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CONCEPÇÕES

INTERDISCIPLINARES
Pablo Rodrigo Bes
Um currículo em ação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Reconhecer a necessidade da inovação curricular como forma de dar


significado à aprendizagem.
„„ Identificar os aspectos-chave de um currículo organizado por projetos
de trabalho.
„„ Definir os valores, as concepções e a organização do conhecimento
em um currículo globalizado.

Introdução
As teorias do currículo buscam ampliar o entendimento sobre ele, desde
a relação de conteúdos e objetivos de aprendizagem a serem ensinados
aos estudantes. Hoje, ao tratar de inovação curricular, refere-se à direção
de novas práticas pedagógicas que entendem que a finalidade da escola
deve ser ampliada, preparando os alunos de forma globalizada para a
vida social, além do mero acúmulo de conhecimentos. Assim, a inovação
quebra o paradigma do ensino centrado no professor e propõe como
prioridades o protagonismo e a aprendizagem do aluno, considerando
que esta deve envolver situações do cotidiano para ser significativa,
bem como as vivências e experiências sobre temas que os estudantes
já trazem consigo.
Neste capítulo, você estudará a importância da inovação curricular
para que a aprendizagem se torne significativa; as características de um
currículo por projetos de trabalho; bem como os valores, as concepções
e a organização do conhecimento em um currículo globalizado.
2 Um currículo em ação

Inovação curricular — rumo à aprendizagem


significativa
O conceito de currículo escolar mudou bastante com o decorrer do tempo, acom-
panhando a transformação ocorrida na sociedade e os significados atribuídos
à educação e à escolarização. Portanto, antes de tratar da importância de um
currículo inovador, você deve entender quais condições políticas, econômicas
e culturais possibilitaram a construção do conceito de currículo atual.
Sempre foi uma preocupação social definir o que, dentro da cultura humana,
deveria ser ensinado de uma geração para outra. Geralmente, esses ensinamen-
tos procuravam associar-se à construção de um modelo de sociedade almejado,
bem como se alinhavam com os pensamentos que as classes dominantes e os
governos de determinadas regiões consideravam os mais corretos ou o padrão
a ser repassado à população. No início do século XX, surgiu uma teoria do
currículo, na qual, de forma sistemática, os discursos acerca do termo eram
associados aos sentidos específicos que projetam como as instituições de
ensino deveriam desenvolver suas atividades.
Quando se trata de currículo, logo se pensa nas disciplinas das matrizes
curriculares e nos conteúdos que devem ser ensinados aos estudantes quando
você exerce sua prática docente. Porém, entendê-lo dessa forma é uma visão
reducionista, empregada na sua teoria tradicional, pois envolve a produção de
subjetividades, ou o sujeito que está em formação, bem como o poder exercido
no processo de seleção e classificação dos saberes que comporão o processo
de ensino e aprendizagem.
De acordo com Moreira e Silva (2001, p. 7), “o currículo é considerado
um artefato social e cultural. O currículo transmite visões sociais particulares
e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particula-
res”. Um artefato social e cultural é construído pelo ser humano a partir das
suas relações, bem como da interação com os grupos sociais e culturais dos
quais participa. Já a escola se alinha com essa ideia ao exercer uma grande
contribuição para que a identidade seja produzida.
Segundo Silva (2007), o currículo em ação contempla entender que ele
envolve os pontos apresentados na Figura 1.
Um currículo em ação 3

Saber Identidade
Conhecimentos a Tipo de ser Poder
serem ensinados humano desejável

Figura 1. Pontos de análise das teorias do currículo escolar.


Fonte: Adaptada de Silva (2007).

Pensar em um currículo inovador é entender como se seleciona os saberes


que serão ensinados nas salas de aula e o que se propõe que seja aprendido
pelos estudantes. Questiona-se, ainda, sobre quais os tipos de pessoa que estão
sendo produzidos a partir da escola e quais as implicações desta no projeto
de sociedade almejado, refletindo sobre as relações de poder entre aqueles
que definem o que deve ou não ser ensinado e o sujeito ideal a ser formado a
partir das práticas escolares.
O termo inovação é amplamente utilizado em diversas áreas do conhe-
cimento e remete a uma mudança específica, à criação de algo que ainda
não foi proposto ou a uma nova maneira de fazer algo. Ao aplicá-lo ao
currículo, entende-se que a inovação curricular leva, necessariamente, a
repensar as práticas cotidianas e a relação de ensino e aprendizagem, em
que o professor é peça essencial. Assim, os processos e as práticas que
buscam inovação constituirão estratégias que determinem a melhoria da
qualidade do ensino do sistema educativo e, consequentemente, a apren-
dizagem dos estudantes.
Segundo Masetto (2011, p. 15), um currículo inovador exige:

[...] uma gestão diferenciada, com valorização da mudança favorecendo a


aprendizagem dos participantes e do compromisso dos docentes com esse
novo projeto, com reorganização de tempo e espaço para aprendizagem, com
revisão da infraestrutura para apoio do projeto, com formação continuada
dos professores, com investimento em condições favoráveis aos trabalhos
dos docentes.

Como você pode perceber a partir dessa citação, o compromisso com a


mudança e a busca pela inovação curricular parte do entendimento e do foco
da gestão da instituição de ensino. Essa inovação também propõe a quebra
4 Um currículo em ação

dos paradigmas da própria didática, que, por muitas décadas, enfatizou um


currículo baseado no ensino e nas técnicas que promoviam o professor como o
centro do processo educativo realizado juntamente aos alunos. Considerando
o currículo alinhado com as demandas atuais, o professor é considerado o
grande agente dessa mudança e precisa, obrigatoriamente, rever suas práticas
em sala de aula, reinventando formas de conduzir suas aulas, focando no aluno,
promovendo seu protagonismo e fomentando sua aprendizagem.
Já os projetos educacionais inovadores passam pela readequação das es-
truturas nas escolas, por exemplo, conduzir um currículo híbrido, que tenha
atividades realizadas on-line com os estudantes, sem possuir um laboratório
de informática bem estruturado ou sem uma conectividade com a internet
disponível a todos na instituição. Da mesma forma, buscar práticas com-
plementares à aprendizagem dos alunos, como promover momentos em que
façam atividades fora do tempo presencial na escola, requer uma estrutura
de ambientes virtuais, que devem ser planejados e estruturados por profes-
sores, exigindo uma formação voltada ao ensino híbrido para a construção
de materiais instrucionais digitais, o uso de metodologias ativas de aprendi-
zagem, entre outros. Portanto, toda inovação curricular demanda uma série
de procedimentos e investimentos de várias ordens, sendo a formação desses
docentes fundamental para que ela se constitua.
A inovação curricular remete ao foco no sujeito que está sendo produzido
a partir das práticas escolares, entendendo que estas envolvem mais do que
conteúdos, pois a frequência à escola trata-se do preparo para a vida e as
exigências que cada época tem sobre os estudantes. Assim, no contexto atual,
por exemplo, no qual toda gama de informações é disponibilizada no universo
digital, apresentar práticas escolares que não contemplem essa possibilidade
seria, no mínimo, retrógrado. Já em relação ao papel do professor, a situação se
agrava ainda mais, pois quem ainda não percebeu que a mudança na vida social
realizada pelo contexto digital pode ser um grande instrumento de trabalho
para as aulas, fica aquém e é considerado desatualizado pelos estudantes,
com aulas desinteressantes.
De acordo com Masetto (2011, p. 6), ao analisar projetos curriculares que
funcionam de forma inovadora, na Faculdade de Medicina de Harvard, as
estratégias pedagógicas:

[...] são selecionadas de forma a privilegiar a participação dos alunos (debates,


observação com discussão, leituras, pesquisas, atividade prática com pacien-
tes, atividades em ambientes de simulação da realidade, discussão de casos
após observá-los por circuito interno de TV). Não há mais aulas expositivas
para grandes turmas.
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Perceba que, ao promover práticas que coloquem os alunos em atividade,


a universidade rompe com as aulas consideradas tradicionais e retira o pro-
fessor da centralidade do processo, utilizando as estratégias de aprendizagem
que promovam a reflexão, interação, análise e colaboração dos estudantes.
Inclusive, as aulas expositivas usadas há muitas décadas podem ser reinven-
tadas, tornando-se mais atrativas e dinâmicas ao serem exercidas de forma
dialogada e interativa, alternando a aplicação de técnicas interativas e de
recursos audiovisuais pelo docente.
Destes pontos iniciais, você pode entender que a inovação curricular passa
necessariamente pelo repensar da práxis docente e pela busca de novos enfoques
didáticos, em que o estudante e sua aprendizagem sejam enfatizados. Aliado
a isso, esteja atento às mudanças sociais, culturais e tecnológicas para que a
escola não se distancie do que pode gerar sentido aos estudantes.

Uma das estratégias pedagógicas que, em geral, está presente em escolas que adotam
inovação curricular é o Problem Based Learning (PBL) ou a Aprendizagem Baseada em
Problemas (ABP), que propõe o desenvolvimento do processo de autoaprendizagem,
no contexto da aprendizagem colaborativa, a partir de problemas formulados pelo
professor ou pelos alunos, que se direcionam aos objetivos educacionais que se
pretende alcançar.

Currículo por projetos de trabalho


Um dos aspectos importantes da inovação curricular está relacionado à busca
de práticas educativas que se desenvolvam quebrando a lógica da segmentação
dos conhecimentos e produzam uma aprendizagem mais globalizada pelos
estudantes. Para atingir tal nível de reestruturação da aprendizagem que
ocorre na escola, uma ótima estratégia é desenvolver o currículo por projetos
de trabalho, conforme você pode ver na Figura 2.
6 Um currículo em ação

Relacionar
Organizar o Tratar
diferentes
conhecimento as informações
conteúdos

Figura 2. Funções do projeto de trabalho.


Fonte: Adaptada de Hernández e Ventura (2017).

O projeto de trabalho organiza como os conhecimentos escolares serão


aprendidos pelos estudantes, para que possam se apropriar da grande quantidade
de informações sobre os temas ou os problemas abordados, interpretando-as
e encaixando-as no local em que contribuam para se consolidarem como co-
nhecimento. É importante notar que “a informação necessária para construir
os Projetos não está determinada de antemão, nem depende do educador ou do
livro-texto, está sim em função do que cada aluno já sabe sobre um tema e da
informação com a qual se possa relacionar dentro e fora da escola” (HERNÁN-
DEZ; VENTURA, 2017, p. 62). Ele também permite que se envolva diferentes
conteúdos, de diversas disciplinas, para que se tenha uma aprendizagem mais
significativa a partir de uma postura interdisciplinar.
Para que você possa aplicar um projeto de trabalho com os seus alunos,
deve seguir alguns passos: definir um eixo ou problema que será o objeto de
estudo do projeto; estruturar a forma como as informações sobre o objeto
que conduzirá o projeto serão coletadas pelos estudantes; e estabelecer quais
procedimentos serão utilizados para o tratamento das informações adquiridas
e sua conversão para conhecimentos que se aliem aos conteúdos disciplinares
desenvolvidos.

Em uma escola de educação básica, localizada na região ribeirinha, um professor


de uma turma do 5º ano do ensino fundamental percebeu que vários familiares
de seus alunos tinham como principal atividade profissional a pesca. A partir dessa
observação e do interesse dos estudantes, ele decidiu criar um projeto de trabalho
sobre o tema. Para isso, após sensibilizar todos sobre a problemática que faria parte
dos seus estudos durante as próximas semanas de aula, começou a ouvir seus alu-
nos, buscando entender o que sabiam sobre a pesca, como impactava sua vida, as
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vantagens e desvantagens da profissão, a rotina dos pescadores, etc. Partindo dessas


informações iniciais, ele conduziu sua turma na busca de informações sobre o setor
produtivo pesqueiro e sua representação para a economia local, a qual ocorreu na
biblioteca da escola e no laboratório de informática, por meio de pesquisas on-line. Além
disso, o professor apresentou algumas tarefas para seus estudantes, como entrevistar
alguns pescadores e acompanhar a vida deles para que pudessem comentar com
outros colegas em sala de aula. Após a coleta de dados e informações, ele propôs
suas formas de tratamento aos alunos, tentando aproximar o que tinham coletado
com os conteúdos que haviam estudado, como nas disciplinas de história, ciências,
português e matemática, levando-os a perceber que, nesse projeto, tais matérias e
seus conteúdos se entrelaçavam. Ao final desse projeto, o professor fez uma atividade
de culminância com seus estudantes e alguns pais, pescadores locais, na qual todos
foram pescar e comprovar, na prática, aquilo que discutiram no desenvolvimento do
estudo, o que consolidou ainda mais a aprendizagem, uma vez que trouxe sentido e
associou-se ao contexto da vida deles.

Do exemplo anterior, você pode visualizar, na Figura 3, as bases teóricas


que, em geral, fundamentam a organização curricular a partir dos projetos
de trabalho.

Aprendizagem Avaliação
significativa

Atitude favorável Memorização


ao conhecimento compreensiva

Previsão lógica e Sentido de


sequencial inicial funcionalidade

Figura 3. Bases teóricas dos projetos de trabalho.


Fonte: Adaptada de Hernández e Ventura (2017).
8 Um currículo em ação

Uma aprendizagem se torna significativa quando consegue se conectar aos


conhecimentos prévios dos estudantes, remete aos princípios práticos de sua
vida pessoal e suas rotinas cotidianas, bem como se associa às suas hipóteses
sobre o problema e o mundo. Uma atitude favorável ao conhecimento, por sua
vez, refere-se a um tema ou problema que desperte o interesse dos alunos e os
faça se engajar nas atividades de pesquisa e nos procedimentos que o professor
adotará durante o projeto, por isso, a escolha do tema que será objeto de estudo
deve ser feita com cuidado, partindo dos interesses da turma.
Em geral, um projeto de trabalho apresenta uma sequência estruturada,
planejada pelo professor para que os alunos desencadeiem durante o tempo em
que seja realizado, porém, deve ser flexível, pois as situações de sua aplicação
podem variar e exigir adaptações para contemplar novas informações, ou
novos interesses e pontos que tangenciem o tema e ampliem sua discussão.
Esses projetos possuem uma funcionalidade e uma intenção pedagógica, que
é buscada a partir dos procedimentos planejados pelo docente e das técnicas
e estratégias de aprendizagem que ele colocará em prática neles.
Os projetos de trabalho desenvolvem a memória compreensiva, fazendo
os estudantes perceberem como as informações coletadas e tratadas servem
de base para estruturar novos conhecimentos, aprendizagens e suas possí-
veis relações. Já a avaliação tem como principal objetivo analisar todo o
processo percorrido ao longo do projeto, notando como as aprendizagens
ocorrem e propondo a tomada de decisões quanto ao seu desenvolvimento
ou possíveis adaptações para que os alunos consolidem ao máximo suas
aprendizagens.

Uma das primeiras abordagens que envolvem a proposição de um currículo globalizado


se trata dos centros de interesse, propostos por Decroly (1871-1932). Ele foi um médico
e educador belga considerado um precursor na busca pelo ensino ativo, em que a
escola seria centrada no aluno e o prepararia para uma vida em sociedade, além de
simplesmente ensinar os conteúdos. Esses centros eram grupos de aprendizado que
dividiam as crianças por faixa etária e de acordo com seu desenvolvimento e seus
interesses.
Um currículo em ação 9

Currículo globalizado
Os pensamentos em busca de um currículo globalizado surgiram nas últimas
décadas, visando propor uma inovação curricular que quebrasse o paradigma
da segmentação de conhecimentos e disciplinas cartesianas ainda tão ampla-
mente aplicado nas escolas atuais. Gallo (2011, p. 40), ao referir-se ao filósofo,
geômetra e matemático René Descartes e à criação de sua árvore dos saberes,
esclarece que:

Nessa imagem as raízes da árvore representariam o mito, como conhecimento


originário; o tronco representaria a filosofia, que dá consistência e sustenta-
ção para o todo; os galhos, por sua vez, se subdividem em inúmeros ramos.
Interessante notar que a imagem da árvore, por mais que dê vazão ao recorte,
à divisão e às subdivisões, remete sempre de volta a totalidade, pois há uma
única árvore, e para além do conhecimento das partes, podemos chegar ao
conhecimento do todo, isto é, tomando distância
podemos ver a árvore em sua inteireza.

Criador do método científico, René Descartes construiu sua teoria entendendo que a
separação das partes para seu estudo era mais apropriada aos resultados objetivos da
ciência. Essa forma de pensar se deslocou para a educação, que começou a dividir e
classificar os saberes por áreas de conhecimento e disciplinas, formando um processo
chamado de cartesiano, em referência ao autor.

Se você realizar uma analogia da imagem da árvore com um currículo


disciplinar, poderá perceber suas falhas, pois a divisão em disciplinas (ramos
da árvore) e seu estudo sistemático de forma compartimentada prejudicam e
impedem a visualização do conhecimento como um todo, além das múltiplas
e ricas relações de reciprocidade, simultaneidade e complementaridade entre
as disciplinas nos fatos cotidianos.
A globalização tem como grande objetivo levar o aluno a aprender a in-
terpretar a realidade que vivencia, já sua concepção e práticas, em geral,
associam-se a três eixos principais, conforme você pode ver na Figura 4.
10 Um currículo em ação

Forma de Referência Concepção


sabedoria epistemológica curricular

Figura 4. Concepções e práticas de globalização.


Fonte: Adaptada de Hernández (1998).

A globalização como forma de sabedoria remete à utilização dos conhecimen-


tos e suas múltiplas relações para uma melhor compreensão do mundo diante de
sua complexidade. Já a referência epistemológica leva à busca de operações de
pensamento que possibilitem “abordar e pesquisar problemas que vão além da
compartimentação disciplinar” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 34). Como concepção
curricular, por sua vez, ela busca entender o currículo da escola para promover
a relação dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.
Zabala (1998) associa os conteúdos conceituais, procedimentais e atitu-
dinais às perguntas “o que se deve saber?”, “o que se deve saber fazer?” e
“como se deve ser?”. Assim, você pode perceber que os conteúdos escolares
devem envolver mais do que saber sobre o caráter disciplinar do currículo,
atentando-se também à forma, aos métodos e estratégias para promoção de
ensino, aprendizagem (procedimentos), constituição da subjetividade dos
alunos, bem como de quem eles se tornarão por meio do desenvolvimento de
valores e da ética (atitudes).
Este caráter que amplia a função da escola e a dimensão do currículo,
fazendo-o inovar a partir de uma visão globalizada, bem como ressignifica as
práticas docentes e o papel do professor, será reforçado nos quatro pilares da
educação propostos por Delors et al. (1998), no relatório feito para a Organi-
zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
intitulado “Educação: Um futuro a descobrir”. Veja na Figura 5 os quatro
pilares considerados, na época, como a base para os processos educacionais
no século XXI.
Um currículo em ação 11

Aprender Aprender Aprender a Aprender


a conhecer a fazer viver juntos a ser

Figura 5. Quatro pilares da educação.


Fonte: Adaptada de Delors et al. (1998).

O aprender a conhecer remete à aquisição dos conhecimentos necessários


ao seu uso na vida cotidiana, que servem para sua leitura de mundo e para
alcançar uma condição de vida mais digna. Por meio dele, se garante melhores
condições de desenvolvimento profissional, de comunicação e compreensão do
ambiente em que se vive. Além disso, o “aprender para conhecer supõe, antes
tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento.
Desde a infância, sobretudo nas sociedades dominadas pela imagem televisiva,
o jovem deve aprender a prestar atenção às coisas e às pessoas” (DELORS
et al., 1998, p. 92). Embora o aprender a conhecer e o aprender a fazer sejam
indissociáveis, este se relaciona mais com as questões de formação profissional
e, na atualidade, cada vez mais, se exige competências no mercado de trabalho
para que se tenha empregabilidade ou trabalhos a fazer.
O aprender a viver juntos, ou conviver, se refere a uma aprendizagem que
“representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O mundo
atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta
por alguns no progresso da humanidade” (DELORS et al., 1998, p. 96). Ao
olhar ao redor, você percebe na cidade, no interior da escola e nos noticiários
locais como essa questão, sobretudo no Brasil, é urgente na contemporaneidade.
A violência de todas as ordens, como doméstica, de gênero, racista, sexista,
homofóbica, xenofóbica, bullying, entre outras, deve encontrar na instituição
escolar um espaço de reflexão, discussão e práticas que possam reconstruir
esse cenário. As escolas podem contribuir para que a sociedade reconheça o
outro, respeitando e tratando todos com equidade e justiça.
O aprender a ser remete ao desenvolvimento total da pessoa, o que envolve
“espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabili-
dade pessoal, espiritualidade” (DELORS et al., 1998, p. 99). Assim, a partir
da educação que receberam em sua juventude, em que a escola tem papel
primordial, os indivíduos podem estar preparados para exercer sua autonomia
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de pensamento e estabelecer juízos de valor necessários para que decidam


sobre as questões que a vida impõe a todos.
Pensar em um currículo globalizado é entender a instituição de ensino se
empenhando nas suas práticas educativas para a promoção de aprendizagens
que capacitem os alunos para sua vida plena, o que envolve o conhecer,
o fazer, o conviver e o ser. Para que isso seja possível, obrigatoriamente,
deve-se repensar as práticas escolares e o próprio percurso da didática.
Sacristán (2000, p. 47), ao referir-se ao discurso da didática sobre a prática
escolar, relembra que:

O discurso em didática sobre a prática escolar se desenvolveu fragmentando


o processo global do ensino-aprendizagem. Em primeiro lugar, desligando
conteúdos de métodos, ensino de aprendizagem, fenômenos de aula em
relação aos contextos nos quais se produzem, decisões técnico-pedagógicas
de decisões políticas e determinantes exteriores à escola e à aula, etc. Em
segundo lugar, por depender de determinadas metodologias de pesquisa
pouco propensas à compreensão da unidade que se manifesta na prática
entre todos estes aspectos.

Caso você faça o caminho contrário ao percurso discursivo da didática


citado pelo autor, encontrará a globalização e a inovação curricular, que
busca uma aprendizagem significativa por intermédio de práticas peda-
gógicas contextualizadas e que se aliem à realidade social e cotidiana dos
estudantes, logo, despertando seu interesse e participação. Assim, segundo
Zabala (1998, p. 144),

[...] os métodos globalizados nascem quando o aluno se transforma no pro-


tagonista do ensino; quer dizer, quando se produz um deslocamento do fio
condutor da educação das matérias ou disciplinas como articuladoras do ensino
para o aluno e, portanto, para suas capacidades, interesses e motivações.

Ao estudar sobre os modelos que associam os conteúdos curriculares de


forma globalizada, Zabala (1998) destacou alguns métodos desenvolvidos
historicamente, conforme você pode conferir no Quadro 1.
Quadro 1. Alguns métodos globalizadores do currículo

Centros de interesse Projetos Investigação do meio Projetos de trabalho

Ponto de partida Situação real. Situação real. Situação real. Situação real.
e intenção Tema a ser conhecido. Projeto a ser realizado. Perguntas ou questões. Elaboração do dossiê.

Fases – Observação – Intenção – Motivação – Escolha do tema


– Associação – Preparação – Perguntas – Planejamento
• espaço – Execução – Suposições ou hipóteses – Busca de informação
• tempo – Avaliação – Medidas de informação – Sistematização
• tecnologia – Coleta de dados da informação
• causalidade – Seleção e classificação – Desenvolvimento
– Expressão – Conclusões do índice
– Expressão e comunicação – Avaliação
– Novas perspectivas

Fonte: Adaptado de Zabala (1998).


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14 Um currículo em ação

Percebe-se que, embora as discussões sobre um currículo globalizado


não sejam recentes, hoje existe um consenso de que a inovação curricular
está, obrigatoriamente, no debate sobre a ampliação da função social da
escola e dos ajustes necessários para que os estudantes possam acompanhar
as mudanças socioculturais, econômicas, políticas e tecnológicas que ocor-
reram no mundo nas últimas décadas e que ainda continuam desafiando as
instituições de ensino e todos os professores. Para que se consiga contemplar
essas questões, é imprescindível propor novas práticas educativas que tenham
como centro o aluno e sua aprendizagem, bem como atribuam significado
ao que se aprende.

Para se aprofundar mais no estudo sobre o currículo escolar globalizado e sua impor-
tância nas discussões que envolvem os aspectos culturais, assista ao vídeo “Políticas
culturais, multiculturalismo e currículo” no link a seguir.

https://qrgo.page.link/T1YnG

DELORS, J. et al. Educação, um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão


Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO,
1998. 288 p. Disponível em: http://dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_
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GALLO, S. A orquídea e a vespa: transversalidade e currículo rizomático. In: PEREIRA,
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Um currículo em ação 15

MASETTO, M. T. Inovação curricular no ensino superior. e-Curriculum – Programa de Pós


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