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A TEORIA DA BUROCRACIA E O PODER HIERÁRQUICO

Introdução

O Direito Administrativo como um dos ramos do direito público se pauta em


princípios que lhe são peculiares, como: a indisponibilidade do interesse público, a
eficiência, a publicidade e a formalidade com o objetivo de garantir ao cidadão a
inviolabilidade de direitos individuais e a promoção de direitos coletivos e difusos.

Em decorrência da excelência que deve existir na prestação do serviço público é


dever da Administração pública zelar pelos atos de seus agentes, os quais são
submetidos a uma ordem hierárquica que estabelece funções e cargos.

Desde o advento do Estado na Idade Moderna com o apoio da burguesia e com a


implementação da burocracia em suas atividades, as tarefas administrativas se tornaram
muito parecidas com as desenvolvidas pelas indústrias na época da Revolução
Industrial, pois em ambos fora adotada a disciplina rígida e o caráter hierárquico nas
relações com o intuito de racionalizar as tarefas executadas.

Ademais, evidencia-se o apego excessivo às formalidades na administração


pública, o que gera disfunções na prestação do serviço burocrático.

Em contrapartida, atualmente cresce a preocupação quanto à eficiência da


máquina administrativa. Todavia, o modelo rígido de burocracia ainda presente na
administração pública brasileira pode tornar o servidor um trabalhador alienado
resistente a mudanças e que somente realiza as tarefas que lhe foram prescritas pela
obediência à disciplina.

Dessa forma se busca alertar sobre as consequências suportadas pelo servidor em


decorrência do poder hierárquico e disciplinar e a relação com a ineficiência na
prestação do serviço.

O surgimento do Estado racional

O feudalismo dominou toda a Idade Média e se caracterizava pela economia


essencialmente agrícola, descentralização do poder, regime de servidão e a figura do
senhor feudal, um grande proprietário de terras que detinha o poder de regular a vida de
seus súditos (servos).
1
Ocorre que com as Grandes Navegações do século XIV e XV, houve o
crescimento do comércio na Europa Ocidental e com isso a situação de miséria dos
servos foi se agravando tanto que passaram a ocupar áreas fora do controle do senhor
feudal, onde poderiam realizar atividades como o comércio e o artesanato. Assim, com a
transferência de servos das terras feudais para o entorno dos muros foram surgindo os
burgos1, áreas comerciais desenvolvidas fora das muralhas feudais.

A força que os comerciantes e artesãos ganharam fez nascer uma nova classe
social que se encontrava nos burgos: a burguesia. Sendo assim, o aumento dos
burgueses culminou em reivindicações para a volta à centralização do poder nas mãos
do Rei, pois os mesmos buscavam garantias para o comércio, como: exército nacional,
unificação de moedas, parâmetros de pesos e medidas, diminuição dos impostos,
melhorias nos transportes e comunicações. Tal apoio aos reis culminou com a formação
dos Estados Absolutistas, fortalecimento da burguesia e o favorecimento de condições
aptas ao desenvolvimento do capitalismo2.

Na era do mercantilismo com a colonização houve o aumento da demanda por


produtos europeus, portanto, foi necessário aumentar a produção industrial, e para
atender a procura pelos produtos, a manufatura realizada pelas corporações de ofício
cedeu lugar ao vapor e ao maquinismo que revolucionaram a indústria no século XVIII.

Mercantilismo, conforme Weber, significa a “formação de uma potência estatal


moderna pelo aumento das receitas principescas e aumento da capacidade tributária da
população”. Isso ocorreu porque os governantes atuavam como empresários capitalistas
que adquiriam produtos a baixo custo e vendiam por um alto preço3.

Dessa forma, fica claro que os interesses da burguesia foram essenciais à


centralização do poder ao Estado. Nesse sentido se baseia a crítica de Marx ao atribuir
ao Estado o simples papel de administrador dos negócios dessa nova classe, já que deve
a ela o seu poder político4. Do mesmo modo, Weber, ao analisar o surgimento do Estado
racional, afirma que é o Estado nacional fechado que garante ao capitalismo suas
possibilidades de existência.
1
A palavra deriva do germânico burc, burg, pelo baixo latim burgu (fortaleza). Na acepção romana
antiga, designa local fortificado, ganhando na Idade Média a conotação de castelo, forte ou mosteiro e
suas cercanias, de onde se originaram diversas cidades
2
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: UNB, 2004, p. 517
3
Ibidem, p. 125.
4
MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 78.

2
Ainda pode-se dizer que a grande mudança trazida pelo capitalismo ocorreu com
a divisão do trabalho nas fábricas, impulsionada pelo êxodo rural, pois a miséria nessa
época no campo aumentava rapidamente. Os camponeses abandonaram o campo para
morar nas cidades e lá encontrar um emprego no qual pudessem vender a força de
trabalho em troca de um salário. Dessa forma, foi retirada do trabalhador a possibilidade
de produção de seus bens de consumo, como alimentos, roupas e ferramentas 5, por este
se encontrar desprovido de qualquer instrumento que lhe possibilitasse a produção.

Com o grande número de trabalhadores em busca de um posto de trabalho,


formou-se um exército industrial de reserva, o qual culminou na grande exploração do
trabalhador pelo proprietário dos meios de produção e acarretou a diminuição dos
salários. Deve-se observar que todas essas mudanças sociais contaram com a conivência
do Estado frente ao capitalismo ocidental.

A Teoria da burocracia no Estado

A teoria da burocracia veio substituir a legitimidade que os governantes


possuíam em razão da tradição e do carisma. Max Weber ao tratar do assunto distingue
três tipos de sociedade: a tradicional, a carismática e a legal ou burocrática6. Na
primeira estavam presentes: a família, o poder patriarcal, o patrimonialismo e o clã. Já
na sociedade carismática a legitimação do governante correspondia a sua personalidade,
ou seja, a população o respeitava em virtude da empatia e pelas suas características
místicas ou arbitrárias, havia uma intensa devoção que pairava sob o imaginário
coletivo dessa sociedade. Por fim, a sociedade legal baseia- se em normas impessoais de
conduta que regem a vida dos indivíduos sobre sua jurisdição 7, ou seja, há obediência
em razão das leis e na crença que elas são legítimas e não mais na pessoa ou na tradição.

É importante esclarecer que a burocracia permitiu ao Estado racionalizar suas


funções de modo a buscar eficiência no alcance de seus objetivos por meio de métodos
e regulamentos pré-determinados.

Muito embora, o presente estudo traz como base teórica principal os


ensinamentos de Max Weber, as referências ao capitalismo aqui expostas terão como

5
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In: MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos e
outros textos escolhidos. 5ª Edição. São Paulo: Nova Cultural, coleção Os Pensadores, 1991.p.26.
6
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração: uma visão abrangente da
moderna administração das organizações - 7. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro: Elsevier, 200.p.277.
7
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: UNB, 200, p. 325

3
marco teórico os apontamentos marxistas, os quais se dirigem às relações de
propriedade, burguesia, proletariado, meios de produção, luta de classes e alienação do
trabalhador.

Primeiramente deve-se esclarecer que o Estado é a principal fonte de dominação


das massas, pois é dada a ele a tarefa de prescrever normas gerais e abstratas que
alcançam toda população e regulam condutas. Nesse mesmo aspecto, Weber afirma que
a dominação da população se baseia- na “vantagem do pequeno número 8”, que consiste
em uma minoria que controla a maioria e para conservar sua posição utiliza a ação
social racionalmente organizada. Essa vantagem do pequeno número se mostra mais
eficaz com a ocultação das reais intenções do grupo dominante, isto é, quanto mais
obscuros são os objetivos daqueles que se encontram no poder, mais facilmente
conservarão a posição que ocupam.

Por outro lado, para que haja dominação é necessário que o poder de mando
encontre validade em seus súditos, ou seja, deve haver obediência às regras, pois caso
contrário não se estaria diante de uma autoridade racional.

Quanto à dominação na esfera do direito público pode-se listar: as competências


oficiais fixas (leis ou regulamentos administrativos), os poderes de mando e a
previsibilidade das circunstâncias em que será necessário usar a força e a contratação de
pessoas com qualificação regulamentada.9

Segundo Weber, só sendo possível esse modelo burocrático no sistema de


economia privada e nas formas mais avançadas do capitalismo, pois os membros da
administração devem estar separados dos meios de produção e é imprescindível que a
economia seja monetária.

Para o funcionamento da teoria burocrática se faz necessário o princípio da


hierarquia e subseqüência de instâncias. Esta significa que as tarefas desenvolvidas pelo
subordinado serão fiscalizadas pelo seu superior hierárquico e também oferece a
possibilidade daquele que teve seus atos fiscalizados apelar para uma instância superior
para que a matéria impugnada seja revista por um órgão. Esse sistema também pode ser
encontrado nas formações eclesiásticas, nas organizações partidárias, em grandes
empresas privadas e na estrutura do exército.
8
Ibidem, p.196
9
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: UNB, 2004, p. 198

4
Como característica do poder hierárquico a relação de subordinação ganha
relevo à medida que a estrutura do funcionalismo público estabelece quais são as
prerrogativas de cada órgão, pois nenhum cargo pode permanecer sem controle ou
supervisão.

O cargo é visto como profissão e é imposto ao ocupante deste o dever de


fidelidade ao cargo e em conseqüência ao Estado em troca de uma garantia patrimonial
e social, pois o funcionário público, em regra, goza de vitaliciedade do cargo e tem a
possibilidade de ascensão e ainda possui status por ter a Administração Pública lhe
depositado confiança.

Por outro lado, também é característica da burocracia a divisão do trabalho que


atenda a uma racionalidade, modelo muito parecido com o dos operários que
trabalhavam nas fábricas na era da revolução Industrial e depois no modelo fordista.

São correntes as reclamações sobre a organização burocrática principalmente


porque os funcionários se mostram como máquinas programadas para a mesma função.

Nesse mesmo sentido pode-se afirmar que a impessoalidade, característica


própria do direito público, traz o comportamento estereotipado dos servidores, pois o
problema do cidadão que possui importância para ele é tratado com tamanha
impessoalidade pelo servidor que Merton certifica ser daí a origem das acusações de
arrogância e insolência do burocrata10.

É indubitável que a divisão técnica do trabalho gera maior celeridade e


eficiência aos serviços prestados, todavia, essa divisão também pode gerar a alienação
do trabalhador11, independentemente dele ser funcionário público ou empregado de
indústria. Com a execução de tarefas repetitivas e o desconhecimento da importância ou
do objeto final a ser produzido, o trabalhador muitas vezes não se sente motivado a
realizar sua função e com o decorrer do tempo realiza as tarefas de maneira automática,
junto à rigorosa disciplina que rodeia o funcionalismo público.

Pela divisão do trabalho a tarefa de cada funcionário se restringe a uma função


específica dentro de suas competências, a qual é realizada metodicamente, o que pode

10
MERTON, Robert K. Sociologia: Teoria e Estrutura. Tradução de Miguel Maillet. São Paulo: Mestre Jou,
1970, p. 280
11
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In: MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos e
outros textos escolhidos. 5ª Edição. São Paulo: Nova Cultural, coleção Os Pensadores, 1991, p.27

5
limitar a esfera de atuação e espontaneidade pessoal do funcionário. Dessa forma,
perde-se o objetivo central na prestação do serviço público, ou seja, a sua eficiência e há
a transformação das repartições públicas em ambientes ineficazes onde trabalham
pessoas disciplinadas por uma rotina que pelo decurso do tempo as incapacita de
compreenderem a razão de seus trabalhos.

Panorama muito comum este na administração pública brasileira onde há um


excesso de formalismo e limitação da atuação a tarefas simplistas e desnecessárias,
assim, há a possibilidade do funcionário se tornar hostil ao trabalho realizado e isso vir a
aumentar a resistência a mudanças, induzir ao tecnicismo, timidez, desinteresse
conservadorismo e acomodação12.

Dessa maneira, não há distinção entre o trabalhador braçal de uma indústria para
o funcionário público de uma repartição, pois ambos se encontram desprovidos das
ferramentas imprescindíveis para a produção do objeto que não lhes pertence. O que se
reconhece em ambos é a sujeição necessária advinda do sistema capitalista para o
pagamento de salário, pois é em troca deste que o trabalhador se sujeita à disciplina e à
hierarquia impostas.

Mais uma característica que a burocracia tem em comum com o sistema


capitalista é a profissionalização de seus funcionários, pois ela busca especialidade de
cada função, logo o indivíduo deve passar por testes seletivos para ingressar na
administração pública ou ser nomeado em virtude de sua competência técnica, pois
aquele que é eleito não é considerado burocrata.

As relações presentes na burocracia controlam a pessoa em alto grau pelas suas


relações sociais com as ferramentas de produção 13 de modo que o apego excessivo ao
formalismo e à disciplina acarreta disfunções ao modelo burocrático. Veblen trouxe o
conceito de “incapacidade treinada”, a qual significa que as ações do funcionário foram
baseadas em treinamentos apropriados em circunstâncias passadas que em muitas vezes
não se adéquam às demandas do presente, o que gera a ineficiência da prestação do
serviço14.

12
MERTON, Robert K. Sociologia: Teoria e Estrutura. Tradução de Miguel Maillet. São Paulo: Mestre Jou, 1970, p.273
13
Ibidem, p. 275
14
Ibidem, p. 274

6
Já Dewey observou o fenômeno denominado de “psicose ocupacional 15” que
deriva da pressão exercida sobre o indivíduo em razão do cargo que ele ocupa, este é
pressionado a agir em estrita conformidade aos regulamentos para que atue de maneira
metódica, prudente e disciplinada. Essa ênfase à disciplina e aos métodos pode implicar
no apego excessivo à forma em detrimento do conteúdo.

A realização metódica das tarefas passa a ter uma significação simbólica para o
trabalhador que não chega a perceber a inadequação de seu ofício, o que o transforma
em um trabalhador alienado.

Poder Hierárquico

Primeiramente insta esclarecer que hierarquia traz o sentido de comando,


subordinação, ordem e dependência, e no campo jurídico se traduz nas ordens emanadas
pelo superior a serem seguidas pelo seu subordinado. Para representar a hierarquia é
usada como símbolo a pirâmide16, a qual demonstra a estrutura do órgão administrativo
dirigida por um superior que se articula por todos os lados com os inferiores, de modo
que o funcionamento da máquina administrativa seja harmônico, uniforme,
desencadeando, assim, relações subordinadas e o controle dos atos administrativos.

É na Igreja e no Exército em que se encontram o ponto de partida da organização


da instituição pelo sistema hierárquico, o qual posteriormente fora utilizado para
organizar a administração17.

A burocracia para Weber é regida pelo princípio da hierarquia que estabelece um


sistema de mandos e subordinação já regulamentado em que há fiscalização dos
inferiores pelos superiores sendo que ao mesmo tempo há a possibilidade do inferior
apelar ao órgão superior18.

O poder hierárquico é prerrogativa da Administração Pública de ordenar e rever


a atuação de seus agentes bem como estabelecer relações de subordinação entre seus
servidores. Hely Lopes Meirelles citando Duguit recorda que “o poder hierárquico

15
Ibidem, p. 275
16
CRETELLA JUNIOR. José. Curso de Direito Administrativo. Rio de janeiro: Editora forense, 1991.p.70
17
MERTON, Robert K. Sociologia: Teoria e Estrutura. Tradução de Miguel Maillet. São Paulo: Mestre Jou, 1970, p.275

18
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: UNB, 2004, p. 207.

7
domina todo o Direito Administrativo e deveria ser aplicado, ainda mesmo que nenhum
texto legal o consagrasse19”.

Os objetivos do poder hierárquico são: ordenar, coordenar, controlar e corrigir as


atividades administrativas. Ordenar no sentido de repartir e escalonar as funções entre
os agentes públicos. Coordenar para que as diversas funções tenham relações entre si de
modo que o serviço funcione de forma harmônica. Pelo controle é que se verifica se o
agente está realizando sua função com observância à lei bem como para acompanhar o
rendimento e a conduta do servidor. Já por meio da correção os agentes que se
encontram em uma posição hierárquica superior revisam os atos de seus subordinados,
aplicando a responsabilização correspondente às faltas cometidas.

Observa-se que o dever de obediência é característica do poder hierárquico pelo


qual as ordens superiores devem ser cumpridas integralmente, salvo se manifestamente
ilegais. Pela subordinação hierárquica o subalterno se restringe a agir somente no limite
de suas atribuições específicas. Em contrapartida, o superior hierárquico pode expedir
ordens, fiscalizar, delegar, avocar e rever atos dos subordinados.

A fiscalização hierárquica decorre do controle administrativo no qual os órgãos


administrativos exercem sobre suas atividades com o intuito de aferir o cumprimento da
lei. Portanto, fora estabelecido que o controle administrativo ocorreria em todos os
níveis e órgãos, compreendendo, principalmente, a função realizada pelas chefias
competentes.

Como característica da fiscalização hierárquica há a permanência e


automaticidade, que representam que a fiscalização deve ser perene, ou seja, contínua e
efetuada independentemente de qualquer ordem ou solicitação. Tendo em vista que é
poder-dever peculiar da chefia, o chefe que não a exercer comete inexação funcional,
podendo responder por crime contra a Administração Pública.

Em decorrência do poder hierárquico há a possibilidade da Administração: editar


atos normativos, dar ordens aos subordinados, controlar a atividade dos órgãos
inferiores, avocar ou delegar atribuições e aplicar sanções20.

19
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª ed. atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1991, p. 105
20
DI PIETRO DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.92

8
Ainda segundo Mário Masagão, a hierarquia no direito público é uma
ralação estabelecida entre órgãos de forma necessária e permanente, onde há
coordenação e subordinação de uns aos outros e graduação de competência de cada
um21. Cumpre observar que nos poderes Judiciário e Legislativo não existe hierarquia
em relação à coordenação e subordinação no exercício das funções institucionais,
principalmente porque há independência entre as instâncias judiciais e entre as casas do
Congresso Nacional.

Poder disciplinar

No que concerne aos servidores públicos, o poder disciplinar é decorrente do


hierárquico, e, dessa forma, com ele não se confunde, pois se deve ater à necessidade de
aperfeiçoamento progressivo do serviço público. Cumpre salientar que há diferença
entre o poder disciplinar e a punição criminal, pois aquela se fundamenta no regular
funcionamento do serviço público e esta busca tutelar o interesse público, de modo que
podem ser aplicadas conjuntamente as duas penalidades que ocorra bis in idem22.

Para Egberto Maia Luz, há a necessidade de ser adotada a disciplina de forma


imperiosa para corresponder com proveito a atividade burocrática oficial 23. Já Santi
Romano assinala que qualquer ação ou omissão que comprometa o bom funcionamento
da administração pública deve ser considerada falta disciplinar24. Como se espera que o
serviço público atenda ao interesse público, qualquer falta cometida pelo servidor deve
ser apurada, não possuindo a administração a liberdade de escolher entre punir ou não
punir. Todavia, a Administração com a utilização desse modelo de disciplina tão rígido
não tem conseguido alcançar os objetivos da organização burocrática: racionalização
dos trabalhos e eficiência.

Ademais, há um apego excessivo em punir o agente que cometeu a falta sem se


importar com o seu ambiente de trabalho e com as tarefas que desenvolve. Como a
meritocracia está presente no serviço público é importante que a Administração
promova a qualificação desse profissional, pois se deve favorecer a iniciativa, a
criatividade e a eficiência na prestação do serviço público.
21
Ibidem p.93
22
Idem. Meirelles.
23
LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo disciplinar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994,
p. 69
24
- SANTI ROMANO. I Poteri Disciplinari, cap. III item 10. In Do Poder Disciplinar na Administração
Publica. In BARROS JUNIOR, Carlos. Do poder disciplinar na administração pública. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1972, p.70

9
Conclusão

Depreende-se do que fora exposto que o modelo burocrático inserido na


administração pública a partir do advento do estado racional muito se aproxima daquele
utilizado nos quartéis do Exército ou nas fábricas da Revolução Industrial, onde os
regimes de hierarquia e disciplina são rígidos.

É lamentável que a administração pública ainda carregue o adjetivo de


burocrática, aqui no sentido pejorativo da palavra, pelo apego excessivo às formas na
execução de suas funções, acarretando a ineficiência na prestação do serviço e a
alienação do trabalhador que obedece cegamente às formas.

Percebe-se que o princípio da eficiência consagrado pela Constituição da


República ainda não repercutiu na área de atuação do funcionário público, porque ainda
se valoriza mais a forma em perecimento do conteúdo, ou seja, o servidor desconhece a
razão e a importância da atividade desenvolvida. Com o afã de instituir uma
administração pública que esteja atenta à transparência, à eficiência, à publicidade e à
participação popular antes de tudo deve-se analisar o servidor que presta os serviços e
de que modo o faz, devendo ser pensada uma estrutura que garanta obediência à lei, mas
que também não torne apático o servidor.

A administração pública não pode se preocupar tão-somente com a disciplina do


funcionário, mas também em sua satisfação em exercer a função e na qualificação
profissional permanente, pois é uma reação em cadeia que ocorre, na qual o trabalhador
descontente e alienado reproduz de forma insatisfatória a execução de serviços.

Dessa forma para se chegar ao patamar da eficiência desejada no serviço público


mister se faz que atenção especial seja destinada aos servidores, de modo que não
figurem apenas como sujeitos disciplinados que respeitam uma ordem hierárquica, mas
que venham a tornar-se agentes preocupados com a gestão da res pública e do interesse
público.

Bibliografia:

10
BARROS JUNIOR, Carlos. Do poder disciplinar na administração pública. São
Paulo: Edita Revista dos Tribunais, 1972.

CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração: uma visão


abrangente da moderna administração das organizações - 7. ed., rev. e atual. - Rio de
Janeiro: Elsevier, 2000.

CRETELLA JUNIOR. José. Curso de Direito Administrativo. Rio de janeiro: Editora


Forense, 1991.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: Atlas,
2005.

LUZ, Egberto Maia. Direito Administrativo disciplinar. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1994.

MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2005.

__________. Manuscritos econômico-filosóficos. In: MARX, K. Manuscritos


econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. 5ª Edição. São Paulo: Nova Cultural,
coleção Os Pensadores, 1991.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª ed. atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

MERTON, Robert K. Sociologia: Teoria e Estrutura. Tradução de Miguel Maillet.


São Paulo: Mestre Jou, 1970.

WEBER, Max. Economia e Sociedade. Brasília: UNB, 2004.

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