique-se. Disponível em: http://portal.comunique-
se.com.br/lives-como-alternativas-de-entreter-em-tempos-de-pandemia/.
Acesso em: 22 set. 2020.

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