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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 20, pp.

185 - 186, 2006

O MODELO BARCELONA, UMA ANÁLISE CRÍTICA


CAPEL, HORACIO. EL MODELO BARCELONA: UN EXAMEN
CRÍTICO, BARCELONA: EDICIONES DEL SERBAL, 2005.

Glória da Anunciação Alves

O professor Horacio Capel, catedrático Os processos de transformação


de Geografia Humana da Universidade de urbanística da cidade podem ser mais
Barcelona e autor dos dois volumes intitulados pontuados a partir da década de 80 do século
“La morfologia de las ciudades 1 ”entre outros XX e, nessa ação, aparentemente, a cidade era
publicados em sua carreira, faz nesta obra El pensada como um todo. As estratégias
modelo Barcelona: un examen crítico, Barcelona, privilegiaram a requalificação da periferia e do
publicada em 2005 em Barcelona (Espanha), centro da cidade por meio de ações pontuais
uma leitura crítica do chamado “modelo que deveriam promover ou potencializar também
Barcelona” que tem sido referência aos projetos mudanças no entorno ou, como diziam os
de requalificação de muitas cidades latino técnicos envolvidos no processo, ações com
americanas, inclusive no Brasil. efeitos difusores, recuperando a noção de
Inicialmente resgata, sempre cidade enquanto um organismo, denominando
destacando os autores que servem de o processo de “metástase positiva”. Nesse
referência às suas reflexões, a questão do momento, as intervenções eram dadas na escala
próprio “modelo”. Retoma que, no caso da rua e das praças, com a abertura e ou
específico de Barcelona, trata-se de um processo monumentalização de espaços públicos, bem
que teve grandes transformações, ficando difícil como a ampliação das infra-estruturas dos
de classificá-lo como “modelo”. Para isso, Capel bairros, em especial os mais periféricos, mas sem
resgata a história da cidade, buscando analisar deixar de lado espaços já consolidados e
as transformações espaciais em suas diferentes também com problemas, como na área central.
escalas. Recuperando o processo, o autor analisa
Desde finais do século XIX, Barcelona se como as ações passam da correção dos déficits
destaca na Espanha por ser o grande espaço (habitacionais, infra-estrutura) muito localizados
industrial. Com Franco e o protecionismo nas periferias, para as ações complexas ligadas
espanhol, é reforçada como área de grande a um projeto maior de inserção da cidade no
desenvolvimento econômico, incentivando ainda contexto internacional de competitividade, que
mais seu papel como área de atração pode ser marcado pela apresentação da
populacional, porém com graves déficits sociais, candidatura da cidade de Barcelona para os
principalmente no que diz respeito a questão Jogos Olímpicos e sua escolha, em 1986, para
habitacional e de infra estrutura. Esse quadro sediar as Olimpíadas de 1994, o que pôs em
se agrava e passa a ser questionado, com maior andamento os grandes projetos urbanos que
ênfase, com a organ ização dos movimentos dão destaque a eixos de desenvolvimento na
sociais aliada às mudanças políticas na Espanha, cidade, com operações de grande alcance.
principalmente após a morte do ditador. Assim, desde 1986, Barcelona passa a sofrer

*Professora Doutora do Departamento de Geografia da FFLCH da USP


E-mail: gaalves@usp.br
186 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 20, 2006 ALVES, G. A.

várias intervenções de grande porte já que que essas pulsações, ainda que promovam
tinha que estar pronta e bela para a realização alguns benefícios, também implicam em custos
do grande evento esportivo mundial: os Jogos e impactos adversos que nem sempre são
Olímpicos . Capel demonstra que, nesse deixados claros. Assim seria necessário que
momento, ainda havia, do ponto de vista do sempre se deixasse às claras quem efetivamente
projeto concebido (talvez até porque era um se beneficia das ações e quem paga os custos,
partido de “esquerda” que estava na pois em geral toda a sociedade paga pela
administração da prefeitura de Barcelona) a transformação espacial, mas nem sempre todos
preocupação de procurar garantir a se apropriam.
permanência da população residente das áreas Capel chama a atenção para como essa
que estavam sendo afetadas pelas transformação da cidade, que tem uma história,
intervenções o que, entretanto, nem sempre um povo, uma particularidade na própria
isso tenha ocorrido. Espanha, serviu a alguns intelectuais e
O autor enfatiza ainda que se trata de empresas de consultorias para vender um novo
um processo em continuidade, já que a produto: O modelo de desenvolvimento de
competitividade entre os agentes hegemônicos cidade, no caso, o modelo Barcelona, como um
presentes nas localidades não para. Assim as modelo de cidade compacta. Nesta experiência,
intervenções urbanísticas continuam depois dos que tem servido de referência para várias
Jogos de 1994. Novas ações, em que se destaca cidades no mundo, o autor afirma que tem
a parceira público-privado, são postas na ordem faltado, no caso específico da cidade de
do dia de modo a promover uma valorização Barcelona, um maior diálogo entre técnicos e
positiva do que alguns autores chamam de população atingida, de modo que as
“efeito pulsar”. Entre as elas, foram indicadas, transformações não sejam apenas uma
entre outras, as grandes transformações resposta a inserção no cenário internacional de
urbanísticas são feitas para a realização do competitividade, mas também traga respostas
Fórum das Culturas em 2004; uma zona e alternativas à vida da população que vive nas
industrial “decadente” é escolhida para a cidades. Esse é o grande alerta que o é feito
criação do 22@ (bairro cuja ênfase é a àqueles que tem se inspirado no “modelo
instalação de indústrias de alta tecnologia); Barcelona”: que haja maior sensibilidade nas
novos investimentos são destinados à ações urbanísticas às necessidades cotidianas,
ampliação de equipamentos culturais da população que, em geral, são esquecidas,
(principalmente em museus- criação e nunca sendo consultadas pelos técnicos e
recuperação) e com isso Barcelona parece se políticos que, sem estabelecer diálogo, vêm
capacitar a ser uma cidade mundial, podendo criando situações que naturalizam as situações
“competir” no cenário internacional, captando de pobreza e marginalização social.
recursos e investimentos nacionais e
internacionais. O que em geral não se coloca é

Nota
1
Publicados em 2002(volume 1) e 2005(volume 2). Ediciones del Serbal

Trabalho entregue em setembro de 2006.

Trabalho aceito em outubro de 2006

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