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FICHAMENTO

SOUZA, Adriana Barreto, O Exército na Consolidação do Império: Um estudo histórico


sobre a política militar conservadora, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.

INTRODUÇÃO

Logo em sua introdução, o primeiro parágrafo do livro elucida uma questão


primordial levantada ao longo da obra, a necessidade de uma modernização do Exército
brasileiro.

“Em fevereiro de 1850, o Imperador d. Pedro II abriu os trabalhos da Câmara dos


Deputados expondo o desejo de aumentar a força do Exército para transformá-lo em
uma organização mais regular e vigorosa. Proposta que, sendo interpretada e
desenvolvida, em plenário, pelo ministro da Guerra – o tenente-coronel Manuel
Felizardo de Souza e Melo - e pelo deputado conservador Bernardo Franco, destacava
a necessidade de se estabelecer critérios bem definidos e rigorosos para o ingresso no
Exército. Declaravam que o aumento não deveria restringir-se a números; o imperador
exigia um exército equiparável aos das nações civilizadas.”

O Exército, tradicionalmente, segundo a autora, foi tratado hostilmente, e


deixado de lado pelo governo imperial, ficando como coadjuvante em questões
importantes como a defesa do território. A isso deve-se muito o fato do Exército ter em
seus quadros um grande número de Generais portugueses, que poderiam ameaçar a
soberania do país com a restauração.

“Numa sequência bastante didática, poderíamos ordenar os fatos a partir da Abdicação.


Com ela, surgia a necessidade de se combater o Exército. Seus generais, na maioria
portugueses, ameaçavam a sociedade política com uma possível restauração.
Desconfiança que levaria à criação da Guarda Nacional e ao desenvolvimento de um
sentimento de aversão pelas forças de linha.”

Um grande problema analítico é considerar o Exército como um órgão coeso e


representante, ou braço armado de determinadas classes, em detrimento a interpretação
de que nenhuma instituição é inteiramente coesa, e que o representantes do Exército não
possuíam autonomia de pensamento ou ação, ficando a mercê das ordens de terceiros
em momentos que fosse necessária uma intervenção.

“Comprometidos com a definição de um modelo explicativo da conduta do Exército ao


longo da história, elaboram-no tomando-se por base uma representação temporal linear
e uniforme. A uma restrição da política em termos alternativos – ou se é reacionário ou
progressista – segue-se a valorização das intervenções armadas em detrimento dos
movimentos sensíveis a dinâmica própria, desenvolvida pela instituição nas mais
variadas situações históricas.”

O termo militar é e foi usado constantemente para definir o Exército, vezes de


maneira pejorativa, envolvidos com a desordem das revoltas do período regencial, e
incapazes de fazer o seu papel na contenção das mesmas.

“(...) o militar durante a Regência tem como parâmetro um universo institucional que
não se restringe apenas ao Exército, ao qual se juntam a Guarda Nacional e uma série de
grupos como os guardas municipais, as forças policiais, pequenas ordenanças, entre
outros que, apesar de terem sido legalmente extintos com a criação da guarda Nacional,
continuam a conviver e dividir áreas de atuação.”

A maior influência da política dos liberais no início do período regencial, leva a


criação de um órgão que diminui o poder do Exército no âmbito local, a Guarda
Nacional, mas que não justifica o argumento de que baixos investimentos no Exército
são exclusividade da política de descentralização progressista liberal, já que mesmo em
tempo de governo conservador o investimento foi escasso, por vez menor.

“A associação imediata entre os termos desta equação histórica(baixos índices de


investimento – indiferença civil – politica de erradicação) põe novamente em destaque o
jogo de similitudes, abrindo a possibilidade de estabelecermos indagações acerca dos
critérios de mediação do grau de aceitabilidade do Exército pela sociedade.”
O descontentamento com o escasso investimento nas forças armadas ganha uma
maior publicidade com o surgimento de uma revista, A Defesa Nacional, que critica e
denuncia o pouco envolvimento do Imperador com uma reestruturação do Exército, mas
fica claro ao longo da obra que esse ressentimento é setorial, o que desmonta a máxima
de uma instituição coesa, já que se denuncia em algumas publicações o envolvimento do
alto oficialato com as elites políticas, que ao contrário de estabelecer uma
profissionalização das forças armadas, baseadas no mérito e na formação, mantinham as
nomeações para o alto comando militar presas ao corpo aristocrático.

“O ressentimento é antigo e tem origem em determinados setores do Exército. Não se


constitui, de maneira alguma, numa ‘fala da corporação’ ou em um sentimento
compartilhado por todos os seus membros.”

“As Hierarquias que definiam os quadros das forças de linha acompanhavam o sistema
de liberdades e distinções estabelecido por um certo sentimento aristocrático, que
estruturava todo o corpo social. O alto oficialato não só era extremamente solidário,
como integrava a elite política do império.”

“O Exército imperial foi reorganizado seguindo uma orientação conservadora, o que


limita o seu alcance mas não invalida a idéia de reforma”

CAPÍTULO 1 – Estado imperial: um pacto fundamental

O capítulo se inicia dissertando acerca da modernização estabelecida para o


exército a maneira conservadora, e fala também sobre um pacto de solidariedade entre
os dois grupos hegemônicos na política do Brasil. Essa solidariedade era resultado de
uma idéia que os dois partido tinha em comum, a manutenção dos privilégios
aristocráticos. Apesar de pensarem em uma governabilidade diferente, em que se
opunham constitucionalismo e absolutismo, a quebra dos corpos de privilégio era um
ponto a ser mantido intacto. É importante refletirmos sobre a nomenclatura que define
os dois partidos, Conservador e Liberal, já que o partido liberal assumia uma postura
igualmente conservadora no que diz respeito a esses corpos de privilégio. Liberal era o
nome que se dava a época, mas reflito se hoje a referência ao partido Liberal não deve
ser a de um partido Conservador Constitucionalista.

“ Os pronunciamentos que se verificavam na Câmara durante a última Regência eram


unânimes quanto à ‘necessidade de ordem’, reclame a partir do qual se estruturavam
embates que tinham por objetivo articular uma representação social vigorosa, capaz de
mobilizar e instaurar um ponto de vista definitivo sobre as rebeliões provinciais e o
conjunto dos acontecimentos que abalavam o país. Nesse momento, liberais e
conservadores buscavam precisar princípios políticos específicos a cada um dos
partidos, mas deixavam claro o sentimento que os unia – o receio de um rompimento da
rede de relações que sustentavam distinções sociais e privilégios herdados do período
colonial.”

Em decorrência das revoltas provinciais, discursos em prol de uma reforma nas


forças armadas são realizados na Câmara dos Deputados, ainda como discursos em prol
da contratação de exércitos mercenários, que não teriam vínculo perduro com o Império,
provavelmente na tentativa de diminuir os gastos que o aumento de uma Força armada
fixa poderia trazer ao império. O problema nessa questão é que exércitos mercenários
não possuem a disciplina de um exército nacional formal, podendo levar a insurgências
e revoltas dentro das próprias forças, que tendo um vínculo temporário com o império
poderia usar de seu poderio para causar desordem e invasões. Tudo isso gira em torno
do pensamento em incluir o Brasil no “mundo civilizado”, em se ter leis fortes que
disciplinem a população e mantenham a ordem, ao molde das nações europeias. Um
discurso realizado pelo Deputado Hermeto Carneiro Leão ilustra bem esse ponto.

“A reforma das leis requerida pelo deputado, ainda que solitariamente, previa uma total
disciplinarização do Exército. As forças de linha deveriam ser ‘... disciplinadas, porque
um exército muito numeroso não valerá a terça parte de um exército bem disciplinado,
além do que, quanto mais indisciplinado for, mais funesto para o país, e mais perigoso
para a ordem pública’.”

O governo liberal na tentativa de reprimir as rebeliões, que estavam se tornando


cada vez mais frequentes no período, resolveram promover uma descentralização do
aparelho do estado, também numa tentativa de reprimir uma possível restauração,
aumentando o número de cargos regionais, e os tornando eletivos, como a Guarda
Nacional e o cargo de Juiz de Paz. Essa descentralização mostrou-se incapaz de
conseguir a estabilidade no Império, aumentando a influência dos conservadores, que
subiram ao poder com um plano diferente de atuação.

“As revoltas regionais tornavam-se uma prova embaraçosa do descontrole do estado,


que se mostrava incapaz de por fim à instabilidade política.”

“Enquanto a instituição dessa direção, na forma de um Estado centralizado,


encaminhava a restauração das relações entre o Brasil e a Europa, fomentava também,
através dos avanços técnicos, o sentimento, entre diversos setores da sociedade, de se
estar no centro do mundo civilizado. A ampliação dos poderes do Executivo, criando
novas instituições e a reforma de outras tantas que se desdobravam na geração de
inúmeros empregos diretos e indiretos, aumentava o prestígio das forças
conservadoras.”

O alto oficialato do Exército sempre esteve presente na política do império, e ao


longo do tempo nota-se uma diminuição da participação dos mesmos nos cargos
políticos, explicitando a ideia de que ao longo do tempo esse corpo foi se
profissionalizando, já que no início do século um oficial do exército não possuía ainda a
‘identidade’ militar, era um integrante da comunidade civil com costumes civis, mesmo
que a ascensão ao alto oficialato continuasse sendo exclusividade dos filhos de “boas”
famílias. A participação dos oficiais na política foi primordial para que se conseguisse
alcançar uma maior modernidade nas forças armadas, mas com o tempo, devido a
mudanças na formação dos cadetes e uma maior racionalização da instituição, sua
atuação passou a ser mais preponderante dentro dá própria instituição, mesmo que
nunca tenham deixado de participar ativamente da política.

“Numa sociedade alicerçada sobre valores aristocráticos, os líderes militares tinham


lugar cativo na composição do grupo da elite política, consição a que ascendiam menos
por sua ‘identidade profissional’ do que por uma combinação de origem social e atuação
política.”

“Ser um oficial, conforme indica a provisão, era antes um honraria que uma profissão.”

“As pesquisas realizadas por John Schulz ajudam a comprovar com argumentos
numéricos esse fato.”
“Na sua amostragem, a participação dos militares nos cargos da política nacional
descreve uma curva decrescente que revela um aumento dos níveis de
profissionalização e a consequente redefinição do papel social e político do Exército.”

“Esse fácil trânsito dos oficiais entre tarefas propriamente militares e cargos políticos,
de acordo com José Murilo de Carvalho, constitui a estratégia básica de organização
dessa política de base burocrática. O império resgatava a velha prática portuguesa de
fazer circular seus funcionários a fim de que pudessem acumular uma vasta experiência
de governo e, ao mesmo tempo, evitar a identificação do grupo com interesses
regionais.”

“Como diria Huntigton, ao analisar a estrutura dos exércitos do século XIX:” A


profissão de militar simplesmente não existia” e somente “ a emergência de um corpo
de oficiais profissional criou a moderna questão das relações entre civis e militares.””

CAPÍTULO 2 – O Exército como braço administrativo do Estado

Seguindo a mesma linha argumentação acima é possível separar alguns trechos que
elucidam a pouca importância e as críticas que eram feitas ao Exército, por sua
participação falha no combate as rebeliões que eclodiam em todo o território e a
importância que é dada pela historiografia para a Guarda Nacional. A Guarda Nacional
também se encontrava deteriorada e se mostrava igualmente incapaz de combater as
diversas rebeliões.

“Durante as revoltas, em diversos pontos do Império, as preocupações dos poderes


legais eram as mesmas: a desarticulação das forças militares e sua dificuldade de
combater a desordem.”

“(...)o estado de desarticulação das forças de linha pode ser facilmente deduzido das
medidas liberais adotadas pela Primeira Regência e dos mecanismos de recrutamento da
oficialidade. Por mais que as reformas de 1831 e 1832 não tenham sido mocidas por
uma intenção propriamente erradicadora, é impossível negar o amploprocesso de
desmobilização a que foi submetido o Exército nesse período.”
“A contrapartida de um exército desprestigiado é o destaque dado à atuação da Guarda
Nacional.”

“(...)a eficácia da atuação da Guarda como filha da revolução liberal e substituta das
forças de linha nas questões internas é duvidosa.”

“Essas críticas ao estado das forças militares da legalidade e o reclame por ‘printas e
enérgicas medidas’ vão gradativamente se construindo à medida que as rebeliões
provinciais se difundiam pelo território nacional e a incapacidade do governo em dar-
lhes combate tornava-se cada vez mais notória.”

Os discursos dos Conservadores começaram a ganhar cada vez mais aadmiração


e sua popularidade cresceu frente à incapacidade dos Liberais em reprimir as
insurgências. O discurso centralizador conservador criava condições para uma
modernização e reforma das forças regulares, que há muito vinham sendo degeneradas.

“Longe de constituir uma surpresa, o brilho dos discursos conservadores é decorrência


da atuação, ou melhor, da omissão dos liberais diante dos progressos das rebeliões, ao
longo dos anos em que estiveram no poder.”

“Para debelar as rebeliões não basta aumentar a força militar, muito menos com a
contratação de mercenários; nessa política, os partidários do conservadorismo
localizarão, como poderá ser visto adiante, uma intenção de militarização do Império.
As circunstâncias exigiam uma reforma militar que restabelecesse a disciplina e a ordem
no interior do Exército.”

Com a subida dos Conservadores ao comando do governo regencial é realizada


uma reforma administrativa e jurídica, que visavam fortalecer e aumentar as forças
regulares. Representados por jovens de formação acadêmica, em sua maioria coimbrã,
os conservadores acabaram por desfazer-se de todos os modos e vestígios Liberais no
governo, promovendo uma tentativa de centralização. A proeminência desses jovens
acabaram por provocar um incômodo aos mais velhos, que apesar de se referir aos
mesmo como crianças, na verdade tinham receio da sua disposição e eficiência
administrativa.

“O ministro Sebastião do Rego Barros foi um importante nome regressista nesse embate
inicial pela implementação das medidas reformistas no campo militar.”
“No ano de 1837, a nomeação para o Ministério da Guerra consolidou a imagem de
Rego Barros na política nacional, quando, aos 34 anos, assegurou definitivamente o seu
lugar no grupo da elite política.”

“Aspectos básicos da organização das forças de linha eram repensados e apresentados


como um problema, e mais, como fatores diretamente responsáveis pela difusão dos
movimentos de rebelião no território nacional.”

“Outro ponto abordado foi a reorganização dos estatutos da Academia Militar. A


reforma empreendida pelo ministro, e que lhe legara o título de ‘grande reformador’,
pela primeira vez traçava um paralelo entre instrução e disciplina.

“Para aprovar a proposta que autorizava a elevação das forças de terra em circunstâncias
extraordinárias para até 15 mil praças de pret, o ministro teve que acompanhar durante
dois meses as sessões parlamentares e enfrentar pronunciamentos bastante hostis.”

É interessante ver que, mesmo tendo que conviver com várias revoltas, que
desestabilizavam o governo, comandado seja por um partido ou por outro, os Deputados
tentavam de qualquer forma barrar qualquer reforma ou projetos de lei, mesmo que
servissem para uma maior estabilidade. O jogo político mostra que não estava em jogo o
interesse do país, mas o interesse do partido. “O ano de 1842 constituiria o segundo
marco da trajetória conservadora.”

“Nesse período, as medidas reformistas não dariam mais um passo na Câmara, pondo
em evidência os limites da ação regressista e confirmando a resistência dos deputados
ao projeto de reorganização das forças de linha.”

“As revoltas liberais de 1842 alterariam o curso dos acontecimentos, abrindo a


sociedade para as propostas regressistas. Todas as reformas que esperavam aprovação
parlamentar foram instituídas, de uma só vez, ao longo desse ano.”

“Desamparados politicamente, e afastados do poder desde 1837, os integrantes do novo


gabinete procuraram garantir a maioria na Câmara interferindo nas eleições, que
receberiam, por isso, a alcunha de ‘eleições do cacete’.”

“Dela os conservadores lançaram mão para levantar suspeitas sobre a legitimidade do


governo liberal e retornar, num curtíssimo prazo, ao governo, pedindo a dissolução da
Câmara.”
“Se em 1837 a desordem era identificada nos princípios políticos liberais, os
movimentos de 1842 fornecem aos conservadores instrumentos simbólicos para que
pudessem dar um passo à frente em suas críticas. Nesse momento, os próprios liberais
são identificados como adversários da ordem.”

Com a subida dos Conservadores ao poder, mais uma vez é possível notar uma
reforma expressiva no Exército, reformar que procuravam não só modernizar, mas
principalmente organizar administrativamente o Exército, que era alvo de várias
denúncias em relação a suas despesas. O orçamento se torna maior, e com ele a
necessidade de um controle também se torna maior, já que se buscava uma maior
eficiência nos controle das finanças do estado.

“A ‘visibilidade organizada’ garantia também a lisura das informações enviadas ao


governo. Não podemos esquecer que o Partido Conservadir ergueu-se como símbolo da
competência e eficiência administrativa e, como tal, não poderia, pelo menos
teoricamente, admitir fraudes.”

“A eficácia funcional supunha um dispositivo de múltiplas vigilâncias que definia uma


rede de olhares que se auto-regulavam e reerguiam o Exército como um dos principais
braços administrativos do Império.”

CAPÍTULO 3 – A preparação do futuro: por uma crítica moral e civilizadora

O capítulo, como fala um dos seus tópicos, fala preponderantemente dos limites da
reforma ao qual o Exército passou durante o retorno dos conservadores ao comando do
governo. A questão gira em torno dos investimentos, que visavam uma modernização
infraestrutural em detrimento do Exército e na manutenção dos privilégio de nomeação
dos cargos de comando das forças regulares pela aristocracia. Outra grande polêmica
que segue no capítulo é a do recrutamento. Seguindo essa linha, por mais que fossem
feitas reformas administrativas, a profissionalização esbarrava nos corpos de privilégio
que regiam o Império, se estendendo, é claro, também ao Exército. O Exército estava
completamente subordinado a política, o que causava um desconforto nos Oficiais
formados profissionalmente.

“A administração felizardo corresponde à fase de expansão da capacidade reguladora do


estado. Outro fato que deu destaque ao governo conservador que principiava em fins da
década de 1840 foi o movimento que empreendeu para ampliar as bases político-
administrativas da monarquia, e, nesse sentido, coube ao novo ministro conduzir esse
movimento nas repartições do Exército.”

“Esse compromisso com a Coroa é objetivado pelo próprio imperador ao mencionar na


abertura dos trabalhos de 1850 que esperava das Câmaras providenciais para aumentar a
força do Exército e promover reformas que lhe proporcionassem uma organização mais
regular e vigorosa.”

“O destaque dado pelo governo aos negócios da Guerra era tanto que, em pouco tempo,
a administração Felizardo passou a ser identificada no meio político como ‘aquela que
mais gasta’, despertando a atenção da Câmara e criando uma série de suspeitas.”

“É claro que sustentando esse tipo de pronunciamento existiam inúmeros interesses


políticos”

“O discurso da neutralidade competente e da eficiência administrativa, que aproximava


o Império das nações civilizadas, permanecia restrito ao conjunto de leis e regulamentos
institucionais. Na prática, as relações sociais continuavam a ser regidas pelos sistemas
de apadrinhamento e de favorecimentos pessoais – uma contradição que seria observada
pelos próprios contemporâneos e limitava o alcance da ação centralizadora.”

“O discurso político da neutralidade administrativa atuava sobre fronteiras sociais muito


bem demarcadas, e o projeto que lhe dava sustentação não previa qualquer ampliação
dessas fronteiras. Era importante ter claro que alterar os meios de recrutamento
significava romper com o jogo de hierarquias que mantinha as distinções entre a ‘boa
sociedade’ e a ‘canalha’

“Esse não era contudo o único motivo que justificava a permanência do antigo sistema
de recrutamento.”

“Através dele, os Conservadores efetuavam uma série de prisões, e colocavam em


circulação personagens da política local que faziam oposições às reformas do Estado.”
A última parte do capítulo traça um perfil de um jornal, O Militar, um pasquim,
anônimo, que fazia duras críticas ao modo de como o Exército era comandado, e sua
principal crítica era feita ao fato de que os oficiais comandantes não precisavam
necessariamente passar pela academia militar para estar nesses postos, ainda se
mantinham os privilégios das ‘boas famílias’. Além disso, era fato que misturar alunos
civis com alunos militares nas academias contribuíam para a falta de formação
exclusivamente direcionada para a instituição.

Mais que um jornal, O Militar acaba por fortalecer uma identidade, a do


‘Militar’, colocado no contexto como um corpo único solidário. O controle do Exército
pelos laços políticos também era um dos pontos questionados, já que esse controle
tirava do Exército o mínimo de autonomia necessária para a profissionalização da
instituição.

“O jornal O Militar era publicado quinzenalmente na corte e circulou de maneira restrita


durante um ano, entre julho de 1854 e julho de 1855.”

“A mistura de alunos militares e civis, a falta de uma série sistemática de estudos


práticos e de um regime de internato, além do fato do curso da Academia não constituir
um pré-requisito para o ingresso na carreira davam origens a muitas polêmicas nas quais
tomavam parte tanto oficiais, como parlamentares por ocasião da votação das
reformas.”

“Como diria o ministro Manuel Felizardo, em discurso pronunciado na Câmara dos


Deputados em 1851, a Escola Militar precisava de regime de internato, de quartel, capaz
de ‘... acostumar os jovens militares à obediência, inspirar-lhes hábitos da vida a que se
destinam e tornar-lhes familiares os exercícios de suas respectivas armas e a economia
dos corpos’. E, observaria ainda que: ‘A nossa escola tem todos os elementos para fazer
sábios; poucos porém para fazer oficiais...”

“Os esquemas de apadrinhamento e favorecimentos pessoais que vinham sendo


denunciados pelo grupo de Deputados interessados na ‘estabilização’ do regime
transformaram-se no tema básico da publicação, sendo abordado minuciosamente e com
grande indignação a cada novo número,”
“Toda a reorganização administrativa era efetuada com o objetivo de favorecer os
desmandos do poder central...”.

“A medida que a nomeação para os postos da alta burocracia passava a ser uma
prerrogativa do Estado, os militares deveriam reconhecer e subordinarem-se às novas
regras e interesses.”

“As regras aristocráticas de ordenação da sociedade continuavam em vigor, o militar


antes de tudo era um súdito do imperador. O entrelaçamento de esferas de atuação,
militar e civil, era a garantia de uma eficácia funcional.”

“incapazes de administrar com competência os negócios do império e interessados


apenas em manter seus privilégios, os magistrados procuravam impedir o progresso da
classe militar.”

“Oriundos de famílias tradicionais, que gozavam de prestígio no meio político, os


oficiais de alta patente eram identificados nas páginas do jornal comoparticipantes
ativos desse ambiente pernicioso, dispondo de lugar cativo nas redes de favorecimentos
pessoais tecidas pelo patronato.”

“O alto-oficialato participava assim da indiferença da elite pelo Exército.”

“Todas as críticas realizadas pelo O Militar apontavam para uma instituição com baixo
grau de racionalização, e isso constituía na verdade a razão de seu surgimento.”

“Aproveitando o fato de que o prestígio do Exército, pelo desempenho apresentado nas


‘lutas pela preservação da integridade nacional’, ainda estava presente na memória de
políticos e populares, o jornal procurava explorá-lo a fim de empreender uma campanha
para sua modernização.”

No final de suas atividades o jornal começa a tecer ameaças, o que mostra uma
possibilidade de esgotamento da paciência na espera que os anseios dos “verdadeiros”
militares fossem ouvidos. É como se o governo não desse a menor atenção aos
problemas relatados e as exigências feitas. Por fim o último trecho revela uma ameaça
que viria a ser cumprida, a de que penetrariam no castelo, o que veio a acontecer em
1889.
“Crescia entre os seus colaboradores a convicção de que os governistas só nutriam
desprezo pelo Exército porque acreditavam que eles eram incapazes de empreender um
ato de força.(...) Os militares do jornal começavam a ameaçar a sociedade política com
uma reação imprevisível.”

“O Militar já não era mais o jornal de julho de 1854. A única certeza que mantinha era a
recusa em estabelecer qualquer vínculo partidário.”

“Nos últimos números, O Militar expressava apenas um desejo: “Hipócritas refalsados,


se me fosse possível patentear os indecorosos, ilegais e imorais usos que se dedicais a
máxima porção desses públicos dinheiros arrancados aos cidadãos, se me fosse possível
desmascarar (...) mas é o vosso castelo, o vosso paládio – algum dia nele
penetraremos!”.”

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