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ARTIGO DE REVISÃO

Plasticidade do Sistema Nervoso Central Influenciada pelo


Exercício Físico: Importância Clínica

Anna Karynna Alves de Alencar Rocha , Eliângela de Lima , Karyanna Alves de Alencar Rocha e
Edilson Dantas da Silva Júnior
DOI - 10.14242/2236-5117.2016v51n34a286p237

RESUMO Anna Karynna Alves de Alencar Rocha. Doutoranda do Programa de


Pós-Graduação do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da
Introdução. Alterações plásticas ocorrem no cére- Universidade Federal de São Paulo, Unifesp-EPM, São Paulo, SP, Brasil

bro para compensar a perda de funções em áreas Eliângela de Lima. MD, PhD pela Universidade Federal de São Paulo, Unifesp-
prejudicadas por lesões. Muitas formas de plastici- EPM, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Ciências da Saúde, Faculdade
dade podem ocorrer, como regenerativa, axônica, de Medicina, Universidade de Cuiabá – Unic, Mato Grosso, MT, Brasil

sináptica, dendrítica, somática e habituação. Esta Karyanna Alves de Alencar Rocha. Graduanda em Enfermagem pela
última é uma de suas formas mais simples. A neu- Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, Campina Grande, PB, Brasil
roplasticidade pode ter valor compensatório, mas
Edilson Dantas da Silva Júnior. Doutorando do Programa de Pós-
nem sempre isso ocorre porque as transformações Graduação, Departamento de Farmacologia, Universidade Federal de São
neuronais que respondem ao ambiente nem sem- Paulo – Unifesp-EPM, São Paulo, SP, Brasil
pre restauram funções perdidas.
Correspondência: Eliângela de Lima. Av. Beira Rio, 3100,
Departamento de Pós-Graduação, Faculdade de Medicina da
Objetivo. Fazer uma revisão bibliográfica sobre Universidade de Cuiabá – Unic. Cuiabá, Mato Grosso, Brasil –
exercício físico, neuroplasticidade e neuropatias. CEP 78065-900. Tel. - fax 55 65 33631271/1173

Internet: lieliangela@gmail.com
Método. Realizou-se busca nas bases de dados
Scielo, PubMed, Lilacs e BVS, de artigos publica-
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
dos no período de 1992 a 2013 com os descritores:
neuroplasticidade; neuroplasticidade e exercício
físico; neuroplasticidade e sistema nervoso cen-
tral; neuroplasticidade e neuropatias. Foram sele- Conclusão. Todas essas relações mostram que o
cionados 48 artigos. exercício físico pode ter efeito positivo em doen-
ças como Alzheimer, Parkinson, acidente vascular
Resultados. O aumento dos mecanismos celulares encefálico e epilepsia.
e sinápticos da plasticidade promovidos pelo exer-
cício pode contribuir para os efeitos benéficos do Palavras-Chave. Plasticidade; sistema nervoso
enriquecimento motor, reduzir a degeneração e central; exercício físico; doenças neurológicas.
promover a recuperação da função em encéfalos
lesados. No caso de regiões encefálicas com lesão, ABSTRACT
a prática de exercícios físicos pode alterar sinapses
ou reduzir eventos moleculares na área perilesio- Clinical Importance of Central Neuroplasticity
nada ou nas áreas mais remotas do córtex. Outro Influenced by Exercise: a narrative review
mecanismo envolvido na relação entre exercício e
sistema nervoso central é a ação dos fatores neu- Introduction. Plastic changes occur in the brain as a
rotróficos relacionados à melhor função cognitiva, means to compensate for the loss of function in areas
neurogênese, angiogênese e plasticidade cerebral. affected by injuries. Many forms of plasticity can occur,

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such as regenerative axonal, synaptic, dendritic, somatic ou qualquer modificação do sistema nervoso que
and habituation; the latter is one of its simplest forms. não seja periódica e que tenha duração maior que
Neuroplasticity can be a compensatory response, but poucos segundos.1 A plasticidade neural é maior
that is not always the case, as neural transformations re- durante a infância e declina gradativamente, sem
sulting from the environment and exercise do not always se extinguir na vida adulta. Ocorre tanto no hemis-
restore lost functions. fério intacto como no lesado. Há várias formas de
plasticidade: regenerativa, axônica, sináptica, den-
Objective. To conduct a literature review on physical drítica, somática e habituação. Esta última é uma
exercise, neuroplasticity, and neuropathies. de suas formas mais simples. A neuroplasticidade
pode ter valor compensatório, mas nem sempre is-
Method. Articles published between 1992 and 2013 we- so ocorre, porque as transformações neuronais que
re searched in the Scielo, PubMed, Lilacs, and BVS da- respondem ao ambiente nem sempre restauram
tabases using the following keywords: Neuroplasticity; funções perdidas. Ao contrário, às vezes produzem
Neuroplasticity and Exercise; Neuroplasticity and funções mal adaptativas ou patológicas.2
Central Nervous System; Neuroplasticity and Neurologic
Diseases. A total of 48 articles were found. Aspectos da vida diária modulam a capacidade cog-
nitiva e a evolução do cérebro.3 Estudos realizados
Results. Increased cellular and synaptic mechanisms nos últimos vinte anos indicam que o encéfalo e ou-
of plasticity promoted by exercise may contribute to the tros tecidos excitáveis são maleáveis e mudam em
beneficial effects of motor enrichment, to reduce dege- resposta a interações com o ambiente.4 A neurogê-
neration, and they may lead to the recovery of injured nese ocorre no encéfalo adulto em todos os níveis,
brain cells. In the case of regions affected by brain injury, tanto fisiologicamente quanto patologicamente, in-
exercise can alter synapses or reduce molecular events in cluindo-se a proliferação de células-tronco neurais,
the perilesional area or in more remote areas of the cor- diferenciação, migração, sobrevivência, maturação e
tex. Another mechanism involved in the relation betwe- integração de novos neurônios na circuitaria local.5
en exercise and the central nervous system is the action
of neurotrophic factors associated with better cognitive Vários estudos mostram que o exercício físico po-
function, neurogenesis, angiogenesis, and brain plasticity. de exercer efeito plástico sobre o sistema nervo-
so central e, independentemente da modalidade,
Conclusion. All these relationships show that exercise trazem numerosos benefícios a seres humanos6 ou
can have a positive effect on diseases such as Alzheimer’s, quaisquer animais.7-9 Processos como a neurogêne-
Parkinson’s, Stroke, and Epilepsy. se encontram-se aumentados após exercício físico,
assim como a complexidade dendrítica e a sinapto-
Key words. Plasticity, central nervous system, exercise, gênese no giro dentado,10,11 e promovem aumento
neurological diseases. no aprendizado, na memória, na plasticidade, na
vascularização (angiogênese) cerebral12 e atenuam
INTRODUÇÃO o declínio mental decorrente do envelhecimento.13

Acreditava-se que as células do sistema nervoso Foi observado, ainda, um efeito protetor do exercí-
central (SNC), os neurônios, seriam incapazes de cio no sistema nervoso, o que aumenta a resistên-
se recuperar depois de uma lesão. No entanto, há cia a lesões14 e facilita a recuperação funcional pós-
diversos relatos que os neurônios são dotados de -lesão.15 As adaptações promovidas pelo exercício
poder plástico, ou seja, podem se reorganizar após no sistema nervoso central exercem implicações na
ativações sucessivas, como no aprendizado ou mes- prevenção e no tratamento de obesidade, câncer,
mo após um processo patológico. depressão, declínio cognitivo associado ao envelhe-
cimento e com distúrbios neuropáticos como doença
A neuroplasticidade é definida como capacidade de Parkinson, doença de Alzheimer, acidente vascu-
de reorganização funcional das células neuronais lar isquêmico e lesões medulares ou encefálicas.16,17

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Em todas as neuropatias, um programa de trata- NEUROPLASTICIDADE


mento que incorpore principalmente o treino de
atividades funcionais é essencial para haver maior Alterações plásticas ocorrem no cérebro para com-
independência dos pacientes. Porém, os fatores de- pensar a perda de funções nas áreas prejudicadas.18
terminantes da plasticidade neural após uma lesão Essa neuroplasticidade existe não somente no cór-
não estão totalmente esclarecidos. tex, mas pode acontecer também em regiões sub-
corticais como o tálamo e o tronco cerebral.19
Tendo em vista a importância do tema, o objeti-
vo deste artigo foi fazer uma revisão bibliográfi- Muitos mecanismos celulares podem ser atribuídos
ca sobre os principais achados em exercício físico, como responsáveis por essa plasticidade: (a) por
neuroplasticidade e neuropatias e apresentar os meio da intensificação ou diminuição das sinapses
principais estudos sobre as mudanças celulares e existentes, de forma semelhante à potenciação de
moleculares decorrentes da prática do exercício longa duração (LTP) ou depressão de longa dura-
no sistema nervoso central, bem como relacio- ção (LTD); (b) mediante a alteração na excitabili-
nar o efeito do exercício físico com a plasticidade dade da membrana do neurônio e (c) por meio de
nas doenças do sistema nervoso como Alzheimer, alterações anatômicas que incluem brotamento de
Parkinson, acidente vascular encefálico, traumatis- novos terminais axônicos e formação de novas si-
mos cranioencefálicos, depressão e epilepsia. napses ou sinaptogênese. Entretanto, esses proces-
sos ocorrem em diferentes períodos de tempo mas
MÉTODO nem sempre mutuamente.19

Para a realização deste trabalho foi elaborada uma EXERCÍCIO FÍSICO E PLASTICIDADE NEURAL
revisão bibliográfica em artigos científicos de re-
vistas indexadas com uso das bases de dados Scielo Há evidências de que o exercício físico pode induzir
(Scientif Eletronic Library Online) http://www.scie- a adaptações estruturais e funcionais (plasticidade)
lo.org, PubMed http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ em várias áreas motoras inclusive gânglio basal,20
pubmed/, Lilacs (Literatura Latino-Americana e cerebelo21 e núcleo rubro.22 Esse aumento dos me-
do Caribe em Ciências da Saúde) e BVS (Biblioteca canismos celulares e sinápticos da plasticidade pro-
Virtual da Saúde) http://regional.bvsalud.org. movidos pelo exercício pode contribuir para haver
efeitos benéficos do enriquecimento motor, reduzir
O sistema de busca foi realizado por meio das pala- a degeneração e promover a recuperação funcional
vras-chave neuroplasticidade; neuroplasticidade e em cérebros lesados.23 No caso de regiões com lesão,
exercício físico; neuroplasticidade e sistema nervoso a prática de exercícios físicos pode alterar sinapses
central; neuroplasticidade e doenças neurológicas. ou reduzir eventos moleculares na área perilesiona-
da ou nas áreas mais remotas do córtex, incluindo-
Dos artigos obtidos com essa pesquisa foram sele- -se as não diretamente prejudicadas.24
cionados aqueles publicados no período de 1992 a
2013. Foi então realizada leitura e comparação dos As respostas neuroendócrinas são necessárias para
dados disponíveis na literatura. manutenção da homeostase durante o exercício.
Embora o exercício seja um fator de estresse, em
RESULTADOS intensidades moderadas ele parece contribuir pa-
ra a proteção de outros fatores estressores. Radak
Com a utilização do sistema de busca apresentado e colaboradores (2005) sugeriram que os efeitos
foram encontrados 3.526 artigos. Foram excluídos os benéficos do treinamento físico são parcialmente
que não estavam em língua inglesa ou portuguesa e baseados na produção de espécies reativas de oxi-
os que não estavam relacionados ao tema diretamen- gênio (EROs) e, consequentemente, na melhora da
te. Assim, 48 correspondiam especificamente ao tema capacidade de responder a esse estresse. O exercí-
pretendido e foram usados para compor esta revisão. cio induziria a ação antioxidativa, por intermédio

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de enzimas reparadoras de DNA e com isso levaria regula a expressão do fator de crescimento endo-
à proteção contra doenças relacionadas ao estresse telial cerebral (vascular endothelial growth factor,
oxidativo. Além disso, o exercício teria papel im- VEGF). Este fator atua na regulação da ação de cé-
portante na melhora do sistema imunitário.25 lulas endoteliais e na angiogênese, além de exercer
efeito neurotrófico e neuroprotetor. O IGF-1 e o fa-
Outro mecanismo envolvido na relação entre exer- tor neurotrófico em referência mediam melhoras
cício e o sistema nervoso central é a ação dos fa- comportamentais como consequência do treina-
tores neurotróficos. O treinamento físico está mento. Já os efeitos da interação do IGF-1 com o
associado ao aumento da liberação e da síntese VEGF parecem influenciar a neurogênese e, sobre-
de diversos fatores neurotróficos relacionados à tudo, a angiogênese.27
melhor função cognitiva, neurogênese, angiogê-
nese e plasticidade cerebral. Entre os mais inves- Foi observado por Winter e colaboradores (2007),26
tigados, estão o fator neurotrófico derivado do que ocorre aumento significativo nos níveis séri-
cérebro (brain derived neurotrophic factor, BDNF) cos de catecolaminas (noradrenalina, dopamina e
e o fator de crescimento insulínico (insulin-like serotonina), após atividade física intensa em se-
grow factor, IGF-1). Diversas evidências confir- res humanos, associado a melhora das respostas
mam a relação entre BDNF e melhor função hi- de memória e aprendizado. Outros autores mos-
pocampal, plasticidade sináptica, aprendizado e traram que o exercício de intensidade modera-
modulação da depressão.25 da ativa o sistema endocanabinoide. Além disso,
sujeitos treinados, como corredores e ciclistas,
Recentemente, Winter e colaboradores26 observa- apresentam maiores concentrações de ananda-
ram aumento sérico do fator neurotrófico derivado mina – um endocanabinoide endógeno – quando
do cérebro e catecolaminas (noradrenalina, adre- comparados a sujeitos sedentários.28
nalina e dopamina) em seres humanos numa cor-
rida de alta intensidade (teor de lactato maior que Outro efeito cerebral produzido pelo exercício físi-
10 mmol/L). Embora eles tenham observado ape- co é o que ocorre em relação aos dendritos dos neu-
nas o fator neurotrófico periférico, parece haver rônios. O treino de tarefas ou de habilidades fun-
influxo natural do sangue para o cérebro. Assim, cionais, por meio de exercícios, sensibiliza árvores
o exercício estaria levando a respostas séricas que dendríticas. Com isso, ocorre aumento dos ramos
melhorariam as funções cerebrais. dendríticos, da densidade das espinhas dendríticas
e do número de sinapse por neurônios e botões si-
O IGF-1 é outro fator neurotrófico relacionado à nápticos.29 Estes dendritos estão repletos de canais
melhora cognitiva. Está também associado ao au- sinápticos excitáveis que operam em diferentes
mento da neurogênese, pois está presente no início escalas de tempo, o que permite haver uma sofisti-
de processos de proliferação de células progenitoras cada plasticidade neural.30
na zona subgranular. O exercício aumenta os teo-
res de IGF-1, que estão diminuídos em idosos com O exercício físico também está relacionado com
declínio cognitivo.25 Sabendo-se que o treinamen- o aumento do fluxo sanguíneo cerebral (FSC) em
to de força aumenta os teores de testosterona e do diversas áreas corticais e subcorticais. Durante o
IGF-1, alguns autores sugerem que esse treinamen- exercício, há elevada produção de adenosina tri-
to poderia ter vantagem em relação ao treinamento fosfato (ATP), um potente vasodilatador, o que
aeróbico. Por exemplo, certos autores2 observaram poderia explicar o aumento desse fluxo sanguíneo
melhora cognitiva e maiores concentrações séricas cerebral.25 Além disso, há elevação do teor de óxido
de IGF-1 em um grupo de idosos normais que reali- nítrico (NO), outro vasodilatador relacionado à an-
zaram seis meses de treinamento de força. giogênese. Todos esses fatores melhoram o consu-
mo de oxigênio, o metabolismo de glicose e o fluxo
Além do aumento dos teores de fator neurotrófico sanguíneo cerebral, o que explicaria o efeito bené-
derivado do cérebro e do IGF-1, o exercício também fico do exercício na atividade cerebral.25

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EXERCÍCIO FÍSICO, PLASTICIDADE E DOENÇAS DO físico (aeróbico, força, flexibilidade) diminuem o


SISTEMA NERVOSO número de internações, aumentam a qualidade de
vida e restringem os sintomas de depressão. Rolland
A reorganização que ocorre no córtex é consi- e colaboradores (2007)38 avaliaram 134 idosos com a
derada como base potencial para a recuperação doença de Alzheimer e verificaram que, depois de
nos estádios precoces e tardios de neuropatias.31 um ano de intervenção, o grupo que praticou exercí-
Experimentos em animais com lesão encefálica cio, com uma hora de treinamento físico duas vezes
mostram que os mapas de representação cortical por semana, obteve melhora do escore de ativida-
são alterados, as sinapses alteram sua conforma- de de vida diária quando comparado ao grupo que
ção anatômica, os dendritos crescem, os axônios só recebeu a rotina de cuidados médicos. Apesar de
mudam sua trajetória, vários neurotransmissores as pesquisas nessa área serem recentes e pouco se
são modulados, as sinapses são potencializadas ou conhecer sobre mecanismos e eficiência da ativida-
deprimidas,32 novos neurônios diferenciam-se e de física na proteção e no tratamento da doença de
sobrevivem, ocorre aumento da mielinização dos Alzheimer, os resultados são promissores.
neurônios remanescentes e maior recrutamento
de pools de motoneurônios, o que transfere a fun- Na doença de Parkinson, também tem sido publica-
ção das áreas prejudicadas para as áreas adjacentes dos estudos que associam a melhora do quadro da
preservadas ou correlatas.33-35 doença com a prática de exercícios. A intensidade
do exercício praticado pode influenciar a resposta
Acreditava-se que, em doenças do sistema nervoso, protetora contra a doença. Intensidades maiores,
não havia possibilidade de regeneração celular. Hoje como pedalar ou correr, teriam melhor associação
se sabe que algumas regiões do encéfalo, como a zona com o efeito protetor do que atividades de intensi-
subventricular dos ventrículos laterais e a zona sub- dade leve, como caminhar ou dançar. Esses resul-
granular do giro dentado do hipocampo, são capazes tados podem estar relacionados às respostas obti-
de gerar novos neurônios por toda a vida adulta de das com exercício físico, em especial o aeróbico.38
mamíferos.4 Por isso, muitos estudos têm mostrado os Sutoo e Akiyama (2003)17 desenvolveram a hipótese
benefícios do exercício físico em várias neuropatias. de que o exercício melhoraria os sintomas do mal
de Parkinson, a partir da síntese de dopamina pro-
Na doença de Alzheimer, há diminuição do metabo- duzida pela liberação de cálcio no exercício.
lismo da glicose e hipoperfusão em áreas do córtex
temporoparietal. Mais especificamente, pacientes Em 2001, um grupo de pesquisadores realizou uma
com esse mal teriam menor perfusão em áreas do revisão por metanálise e concluíram que a atividade
circuito amígdala-hipocampo, córtex cingulado an- física é benéfica para pacientes com Parkinson no que
terior e posterior e tálamo anterior. O declínio cog- diz respeito às atividades de vida diária, à qualidade
nitivo está significativamente correlacionado com a de vida, à habilidade de caminhar e às manifestações
hipoperfusão na doença de Alzheimer. Um dos me- de distúrbios neuroencefálicos. De fato, a melhora da
canismos possíveis seria a disfunção do óxido nítrico, força e do equilíbrio pode influenciar a autonomia e a
resultando em alteração da hemodinâmica e da fun- qualidade de vida do idoso, sem que necessariamente
ção dos neurotransmissores. O exercício físico atua- houvesse alterações neuroquímicas.39 Outro estudo
ria melhorando a perfusão cerebral pelo aumento da mostrou que pacientes com Parkinson, por terem re-
produção de óxido nítrico, além de intensificação da alizado em períodos de trinta minutos treinamento
atividade anti-inflamatória e aumento da produção de força e de equilíbrio durante dez semanas tiveram
de acetilcolina.15 Outros autores associam a melhora aumento de força física e houve diminuição do nú-
ao aumento da expressão de fatores neurotróficos.36 mero de quedas nos períodos de testes.40

Nesse contexto, Teri e colaboradores (2003),37 ava- Quanto a acidente vascular encefálico (AVE) tam-
liaram 153 idosos com o mal de Alzheimer e veri- bém existem trabalhos que revelam o efeito be-
ficaram que trinta minutos por dia de treinamento néfico do exercício, em especial, o treinamento

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aeróbico. Este pode ter importante papel na melho- possibilitar melhor compreensão das mudanças
ra da aptidão cardiovascular de outros resultados plásticas durante a recuperação das funções ner-
de recuperação da saúde em doentes que tiveram vosas em seres humanos.
acidente vascular encefálico por quebrar o círculo
vicioso de inatividade física e declínio funcional.41 Por meio desta revisão, analisados os resultados
Esse tipo de exercício é benéfico em casos de AVE, dos estudos feitos em seres humanos ou quaisquer
pois, na maior parte dos tratamentos aplicados a animais, pode-se sugerir que a prática de tarefas
pacientes com neuropatias, as intervenções res- ou de habilidades específicas, sejam novas ou já
tringem-se à recuperação somente do membro conhecidas, deve ser sempre o foco principal de
afetado. Entretanto, mediante novos estudos, tem- programas de tratamento dos pacientes com neu-
-se observado que o treino bilateral, incluindo-se ropatias, para que se conduza o doente a melhor
o membro não lesado, pode trazer mais benefícios recuperação funcional, pois a neuroplasticidade
para os indivíduos do que o treino unilateral.42-44 parece ser dependente de aprendizado e de ativida-
des físicas e não apenas do uso das funções neurais.
O planejamento e a execução de movimentos bilate-
rais podem facilitar a plasticidade neural, e isso pode
ocorrer por três mecanismos: (a) desinibição do cór- REFERÊNCIAS
tex, que permite maior uso das vias poupadas no he-
misfério danificado; (b) aumento do recrutamento 1. Jacobs AB. Neuroplasticidade. In: Ekman LL. Neurociên-
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das danificadas do hemisfério contralateral e (c) au- bara Koogan; 2000. p. 45-52.
mento da regulação dos comandos descendentes.43
2. Borella MP, Sacchelli T. Os efeitos da prática de ativi-
Em doenças como a epilepsia, também tem sido rela- dades motoras sobre a neuroplasticidade. Rev Neuro-
tados os benefícios da atividade física regular. Pessoas cienc. 2009;17(2):161-9.
com esse distúrbio podem obter benefícios da ativida-
de física, como aumento da capacidade aeróbica má- 3. Gomez-Pinilla, F. Brain foods: the effects of nutrients on
xima, aumento da capacidade de trabalho, frequência brain function. Nat Rev Neurosci. 2008;9:568-78.
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Tem sido demonstrado que o exercício também
tem efeitos positivos sobre a densidade óssea.46 5. Zhao C, Deng W, Gage FH. Mechanisms and functional
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tiepilépticas (DAEs) leva à perda da densidade os-
séa,47 e os estudos mostraram que a perda óssea 6. Kramer AF, Hahn S, Cohen NJ, Banich MT, McAuley E,
pode ocorrer depois de dois anos de exposição a arrison , e al. geing, fi ness and neurocogni i e
essas drogas. A esse respeito, o exercício deve ser function. Nature 1999;400(6743):418-9.
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