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Seminário Internacional Artes e Território no mundo lusófono e hispânico

CASA DOMÉSTICA: um Território da Memória e do Poder

Gercinair Silvério Gandara

RESUMO
Na década de 30 e 40 o modernismo chegou à arquitetura em Goiás. No panorama das construções em
geral o estilo Art-deco. Em Goiânia a casa doméstica de Pedro Ludovico Teixeira, seu fundador, tinha compro-
misso com este estilo. Já no interior da residência ocorreu uma harmonização com o novo estilo ou seja, o
desejo da modernidade cingiu-se à maneira de morar. Nossos registros objetivos estarão em torno da casa,
sua apresentação objetiva e concreta, a arquiterura e sua organização interna dos aposentos e mobiliário.
Pela análise da disposição dos cômodos silenciosos, dos móveis e objetos acumulados será possível detectar
seus usos cotidianos e os comportamentos de uma fatia do tempo passado de personalidades importantes
da História de Goiânia e de Goiás. Eu procurarei registrar neste território da memória o cenário doméstico em
movimento.Afinal a noção de território é, sem dúvida, formada através do dado imediato da materialidade.

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura, Território, Casa, Memória, Museu

ABSTRACT
In the 30s and 40s, the Modernist Architecure came to the state of Goiás. In the overview of the construc-
tions in general, the Art-Deco style appeared. In Goiania, the domestic house of Pedro Ludovico Teixeira -its
founder -had committed to this style. Inside of this residence occurred an harmonization with the new style,
ie, the desire of modernity girded to the way of living. Our records will be around this house, its objective
and concrete presentation, architecture and internal organization of its rooms and furniture. By analyzing the
arrangement of silent rooms, furniture and objects, it will be possible to detect its daily habits and behaviors
of the past time of important personalities in the history of Goiânia and Goiás.I will register in this memory’s
territory the domestic scenery in motion. After all, the notion of territory is undoubtedly formed through the
immediate data of materiality.

KEY WORDS: Architecture, Territory, Home, Memory, Museum

CASA DOMÉSTICA: um Território da Memória e do Poder1

“A casa é também propriedade, objeto de investimento e


estabelecimento. É ainda, o território através do qual os pro-
prietários tentam pela exuberância apropriar-se do mundo”.
(PERROT, 1991, p.309)

A casa doméstica do fundador de Goiânia é o território da


memória. A casa equipada e vivida tem personalidade e auten-
ticidade documental. Para Rogério Haesbaert (1995), o territó-
rio tem uma dupla face. É um espaço dominado ou apropriado
com um sentido político, mas também apropriado simbolica-
mente, onde as relações sociais produzem ou fortalecem uma
identidade utilizando-se do espaço como referência. Neste sentido, a dupla dimensão do território, cultural
e político-disciplinar pode estar conjugada, reforçada ou ainda contradita, devendo ser analisada de acordo
com as formas e a intensidade com que se apresenta a relação entre a dimensão material (político-econômi-
co) e a dimensão imaterial (simbólico-cultural).
A transformação da categoria espaço doméstico em território é um fenômeno de representação através do
qual os grupos humanos constroem sua relação com a materialidade, num ponto em que a natureza e a
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cultura se fundem. Muitos priorizam a dimensão simbólico-cultural na construção do território, conside-


rando-o como uma identificação que determinados grupos desenvolvem com seus “espaços vividos”. Felix
Guatari entende que, “... o território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema perce-
bido no seio do qual um sujeito se sente ‘em casa’”. Destarte o território é sinônimo de apropriação, de sub-
jetivação fechada sobre si mesma. É o conjunto dos projetos e das representações nos quais vai “desembocar,
pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais,
culturais, estéticos, cognitivos”. (GUATARI: 1985, p.110)2
Neste sentido o território é uma categoria em que são apreendidos cenários contíguos e alternos adjacen-
tes e separados, dependendo às vezes do tipo de interações estabelecidas com as relações, os repertórios
culturais e os “mundos” de vida. É, portanto, um dos aspectos paradoxais da identidade cultural. Creio que a
territorialidade se dá por meio de um processo de criação de códigos e símbolos que caracterizam e particu-
larizam um lugar para um indivíduo ou grupo. Este lugar está intimamente ligado às relações travadas entre
as pessoas no decorrer do tempo e o lugar. Assim sendo, a casa do fundador está impregnado de objetos
comuns e de relações político-sociais entre as pessoas e o lugar. Territorialidades assim são essencialmente
múltiplas, pois os agentes individuais têm percepções divergentes e admitem a co-presença de alteridades
culturais. De uma forma ou de outra, entendo que uma das formas concretas de apropriação temporal-espa-
cial mediada pelo poder é o território.
Acredito, também, que a territorialidade está presente em qualquer representação social cuja intenção
seja definir as fronteiras de controle e apropriação de determinada realidade social. Neste sentido compar-
tilhamos de uma territorialidade relativa além da fachada do comportamento social humano ou da moldura
perene das estruturas espaciais. Trata-se de uma estrutura social dinâmica vivenciada no cotidiano domestico
sob forma de representações sociais por meio da dita “modernidade”. Numa palavra, a noção de território,
sem dúvida, é formada através do dado imediato da materialidade, mas esse é apenas um componente, já
que todas as demais representações são abstratas.

ART DÉCO... e o “Modernismo” Chegou em Goiás


‘.... o quadro arquitetônico teria mesmo que alterar significativamente... o modernismo
chegou. (Carlos Lemos, 1996)

Os anos 30 e 40 foram aqueles em que o modernismo chegou à arquitetura brasileira, bem depois de já ter
se instalado na música e nas artes plásticas. Segundo Carlos Lemos, (1995, p.69), “a partir do início da década
de 30 instala¬-se no panorama das construções brasileiras em geral o estilo Art-Déco”. No Brasil, depois da
crise do café, os arquitetos e decoradores tiveram a oportunidade de construir residências realmente moder-
nas desde as paredes e estrutura de concreto até os móveis, tapetes, vitrais, louças, vasos, pinturas e escul-
turas. Houve também uma integração das artes. Situação semelhante àquela ocorrida com o art-nouveau,
no começo do século.
Nesse modernismo houve alterações dos espaços. O esquema de circulação francês, trazido pelo ecletis-
mo foi abandonado ou usado parcamente. Percebe-se nalgumas casas a ênfase que voltava à sala de jantar,
a tradicionalíssima varanda, para onde deitavam as portas não só das salas de estar e visitas, mas também
dos dormitórios e áreas de serviço. A sala praça. Para Carlos Lemos, (1996,p.69) “vê-se que ali o desejo de
modernidade cingiu-se tão somente à forma, sendo resguardada a maneira de morar imposta pelos projetos
‘eruditos’ do ecletismo”. Quase todos os modernistas insistiram em alterar os espaços. Estenderam à orga-
nização do lar novas idéias ligadas não só ao conforto mas, também a normas de convívio de uma renovada
etiqueta. Renovada etiqueta, porém, recuperadora da tradicional varanda comunitária.
O art-deco, que por sua vez foi chamado de ‘futurismo’ aliou a modernidade das fachadas à planta tradi-
cional, ou melhor, à circulação, que tinha como centro distribuidor a velha varanda. Conforme Lemos, (1996,
p.69-70). Victor Duburgas em seus projetos para clientes particulares muitas vezes insistia na planta tradicio-
nalista fazendo da sala de jantar o centro das atenções. Já desde o início do século havia se mostrado rebelde
ao esquema disciplinador singularizado pelo austero vestíbulo que distribuía os passos, unindo em volta de si
as zonas de dormir, de estar e de serviço. “Victor Duburgas, assim pensamos, foi realmente o primeiro arqui-
teto moderno ativo no Brasil. “ (LEMOS: 1996, p.69)
O progresso foi, aos poucos, eliminando dependências e reduzindo a enorme lista dos componentes dos
programas de necessidades caracterizadoras de nossas moradas coloniais. Por exemplo, em meados do sé-
culo XX, a área de serviço chegou bastante diminuída. Nela houve uma espécie de enxugamento devido à

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presença constante e obrigatória da empregada doméstica. No Brasil, e consequentemente em Goiás, a em-


pregada doméstica assumiu papel importante.
Na segunda metade da década de 30 nossas casas conheceram parcimoniosas os primeiros eletrodomés-
ticos facilitadores da vida doméstica. Já entrados os anos 50, o rádio aperfeiçoou-se e logo foi acoplado às
vitrolas de 78 rotações e de agulhas de aço cambiáveis periodicamente. Assim, o som eletrônico começou a
dominar o lazer doméstico, substituiu o piano com muito proveito pois, era acessível a qualquer momento,
sem depender da boa vontade dos intérpretes da família.
O rol das atividades domésticas foi perdendo componentes devido ao progresso material que também
acolheu alterações fundamentais decorrentes das novas regras sociais. O quarto de hóspedes agenciado es-
trategicamente desapareceu. A sala de visitas sempre fechada aguardando os raríssimos comparecimentos,
previamente combinados, de pessoas do relacionamento social era a área nobre da casa, onde não havia a
hipótese de qualquer tipo de superposição de atividades.
Neste período observa-se que, no intuito de atender às residências da época, havia sumamente um acom-
panhamento da publicidade em torno de jornais, revistas e outros, mormente aqueles voltados para a mulher
e o lar. Tais anúncios mostravam, de modo claro, a ordem de adoção das novidades ligadas ao conforto das
casas. Hoje, impera a publicidade ligada ao som e à imagem. O rádio foi importante, mas como ele podia
ser ouvido de qualquer lugar não exigia alterações no programa de necessidades e tampouco providências
especiais de caráter arquitetônico. A televisão foi responsável por fundamental alteração na vida íntima das
famílias, com óbvios reflexos na organização espacial. Pediu acomodações apropriadas já que fixa o espec-
tador num determinado lugar e por muito tempo. Foi responsável ainda por enormes mudanças no mobili-
ário, permitindo aos decoradores e aos moveleiros novas concepções de projeto, agora tendo como tônica
principal o conforto, exigência até então atrelada às razões dos estilos. A televisão uniu a sala de jantar à sala
de estar e nisso, outra modernidade na arquitetura domiciliar. Foi o fim definitivo da sala de visitas como uni-
dade da habitação e também o desaparecimento da copa, a grande copa como local de reunião da família. A
copa do velho rádio. O centro de interesse da casa desvencilhou-se da cozinha, da área de serviço. Em todos
os programas, surge o novo elemento, a sala de televisão, uma nova sala de especialização total. Agora, dois
ambientes, o de estar à toa e tomar refeições e o da televisão.
A década de 30 foi inegavelmente o apogeu da chamada Art-deco, movimento de grande significação que
influiu no estilo arquitetônico dos primeiros edificios da nova Capital do Estado de Goiás. Foi nos postulados
do estilo Art-deco que se orientou o arquiteto urbanístico Atílio Correia Lima. Coube ainda ao estilo inspirar
as primeiras edificações urbanas de Goiânia dentre elas a residência do então interventor Federal que, talvez,
seja o exemplo mais definitivo, cuja preservação foi indispensável.
Essa arquitetura, obviamente, é aquela que deve ocupar
a atenção dos interessados em conhecer a casa moderna
goiana, embora seja ela minoritária no panorama geral.
Porém, são importantes as análises de sua planta, de seus
espaços resultantes de intenções e estruturas realmente
representativas do pensamento e da técnica Art-Déco. A
divisão do espaço interno dessa edificação e a existência
de uma sala-praça, demonstram bem essas influências.
Realmente, a tendência foi aproveitar as vantagens das
modernas estruturas, com suas possibilidades de grandes
vôos ou largos espaços para sugerirem um novo modo de
vida. A sala-praça, oriunda da velha varanda, relembrada
por Dubugras em seus projetos, foi bem vinda aqui, justa-
A casa que pertenceu a Pedro Ludovico e hoje é o mu-
mente por aquele motivo, o do centro das atenções
seu onde são guardados seus pertences, foi construída
de 1933 a 1940, e seu estilo já é uma atração porque é
um precioso modelo de Art-Déco tão em moda no país UM CANTO DO “MUNDO”... casa doméstica de
naqueles anos. O estilo moderno é marcado pelo equilí- Pedro Ludovico Teixeira
brio e simplicidade de retas e curvas, com plantibandas
escondendo os beirais da casa, conforme analisa a arqui- “A casa é nosso canto do mundo.
teta Yahweh Azevedo de Oliveira e Parreira. ( O POPULAR, Ela é o nosso primeiro universo. É um
17.01.1993, p.5) verdadeiro cosmos”. (Bacherlard, 1988)

A casa doméstica de Pedro Ludovico Teixeira é um lugar

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da memória individual e coletiva, histórica e política de Goiás. Uma memória seletiva, valorizada se-
gundo princípios familiares advindos do mundo burguês. Parafraseando Bachelard (1989, p.24) é pre-
ciso dizer como habitamos o nosso espaço vital de acordo com todas as dialéticas da vida, como nos
enraizamos, dia a dia, num “canto do mundo”. Porque a casa é o nosso canto do mundo. Ela é como se
diz amiúde, o nosso primeiro universo.
Não podemos arrancar-lhe o sol, pois esta casa é símbolo de quase um século de história política, social,
econômica e cultural de Goiás. Ela não é somente representação. É necessário evocar-lhe em seu espaço
luzido, idéias como aquela que por volta de 1932 tornava-se o assunto mais palpitante em todo o Estado, o
da mudança da capital.
Pedro Ludovico Teixeira , nasceu a 23 de outubro de 1891, na cidade de Goiás, filho de João Teixeira Álvares,
médico e escritor, e de Dona Joshephina Ludovico de Almeida. Formou-se em medicina no ano de 1915, no
Rio de Janeiro. Regressou a Goiás no ano seguinte, iniciando suas atividades em Bela Vista-Go. Transferiu sua
residência para Rio Verde em 1917, quando passou a clinicar. Casou-se a 22 de julho de 1918 com Gercina
Borges, filha de Antônio Martins Borges que foi Senador e chefe político de Rio Verde e Maria Borges Leão.
Em seu livro memórias observou, “nesse ínterim depois de um ano em Rio Verde, e alguns meses em Jataí,
chegou àquela cidade uma filha do Senador Martins Borges, de quem me enamorei, cujo noivado foi curto,
casando¬-me logo. (TEIXEIRA, 1973, p.26) Foi interventor federal em Goiás de 1930 a 1935. Foi Governador
desse Estado de 1935 a 1937. Durante a sua gestão foi transferida a capital da cidade de Goiás para as proxi-
midades de Campinas, criando-se o núcleo urbano de Goiânia. Conforme Chaul,
A modernidade, sinônimo de progresso à época, era o manto que cobria a mudança da ca-
pital... Goiânia foi edificada sob o prisma da modernidade... Serviu de estratégia política para
seu mentor, Pedro Ludovico, em uma época em que governo era provisório e o governante,
um interventor... Goiânia representava o veículo da condução política-burocrática capaz de
levar o Estado a uma maior inserção no mercado nacional.. (1997, p.207)
Novamente, foi interventor federal de 1937 a 1945 e Governador do Estado de 1951 a 1954. Elegeu-se se-
nador por duas vezes de 1955 a 1962 e de 1962 a 1969. Teve o mandato cassado e direitos políticos suspensos
por dez anos, em 1° de outubro de 1969. Faleceu a 16 de agosto de 1979, vítima de uma parada cardíaca, em
Goiânia. “O corpo que morre é como um frasco de fina essência que se quebra, deixando a casa, por muito,
impregnada de aroma, até que o tempo o vai desvanecendo, e fica somente a saudade, que é a memória do
coração. “ (Coelho Neto)
Hoje, a casa é um Museu. O Museu Pedro Ludovico é símbolo de quase meio século de história política,
social, econômica, cultural e doméstica de Goiás. Está situado em Goiânia, à rua 25 esquina com Avenida
Dona Gercina Borges Teixeira, Setor Central, nas proximidades da Praça Cívica. O imóvel foi construído no ano
de 1934. É compreendido por 9 cômodos na parte inferior e 7 cômodos na parte superior. Como edificações
existem ainda na parte externa: edículas, piscina e área ajardinada. O Museu resenha acontecimentos que
movimentaram as décadas de 30, 40, 50 e 60. Possui um acervo constituído de móveis, documentos histó-
ricos, vestuário, registros fotográficos, biblioteca, pratarias, porcelanas, cristais e correspondências. A casa
guarda uma arquitetura art-déco. Reune, preserva e expõe um acervo que lhe é própriamente doméstico.
Descrever esta casa, a hierarquia e uso dos aposentos e seu mobiliário representa dissecar condutas, re-
velar elementos culturais, sua etnicidade e historicidade. Por meio desta casa se pode identificar aspectos
políticos de Goiás além de se fazer a leitura e apropriação do mundo doméstico Não se trata de um espaço
complementar ao mundo público, é uma dimensão que abarca todo universo social, fazendo desaparecer
outras dimensões. Como diz DAMATTA (1985, p.46),”de qualquer modo, o simbolismo da casa e pela casa é
extenso... “. O mundo da casa como universo onde as relações predominantes são as de parentesco, pode ser
dominante quando há um controle da família sobre a comunidade, acima de tudo, no mundo político. Mundo
este, no qual a família Teixeira desempenhou papel preponderante. Quero adentrá-la. Percorrer os quartos,
corredores, escadas, varandas e, através das janelas ver a paisagem percebendo a casa como um instrumen-
to que abriga a memória. O que caracteriza esta casa é o conjunto de critérios que regem a superposição ou
a distribuição de atividade dentro do seu espaço. Para entendê-la no seu sentido mais estrito será necessário
penetrá-la no âmbito da convivência e da intimidade. Essa casa deve ser entendida como um todo, como uma
unidade, cuja função de abrigo tem a primazia e o resto dela decorre.Suas linhas são fortes. O fio do prumo
deixou-lhe a marca da sabedoria, do equilíbrio.
Sei que o eixo da vida pública é englobado pelo eixo da casa. Discurso esse, no qual a pessoa, a casa e
suas simpatias constituíram a moldura de todo um sistema, criando uma ilusão de presença, honestidade de
propósitos, de generosidade e compromisso com o povo. Realmente, somos pessoa em casa ou com os

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amigos, quando o mundo é englobado pelos valores da casa, no espaço público somos indivíduos. O espaço
público é marcado pela história e pela idéia de progresso com uma implacável linearidade. Nele somos uma
temporalidade transformados sem um tempo de somas e acumulações, sem que tenhamos consciência que
o universo de duração é a casa. Tendo transposto os mil pequenos umbrais da desordem das coisas na poei-
ra do tempo fui tão longe no passado que atingi uma espécie de transcendência da memória. O minúsculo,
porta estreita por, excelência, abre um mundo. O pormenor dessa casa pode ser o signo de um mundo novo,
de um mundo que, como todos os mundos, contém os atributos da grandeza. Houve coisas que não pude
ver, momentos de desamparo e de insegurança que não puderam ser detectados, criados talvez, pela própria
arquitetura da casa. Mas posso afirmar é um espaço vivido. E vivido em sua positividade, mesmo que com
todas as parcialidades concentra o ser no interior dos limites que o protegem. Afinal encolher-se pertence
ao habitar. Só habita com intensidade aquele que souber se encolher. Todos os refúgios, todos os aposentos
têm valores oníricos conscientes e os verdadeiros bem-estares têm um passado. Todo um passado tem viver
numa casa. A casa não revive somente o dia-a-dia, no curso de uma história, interpreta e guarda tesouros de
um tempo histórico. Transporta-nos ao imemorial.
Entendo a casa doméstica como uma das forças de integração para se detectar as lembranças e os sonhos
de um indivíduo. Na vida de Pedro Ludovico Teixeira a casa doméstica afastou contingências, multiplicou seus
conselhos de continuidade e modernidade. Ela mantém sua figura no decorrer dos tempos. É graças a casa
que um grande número de suas lembranças estarão guardadas. E, como a casa tem seus cantos e corredores,
suas lembranças tem refúgios mais bem caracterizados. Nesse teatro do passado que é a memória, o cenário
mantém seus personagens. Que pode haver de mais belo que uma casa, uma “mansarda”? Toda pessoa de-
veria falar de sua morada, fazer o cadastro de seus cantos perdidos e assim, inscrever em sua alma o universo
dos sonhos vividos. Parafraseando Jacques Le Goff (1976), esta problemática remonta a uma produção literá-
ria setecentista em torno dos chamados “usos e costumes” ou da “vida privada”.
Fundamento material da família e pilar da ordem social constituiu-se num espaço privado por excelência,
a casa. Fortaleza e privacidade pois oferece um refúgio seguro frente às pressões do mundo exterior e um
local de paz onde os donos da casa podiam exercer sua privacidade. Lugar de sua existência, assunto de famí-
lia, o seu ponto de encontro.A grande importância desta Casa Histórica está no fato de que ela constitui um
documento histórico sobre a vida da personalidade que fundou a capital de Goiás. Guarda com a decoração
de seu ambiente, toda a maneira de viver característica do estilo Art-deco. Nela a figura de Pedro Ludovico
sobressai-se, não só como homem público, por suas realizações e importância histórica, mas também como
figura humana que se faz presente com os objetos que o cercaram.
Evocando esta casa doméstica adicionamos os valores públicos. Na vida de Pedro Ludovico Teixeira a casa
afastou contingências, multiplicou seus conselhos de continuidade e modernidade. Sem ela este homem seria
um ser disperso. Ela mantém a figura do homem através dos tempos. “O poder morou nesta casa.[..] Durante
décadas ela foi o centro do poder em Goiás. A casa onde morou Pedro Ludovico, hoje museu, ainda guarda
e preserva os tempos de mudanças e revoluções”.(DIÁRIO DA MANHÃ, 1995, p.4) Essa residência é moral e
política. “Parte da memória política e histórica do Estado está guardado no Museu Pedro Ludovico...”.(DIÁRIO
DA MANHÃ, 1997, p.7) Símbolo de disciplinas e reconstruções. Mas, antes de tudo, a casa é assunto de famí-
lia, o lugar de sua existência, seu ponto de encontro. Encarna a ambição do casal e a figura de seu sucesso. O
interior da casa é a condição para a felicidade e o conforto para o bem estar. É também propriedade, objeto
de investimento e estabelecimento.
Toda a casa foi dividida em territórios. A distribuição e uso dos cômodos, tudo obedeceu estratégias de en-
contro e evasão que trespassam o desejo e a preocupação para consigo. Ela é acolhedora e confortável. Seu
interior designa a condição para a felicidade e o conforto para o bem-estar. Nela a família parecia funcionar
como uma encarnação modelar da comunidade, hierarquizada e solidária no recolhimento individual. Seu
interior possui, assim, uma predominância sobre o exterior.) Os espaços desta casa, estão, especializados de
tal forma que podemos agrupa-los relacionando-os com as atividades neles desenvolvidas, lazer, repouso
noturno e serviços em geral. A divisão do imóvel separa as atividades e os espaços. Tudo se passa sob a dupla
ação do ver e do ser visto. Podemos ver aqui o papel simbólico dessa fronteira que separa os espaços. É nítida
a divisão entre os espaços de representação e o das emoções mais íntimas, divisão que marca a separação
entre o desejo e a possibilidade de sua manifestação e, especialmente, delineia as personalidades fragmen-
tadas, divididas entre as aparências e os sentimentos mais profundos. O reconhecimento dos vários cômodos
e das suas funções se fez necessário para tentarmos desvendar a intimidade no seu interior bem como, sua
sociabilidade, além de atentarmos para o modo como tais espaços foram aproveitados e equipados
No interior da casa destaca-se a sala de Televisão, uma das primeiras televisões coloridas, marca Philips,

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modelo de 1972, adquirida na Loja O Rei da Voz, no Rio de Janeiro. Dos armários e guarda-roupas surgem
objetos, vestidos, ternos. São “relíquias” de uma época e revelam a importância que tiveram os antigos mo-
radores. Os vários quadros descrevem fatos e identificam personagens em que a história política do país,
do Estado e da cidade se entrelaçam. Um tempo que passou parece renascer. O quadro retratando a antiga
cadeia pública de Rio Verde em que Pedro Ludovico ficou preso revelam alguns dos dramas da família. O
passar do tempo e as circunstâncias obrigaram os proprietários a trocar utensílios e adquirir novidades como
geladeiras - existem três na casa - mesmo assim, antigas. Os primeiros colchões de palha foram substituídos
pelos de espumas ou molas. A piscina construída em 1957 obrigou a construção do muro que dividem o jar-
dim e o quintal.
Segundo Luiz Carlos (entrevista, 12.05.1999). “as salas de estar e jantar e o quarto de dormir são os pontos
de poder da casa”. Sem dúvida, aquele que foi seu espaço de dormir e canto de suas inspirações guardam e
preservam objetos que as retratam. O quarto é sem dúvida onde se materializam as imagens do poder, as re-
lações entre as pessoas e a procura de si mesmo. Ali repete a simplicidade e a funcionalidade de toda a casa.
Este quarto é uma suíte com móveis pesados de jacarandá, de um tempo em que eram fabricados para durar.
Um oratórió e o toucador amparando delicados recipientes de cristal se incumbem de personalizar o ambien-
te. Dois guardas roupas são ali ostentados. “O guarda roupa maior era da mulher e o menor, do marido. Era
um costume da época “explica-nos o entrevistado. Embora tenha um amplo banheiro dentro dos padrões da
modernidade, preserva-se em um dos guarda-roupas o urinol esmaltado. No corredor do pavimento supe-
rior, observa-se dois malotes, ou seja, baús feito de couro. Um deles exibe as iniciais G.B.T. Já no banheiro, é
possível perceber a bacia, inclusive fundeada em madeira o que nos leva a considerá-la ser própria ao banho.
Os quartos de dormir são ambientes característicos para repouso, incorporados no seu cotidiano símbolos e
objetos que demonstram a preocupação do homem com o corpo e a alma, mas também possuem um valor
sentimental para os seus usuários. Não deverá surpreender o quartinho de leitura justaposto ao quarto de
dormir. A escrivaninha nos remete a seus sonhos e aspirações enquanto a cadeira mostra sua solidão. Foi
encerrado em sua solidão que o ser de paixões preparou suas explosões e seus feitos. E todos os espaços das
solidões passadas são indeléveis em nós. Ficou para sempre o fato de que se amou um espaço, de que se vi-
veu ali, mesmo quando não mais fisicamente está presente Sabia ele, Pedro Ludovico, que os espaços de sua
cotidianidade eram constitutivos? “Ele costumava escrever naquele quarto lá de cima, no quartinho do lado.
Naquela escrivaninha que voce viu lá em cima ele escreveu o livro de memórias”.(Luiz Carlos Teixeira Bahia,
12.05.1999) Atesta-se ainda, a religiosidade de Dona Gercina por meio das imagens, terços, livros de oração
e missal que compõe o acervo do quarto. O quarto é realmente o espaço do sonho. Ali se refaz o mundo.
No corredor do pavimento superior, observa-se dois malotes, ou seja, baús feito de couro. Um deles exibe
as iniciais G.B.T, do nome de Dona Gercina que comprovadamente foi o seu baú de guardar o enxoval. Entre
um e outro pavimento estão as escadas. A escada que conduz à intimidade. É um caminho mais banal. É
familiar. Ela traz o signo da ascensão para a mais tranquila solidão. Por vezes, seus degraus inscreveram na
memória momentos únicos. Na sala de visitas vive-se um além do simples, pois é uma casa onde a vida da
família encontrou a segurança e a ventura. A memória transcende tudo o que é visto, tudo que se viveu pes-
soalmente. As imagens ali guardadas tem ao mesmo tempo uma história e uma lembrança. A sala de jantar,
enche os olhos. O lustre de época é um luxo e retrata a visão romântica dos chamados “Anos Ludovico”. Ilu-
mina completamente ou se adequa romanticamente a um jantar à luz de velas, quando apenas uma de suas
lâmpadas deixa escapar uma luz tênue. A mesa e as cadeiras são de madeira pesada, jacarandá, e couro como
convinha à época. O luxo ali é geral, está nas porcelanas dos pratos e jogos de chá, nos pesados móveis, enfim
em todos os objetos que a compõe. Esta sala atesta a primazia dada ao centro das atrações, é um requinte,
mas com um toque de austeridade. Na sala de estar, os móveis são mais recentes. O sofá em curvim, lugar
preferido por Pedro Ludovico, uma vitrola que devia ser a sensação high tech de sua época, que com certeza
antecedeu o reinado da televisão representado por um aparelho colocado na estante. Conforme reportagem
veiculada no Diário da Manhã (18.07.1994, p.5) Mauro Borges relatou, “Meu pai se sentava naquele sofá,
bem à esquerda, ao lado daquela ‘cadeira do papai’. Ele deixava sempre uma arma do lado”.
Esta sala de estar guarda grande parte da biblioteca de Pedro Ludovico. A justaposição da fotografia com a
estante de livros realça a participação na vida pública ou o retorno ao silêncio. O retrato significa o silêncio
e a memória. Os livros indicam que ele era um homem culto, gostava de literatura e informação. Quando se
conhece o habitual, quando se tem em mente a leveza e a mobilidade do saber e se pensa no seu gosto pelos
livros, podemos avaliar a dimensão que ele quis conferir a este espaço. Ali pode ser visto diversas obras, entre
elas, o primeiro livro de Carmo Bernardes, Vida Mundo, livros de medicina editados em Paris e datados de
várias décadas. Uma curiosidade entre os livros é uma coleção completa das “Memórias de Casa Nova” e um

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volume do Alcorão - livro sagrado dos maometanos. Leitor atento de Shakespeare, cuja obra ainda permane-
ce na estante.
A copa e a cozinha são simples, mas aos olhos de um historiador-observador e por meio das imensas
panelas percebe-se que ali havia costume de colocar “água no feijão”. A cozinha é um lugar aconchegante.
Encontra-se bem arrumada para os padrões da época em que foi instalada. Porém nas edículas do quintal
há um cômodo que abriga o tradicional fogão caipira. O que nos leva a crer, que costumes tradicionais foram
incorporados à vida citadina da nova capital.
Ainda na parte térrea fica o gabinete, em cuja parede está estampada a foto de Pedro Ludovico ao lado de
Getúlio Vargas e de Venerando de Freitas Borges, primeiro prefeito de Goiânia, o retrato da euforia viva em
1942. Na estante outras grandes obras, entre elas, Shakespeare, Eça de Queiróz e Fernando Sabino. Algumas
edições são originais pois seu proprietário dominava outros idiomas como o inglês e o francês. Os objetos ex-
postos no gabinete arrolam a variedade disponível de bens culturais que de alguma forma refletem, contam
a vida cotidiana e compõem uma época. São eles: uma caixa de jóias, colares, luvas e até anáguas de Dona
Gercina, revelando capricho na minúcia dos bordados. Próximo, estão os chapéus sinalizando a existência de
uma época em que a elegância foi fundamental. Condecorações e alguns dos seus instrumentos médicos que
estão em exposição hoje no museu, seringas, agulhas de injeção, pinças, um fórceps e outros equipamentos
que chamam a atenção para o lado humano e prosáico do homem que foi um semideus para uma grande
parte da população do Estado. Pedro Ludovico exerceu a medicina em Bela Vista, mais tarde, clinicaria em Rio
Verde, de onde saiu para assumir, como vitorioso, o poder no Estado. Outros pequenos pertences ajudam a
compor uma época em que Goiás passou por grandes tranformações políticas e administrativas.
Os objetos de uso doméstico arrolam com lucidez a variedade disponível de bens culturais que de alguma
forma refletem, contam a vida cotidiana. Ao contemplar tais objetos, ao ler suas memórias, parece que habi-
tamos o espaço recomeçando uma outra vida, uma vida da profundeza dos seres que ali viveram. Essa casa
reconstituída em seu movimento transporta-nos a um passado vivido. A distribuição e o uso dos cômodos,
escadas e corredores, locais de descanso e para cuidados e prazeres do corpo e da alma, tudo obedecendo
estratégias de encontro e evasão que trespassam o desejo e preocupação para consigo. Gritos e cochichos,
risos e soluços sufocados, murmúrios, ruídos de passos que se espreitam, ranger de portas, e o impiedoso
pêndulo teceram as ondas sonoras dessa casa. O sexo esteve no coração do seu segredo. Este modelo de casa
é próprio da vida privada. Ali tudo tem um significado e um motivo. Ali se preserva, dois grandes tachos de
cobre que deviam ser utilizados no fabrico de doces.
A bacia de banho, o fogão caipira, os tachos de cobre e o baú nos reservaram uma leitura ímpar, já que em
trabalho anterior detectamos os seus usos na cidade de Goiás do século XIX. “Na casa tem objetos que foram
trazidos da cidade de Goiás, tanto aqui quanto no palácio. Aquele baú lá em cima foi feito pelos vaqueiros da
fazenda. A bacia que tem no banheiro era de tomar banho na fazenda. Ela tem o fundo tapado com madeira.
Isso era muito usado. Aqui nesta cozinha tem um fogão caipira. Tem aqui os tachos de cobre muito usado para
fazer doce”. (Entrevista realizada em, 12.-05.1999)
As árvores e plantas revelam alguma coisa. Segundo Luiz Carlos Teixeira Bahia3 no jardim uma planta japo-
nesa cuja muda veio de Paris e foi plantada por Dona Gercina.No quintal as jabuticabeiras e a velha mangueira
de manga sabina, frutas preferidas da dona da casa. Essa morada foi o território pelo qual seus proprietários
apropriaram-se da natureza pela exuberância de sua área ajardinada e seu pomar. “Frequentar as jabuticabei-
ras da casa da Rua 26, conferia status aos convidados”.(DIÁRIO DA MANHÃ, 1997, p.4)
A casa de Pedro Ludovico Teixeira converteu-se num Museu. A consciência da necessidade de preservar
e difundir a memória nacional tem sido observada em parcela significativa da sociedade civil, tornando-se
objeto de ações do poder público. Nesse sentido, dentro do programa de revitalização nacional de museus e
casas de cultura promovido com o intuito de restituir à sociedade seu patrimônio cultural, tantas vezes ame-
açado, a casa de Pedro Ludovico Teixeira foi transformada em museu. Conforme Ato Oficial, a lei 8.690, de 25
de setembro de 1979, autoriza o governo de Goiás a implantar o Museu Pedro Ludovico, cuja criação se deu
pelo decreto n° 2.712, de 18 de maio de 1987.
A casa de onde foi comandada a política goiana durante anos, agora foi transformada em
museu. Com a morte do último ‘caudilho’ do sertão goiano, o popular e ídolo político, Pedro
Ludovico Teixeira, idealizador de Goiânia, a sua famosa casa da antiga Rua 26... transformou-
-se em Museu Pedro Ludovico.[...] “Construída no estilo ‘Art Déco’ muito em moda nos primei-
ros tempos de Goiânia, [..]foi vendida ao Estado por 17 milhões de cruzados e entregue em
abril deste ano[.]. Foi transformada em museu da cidade e vai ser conservada com o jei-
tão do ‘Dr. Pedro’ e terá diversas funções, como a de complemento escolar.[..] O acervo é

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CASA DOMÉSTICA: um Território da Memória e do Poder

diversificado contendo livros, mobiliário, fotografias, documentos, pratarias, cristais, porce-


lanas, roupas, medalhas e objetos pessoais de Dr. Pedro, como era carinhosamente chamado
pelo povo e Dona Gercina. “ (REVISTA AQUI, 1987, p.21)
Na sua implantação foi apresentada uma proposta museológica nos seguintes termos: Museu segundo o
artigo 3° dos Estatutos do Conselho Internacional de Museus é Instituição permanente sem fins lucrativos, a
serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público que adquire, conserva, pesquisa, comunica
e expõe, para fins de estudo, educação e entretenimento.
Baseado nesta definição o Museu Pedro Ludovico teria duas vertentes: a primeira voltada para a figura do
fundador de Goiânia Dr. Pedro Ludovico Teixeira e a segunda correlacionada à história e a evolução da cidade
de Goiânia, buscando com isso o resgate da memória sócio-cultural-político e econômica da mesma. Contudo
agrande importância desta Casa doméstica está no fato de que ela constitui um documento histórico sobre a
vida da personalidade que fundou esta capital. Guarda com a decoração de seu ambiente, toda a maneira de
viver característica do estilo Art-deco. Nela a figura de Pedro Ludovico sobressai-se, não só como homem pú-
blico, por suas realizações e importância histórica, mas também como figura humana que se faz presente com
os objetos que o cercaram. “... o Museu Pedro Ludovico se diferencia dos demais pela sua peculiar condição
de ex-casa onde viveu uma família”. (O POPULAR, 16.02.1998, p.6) Como se vê preservar as características
de um “homem público” implicou forçosamente em manter conservadas as suas condições de sobrevivência
no ambiente privado, bem como, suas práticas e costumes domésticos. Assim sendo, mais do que um sim-
ples depositário de peças relacionadas a um determinado aspecto histórico ou social este Museu possui um
potencial que favorece o estudo da vida cotidiana e doméstica e as relações mantidas por meio da mesma.
O Museu foi criado e instalado em setembro 1987, restaurado e aberto definitivamente em março de 1992.
O Museu Pedro Ludovico guarda um pedaço da história de Goiás. Cerca de 1700 peças, entre elas, talheres,
roupas, utensílios de cozinha e outros objetos que pertenceram ao casal Pedro Ludovico e Gercina Borges
estão por lá intactos. O tempo parece congelado na velha casa. Possui em torno de dois mil documentos di-
versos, de cunho pessoal e político, e uma invejável biblioteca. O Museu encontra-se à disposição de quem
queira se entregar à nostalgia de um passado em que havia verde nos quintais e de quem quer fugir da agita-
ção e entrar no clima de uma época romântica. Ele retrata a vida do ambiente doméstico ainda que ausente
a marca da presença humana.Segundo Bachelard, (1989, p.55) “há sentido em dizer que se ‘lê uma casa’,
que se ‘lê um quarto’”, pois ali o passado faz-se presente na arquitetura, nos objetos pessoais, móveis e nos
pequenos detalhes capazes de trazer de volta todo o ‘clima’ de uma época. Por princípio, a casa transforma-
da em museu não liquidou um passado, apenas encarnou uma novidade. Como afirma Duby, (1989, p.37),
“percebe-se logo que cada geração de pesquisadores efetua uma escolha, descura certos vestígios e, pelo
contrário, exuma outros, a que ninguém, desde há algum tempo, ou desde sempre, prestava atenção. Por
consequência, o olhar que lançamos sobre esses detritos é já subjetivo, depende de uma certa interrogação,
de uma certa problemática...”.

FONTES
O Popular, 17.01.1993 e 16.02.1998 Diário da Manhã, 18.07.1994 e 05.09.1995
Revista Aqui, Ano II n° 13, Goiânia, 1987.
Entrevista realizada com Luiz Carlos Teixeira Bahia em 12.-05.1999. Luiz Carlos T. Bahia é netode Pedro Ludovico e Dona
Gercina, constituindo-se, pois em rica fonte de tradição oral

NOTAS
1 - Os resultados aqui apresentados são frutos da pesquisa que perfaz meu trabalho final de Pós-Graduação e Especia-
lização Lato Sensu em Estudos Regionais intitulada “ Museu Pedro Ludovico: “sob um novo olhar” defendida em 1999/
PUC-GO.
2 - Entre estas categorias, devemos lembrar que o território esteve muito vinculado ao controle do “poder estatal” e à
constituição do espaço do Estado-nação. É claro que esta visão de território é também uma criação cultural, mas estabe-
leceu certa rigidez de suas fronteiras e uma fixidez temporal do controle do espaço físico. Muitos autores têm contesta-
do esta simplificação, dando ênfase ao caráter político não-estatal na construção do território.
3 - Entrevistado em 12.05.1999.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACHELARD, Gaston. A Poética Do Espaço. São Paulo, Martins Fontes, 1989.
CHAUL, Nasr Fayad. Caminhos de Goiás: Da Construção da Decadência aos Limites da Modernidade.

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Gercinair Silvério Gandara

Goiânia, Ed. UFG, 1997.


DA MATTA, Roberto. A Casa & a Rua. Espaço, cidadania, mulheres e morte noBrasil. São Paulo, 1985.
DUBY, Georges; LARDREAU, Guy. Diálogos Sobre a Nova História. Lisboa, Publicação Dom Quixote,1989.
GANDARA, Gercinair Silverio. Museu Pedro Ludovico: “so um novo olhar”. Goiânia: Puc-GO, 1999.
GANDARA, Gercinair Silverio.
GANDARA, Gercinair Silvério. Vida Privada e Doméstica da Mulher na Casa Vilaboense. Goiânia, UCG, 1998. Monografia.
GUATARI, Félix. Espaço e poder: a criação de territórios na cidade. Espaço & debates, SP, ano V, n. 16, 1985.
HAESBAERT, Rogério. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão. In: CASTRO, Elias Iná de et al.
(org). Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
LEMOS, Carlos. História da Casa Brasileira. São Paulo, Contexto, 1993.
LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993. A Nova História. Coimbra: Almedina, 1990.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 2ª ed. Campinas, São Paulo: Martins Fontes, 1993.
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LE GOFF, Jacques e Pierre Nora. História: novos problemas. Td. Theo Santiago. RJ: F. Alves, 1976.
______________________História: novas abordagens. Td. Henrique Mesquita. RJ: F.Alves, 1976.
________________________. História: novos objetos. Td. Terezinha Marinho. RJ. F. Alves, 1976.
PERROT, Michele. Funções da Família. In. História da Vida Privada. SP, Cia das Letras, 1991.
TEIXEIRA, Pedro Ludovico. Memória: auto-biografia. Goiânia. Livraria Ed. Cultura Goiana, 1973.

Gercinair Silvério Gandara


Docente da Universidade Estadual de Goiás. Pós-Doutora em História Universidade Federal de Goiás (2009-2014) pelo
Programa Nacional de Pós-Doutorado-CAPES. Doutora em História Social pela Universidade de Brasília (2008). Coorde-
nadora Geral do LHEMA (Laboratório de História e Estudos Multidisciplinares em Ambiental) Líder do Grupo de Pesquisa
História Ambiental: territórios, sociedades e representações.
Email: gercinair@msn.com / gercinair.gandara@ueg.br

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