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“As trombetas dos hunos fariam o mesmo barulho?

” Norman Mailer
descreveu o poder sônico dos fab 5 de Detroit poeticamente e
acrescentou: “O ápice do ruído elétrico tornou-se o clímax eletro-
mecânico de toda uma era”. Irmãos e irmãs, Carlos Lopes testemunhou:
a primeira entrevista brasileira com MC5.

George Clinton, do Funkadelic, comentou que, ao assistir o MC5 ao vivo, decidiu montar
um grupo de negros que tocassem no mesmo volume, com o mesmo tipo de equipamento.

A história durou menos de dez anos

Carlos Lopes

Detroit é, até hoje, o coração do meio-oeste norte-americano. Após a Segunda Grande


Guerra, a cidade viveu seu “boom” particular. Uma cultura industrial nasceu em torno
dessa “máquina”, somando-se a isso a chegada de muitos imigrantes foragidos da
Segunda Guerra e da Coréia. Aterrissaram aos montes nas cidades do norte para trabalhar
nas fábricas. Nesse cenário, uma nova atitude e uma nova música jovem surgiram. Todos
tinham emprego e a cidade prosperava. Talvez por isso, mais do que em qualquer outra
cidade americana no mesmo período, os brancos e negros dialogavam abertamente.
Detroit era uma cidade operária aberta ao novo, sem distinção de raça ou classe social. No
início dos 60 os grandes nomes eram Duane Eddy, the Ventures, Beach Boys do começo,
Motown, Stax, Otis Redding até a chegada da invasão inglesa, que incentivou a molecada
a fundar bandas e mais bandas.

Fundado em Detroit no ano de 64/65 pelo vocalista Rob Tyner (durante a adolescência
Tyner pegou emprestado o nome do pianista do John Coltrane, McCoy Tyner, para seu
nome artístico) e pelos guitarristas Fred Smith (que tocava bongô antes das cordas) e
Wayne Kramer (que ensinou Fred a tocar guitarra), a banda ainda contava com Bob
Gaspar na bateria (já falecido) e Pat Burrows no baixo, que não desejavam findar seus
dias como operários. Esse primeiro batera saiu reclamando: “Tenho que ficar dando
porrada na bateria porque esses caras tocam cada vez mais alto! Tô fora!”. Michael Davis,
que não foi o primeiro baixista, só entrou na banda porque usava botinhas iguais às dos
Beatles (o que impressionou Kramer) e porque o baixista original ficou passado com
Kramer alegando que não queria mais tocar aquela música maluca (a escola de Burrows
era mais na praia da Motown, tipo James Jamerson) e caiu fora. Depois aterrissou o batera
Dennis Thompson para completar a formação clássica.

No início, o MC5 era uma banda de covers (que tocava Who, Kinks, Them, Yardbirds,
R&B, James Brown, Rolling Stones) com apenas uma canção inédita, a experimental e
atonal “Black to Comm”, exatamente a mais “barulhenta”, que tornou-se a música que
“expulsou” o baixista e o batera originais. A proposta musical do MC-5 não era só fazer
barulho para entorpecer ouvidos, como pode parecer, mas sim trazer a liberdade artística e
musical a todos. O conceito deles unificava linguagens aparentemente díspares como o
rock and roll básico de Chuck Berry com o “freedom jazz” de figuras como Coltrane,
Ornette Coleman, Albert Ayler e do louquíssimo Sun Ra, mais o soul de James Brown, a
todo volume! George Clinton, do Funkadelic, comentou certa vez que, ao assistir o MC5
ao vivo, decidiu montar um grupo de negros que tocassem no mesmo volume, com o
mesmo tipo de equipamento. Negros que influenciam brancos, que influenciam negros
que influenciam...

A casa de shows que mandava na área era a Grande Ballroom, fundada pelo professor de
Inglês e História Russ Gibb, que nas horas vagas era D.J. O sonho de Gibb foi trazer à
cidade uma espécie de Fillmore, a grande casa de shows de rock da costa oeste dos
Estados Unidos. O que faltava para Detroit era um lar para o rock and roll e a primeira
banda residente passou a ser os “cinco”. A cidade ficou de pernas para o ar de uma hora
para a outra. O MC5 se fez por lá com shows altíssimos e aterradores. Dennis lembra que
eles adoravam tocar em um colégio católico da região porque colocavam no palco
cabeçotes com oito caixas Marshall para as guitarras e mais duas cabeças Sunn para o
baixo, isso sem microfonação para a bateria, o que obrigava Dennis a esmurrar o
instrumento. O resultado de tantos decibéis era uma massa física impulsionada no ar pela
força dos alto-falantes. O público adorava e o MC5 também, porque eles viam os chapéus
das freiras (tipo Noviça Rebelde) balançarem por causa do impacto dessa massa sonora!

Todo mundo adorava, mas ninguém queria empresariá-los. O único que amou a banda de
cara, e decidiu chamar a si essa tarefa, foi o maluquete/saxofonista/hippie John Sinclair
que passou a utilizá-los como “pano de frente” da revolução. Sinclair trazia a rodo uma
comuna hippie chamada Trans-Love (Energies) porque naquela época era importante
fazer parte de uma família “alternativa”, que não fosse a tradicional. Entre 67/68, os
Estados Unidos fervilhavam politicamente. Acreditava-se que a revolução era possível e
que estava prestes a acontecer. Nixon e Vietnã. A (re)pressão da polícia acabou sendo
tanta que a banda e a comuna se mudaram de Detroit para Ann Arbor, uma cidade bem
mais tolerante, a quase cinqüenta quilometros a oeste.

Inicialmente o MC5 comungava com alguns princípios hippies de Sinclair, mas assim que
assinaram com a Elektra para o primeiro disco, os Trans-Love foram sendo substituídos
por um novo grupo político-reaça e a banda tornou-se a eminência não-parda dos Panteras
Brancas (cujo lema era “rock’n’roll, drogas e f...r nas ruas”) que, como o nome diz, era a
filial “branca-azeda” dos Panteras Negras, partido fundado em 66 para acabar com a
discriminação contra os negros na base da violência e da luta armada.

O “ministro da defesa” do partido-versão-branca, (listado no disco ao vivo como Pun


Plamondon) tentou explodir o escritório de recrutamento da CIA com uma bomba caseira.
Os Panteras Negras chamavam essa versão do partido com branquelos revolucionários de
“palhaços psicodélicos” e como está no livro Mate-me Por Favor, os MC5 treinavam tiro
ao alvo no quintal da casa comunitária em que viviam, mais por diversão e por excesso de
barbitúricos na idéia, do que por causas revolucionárias. No final das contas, para eles, e
somente para eles, tudo não passava de diversão. Os shows foram acontecendo, os
tumultos na platéia também, o nome da banda foi se espalhando, mas um evento deixou o
nome MC5 na história musical e política dos States.

O caos aconteceu no Chicago Festival of Light em agosto de 1968. O


cenário era esse: a banda protestava, em um curtíssimo set de apenas
cinco músicas, contra a convenção do Partido Democrata que ocorria
na cidade. A cena já estava montada quando a banda detonou seu
show-protesto e o retorno veio sem se fazer esperar: garrafas voaram, a polícia sedenta
por sangue e montada em eqüinos desceu o cacete no povo: power to the people e black is
beautiful. A fama estava feita. O romancista Norman Mailer, cobrindo a Convenção para
a revista Harper, descreveu o poder sônico dos cinco poeticamente: “As trombetas dos
hunos fariam o mesmo barulho?”, além de acrescentar que “O ápice do ruído elétrico
tornara-se o clímax eletro-mecânico de toda uma era”.

A Elektra correu para assiná-los, através do diretor artístico do selo, o amigo/gay/loucaço


Danny Fields (que em 2002, disse ter transado com Pete Townshend, do Who naquela
época). “Nós realmente acreditávamos que poderíamos mudar o mundo”, Kramer afirmou
certa vez. “Queríamos crescer e ser como John Coltrane ou o Camarada Mao.” Um pouco
distante dessa opinião, o vocalita Rob Tyner alegava que a “politicalização” em torno
deles era apenas uma fantasia do empresário: “John Sinclair criou a ilusão de algo grande
e forte atrás dele, para dar a impressão de que se alguém tentasse nos f...r, na verdade
estaria f.....o com uma grande organização que te pegaria de jeito.”

O primeiro disco, Kick Out The Jams, gravado no reveillon Zenta (o que quer que seja
isso) entre os dias 30 e 31 de outubro de 68 foi promovido com o slogan: “Fo..-se a
Hudson” porque essa cadeia de lojas havia banido o álbum, exatamente pelo título chulo
na capa. Tira o Motherfucker!, deixa o Motherfucker! A gravadora Elektra, assistindo o
LP chegar ao trigéssimo lugar da parada como um foguete, decidiu recolher o trabalho
por causa da canção-título, além de apagar o texto-bandeira do empresário John Sinclair
da capa, e os demitiu ao iniciar a gravação do futuro segundo LP. Sinclair negociava um
acordo para o segundo álbum, quando soube que a banda não poderia se apresentar no
Miami Pop Festival, pois a polícia da Flórida expedira uma ordem de prisão para o grupo,
caso eles colocassem os pés por lá.

A Atlantic os pescou (mas se arrependeu a posteriori) para lançar esse mesmo segundo
álbum. Sinclair ainda trabalhava para que eles musicassem o trabalho Paradise Now do
grupo experimental de teatro The Living Theatre. Tudo isso dentro do espírito coletivo
plantado (?) pela comunidade Trans-Love em Michigan. Mal sabia Sinclair e o povo da
comuna que os cinco estavam doidos para cair fora daquela galera toda, do Trans-Love e
dos Panteras Brancas. A resenha do Kick Out The Jams feita por Lester Bangs na Rolling
Stone decepcionou a banda. Eles esperavam a aprovação do grande Lester e o que o
crítico disse é que Kramer não conseguia tocar e nem afinar a guitarra. Logo o homem
que viria a babar o ovo do Raw Power, dos Stooges, anos depois, um disco
essencialmente mal tocado (porém genial!).

Um pouco antes, o empresário Sinclair havia sido espancado pelos seguranças e policiais
de um clube para adolescentes. Alguns afirmam que ele atraía confusão “Ele se queimava
sozinho”, já sentenciou o baixista Michael Davis. O guitarrista Fred “Sonic” Smith
apareceu para ajudar Sinclair, agredindo seu agressor. Julgados conjuntamente, Fred foi
liberado e Sinclair sentenciado a dois anos e meio com cabeça raspada e tudo. Através de
manobras jurídicas, Sinclair foi posto em liberdade mas logo depois foi preso por carregar
duas baganas, a terceira detenção por posse de drogas, e o juizão não perdoou. Sinclair foi
sentenciado a dez anos, sem apelação, isso em 69. O guitarrista Wayne Kramer sempre
acreditou que a detenção e a posterior condenação já estavam armadas, trancafiando o
louco do empresário para que a banda se calasse. Pelo baixista e pelo batera, o empresário
poderia ter morrido na prisão.
Era uma primeira cisão no seio dos cinco. Foi aí, de uma
forma indireta que os Beatles e o MC5 se cruzaram. Os
ingleses brigaram em 70 também por causa de um (na verdade
dois) empresário(s) e quando Sinclair foi preso, John Lennon
escreveu uma música sobre essa detenção (no Sometime In
New York City). Chegaram a organizar um concerto pela sua
libertação, que teve um público de 125 mil pessoas. Depois
Lennon iria se arrepender dizendo que Sinclair, liberto, era um mala.

Sem empresário, o MC5 se autogerenciou, afastando-se dos Panteras para gravar o


segundo disco (primeiro de estúdio) chamado Back In The USA, produzido pelo crítico de
rock da Rolling Stone Jon Laudau, que nunca havia produzido ninguém. Para muitos fãs
(e para Sinclair também) esse é um disco quase arruinado pela produção muito limpa em
relação ao primeirão, muito sujo. Davis lembra que Laudau os fazia repetir as músicas em
busca de uma versão mais “correta”, mas eles nunca tocavam nada duas vezes igual,
então esse método simplesmente não funcionava e o Back deixou, de alguma forma, isso
claro.

Lançado em janeiro de 1970, o disco trazia clássicos absolutos como “Tonight” (o único
compacto do LP, e que nem atingiu as paradas), “Teenage Lust” (a única canção
coreografada como se vê no super-8 de Leni ex-Sinclair), “Looking At You”, “Call Me
Animal”, mas que não alcançaram nem o sucesso e nem o respeito esperados. Nesse
período, além da banda começar a perder espaço para novos grupos como o Grand Funk
Railroad, os novos reis do barulho, o grupo se insurgiu contra a liderança natural do
fundador Kramer. A partir dessa primeira crise, a gerência passou a ser dividida entre os
dois tocadores de seis cordas, o que na prática não mudou muita coisa, apenas mais
composições individuais, e menos coletivas, fizeram parte do repertório.

Após gravar um último trabalho, High Time (para os cinco, o melhor dos três álbuns e o
disco que mais teve a cara de “Frederico Smithelini” ainda mais com o mais democrático
produtor possível, Geoffrey Haslam) a banda terminou seus dias, melancolicamente.
Michael e Rob não estavam mais com a banda na Europa dessa última vez. O baixista foi
expulso (posto fora do carro no meio da estrada sem passagem de volta - se vira!,
disseram) por estar muito mais doido do que os outros e Rob Tyner tinha uma família e a
grana certa começou a falar mais alto e, sem cascalho na parada, nada feito. Dennis
Thompson também não segurou a barra. O ressentimento nasceu entre os ex-amigos.

Após um último show no Grande Ballroom em Detroit, em um outro e derradeiro


reveillon, só que em 1972, pelo cachê de quinhentos dólares, brigados, viciados e
frustrados, cada um foi para o seu lado. Kramer ainda tentou remontar a banda com Fred
para uma tour européia em 72 na qual os guitarristas foram acompanhados por uma
baixista e um batera que nem conheciam, e com quem nem haviam ensaiado. A
brincadeira parece que durou uma semana. Depois Kramer andou vacilando, roubando
casa dos outros e traficando drogas e por isso tomou uma cadeiazinha. Os outros foram se
agrupando por diversas outras bandas.

Logo depois do fim do MC5, Fred se reuniu com Michael que passou a cantar e a tocar
um tecladinho Casio na banda Ascension com os auspícios do batera Dennis (um MC3?);
Rob Tyner tentou remontar um novo MC5 sem os músicos originais em 77; anos depois o
baixista Dennis montou o Destroy All Monsters, uma espécie de “Velvet mais Nico” com
Ron Asheton dos finados Stooges; Kramer, depois da penitenciária, foi tocar no Gang
War com o adicto Johnny Thunders, ex-New York Dolls; Fred tocou no Sonic’s
Rendezvous Band e Dennis inventou um tal de “New Race”. A lista de bandas-pós-MC é
enorme.

Os músicos só voltariam a se reencontrar, todos, em 91 quando foi organizado um


concerto em benefício da família de Rob Tyner que falecera na pior, deixando a família
que ele tanto protegeu, na maior pindaíba. Michael Davis cantou as músicas na ocasião,
mas a banda não seguiu adiante. Terminaram na dor e se reencontraram na dor.

Voltando à prisão, Kramer lia alguns jornais ingleses que os chamavam de “pais do punk”
durante os anos 70, mas o guitarrista tratava de dar, literalmente a descarga nos tablóides
porque punk na prisão era alguém que dava o r... para os outros presos. Aí, a pergunta que
não queria calar era: “Tu é punk?”...
Jornalistas perdem muito daquela empolgação de fã quando, munidos de rotina e diploma,
têm as portas abertas aos seus ex-artistas favoritos com a maior facilidade. Apesar dessa
“vantagem”, o ouro já não reluz com a mesma intensidade dos nossos 15 anos, é fato.
Mas de qualquer forma, temos acesso a esse universo misterioso que nos era vedado. Há
redenção, sim, quando a velha química fervilha, assim que jornalista e entrevistado
tornam-se apenas duas pessoas conversando em expectativas, atingindo um novo estágio
do processo: passando de fãs a amigos, confidentes e muitas vezes tornando-se biógrafos.
Artistas, afinal de contas, são apenas seres humanos, uns melhores e outros a desejar.

Confesso, acima da faculdade e do fanatismo, que minha banda favorita é o MC5 tanto
pela sua música como por suas (antigas) idéias. A década de 60 é fascinante por diversos
aspectos, entre eles o pretensamente revolucionário. O maior representante dessa estética
rock e armas foi “os cinco da cidade motorizada” (Detroit), que unidos a um pregador
revolucionário (Irmão Jesse C. Crawford ou M.C. Jesse Crawford), a um empresário
hippie (John Sinclair), e a um partido de ultra-esquerda chamado “Os Panteras Brancas”,
revolucionou o mundo do rock naquele distante ano de 1968 com muita panfletagem, som
e fúria.

A lenda básica é essa: os cinco gritaram a plenos pulmões: “Kick out the jams
motherfucker!” (algo como “Bota pra f...r, seu filho da p..a!) no seu antológico e primeiro
disco ao vivo; e por isso - e outras coisitas revolucionárias a mais - foram dispensados
pela gravadora. A banda migrou para outro selo, gravou mais dois discos sem muito
sucesso e foi excursionar pela Europa onde tentou reavivar a chama. Pelas convulsões
provocadas pelo cansaço, muitas drogas e brigas internas, o MC5 se desfez em 72.
Passados trinta anos o trio remanescente - o guitarrista Wayne Kramer, o baixista Michael
Davis e o baterista Dennis “Machine Gun” Thompson - se reuniu em Londres no dia 13
de março em um evento promocional para 350 convidados no Clube 100 para lançar a
camiseta Levi´s MC5! E o que Kramer afirmou na coletiva? “A Levi´s foi esperta por
sacar a ligação entre a música do MC5 e o público de hoje”, disse o ex-revolucionário.
Pois é... Morra-se com uma frase dessas. A revolução começou de novo, só que agora do
outro lado da rua. Muitos fãs estão tirando, literalmente, as calças pelas cabeças por causa
dessa “ligação”. Essa volta aos palcos, e dessa forma, está dando muito o que falar. Por
isso, entrevistamos, em primeiro mão, o trio dos cinco para esclarecer todos os pontos de
vista de ontem, hoje e de amanhã. Essa é uma entrevista histórica e, para o entrevistador,
é o trabalho que mais emocionou.
Devido àqueles percalços que a vida jornalística dá, não consegui entrevistar a banda de
Detroit, o Motor City Five completa. Primeiro, porque o vocalista Rob Tyner faleceu em
91 e o guitarrista Fred “Sonic” Smith desencarnou em 94. Por causa disso, completei a
matéria com relatos sobre esses dois “espíritos” para que esse sonho que está aqui em
vossas mãos possa se tornar completo, para que gritemos a plenos pulmões: Kick Out The
JamS Motherfuckers!!!

A retomada da História - 13 de março de 2003

A nova coleção da Levi´s apresenta a revolução sônica - a nova energia


apresenta o MC5 e a próxima geração de roqueiros”

O título acima requer um estudo filosófico e, antes que perguntem, foi a


Levi’s que cunhou isso. “Cada problemática requer uma solucionática” já
dizia algum filósofo televisivo. Então a história oficial desse conluio MC5
e Levi’s é essa: a Levi’s lançou uma série de camisetas “estilo anos 60” com desenhos
psicodélicos. O porém é que os tais desenhos feitos e autorizados pelo artista Gary
Grimshaw (listado no Kick Out como “o artista que pintou a bandeira da banda”)
expunham a banda a reboque e um dia quem imaginaria que seus remanescentes veriam
em uma capa de revista o Justin Timberlake do N’Sync usando uma camiseta Levi’s do
MC5! Um doce para quem adivinhar o raciocínio do Wayne Kramer... “Se eles pediram
autorização para o artista, deveriam ter pedido para a banda também, então vamos ter que
fazer um acordo”. O guitarrista jurou que não rolou grana na parada e que a Levi’s foi
apenas educada em organizar um evento com a banda para os funcionários da empresa.
Kramer afirma que os músicos apenas ganharão um percentual sobre a venda dos
produtos oriundos do show, através de CDs e DVDs e que a banda não estava voltando à
ativa, muito pelo contrário.

O show da Levi´s, que teve as ilustríssimas participações de Lemmy, do Motörhead, Dave


Vanian, do Damned, Nicke Royale, do Hellacopters, Ian Astbury, do Cult, todos nos
vocais, ainda contou com duas fantásticas surpresas: a participação do músico Charles
Moore, que gravou alguns metais no High Time, e Ralph Buzzy Jones, do Contemporary
Jazz Quintet, de Detroit, além de uma nova cantora de soul chamada Kate O’Brien. Para
os fãs é algo mortal, no bom sentido, com exceção do tal acordão. Seria falta do que fazer
do Seu Kramer? Claro que não... o homem é super-bem-ocupado. Sócio-fundador do selo
MuscleTone Records, que acaba de lançar bandas como Cobra Verde, de Cleveland, com
o álbum Easy Listening! e também Sin, do Mother Superior, Kramer ainda ataca como
autor do tema do novo programa de esportes “5-4-3-2-1”, da Fox Sports Network, nos
Estados Unidos, além de lançar freqüentes discos solo, após uma passagem pela Epitaph.

O ENTREVISTAÇO

O que vocês, Michael e Dennis fizeram nesses últimos


trinta anos?

Michael: Uau, trinta anos é muito tempo. Depois que fui


despedido do MC5 na Europa em 1971 ou 72, voltei para
Detroit, como um candidato à autodestruição, até que fui pego e trancafiado pelas
autoridades federais por um período de um ano, mais ou menos. Isso nos leva até 1976.
Retornei a Ann Arbor, Michigan, onde um artista chamado Cary Loren veio à minha casa
com um dos ex-Stooges, Ron Asheston. Eles me falaram sobre começar uma banda de
música experimental unida a um rock and roll pop art energético. Eles contavam com uma
linda vocalista cujo nome era Niagra, (depois do primeiro filme de Marilyn Monroe com
esse nome), e me perguntaram se eu gostaria de tocar baixo com eles. Por sete anos toquei
no Destroy All Monsters. Saí da banda em 85, e andei brincando com o A-square por
mais algum tempo, antes de seguir para o oeste até Tucson, Arizona, onde moro hoje em
dia. Parece fácil de dizer, mas por essa época, qualquer coisa que me ligasse ao MC5, ou
ao Destroy All Monsters, ou a outra coisa do meu passado, foi se desvanecendo como
estivesse olhando para o espelho retrovisor da minha vida. Então, em 1987 comecei do
zero no deserto do Arizona.

Pelos outros quatro ou cinco anos só levei som com bandas que chamo de “bandas de
ensaio”; grupos que nunca tocam ao vivo. Então as coisas começaram a acontecer. No
começo dos 90, o filme Pump Up The Volume colocou “Kick Out The Jams” na trilha,
em uma versão dos Bad Brains, com Henry Rollins, do Black Flag no vocal. Covers de
“Jams” apareceram em todos os lugares; Poison Idea, Blue Öyster Cult, Monster Magnet,
só para citar alguns. Então, caí na real, o passado estava me rondando todo o tempo.
Enquanto isso, tive de trabalhar para viver. Ralei em alguns empregos bem árduos nestes
últimos dez anos. Cavei trincheiras e trabalhei com irrigação, fiz lanternagem em oficinas
mecânicas, fui jardineiro e motorista. Apesar desses empregos pagarem minhas contas eu
sofria diariamente, como se estivesse calçando um sapato apertado e ficando cada dia
mais deprimido. Tive que cuidadosamente ir contando pouco a pouco sobre o meu
passado para meus companheiros de trabalho, sempre tendo muito cuidado para não
Despertar inveja ou algum sentimento indesejado de que eu seria bom demais para
trabalhar com eles. Mas de coração não me sinto melhor do que ninguém. Gostaria de
acrescentar que me apaixonei há pouco tempo, me casei e estou morando com minha
nova esposa em um rancho no deserto com um par de bons cavalos. Mal posso acreditar
que estou aqui e agora, tão feliz e inteiro após ter feito tanta besteira.

Dennis: Nos anos 70 e 80 toquei com muitas bandas. Para citar apenas algumas: New
Order, New Race e Motor City Bad Boys. Nos anos 90 excursionei com o Dodge Main.
Também fiz o design e construí robôs musicais tipo animatronics estilo Disney para
parques de recreação familiar. Como construtor de brinquedos, fiz a engenharia de peças
para protótipos de jatos e automóveis. Também escrevi uma novela e muitos contos, além
de fazer muitas músicas. Sou formado em Engenharia.

Kramer, você escreveu um texto no seu site chamado “Carta aberta a fãs e
detratores”, obviamente sobre as críticas que você, particularmente, vem sofrendo
sobre o caso Levi’s. Essas críticas são assim tão intensas, que você necessitou se
defender antes que alguém pegasse mais pesado, sem lhe dar chance de defesa?

WK: Estou com a consciência limpa. Não sou capacho de ninguém nem vivo mentindo.
Conheço muitos que agem dessa maneira, mas eu não tenho nada a ver com a vida deles.
Minha responsabilidade é apenas dizer a verdade e qualquer fã que quiser uma explicação
sobre isso, eu a darei. De fato só devo explicações aos meus fãs.

Compreendo os seus pontos de vista, expressos no site waynekramer.com sobre o


assunto Levi’s. Claro que às vezes é muito difícil explicar algo a quem não consegue
ou não deseja entender. Você diria que essa sua compreensão prática da realidade
sobre o mercado atual pode ter nascido durante os anos que você esteve preso? Três
anos de detenção te tornaram uma pessoa mais compreensiva e realista ou apenas
serviram para aumentar algum desprezo em relação à sociedade?

WK: Tive tempo para pensar na prisão. Você está certo, não estou tentando convencer
ninguém de coisa alguma e nem tenho esse poder todo de convencimento. A prisão salvou
a minha vida. Aqueles anos me ensinaram a ter respeito pela lei e me enviaram uma
mensagem clara sobre meu péssimo comportamento. Deu certo comigo. Aprendi a lição.

Quais são seus próximos projetos depois da reunião do MC5? Essa reunião foi
planejada para um show apenas, ou vocês pretendem continuar se aparecerem boas
ofertas?

Michael: Só posso supor; mas o meu palpite é que Wayne, Dennis e eu vamos conversar
seriamente se queremos, ou não, gravar um disco de estúdio, e tocar durante algum tempo
mais. Mas você não acha que o nome MC5, é um tanto enganoso? Sei que nenhum de nós
acha que o MC5 possa ser recriado. Rob e Fred não estão mais conosco, e os “CINCO”
foram apenas os “CINCO”, se você entende o que de fato isso significa. Quando deixei a
banda, eu já não fazia mais parte dos “CINCO” e a partir daí não poderia mais haver os
“CINCO”. Não sei como vamos chamar o que pode vir a acontecer, se acontecer...

Dennis: Certamente vou tocar conforme aparecerem as propostas. Vou lançar meu CD
solo antes do final desse ano.

Wayne, você escreveu no site que quando estava mofando na prisão a imprensa
inglesa o tratava como um herói, talvez porque preferissem te ver sem trabalhar e
vivendo como uma lenda intocável, segundo suas próprias palavras. A imprensa
bretã se equilibra entre o extremo sarcasmo em um momento e uma insuportável
veneração em outro, extremos exacerbados por demais. Você tem problemas com a
imprensa de outros países?

WK: Não. Na verdade, nunca tive problemas com nenhum jornalista, a não ser que
mintam descaradamente.

Voltando aos tempos de cadeia, e a leitura do Mate-me Por Favor, a sua prisão e
julgamento estão fielmente retratados no livro ou você acredita que as pessoas
fantasiaram certos detalhes? Que tipo de apoio você teve nessa época? O pessoal da
banda veio em seu socorro?

WK: Estranhamente, muitas das pessoas que me deram força naquela época eram da
imprensa britânica como Nick Kent, Mick Farren e o Max Bell. Tive muito apoio de
trabalhadores comuns que eram meus amigos. Os eventos foram descritos com precisão
no livro, assim como aconteceram. Em 78 Mick Farren (dos Deviants, que organizou o
festival Phun City em 70, abriu uma filial dos Panteras em Londres, escreveu um musical
blues com Kramer chamado The Last Words of Dutch Schultz e há anos é co-compositor
de muitas músicas dos álbums solo de Kramer) me escreveu dizendo que a Stiff Records e
a Chiswick Records se juntaram para me ajudar colocando um compacto com “Ramblin’
Rose” no mercado para arrecadar algum dinheiro para quando eu fosse solto. Saí com 2
mil dólares que me ajudaram a reconstruir minha vida. Quando deixei a prisão voltei a
trabalhar com música, mudando-me para o Lower East Side em Nova York.
O que você acha do livro Mate-me Por Favor afinal de contas? Pode ser considerada
a Bíblia Punk?

WK: Acho que é uma grande leitura, um livro engraçado. É bom para ler nos vôos e no
banheiro. São histórias dos seus músicos favoritos no pior ambiente possível sem se tocar
em uma só palavra sobre música no livro inteiro! É um oxímoro!

Michael: Alguém me deu uma cópia do livro há alguns anos, mas nunca abri para ler.
Acho que devo lê-lo, afinal, todo mundo me pergunta se eu já li o livro ou não.

Antes da reunião do MC5 você costumava ligar para seus ex-companheiros ou você
só os procurou por causa do evento? Como estão suas vidas pessoais nesse
momento? Os três ainda têm interesses em comum ou suas vidas os levaram a
concepções diferentes, uns dos outros?

WK: Michael, Dennis e eu estivemos distantes durante anos, mas estamos reaprendendo
a nos conhecer de novo. Nesse momento, tentamos nos conectar com os homens que
somos hoje. Não os homens que já fomos. Dave, Lemmy, Nicke e Ian eram meus amigos
antes que eu decidisse organizar essa celebração à música do MC5. Também tenho
trabalhado bastante em Los Angeles com Dr. Charles Moore e Buzzy Jones.

Dennis: Viemos do mesmo ambiente e isso nos marcou para sempre, seja escrevendo e
gravando música em qualquer época. Todos nós acreditamos em descobrir novas coisas,
nos educar, crescer, e nos divertir!

A mágica ainda estava lá quando vocês tocaram as velhas canções ao vivo? Que
músico relembrou melhor as canções?

WK: A “mágica” à qual você está se referindo não é algo que venha do passado e que é
recriada hoje em dia. O fato é que essa “mágica” só pode ser criada agora quando estamos
juntos tocando e, para falar a verdade, nem sei se conseguimos criá-la. Acredito que é
uma bênção. Tivemos todos que aprender as músicas de novo. Cada um lembrava de uma
parte e acrescentava. Esse foi meu trabalho, como diretor musical, de juntar as peças, mas
todos contribuíram.

Michael: Mágica?? Cara, sempre é mágica. É mágica pra mim, foi mágico pra você?

Dennis: Sim, senti realmente a mágica quando o rock rolou com Michael e Wayne. A
experiência completa foi consideravelmente desafiadora, e senti um dos maiores retornos
que já presenciei.

Fale-me sobre o set list, quais foram as canções escolhidas? Quanto tempo durou o
show e quais foram as canções cantadas por Lemmy, Nicke, Ian Astbury e os
outros? Muitas vezes Lemmy disse que “Kick Out The Jams” é uma das maiores
canções de todos os tempos. Me diga qual é a sua canção favorita do Motörhead .

WK: Escolhi as canções através dos e-mails que eu, Michael e Dennis trocamos. Lemmy
cantou “Sister Anne” e “Back In The USA.” Nicke cantou “Gotta Keep Movin’” e
“American Ruse.” Dave Vanian cantou “Tonight,” “Looking at You” e “High School.”
Kate O’Brien cantou “Let Me Try.” Eu amo tudo o que o Motörhead faz, mas
provavelmente meu lance favorito deles é o título do disco “Everything Louder Than
Everything Else” (Tudo mais alto do que todo o resto). É muito engraçado.

Vocês ainda têm contato com John Sinclair? Ele ainda está lançando aqueles CDs do
MC5 com gravações piratas e outtakes?

WK: Sim, John e eu somos muito próximos. Trabalhamos juntos freqüentemente. Não,
ele não está lançando mais nada do MC5. Estamos tentando trabalhar juntos agora.

Michael: John Sinclair. Bem, vou te dizer, Tenho muito o pé atrás com tudo o que
Sinclair faz e pensa sobre o MC5. Sei que ele tem o direito de dizer o que quer e de sentir
o que ele sente, mas ele anda falando sobre mim... de uma forma negativa, e continua
arrumando um dinheiro às nossas custas. Então, não tenho muita coisa boa para falar
sobre ele. Ele tem o direito de falar o que quiser, mas eu não tenho que gostar.

Qual é o significado de músicas como “Kick Out The


Jams”, “Rama Lama Fa Fa Fa”, “The Human Being
Lawnmower”, “Black To Comm” e nos diga se Miss X
realmente existiu.

WK: Nunca explico minhas canções. (Reza a lenda que “Kick


Out The Jams” nasceu da boca de Fred Smith que gritava da
platéia para as outras bandas grandes - que eles já haviam feito a abertura um pouco
antes - ou pequenas no Grand Ballroom. Rolava dessa forma: “Bota pra f...r ou sai do
palco agora!” Uma noite, Rob Tyner achou que isso daria uma boa letra e a escreveu
rapidamente na cozinha. Vinte minutos depois a letra já estava musicada pela banda.)

Dennis: “Kick Out The Jams” significa viver a vida da melhor forma possível! Assumir
uma postura, tomar uma decisão e ser quem você quer ser e como você quiser, sem ferir
ou magoar ninguém nesse processo! “Human Being Lawnmower” falava sobre a
convocação militar para a guerra, o terror e a futilidade dos “cães da guerra”. “Miss X” é
uma canção sobre todas as mulheres, em qualquer lugar. (Ele também não explicou o
“Black To Comm” mas a história é essa: quando eles estavam tocavam no Grande
Ballroom, emprestavam o equipamento para as outras bandas alertando “Você vai se
f...r se quebrar algo, já te dissemos... ‘black to Comm.” No sistema de P.A., “Comm” é o
pólo negativo, e “Black” era a fiação que vinha direto da fonte de eletricidade. Era
exatamente isso: “Coloque o fio preto na conexão certa ou essa p...a vai explodir!”)

Quanto tempo a banda ficou na Europa após gravar o High Time (Inglaterra,
França etc) no começo dos anos 70? Excursionar em outro continente era uma fonte
de esperança de que melhores dias viriam e que a banda pudesse permanecer unida
por uma nova causa? Por que Michael Davis deixou a banda naquela época?

WK: Sim, tínhamos esperança de salvar a banda usando a Europa como nossa nova base
de operações. Na verdade fomos lá muitas vezes e chegamos a morar em Londres por um
tempo. Acho que essa pergunta sobre a saída do Michael deve ser feita a ele, mas posso te
adiantar que foi uma época muito difícil para todos nós e que estávamos lutando muito
para sobreviver, como indivíduos e como banda.
Michael: OK. “Deixei” a banda porque eu não andava na linha com nada do que fosse
feito. Estava desiludido com o que chamavam de “revolução”. Achava que a banda não
tinha mais nada a ver com esse rock de alta-energia, ou pelo menos com o tipo de energia
que eu concebia. Imaginei, naquela época, que todos estavam mitificando algo que
deveríamos ter sido e feito, mas não era isso o que estava nos colocando para baixo.
Resumidamente, eu não me relacionava mais com o MC5. Então, me voltei para meu
mundo particular de drogas e pessoas semidestruídas. Bem cedo tornou-se evidente que
eu não estava mais a fim de tocar na banda e estava interessado em me destruir. Mas eu
não estava sozinho nesse processo de automutilação. O meu defeito era o mais fácil de ser
apontado. Mas acho que eles acreditavam que a “injeção” de um novo sangue pudesse
revigorar a banda. Me desculpe o trocadilho (risos).

O que é mais perigoso? Os extremistas de esquerda ou os de direita? O que vocês


acham dos Panteras Brancas hoje em dia? Foram um mal necessário?

WK: Na minha opinião, a partir do momento em que você adquire consciência política,
entende os fatos e porque eles acontecem, você nunca perderá essa compreensão. Fica por
toda a vida. Uma vez político, sempre político. Extremismo é perigoso de qualquer forma.
Os Panteras brancas e negras foram uma reação à lentidão das mudanças. Éramos jovens
e queríamos que mudasse “imediatamente”. Do meu ponto de vista atual, com 54 anos,
sei que os jovens sempre agirão dessa forma. Sentem-se ‘invencíveis” e estão
convencidos de que estão certos.

Dennis: Extremismo de qualquer forma é altamente perigoso. Mas é natural que no final
os extremos se equilibrem em harmonia. Praticar a moderação e crer apenas nas suas
experiências concretas.

Os fãs do MC5 nos anos 60 podiam ser bem desagradáveis algumas vezes, como o
que ocorreu com vocês durante um show em dezembro de 68, em Nova York,
quando tiveram sérios problemas com uma gangue local chamada The Up Against
The Wall Motherfuckers. Você acredita que essa tendência em mitificar ídolos,
substituindo a religião por decibéis e pelo uso de drogas, era apenas um retrato
daqueles tempos ou isso se repete até hoje? Será que hoje o excesso de materialismo
e profissionalismo nas pessoas não nos leva para um outro extremo, menos humano,
dessa jornada?

WK: Essas foram ótimas perguntas! Concordo com a sua premissa sobre os anos 60.
Acrescentaria que há a tendência dos jovens em se rebelar contra a injustiça. Essa luta
pode assumir formas diferentes, a maior parte delas positivas, mas algumas bastante
destrutivas. E hoje, o egoísmo parece ser o parâmetro pelo qual as pessoas vivem, e é
claro que tudo isso nos distancia de Deus. Eu realmente acredito que eles estavam
trocando o caminho para Deus pelos decibéis e pelas drogas. Eu mesmo fiz isso.

Michael: Você está fazendo bastante perguntas sobre política, hein? Tenho muitas
opiniões sobre isso e aquilo, mas posso resumir em poucas palavras. Esquerdismo,
direitismo, conservadorismo, moderados, radicais, liberais, qualquer outra coisa, e o nome
da minha mulher ainda por cima é Angela Davis! Nada disso vale nada, porque todos
perderam o rumo. Qualidade de vida é tudo o que importa. O que pode acontecer de bom,
se um palhaço é eleito, se tudo o que importa a ele é criar sua própria panela? Educação é
a única coisa importante que pode ser feita para melhorar esse mundo. Ainda assim, não é
verdade que a educação é o último item na lista de prioridades? O que aprendemos com
isso? Desenvolver mais uma tecnologia inacreditável? E a verdade que pode ser
encontrada na natureza? E a comunicação que podemos desenvolver com os animais?
Ridículo? E sobre os mistérios dos sentidos, sonhos e o processo criativo? Quem é, onde
está e de onde veio Deus? Por que damos tantos nomes diferentes a Deus, se sabemos que
Ele é único? Por que não falamos mais sobre isso? A música não é capaz de atravessar
todas as fronteiras e obstáculos? Acho que temos um trabalho a ser feito, que é divulgar a
mensagem. Meu partido político? Só sei que pertenço ao “partido” do rock and roll.
Desculpe, outro trocadilho!

Dennis: O pêndulo do tempo e da evolução continua a se movimentar. Sempre haverá


períodos de estagnação e desestímulo e outros de muito movimento e mudanças. Isso me
faz recordar o período da Renascença. Os anos 60 ansiavam pela grande mudança. Hoje
existem muitas possibilidades, mas temos que buscar uma dessas portas para nos
aprofundarmos.

“Não há forma de viver fora do Sistema. Pensar assim é uma completa distorção da
realidade. Se você tocar em dinheiro, você já é parte do Sistema. Qual é o livro
revolucionário que afirma que eu tenho de morrer de fome?”, esse é o texto de
Wayne Kramer no site. Qual foi a sua intenção ao escrever isso? Agredir ou ser
realista demais? Se são seus fãs, eles devem ainda estar ligados a essa história
revolucionária, então falar isso com todas as palavras parece ser o final de um
sonho...

WK: O grupo que mais reclama é exatamente o menor percentual dos meus fãs. Acredito
que a maioria dos fãs está conectada com o mundo atual, como ele é, com minha música
atual e não fica fantasiando sobre o passado. Geralmente evito falar sobre o MC5. Não
vivo do passado. Gravei uns seis álbuns solo, mas o documentário e o show em Londres
reacenderam a discussão sobre a banda. Eu vivo o hoje. Não fecho as portas para o
passado, mas também não fico me desculpando por ele.

“As pessoas sempre me perguntam se eu me incomodo com o fato do Iggy ter


autorizado o uso de uma música dos Stooges para a Nike (que usa trabalho infantil)
ou ter liberado suas próprias canções para o Royal Caribbean Cruise Lines. Li no
New York Times que ‘a consciência de uma geração’, Bob Dylan, licenciou uma
canção para a Victoria’s Secret.” Kramer, como você se sente ao ser atacado por sua
pretensa falta de convicção “revolucionária” quando ídolos e amigos da mesma
geração sujam as próprias histórias sem ao menos serem atacados como você tem
sido?

WK: Não me preocupo, tenho conhecimento do que está acontecendo, mas não tenho
nenhum problema com relação a essas coisas.

Vocês já assistiram o filme A True Testimonial, de David C. Thomas, sobre o MC5?


Gostaram do resultado? O filme deve ser distribuído em vídeo ou DVD por alguma
empresa?

WK: É um excelente documentário, o qual tive a honra de narrar. Tenho certeza de que é
desejo dos produtores lançá-lo em DVD.
Michael: Em 1999, se me lembro bem, a equipe da FutureNow/Films de Chicago veio
para Tucson para filmar minha participação no documentário. O MC5 pode ser qualquer
coisa, mas nunca morreu.

Dennis: Assisti o The MC5-A True Testimonial poucas vezes, mas acho que é um filme
instigante e estimulante para ser visto. Eu amei! Agradeço especialmente a Dave Thomas,
Laurel Legler e equipe, pelo grande documentário sobre a vida real que eles produziram.
Tem profundidade histórica, e o filme debate muitas questões interessantes sobre a vida
nos Estados Unidos, naquela época e hoje.

Wayne, quem foi o verdadeiro Johnny Thunders? Fale-nos


sobre o tempo que você tocou com ele no Gangwar e
também sobre o Was Not Was.

WK: O verdadeiro Johnny Thunders era um cara perdido. Ele


sofria por causa do vício e, por mais que tentasse, nunca
arrumava um jeito de se libertar das drogas. É uma história
muito triste. Gang War foi uma experiência rock and roll na
qual eu depositei muita fé, mas bem no fundo eu sabia que
nunca ia dar certo. Nem eu nem Johnny estávamos nessa por boas intenções. Alguns dos
trabalhos mais criativos que já fiz foram com Don and David Was (produtor de Citizen
Wayne, o disco “automitológico” de Kramer)... E até hoje trabalhamos juntos. Estava
compondo algo com David ontem... um tema bem estranho com um suíngue egípcio. Was
(Not Was), por outro lado, foi uma experiência que deu certo.

No começo dos 80 ouvi o LP High Times mas não entendi nada, não estava
preparado, achei tudo muito estranho. Quinze anos depois o mesmo disco voltou às
minhas mãos em forma de CD e aí fiquei alucinado com tudo, as composições, a
gravação, a criatividade e o pique da banda. Naquele momento eu compreendi de
coração, sem nenhum preconceito ou pré-julgamento o que significava a alma de
uma música. Você diria que para entender o MC5 é necessário atingir um certo grau
de maturidade? Falando em amadurecer, quando você chegou à conclusão de que a
banda tinha acabado? Como foi o último show no Grande Ballroom em 1972? Vocês
simplesmente deram as costas um para os outros e partiram?

WK: Muito eloqüente a sua história. Compreendo que o trabalho do MC5 não é muito
fácil de ser escutado. Exige muito do ouvinte, como toda boa arte deve exigir mesmo. O
fim do MC5 teve um efeito devastador em mim. Eu era muito jovem, só tinha 21 ou 22
anos e vi minha vida inteira ser destruída. O último show foi um pesadelo. Levei anos
para conseguir iluminar meu espírito novamente.

Dennis: O fim da banda foi uma história muito muito muito triste para mim. Trilhamos
um longo caminho para compreender que todas as coisas, sejam boas ou más, sempre
chegam ao fim. Não havia nenhum sentimento naquele último show. Foi assim que nós
sentimos...

Wayne, você se tornou traficante nos 70 para sobreviver ou esse era o único caminho
para juntar o que restava de você após tanta dor e perda?

WK: Os dois.
Como vocês se sentiram vendo mais e mais bandas surgirem nos 70 e nos 80
assumindo o legado e o som do MC5 sem que vocês pudessem usufruir da criatura
que haviam criado?

Michael: Nem vi os 70, com exceção da explosão punk na Inglaterra, e o impacto que
teve na moda e na música. Então os Ramones colocaram tudo isso dentro de uma estética
americana, e todo o mundo underground cresceu com entusiasmo. Mais tarde, no começo
dos 80, as bandas de hardcore da capital federal (Dischord Records), e as bandas da costa
oeste de skate/punk/hardcore da AlternativeTentacles e outras mais, passaram a criar mais
e mais sons incríveis a cada dia. Era uma época fantástica. Se tivemos algo a ver com
tudo isso eu me sinto incrivelmente satisfeito, e se esses caras continuam a te lembrar que
você foi o responsável por tudo isso, então é mais legal ainda!

Dennis: Obviamente, me sinto um felizardo por ter participado de uma banda tão
importante. Temos influenciado gerações. É como uma continuação nossa. O maior teste
que a arte pode superar é o teste do tempo. Se durou tanto, deve ser bom mesmo, não é?
Mas tenho que dizer que, apesar disso, a maioria das novas bandas não tem ido além do
que fizemos. Mas continuo acompanhando bem de perto...

Como vocês sentiram as mortes de Robin Tyner e Fred Smith?

WK: Houve um tempo em que senti tristeza, em outro ódio e em outro fiquei amargo. E é
claro que eram sentimentos muito destrutivos. Eu não sabia o que fazer com minha dor,
tive de aceitar o fato de que o MC5 havia acabado, especialmente nos 90 com as mortes
de Rob Tyner e Fred Smith. Esse tempo na minha vida foi como o fim de uma fase que
sei, não voltaria nunca mais. Eu chorei as duas perdas. Depois tive de aceitar esse fato, e
decidi caminhar adiante e continuar o trabalho que faço hoje e ser o homem que me
tornei. E voltar a essa música e ver a beleza que há nela.

Dennis: Fiquei arrasado. Esses homens não eram apenas meus irmãos de alma, eles eram
inspirados pelo futuro. Sinto muito a falta deles. Sei que eles estavam em espírito conosco
naquela noite no 100 Club.

Quais são seus discos favoritos do MC5 e qual seu disco solo favorito?

WK: Meu disco solo favorito é sempre o próximo. Meu disco favorito do MC5 é a trilha
sonora de um filme obscuro chamado Gold.

Dennis: Meu disco favorito é o High Time. Finalmente havíamos conseguido nos
autoproduzir. É uma ponte perfeita entre o primeiro e o segundo álbum. O primeiro era ao
vivo, tinha muita energia, expelia força e liberdade. O álbum branco era engenhoso por
causa das canções compactas de dois minutos, em uma época em que as canções
chegavam a seis ou oito. As letras do segundo trabalho são mais politizadas mas o High
Time tem a minha canção favorita, “Skunk (Sonically Speaking)” que considero nossa
obra-prima, só para citar. Os cinco descobriram o suíngue, baby!

A última canção gravada pela banda em Londres em 71 seria para essa trilha do
Gold. O filme foi lançado em circuito comercial?
WK: Espero que nunca seja. O filme é horrível.

Quais são suas bandas favoritas? Há sinceridade nas bandas e na indústria de hoje?
Os selos independentes são o problema ou a solução? Vocês ainda gostam de rock
and roll, de verdade?

WK: Eminem. Mother Superior. White Stripes. Hives. Hellacopters. Missy Elliott. Blame
Sally. Cobra Verde. Não é uma questão de sinceridade. É uma questão do que é mais
importante: grana ou arte? A música vem primeiro ou a grana vem antes? Mas não se
pode separar o dinheiro da música, porque sem investimento não há chance para que uma
nova música possa surgir. Vivemos em uma época que não encoraja a criatividade. Só
encoraja a imitação. Depende muito da gravadora.

Michael: Meu ídolo sempre foi James Jamerson, o baixista de estúdio da Motown por
todos esses anos. Li seu livro, que é fascinante. Ele era uma figura trágica, mas, cara, ele
inventou o soul. E, além dele há outros caras bons como Ray Charles, Otis Redding,
Brian Wilson. Posso listar um monte. Mas meu grande ídolo de todos os tempos não é um
músico, mas sim um jogador de hóquei chamado Terry Sawchuck. Gostei muito de Left
Banke.

Dennis: Não idolatro ninguém. Tenho muitos mestres musicais, de Coltrane a Elvin
Jones, dos Stones até o Who. Selos independentes são muito importantes hoje para que os
grupos novos possam ser ouvidos. Sempre foi difícil conseguir uma chance, seja a época
que for. Serei louco por rock ‘n’ roll até a minha morte!

Wayne, nos conte sobre o equipamento que você usava em 68/72 e o que você utiliza
hoje. Você utiliza algum simulador de amplificador ou é a velha escola que ainda
manda, do volume no dez?

WK: Naquela época eu tocava com uma guitarra Fender Stratocaster e um amplificador
Marshall de 100 watts. Hoje, é uma guitarra Stratocaster e um ampli Fender Hot Rod
Deville de 60 watts. Uso efeitos digitais quando gravo, mas ao vivo o som desses efeitos é
muito embolado. Quando toco ao vivo, me concentro nas notas que estou tocando, no
sentimento por trás dessas notas, na comunicação que tenho com os músicos. Me
comunico com a platéia através da música que toco. Pedais de efeito sempre quebram e
normalmente são um lixo.

Michael, liste o equipamento que você usava e que usa hoje.

Gosto muito de falar sobre equipamento. Em 68 tocava com um Fender Jazz Bass com
aquelas típicas cravelhas. O amplificador era um Marshall de 200 watts, e as caixas eram
caseiras TB1 com dois alto-falantes Electrovoice SRO de quinze polegadas. Hoje eu uso
um baixo Fender Precision, produzido em 1962 ou 63, e outro Precision de 66. Meu
amplificador é um SWR 400 com uma caixa Hartke com quatro alto-falantes de dez
polegadas.

Dennis, e você?

Tive uns vinte kits de bateria desde aquela época. Toquei com Ludwig, Tama, Gretsch e
Pearl, só para citar alguns. Após experimentar e aprender bastante, hoje uso um pedal
duplo com uma extensão de oito metros montado em um tradicional kit de jazz com três
peças.

O álbum Vintage Years tem um par de canções nunca gravadas oficialmente como
“Rock and Roll Pips” e “Down At The Bogaloo”. Foram escritas por vocês ou eram
covers? Ambas têm aquele típico som pesado de Detroit que se tornou muito popular
com artistas como Ted Nugent nos anos 70.

WK: Posso estar errado, mas acho que essas são canções do trabalho solo do Rob Tyner.

Comentem sobre a guerra no Iraque. O mundo mudou muito nesses últimos 35 anos
desde a fundação do MC5 ou não? As pessoas evoluem mesmo com as experiências
passadas ou será sempre um “nunca-aprender”?

WK: Trinta e cinco anos atrás eu acreditava que poderia haver uma mudança. Mas hoje
tenho que analisar de uma outra perspectiva e olhar não somente para os últimos trinta e
cinco anos, mas para os últimos 350 anos ou 3500 anos e dizer, não, não houve uma
grande mudança. Será que as pessoas podem evoluir e mudar? Tenho certeza que sim.

Michael: Odeio essa guerra contra o Iraque. Não estou nem um pouco feliz com o que
aconteceu e, se George W. Bush não é a maior tragédia que já aconteceu para o meu país
desde Richard Nixon, eu não sei o que é. Estou ficando cada dia mais revoltado com o
que está acontecendo porque tenho que assistir minha nação invadindo a propriedade
alheia. Como eu disse antes, se não temos condições de descobrir o que está errado e
porque se usa o terrorismo como primeira opção, então nunca teremos chance de parar
com isso. Que se volte à educação.

Dennis: Infelizmente, a guerra ainda é uma arma inevitável e desprezível. Pelo que
entendo, o que se pode fazer é mudar a si mesmo, mudar seus hábitos e o seu
comportamento. Podemos alterar a forma de como reagir às pessoas, aos lugares e demais
coisas. A revolução/evolução está nas mentes e no coração da própria Humanidade.

O que Detroit significa para vocês? A vibração da cidade ainda está intacta ou a
magia acabou?

WK: Detroit mudou muito. Costumava ser uma cidade que progredia a olhos vistos, com
muitas lojas, felicidade e prosperidade. Hoje, não há mais empregos, e está muito difícil
de viver por lá. A vida é dura em Detroit, mas o espírito da classe trabalhadora ainda está
lá, e eu acho que essa é a verdadeira alma de Detroit. O povo que trabalha duro. E dá duro
mesmo. E isso se reflete no rock. O rock fica pesado. Há uma linha direta do MC5 até o
Eminem. Somos todos corajosos e mudos. Ambos horrorizamos as velhas gerações.
Ambos foram atacados e crucificados, mas no caso do Eminem, pelo menos ele foi pago!

Michael: Detroit é meu lar, embora eu não resida mais lá. É difícil explicar, mas a cidade
tem ALMA. Só um “detroiter” mesmo pode entender de coração o que significa essa alma
da qual estou falando. É por isso que as bandas não param de surgir por lá. Agora mesmo,
uma nova fornada de bandas talentosas está saindo de Detroit. Simplesmente não pára
nunca.
Dennis: Detroit sempre produziu e sempre produzirá grande música. Está no nosso
sangue. Há muito trabalho ético e consistente sendo feito por aqui. Às vezes as coisas
acontecem rápido, outras vezes mais lentamente, mas de todas as maneiras…

Vocês têm filhos?

WK: Não tenho crianças, mas gostaria. Deixa que eu te aviso quando rolar.

Para não perder a viagem, mandem uma mensagem para os fãs brasileiros.

WK: Gostaria de tocar no Brasil, assim eu poderia aprender algo sobre o seu povo, sua
música e cultura. Tento há anos, mas até hoje não encontrei um promoter corajoso para
me levar. Quem sabe em 2003 não resolvemos isso?

Michael: Eu amo meus fãs brasileiros, de verdade. Espero que possamos nos ver o mais
rápido possível. “Kick out the jams” é uma mensagem atemporal e para todos. Paz e
felicidade para todo mundo. Carlos, foi muito legal conversar com você sobre o passado e
as coisas mais recentes.

Dennis: Alguns dos maiores guitarristas (violonistas) e dançarinos do mundo têm raízes e
influência da cultura brasileira. Seria uma honra e privilégio visitar o seu país para tocar.
Quem sabe? Alguém aí pode ligar para o meu empresário, por favor??!!

Opiniões sobre Rob Tyner

Wayne Kramer diz que tinha uns 13, enquanto Rob já tinha uns 18. “Ele era um cara
diferente com outros gostos”, afirma. Enquanto Kramer curtia corrida de carros, Rob
estava mais para zen budismo, jazz, pintura e esperanto. Kramer tentou convencê-lo a
entrar logo em uma banda, dizendo que rock era o lance, com muitas luzes, volume, suor
e mulheres mas Tyner respondeu: “Cara, isso não tem nada a ver. O lance é jazz. Você
tem que escutar Gene Ammons, Sonny Rollins, John Coltrane.” Anos depois Kramer o
reencontrou, e ele já estava com o cabelo afro, bêbado igual a um gambá e tocando gaita.
“Aí ele me perguntou: ‘Você já ouviu falar dos Rolling Stones? Vamos fazer, levar um
som assim!’

Rob era um cara muito inteligente, tinha uma profunda sabedoria espiritual, possuía
conhecimentos gerais daqueles de dizer porque a abelha voava, além de ser um excelente
desenhista de quadrinhos e de desenhar as próprias roupas.

“Meu nome é Wayne Kambes, foi Rob quem inventou o Kramer”, afirma o guitarrista.
“Ele inventou também o ‘Sonic’ do Fred (em outra entrevista, Kramer alegou que o Sonic
surgiu porque Fred comprou esse modelo de guitarra da Fender, mas como não gostou do
som, devolveu a guitarra mas ficou com o nome) e o ‘Machine Gun’ do Dennis. Ele não
era santo, como todos nós, mas era uma grande pessoa, com um grande senso de humor,
irrequieto e curioso. Quando as coisas ficaram ruins para a banda e não conseguimos
tomar o mundo de assalto, eu e ele passamos a discutir bastante e pelo menos por três
vezes Rob ameaçou nos deixar. Fazíamos então aquelas reuniões de terapia grupal de
banda e nunca a coisa se resolvia até o dia em que o liberei. Assim que ele saiu a banda
acabou. Depois, na prisão, o procurei para que escrevesse umas letras para mim, e ele
disse que só com grana. Aí ele montou uma banda chamada “The New MC5” em 77 e eu
fiquei louco! Escrevi exigindo que parasse com aquilo. Anos depois, em 82, após a
prisão, ele me procurou porque um cara estava oferecendo uma boa grana para que o
MC5 original voltasse, mas eu não estava mais a fim.” Kramer completa que Rob era o
verdadeiro “maior trabalhador do show business”. “Ninguém cantava como ele. Rob era o
perfeito arquétipo de todos os vocalistas de rock”, sentencia Wayne Kramer.

Michael Davis conta uma história muito boa sobre Rob: “Porque ele não se portava
como um típico rock star, nós pegávamos muito no pé dele, ainda mais após termos
assinado com a Atlantic porque queríamos arrebentar no mercado. O que aceitávamos
nele antes, passou a ser o que deveríamos mudar, como por exemplo o seu peso e a forma
como se vestia. Por essas coisas nós quase o crucificamos. Antes de sair do país
insistimos para que Rob desse cinqüenta voltas em torno da casa todos os dias para perder
o peso. Assim ele ficaria mais parecido com um deus do rock and roll para trazer mais
gatinhas para o público. Nessa época alguém disse para Kramer que deveríamos fazer
regime e passamos a viver durante três meses só de bife e queijinho.

Provavelmente Rob era o mais generoso, respeitador e conservador de todos nós, afinal
ele já tinha família e filho. Era um sujeito que se preocupava com os outros, de verdade.
Se ele apertasse sua mão, estaria te transmitindo todo bem-estar possível. Ele adorava
estar no palco para ensinar as pessoas sobre elas mesmas, dividindo a energia do amor
com todos. Ele chegou a escrever que seu maior desejo era ver as pessoas vivendo em paz
e harmonia. Rob deu o nome à banda. Estávamos em uma rodovia em Detroit e, de
repente, ele disse que nosso nome deveria ser MC5. Foi assim. Ele era completamente
diferente do Kramer que sempre se considerou o líder da banda, afinal Kramer era o único
que tinha telefone! Quando nos sindicalizamos como músicos, tivemos que autorizar um
responsável pela banda e assim designamos o Wayne que acabou acreditando muito nisso.
Rob era um outro tipo de pessoa. Deve ter sido muito difícil para Rob conciliar a família e
a banda.”

Discografia

Kick Out the Jams (Elektra) 1969 + 1983


Back in the USA (Atlantic) 1970
High Time (Atlantic) 1971
Babes in Arms [fita] (ROIR) 1983 (Fr. Danceteria) 1990
Do It (Fr. Revenge) 1987
Live Detroit 68/69 (Fr. Revenge) 1988

Compactos lançados nos States

* I Can Only Give You Everything / One Of The Guys - AMG RECORDS 1001 selo
amarelo
* Looking At You / Borderline A - Square Records A2 - 333 (com e sem foto na capa)
* I Can Only Give You Everything / I Just Don’t Know - AMG RECORDS 1001 selo
negro
* Kick Out The Jams / Motor City Is Burning - Elektra EK- 45648 Promo selo branco
* Kick Out The Jams / Motor City Is Burning - MC5 / 1 Promo selos negro e amarelo
* Kick Out The Jams / Motor City Is Burning - Elektra EK- 45648 selos negro e amarelo
- prensagem alternativa
* Tonight / Looking At You - Atlantic 45-2678 selos vermelho e branco promo -
prensagem alternativa
* Tonight / Looking At You - Atlantic 45-2678 selos vermelho e branco sem capa
* Shakin’Street / The American Ruse - Atlantic 45-2724 selos vermelho e branco -
prensagem alternativa

Diversos

* Looking At You / Borderline - Skydog M001 selo negro e vermelho (prensagem


francesa) (com foto na capa)
* I just Don’t Know / I Can Only Give You Everything - Grease Records FUN 1 selo
negro (prensagem amarela com foto na capa) - prensagem em vinil negro alternativa,
mesma capa e selo-
* Black To Comm / Fire Of Love - pirata com selo branco (foto na capa)
* Looking At You / Borderline - relançamento pirata de A-square 333 (foto na capa)
* Looking At You / Borderline - Edição do trigésimo aniversário da Total Energy (foto na
capa) (prensagem americana)

Originalmente publicado em RP#53

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