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Capitulo de Livro Publicado no Livro “A História Sob Olhar Crítico: Reflexões

sobre Teori, religiosidade e crise”. ISBN: 9788578437794. Ed. OIKOS, 1918.


Organizado por Julierme Morais. Pag. 173 a 192.

Crise Hídrica: “BIQUINHA” lágrimas de águas subterrâneas (Uruaçu-Goiás).1

Gercinair Silvério Gandara2

RESUMO: Intento historicizar as águas da “biquinha” da rua Goiás na cidade de Uruaçu-GO de modo a
oferecer compreensão da sua existência nestes tempos de crises da água doce no Brasil. Além disso,
considerando que todo conhecimento técnico-científico e de ações concretas para sua proteção,
dinamização e conservação se nos apresentam muito acanhadas, tímidas, limitadas, quiçá inexistentes
apresento certa linha de conduta para uma tomada de decisão em que se conscientize de que a água é o
elemento integrador da natureza que reúne as ações humanas e os diferentes campos do saber ressaltando
o papel fundamental da sua conservação e preservação.

PALAVRAS-CHAVE: Crise, Água, Cidade, História Socioambiental

Crise! Há um número infinito de crises. A crise refere-se aos mais diferentes tipos
de situações que podem comprometer e/ou comprometem o desenvolvimento ou a
continuidade de um processo histórico. Trata-se de processos de mudanças que podem
ameaçar seriamente uma estrutura por desequilíbrio, escassez, decadência,
decrescimento, recessão, estagnação, tensão, miséria, conflagração, acometimento,
ausência, inópia. Destarte, não é fácil conceituar e/ou quantificar com precisão a
dimensão de uma crise. Mas há diversos conceitos de crise que são utilizados entre as
mais diversas áreas do conhecimento.
Dentre a infinidade de crises está contida a fatalidade de nosso tempo, a crise
socioambiental. No conjunto desta a crise hídrica é a que me/nos conduz a certa
concentração mental, pois está associada aos impactos das ações humanas sobre os
ambientes de água doce, objeto de nossos estudos A água doce subterrânea e/ou
superficial (rios, lagos, ribeirões, córregos) é um desses processos históricos de mudanças
que ameaçam a natureza. Donald Woster em “A natureza e a Desordem da História” nos
adverte que um dos efeitos dessa história de mudança é o de colocar em xeque quaisquer
pressuposições ingênuas ou românticas sobre um mundo estático, dotada de uma natureza
sem perturbações. Nos adverte, também, que não há um conhecimento autêntico sobre o
ambiente histórico, ou um embasamento cuidadoso dos valores envolvidos nas
possibilidades históricas. Por fim, atribui ao historiador um papel importante a ser
desempenhado, “o de ajudar as pessoas a tornar as questões mais claras”. Enfatiza que os
“historiadores investigam todas essas questões e ajudam a criar um contexto intelectual

1
Os resultados aqui apresentados são frutos do trabalho de pesquisa em desenvolvimento, coordenado pela
Profa. Dra. Gercinair Silvério Gandara na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Goiás com o projeto intitulado “Estudos Socioambientais dos Rios e Cidades-Beira do/no Norte
Goiano: Uruaçu e cidades circunvizinhas”. Financiado pela PrP-UEG.
2
Docente da Universidade Estadual de Goiás. Pós-Doutora em História Universidade Federal de Goiás
(2009-2014). Doutora em História Social pela Universidade de Brasília (2008). Coordenadora Geral do
LHEMA (Laboratório de História e Estudos Multidisciplinares em Ambientes) Líder do Grupo de Pesquisa
História Ambiental: territórios, sociedades e representações e do Grupo de Pesquisa Rios e Cidades na
História do Brasil. E-mail: gercinair@msn.com. gercinair.gandara@ueg.br.
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para a sociedade em que eles vivem, desafiando o pensamento simplista ou as


expectativas irreais”. (WOSTER, 2012, p367-368).
A História Ambiental é uma das novas abordagens/áreas surgidas por volta dos
anos setenta quando as temáticas se estilhaçaram em inúmeros micro temas com novas
abordagens e novos problemas. Ela busca colocar a natureza na história e estudar o papel
da natureza na vida humana como diz Marcos Lobato Martins (2007). De fato, em
História Ambiental há a preocupação dos historiadores em perceber as relações entre o
homem e seu ambiente. Para nós, sobre esta abordagem, Fernand Braudel foi quem
contribuiu e continua influenciando os historiadores dessa nova modalidade da História.
Sua reflexão sobre história é também uma reflexão sobre a relação humana com o meio.
Ele mesmo disse ao tratar da sua obra sobre o Mediterrâneo que, “a primeira parte trata
de uma história quase imóvel, que é a do homem nas suas relações com o meio que o
rodeia, uma história lenta...”. (BRAUDEL: 1983, p.25). A História Socioambiental como
a Geo-História se preocupam em estudar os vínculos homem-natureza, pensada na forma
de uma ação e reação ao longo do tempo.
A abundância, distribuição, temporalidade e localização das águas tanto
subterrâneas como superficiais representam fontes inexoráveis para os estudos
socioambientais. No Brasil há ricos estudos sobre as relações com as águas, os rios, os
biomas, flora, fauna... dentre outros. Rebouças (2006) definiu as águas subterrâneas como
aquelas que se encontram sob a superfície da terra, nos espaços entre partículas
sedimentares e nas fendas das rochas mais sólidas formando os lençóis freáticos. Salienta
que é de importância essencial para a humanidade, pois representa a maior reserva de
água potável nas regiões habitadas por seres humanos. Explica, também que elas podem
surgir na superfície espontaneamente ou ser extraída mediante poços. Aldo da C.
Rebouças nos explica, ainda, que,
a água subterrânea da zona de saturação do subsolo circula lentamente sob a ação do
gradiente hidráulico. Uma parcela desses fluxos desagua na superfície dos terrenos, formando
as fontes, olhos de água, abastece os poços e outras obras de captação. Outra parcela dos
fluxos subterrâneos da zona saturada desagua nos rios...[...] no Brasil, a captação de agua
subterrânea para abastecimentos das populações vem sendo realizada desde os primórdios
dos tempos coloniais, conforme atestam os ´cacimbões´ existentes nas fontes militares,
convênios, igrejas e outras construções dessa época”. (REBOUÇAS: 2006, p.111-113)

As águas tanto subterrâneas como superficiais, em boa medida, condicionam


o aspecto da paisagem e possuem consideráveis valores estéticos constituindo-se
formosas lâminas d´águas. São de filetes de água brotando da terra que nasceram infinitos
rios e ribeirões brasileiros. Em seus percursos os rios transpõem cachoeiras, lagos, lagoas,
corredeiras. Suas águas carregam histórias, esperanças das gentes beiradeiras. Suas águas

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alimentam vida, alma e refletem fé. Nas relações dadas para com os rios, amor e medo.
Na mistura de afluentes e confluentes misturam-se culturas e sentimentos dos povos
beiradeiros. As águas doces que se perdem na imensidão do vasto território brasileiro são
cantadas em versos e prosas. Águas que vão separando territórios/estados, mas que
também unem, integram, misturam culturas e povos. Águas que seguem de rio em rio,
unindo em seu leito águas de afluentes e confluentes que vão suprindo e alimentando
outras águas. Revelam em seu percurso riquezas da flora e da fauna, mas também aquelas
que se desgastaram das várzeas e/ou de montanhas como paus, minérios (prata, ouro...)
pedras e morros. Ao chegar no fim do caminho depois de se alimentarem um ao outro se
entregam, entranhados ao abraço inevitável das águas salgadas.
Nos últimos trinta anos, as águas subterrâneas brasileiras evoluíram da sua
condição tradicional de “bem livre” para um recurso de reconhecido valor social e
econômico em nível internacional. Rebouças (2006) recomenda que as águas
subterrâneas, “notável patrimônio nacional sejam protegidas jurídica e
institucionalmente, nos níveis federais, estaduais e municipais”. Sua outra recomendação
destina-se ao poder público para que “passe a investir seriamente no conhecimento das
águas subterrâneas do território brasileiro, única forma de exercer direito de outorga de
forma responsável”. (REBOUÇAS: 2006, p.141)
Certo é que há no Brasil uma situação de crise hídrica que já levou o país ao
cenário de escassez de água. Contudo, José Galizia Tundisi (2008, p.186) enfatiza que “a
crise da água não é só da escassez, mas seguramente é uma crise de gestão”. Assim
pensado, “a problemática ambiental converte-se numa questão eminentemente política”,
como bem disse Enrique Leff (2015,p.45). Para este autor a gestão local deve partir do
saber ambiental das comunidades, “onde se funde a consciência do seu meio, o saber
sobre as propriedades e as formas de manejo sustentável de seus recursos, com suas
formações simbólicas e o sentido de suas práticas sociais, onde se integram diversos
processos no intercâmbio dos saberes sobre o ambiente”. (LEFF: 2015, p.153)
No estado de Goiás, as águas subterrâneas e os cursos de águas, ou seja, suas
bacias hidrográficas representam fontes de riquezas importantes no\do Cerrado. É nele
que estão os olhos d`água e os cursos formadores das importantes bacias hidrográficas
dos rios Tocantins, Araguaia, Paraná, São Francisco e Amazonas. Para Horieste Gomes
(2008, p.8) o Cerrado “possui características botânicas, morfológicas e mecanismos
fisiológicos próprios, diferentes dos demais biomas nacionais”. As águas doces do
cerrado goiano se nos apresentam como a razão da adaptação humana nessas plagas para

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dar respostas às necessidades materiais e vida às representações. Elas, também, se


prestaram ao desenvolvimento de inúmeros processos em que se ancora a sociedade.
Contudo, pretendo acantonar-me no interior da sociedade uruaçuense fazendo
uma circulação social das emoções para descrever prazeres, comportamentos,
sentimentos em relação as águas que jorrou/jorra incessantemente da “Biquinha” velha
conhecida das inúmeras gerações uruaçuenses. Em verdade, aludir-me-ei sobre a
capacidade de suporte e resiliência da própria natureza. Afinal a mina d´água, conhecida
por “Biquinha da Rua Goiás” jorram incessantemente - desperdício das suas águas - por
quase um século. O desafio maior, para nós, será conseguir esclarecer que a situação
atual da “biquinha da rua Goiás” poderá ser mudada e que a responsabilidade é de todo
nós. Independente de visões, área de conhecimento, credos e/ou do poderio econômico e
político, e/ou das diferenças sociais e culturais precisamos ser cientes de que a natureza
se nos oferece recursos e condições para que da terra tenhamos o sustento, as bases físicas
do habitar e o conforto ambiental, tendo inclusive a proteção contra intempéries desde
que preservadas e utilizadas responsavelmente. Eis, portanto, razões evidentes para uma
gestão participativa das águas que influenciará o futuro socioeconômico e o equilíbrio
ambiental da/na cidade de Uruaçu.
Das Entranhas da Terra Aflorou as Águas da Biquinha na Organização do Espaço
Cidade Uruaçu
O terreno que perfaz o município e cidade de Uruaçu era uma vastidão de
cerrado, um “sertão intransponível” localizado no Estado de Goiás-Brasil no antigo
Médio Norte, hoje Norte de Goiás. Sua região é bastante acidentada, sendo numerosos os
morros e as serras. A vegetação dominante é o cerrado (72%) e as matas (20%) que se
apresentam de forma diversificada em consequência das condições do solo e topografia.
Ao longo dos córregos e rios, a formação vegetal compacta assinala a presença da floresta
tropical, com suas mata-galerias. A área do município é banhada por dois importantes
rios, o Maranhão e o Tocantins e, ainda, é cortada por uma infinidade de cursos d’água,
córregos e ribeirões. A cidade é circundada pelo rio Passa Três e cortada ao meio pelo
ribeirão Machambombo onde em suas margens surgiu o núcleo inicial. No espaço
citadino há inúmeros olhos e minas d´água que afloram do seu solo. Estas minas são
utilizadas para abastecer piscinas domésticas, jorram águas no chão batido de algumas
ruas e avenidas importantes da cidade. Outras são soterradas, mas há aquelas que mesmo
soterradas emergem suas águas encharcando o espaço em seu entorno. Mas há um
exemplar dessas minas que possui um grau de importância singular na história da cidade.
Ela povoa o imaginário e a memória da sociedade uruaçuense, é a mina da “Biquinha da

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Rua Goiás”. Ela se entranha em meia a história da cidade e das suas gentes. A mina da
“Biquinha da Rua Goiás” tem história!
Foi no começo do ano de 1910, que Gaspar Fernandes de Carvalho adquiriu
por compra a fazenda denominada Passa Três, ou Machambombo ou Santana, conforme
discriminada no seu registro Imobiliário localizada à margem direita do Rio Maranhão,
entre os ribeirões Taquaral e Passa Três, e pela Estrada Real. E mais uma parte de um
imóvel adjacente denominado “Curralinho”. Ao todo o “latifúndio” perfazia quatorze mil
alqueires.3 Como o lugar mais apropriado dentro da extensa área para fixarem residência,
a família Fernandes de Carvalho escolheu o local às margens do ribeirão de águas claras,
local que já existia a sede da fazenda dos Mendes. A razão dessa escolha justificou-se
devido sua proximidade ao ribeirão Machambombo, justamente quase no pontal com o
rio Passa Três, e logo defronte à Estrada Real. Neste local foi construída, posteriormente,
no ano de 1913, a primeira casa de telhas para residência do coronel Gaspar. A área
central, na margem direita do ribeirão, reservou-se à família fundadora formando o Largo
dos Fernandes que perfaz todo o contorno da praça onde foi edificada a capela de Santana.
Todos da primeira geração do coronel buscaram instalar suas moradas em terrenos
amplos, arborizados bem próximo ao ribeirão quando não às suas margens. Em exceção
a essa disposição nos apresentaram um único exemplar construído na margem esquerda
do córrego Machambombo pertencente a um dos filhos do Coronel Gaspar. Na parte de
cima do largo da Igreja dedicada a Nossa Senhora Santana formando o quadro de terras
destinado a fixação da família Fernandes se encontrava o olho d´água que ficou conhecido
como “Biquinha da rua Goiás”. Trata-se de um local em que a água subterrânea se
encontra quase na polpa da terra. Vale ressaltar que Uruaçu é uma cidade de rios,
ribeirões, riachos e minas/olhos d´água. O estabelecimento de regras para o futuro
“traçado urbano” obedeceu à consolidação das fronteiras políticas4.
Vale enfatizar que o lugar ou ambiente da cidade Uruaçu é, para nós, um veículo
de acontecimentos emocionalmente fortes. É percebido como um símbolo da emoção
humana onde as recordações do objeto e o sentimento são muitas vezes inseparáveis. O
fato da cidade de Uruaçu ser produtora de imagens extraídas do seu próprio ambiente nos
fornece estmulo aos sentimentos que dá forma ás nossas alegrias e tristezas, saudades e
lembranças, todas com ligação emocional ao lugar. Em verdade, os estímulos emocionais

3
Cf. Escritura Pública do Registro de Imóveis da Comarca de Jaraguá, sob nº 1680, fls.214 do Livro 3B,
em 02.08.1926. A transação do imóvel se concretizara no dia 21 de abril de 1910, figurando como
vendedores os irmãos Mendes e Silva e como compradores os filhos do coronel Gaspar.
4
Ver Gandara, Gercinair Silvério. Cadinho do Brasil. Uruaçu... cidade-beira... cidade-fronteira nos
caminhos do sertão de Goiás 91910-1960) Goiânia: Ed. Espaço Acadêmico, 2016.
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são potencialmente infinitos quando se trata daquilo que vivenciamos e como que num
retorno ao tempo prestamos atenção, valorizamos ou amamos como propósitos das forças
culturais que atuaram em determinada época de nossas vidas. A cidade de Uruaçu é o
nosso canto do mundo. É nosso ponto de partida. É a nossa referência. É casa. A “nossa
casa”. A casa pode ser o lar, mas também o espaço intimamente vivido, imbuído de
significância moral, social e cultural. Esta cidade é cosmos. Ela reflete um propósito
humano. Mas, também representa um ideal histórico socioambiental. Na medida em que
a verbalizamos e tornamos conhecida se nos apresenta como respostas sofisticadas sobre
o ambiente em que se originou.
“Êta” fonte d`águas límpidas que encharca o chão DA RUA GOIÁS
De fato, a história conta muitas histórias. A “biquinha da rua Goiás” tem
muitas histórias. Ela é uma daquelas marcas que une a um só tempo as dimensões cultural,
social e ambiental. Ela está ali exposta ao tempo em todos os tempos desde quando o
lugar se constituía a sede da fazenda Machambombo. Nos tempos de agora tem suas águas
expostas constantemente numa das ruas importantes da cidade.
Olho ou mina d´água subterrânea a
“biquinha” jorra incessantemente desde o
surgimento da cidade sem o aproveitamento
das suas águas. Sua imagem varia do efêmero
prazer que se tem de uma vista até à sensação
de beleza mais intensa que conseguimos
revelar no deleite ao sentir suas água em nós
Foto de janeiro de 2015 . cedida por Jota Marcelo.
mesmos. Poderia revelar aqui uma beleza
Jornal da Cidade Uruaçu-GO
basicamente estética, pois mais permanentes e mais dificieis de expressar são os
sentimentos que temos para com o lugar, por ser o nosso lar, o locus de reminiscências.
As imagens que guardamos na memória são derivadas da realidade do ambiente cidade.
É como uma fantasia que sobrevive aos desafios da experiência. Sem preocupações,
negligente do tempo, livre de hábitos e leituras enraizadas estávamos abertos para viver
e vivíamos a maior parte do tempo o espaço em sua totalidade. Vivíamos/vivemos o
espaço em suas diferentes dimensões, nas sutilezas das cores e na harmonia das linhas e
volumes. Víamos/vemos a paisagem com seus elementos como um segmento
artisticamente arranjado, mas também como uma força, uma presença envolvente e
penetrante. A lembrança ficou viva em nós. Ela nos permite ver a “ biquinha” não como
um objeto de estudo, mas como resposta dos sentidos e das atividades de folguedos
propositais que foram claramente registrados enquanto outros retrocederam para a
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sombra. Aquelas águas surgem/ressurgem em meio as facetas do ambiente construído,


previamente negligenciados, mas que aqui são/serão vistos com toda claridade.
Dr. Mariano Peres, numa matéria publicada no Jornal Cidade (16 a 28/02 de
2015) intitulada “Biquinha da Rua Goiás”, tece deliciosa prosa histórica da biquinha.
...antes ainda dos anos quarenta Tineco era prefeito e queria Santana como outras cidades
com boa água potável jorrando no chafariz”. [...] Fixou o lugar onde seria o chafariz. [...]
contratou um cisterneiro [...] E cavou uma cisterna em um ponto mais elevado onde já sabia
ser a água rasa quase na flor da terra. A água jorrou bonito a um metro e pouco de fundura.
E em bicas de aroeira foi levada agua ao chafariz [...] Um muro de tijolos com três metros de
extensão por um e meio d e altura, no centro uma bica saindo de dentro do muro despejando
continuamente numa pedra chata o precioso líquido cristalino e puro. A bica passava por
dentro da prefeitura e dali para frente era coberta de tábuas e aterrada. Assim dava impressão
que a água nascia do muro. Um dia a chuva derrubou o muro, mas a bica ficou lá cumprindo
sua missão.

Mariano em sua prosa historicizou, a seu modo, a biquinha e as transformações


dadas urbanisticamente em Uruaçu. Diz ele que,
o prefeito Feliciano mudou a prefeitura para o prédio por ele feito na Praça da Bandeira. E a
velha prefeitura foi demolida para dar passagem a rua Goiás. Mas a biquinha de aroeira
continuou cumprindo sua missão. Levando água para quem quisesse. Até que veio o prefeito
Roberto abrindo vala para passar esgoto. Sentou o trator na bica. E ela se acabou. Virou
entulho. E a água “secou”., entranhou-se na terra e sumiu. Zezé Spindola que também foi
prefeito e foi contemporâneo de Tineco conhecia muito bem a história da biquinha. Pois que
era dela vizinho. Acompanhara Tineco na construção do chafariz. Nos dias de calor muitos
lavradores que vinham a cidade ali lavava os pés e calçavam as suas botinas que traziam
numa capanga. A biquinha era o refrigério dos acalorados. Pessoas daqui da rua quando ali
passavam lavavam as mãos e molhavam o rosto desfrutando o frescor daquela água. Por tudo
isso que Zezé Spindola sentiu-se no dever de recuperar a biquinha e continuar a tradição. [...]
Então por sua conta fez a necessária escavação e em lugar da bica de aroeira colocou tubo de
PVC voltando a água correr no mesmo caminho. Restabelecendo a tradição.

Por fim lamentou que tanto “Zezé como Tineco viajou para o outro mundo.
Mas a biquinha ali continua seca e verde jorrando água sempre cristalina faça chuva ou
faça sol”. E desabafou dizendo que “a cidade cresceu..., mas a biquinha resistindo ao
tempo e às perversidades do progresso continua ali na rua Goiás em frente ao correio
eternizando a sua missão e testemunhando o esforço de uma família para o soerguimento
de uma cidade...”.
O Sr. Alair Martins Spindola, conhecido por Nego Spindola5 também nos deu
sua versão da história da biquinha. Colhemos seu depoimento livremente deixando fluir
sua memória, contudo perguntamos a ele sobre a biquinha e sobre a questão de uma
cisterna ter sido furada por Tineco, pois Mariano Peres contou a história de uma
cisterna. Nos respondera que “não, não é cisterna não. Ali é uma mina. Essa mina, é
antiga”. E nos explicou,

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Alair Martins Spindola, conhecido por Nego Spindola, filho de Zezé Spindola, hoje com 75 anos.
Entrevistamos via telefone.
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essa mina ali embaixo, perto da igrejinha, nós chamávamos de chafariz. Isso eu era menino,
mas eu me lembro, na década de 30 ou 40 mais ou menos! Então ali tinha um lugar chamado
chafariz. Era um quadrado de cimento, tipo um tanque! A água descia ali e caia naquele
tanque e o pessoal se servia dela. Aí a prefeitura era no meio da atual rua Goiás. Ali onde
tinha um prédio que era do Santo e do Nazaré. E descia água lá... Na gestão do prefeito Dr.
Cristóvão, mandato de dois anos, ele colocou esgoto pluvial, colocou manilhas, era até o
Abdoral que estava fazendo o serviço. Aí essa biquinha fluiu, essa mina fluiu. E quando ela
fluiu papai colocou ela, fez um tanque no meio da rua debaixo na manilha, virando a boca,
pegando a Goiás trazendo para o lado esquerdo, onde ela pega ali e desce, isso na gestão do
Dr. Cristóvão. Isso eu cálculo que foi na década de 70 por aí, que meu pai fez ressurgir essa
biquinha. Aí com o passar dos tempos o pessoal estava quebrando muito e tal, papai já de
idade fechou a mina sabe, fechou tudo. Tirou o cano, etc.. Até no tempo que ele tava vivo eu
falei que iria reativar, ele falou que não, aí eu pensei que era melhor não contrariá-lo. Aí
quando ele faleceu, depois, a uns sete anos atrás, eu reativei ela. [...] Papai desativou por
causa da depredação, ele arrumava, o pessoal quebrava, o pessoal descia de noite e quebrava
o cano. Arrumava, quebrava! Não sei o que era, quebrava, ele se contrariou e fechou a bica.
Depois que ele faleceu eu reativei a mina.

Nego Spindola reafirmou que se tratava de uma mina e que inicialmente foi
levada em forma de rego até o Largo da Igrejinha caindo num tanque que se conhecia
como chafariz.
Exatamente ali para cima na casa da dona Ditosa, do pessoal dos Fernandes...
papai contava que tinha até pé de coco, coqueiro, buriti. Aí é pura mina você sabe? Aí era
meio brejo. Aí essa mina e antiguíssima, quando eu entendi por gente existia esse chafariz
que falamos. O chafariz é dessa mina. Era um rego! aí é uma nascente, não é um cisterna! Ela
caia lá no tanque da igrejinha. Era lá em baixo perto da casa do kidão mais ou menos. Era
uma caixa feita de cimento, quadrada, feita de tijolo e cimento. Eu lembro dela eu era menino,
ela existia desde quando eu entendi por gente. Eu conhecia essa biquinha, eu chamava de
chafariz, ela enchia e derramava num tanque, o pessoal falava lá de “vasilha”. Era uma mina
mesmo.

Quanto a sua localização nos relatou,

sabe aquela casa velha, tem ela ainda é do kid. Do lado tem uma porta, não sei se tem ainda.
[...] tem uma porta aí certo, tem uma porta de lateral, tem uma janela, essa janela é da
cozinha... Na esquina da Cozinha. Mais ou menos aí. Ela é no meio da rua, aí papai puxou
ela para esquerda, puxou para colocar na cisterna da casa, mas não deu certo. É água potável.

A descreveu dizendo que é bem funda e ficou embaixo das manilhas.


Papai fez uma caixa, e colocou o cano pra descer, quando vem e desce ali assim e vem pra
esquerda e depois, ele fez outra caixa cá em baixo, custei achar um cara pra furar lá, pra achar
a mina”. Você sabe o rumo dela né? Eu fui achando os lugares, devagarinho, até encontrar o
lugar que eu precisava. Aí eu reativei ela, tem uns cinco anos... uns sete anos 2006 ou 2007.
Ali os meninos passavam e tomava água. Molhava a cabeça. Brincavam na água. Saciavam
a sede.

Entrevistamos, também, o Sr. Valdeci6 Francisco de Morais que possui um


escritório de contabilidade edificado no terreno em frente ao local da mina. Ele nos
mostrou o local exato da mina e explicou o encanamento feito por Zezé Spindola.
Explicou que ele trouxe o tubo para daí descer até o lote em frente a sua antiga casa na

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Entrevista realizada em 21/03/2017com o Contador Valdeci Francisco de Morais. Escritório de
Contabilidade Padrão. Rua Goiás, - Q 23 LT 6 - Central - Uruaçu, GO - CEP: 76400-000.
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esquina com os correios. O Sr Valdeci nos mostrou com exatidão o local da biquinha e
para onde foi puxado a encanação de PVC.
Na verdade, a biquinha nasce na frente aí. Quando eu furei aquí para colocar
os pilares para fazer a construção deu água em todos os pilares. Acontece que aqui a água
está muito em cima para todo lado aqui se vc furar dá água em menos de metro... meu
escritório era ali na frente, na esquina! Ai nessa época o seu Nego Spindola reativou ela... foi
um ano depois eu comprei aqui esse lote, aí construí. O pessoal perguntou o que eu ia fazer
com a bica, ai eu falei não vou fazer nada, vou deixar do jeitinho que tá lá. Vou passar cimento
por cima da mangueira, e deixa quietinho. Ai, trouxe a máquina para mexer aqui e começou
a destampar ela aqui e nós vimos a pujança dela. É uma riqueza, a história de Uruaçu.

Descreveu como o Zezé Spindola fez a obra para preservar a mina e continuar
jorrando sua água na biquinha. Também explicou como fez para preservá-la com a sua
construção.
Então o seu Zezé Spindola quando fez o asfalto aqui na Goiás canalizou ela.
Fez uma caixa, só porque nessa caixa que ele fez, ele colocou um tampão para não ficar
vazando, igual tá vazando agora né? Então tem mais ou menos uns cinco anos creio eu mais
ou menos assim, que o Nego Spindola abriu de novo a bica e começou a esgotar ela
novamente lá em baixo, deixou ela cair. Ela nasce aqui na frente do meu lote . [...] Então
assim tá aí na porta. Na minha construção eu organizei tudinho para não pegar nela, eu
preservei bem ela. A Mangueira passa na frente da minha construção aqui. Na frente do
escritótio. Ela nasce aqui mais ou menos. Esse local aqui meu, ela tá tudo arrumadinho, isso
aqui não precisa mexer, não acaba nunca se não mexer, nunca mais acaba. Só a questão dela
ir para baixo porque aqui aonde tá a mina não acaba mais, nada mexe aqui com ela mais né.
[...] E ela é potável. O pessoal fez analise dela uma vez. Ai sabe aquela época que faltou agua
na cidade, o pessoal enchia ai, o tempo todo o pessoal enchendo os galão, balde. [...] o Kid
puxou uma mangueira e deixou ela cair. Eu usava a água dela para pôr no aquário, que é uma
agua muito boa. Potável! Todo mundo conhece isso aqui.

Ele lamentou que hoje as águas da biquinha “está indo para o Machombombo
novamente, está caindo aí e depois cai lá dentro do córrego”. De fato, ela corre para o
córrego Machambombo seguindo nas manilhas, pois o recipiente não comporta a
quantidade de água que transborda indo para a rede pluvial.
O Vereador Alacir Freitas Carvalho (Cil) Presidente da Câmara dos
Vereadores 7 depôs suas lembranças de infância da/na biquinha no tempo e no espaço
com emoção e entusiasmo.
Nossa! Essa biquinha, vou ser sincero pra você é dos nossos primórdios. Antes
de mim já existia essa biquinha. Ela nasce no centro da rua Goiás, pertinho da casa da tia
Nenzinha... Ali é uma mina, dali até no meio, indo pro lado, descendo, indo pro lado da rua
Porangatu, pro lado direito tudo era brejo! Era brejo, na casa de “seu Nuca”, na casa do “ tio
João”, na casa da “dona Ditosa” tá! Hoje, onde era a casa do juiz também, hoje onde é o
SVO, é a mesma coisa, era brejo.[..] na época de recessão de água aqui todo mundo chegava
com suas vasilhas e pegava agua ali, quando faltava agua na cidade... Então aquela água
corria, aquilo ali era a salvação nossa dentro de Uruaçu. Então, era o pessoal da rua baiana,
a Gercinair deve saber de quem que eu to falando da rua baiana, hoje se chama Avenida
Transbrasiliana.

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Entrevista realizada pela equipe LHEMA no dia 14 de março de 2017.

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Ele falou sobre a potencialidade e a quantidade de água que jorra dela hoje.
Diz ele, “hoje se você puder passar lá, você vai ver o tanto de água que está correndo
daquela mangueira, é da mina mesmo aquela água. Ela nunca parou de jorrar”. Ressalta
“meu irmão fez aquela construção lá com a água dela. Ele não gastou nenhuma água de
fora, nadinha, tudo era da água da biquinha, lá é dia e noite”. ]Enfatizou que “tem gente
que vai lá, “com galão de água para encher todos os dias. Garrafa d’água e galão”.
Enfatizou, “aquela água foi provada pela Saneago. Ela é puríssima. Puríssima,
puríssima”. Conta que tanto ele quanto os remanescentes da Família Fernandes utilizam-
se das suas águas.
Aqui eu tô fazendo a mesma coisa, eu não compro água mais né, de galão, eu
vou lá e encho a minha lá, eu e o pessoal de perto ali os Fernandes de Carvalho, quase todo
mundo faz isso. É a tradição nossa ali, graças a Deus ali é uma água pura. [,,.] passa lá hoje
pra você ver o tanto que a mangueirinha acho que é de vinte que está là, Vai lá e olha o tanto
de água que sai lá. Mas é muita água, está saindo muita água. É o trem mais bonito do
mundo...
E mencionou uma senhora que frequenta a biquinha.
Lá tem uma senhora que cinco horas da manhã ela chega lá pra lavar roupa, ela toma
banho e lava sua roupa lá mesmo na biquinha. Ou, é interessante a gente fica com dó dela,
tem hora a que a gente pede os policiais, para não deixar ninguém chegar, porque ela se despe
toda sabe. As vezes a gente fica com vergonha dela, porque ela é meio fraca da cabeça, tem
hora que a gente ajuda ela, dá as coisas pra ela. Ouh, essa senhora fala assim, “que a agua
benta a água santa ta aqui, e o pessoal que não sabe, essa que é a agua santa da cidade”. Por
que corria perto da igrejinha de Nossa Senhora de Santana”.

Motta Filho em notícia veiculada no site Giro Geral o de


19.11.2012intitulada “Se virando como pode” noticiou sobre esta senhora e publicou uma
foto dela lavando roupas. Diz Motta “sabe-se que tem faltado água na maioria das
residências de Uruaçu nos últimos meses... dias. Contudo, na tradicional “Mina de
Santana” na Avenida Goiás, próximo à
Agência dos Correios, nunca faltou o produto.
Inclusive, a “Biquinha” improvisada serve de
fonte para muita gente saciar as suas
necessidades. O site do MOTTA fez registro
de uma senhora (vide foto), que lavou roupas
e fez usos diversos da água aparentemente
cristalina. “Detalhe: Sem conta à pagar no final
do mês”.
Posteriormente, colhemos um depoimento conjunto com os dois irmãos, Cil
e Kidão.8 Este depoimento foi um momento de recordações entre nós que somos contemporâneos

8
Antônio de Freitas Carvalho (Kid, Kidão) 20/03/2017 Uruaçu-GO

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na cidade de Uruaçu. Ele se constituiu num bate papo em que as recordações afloravam. Kid
recordou que,
quando tio Cristóvão foi Prefeito e tava fazendo a rede fluvial essa Rua Goiás virou um
buraco só... Os peões da prefeitura, ele tinha contratado para fazer a rede fluvial. Eu lembro
assim como criança, como garoto tio Zezé canalizando ela para o lado da Goiás descendo ela
pro lado esquerdo vindo do lado direito. Eu lembro que depois demorou muito fazendo a rede
fluvial. Ela já estava feita pelo Zezé que deixou ela cair naquele lote lá de esquina na Rua
Goiás e ele fez um mini poço assim na época caberia de estatura pequena uns cinco ou sete
meninos. A gente brigava por espaço porque a água era boa demais. Hoje o lote é meu não
sei que circunstâncias, mas Deus quis assim. Muita gente passa lá para cobrar água da
Biquinha.

Logo em seguida enfatizou “aqui teve aquela seca terrível. Neli e a tia Ditosa
me ligou de noite que as bombas da SANEAGO veio a falhar e foi feito uma romaria na
biquinha”. Lembrou que sua prima Léia “ligou e falou que se eu tivesse cobrando R$
10,00 pelo balde de água eu ia ficar rico, pois tá todo mundo na Biquinha buscando água”.
Refletiu, “hoje eu estou aqui já com essa obra há sete meses e até hoje o pessoal no
finalzinho da tarde vem buscar água eu creio que é para beber porque para banhar não
precisa a SANEAGO está abastecendo bem a cidade”.
Ele nos informou que fez toda sua obra com água da biquinha e que ela jorra
em torno de 800 litros d´água por hora. Também nos relatou que “tem muita gente que
vem para o TRT aqui e vem fica andando para lá e para cá, e o pessoal vem e tenta dar
nó na mangueira preocupados com a gastança da água”. Kid nos informou, ainda, que
mesmo com o asfalto pronto quando chovia muito e ela não conseguia escoar toda pela
mangueira ela borbulhava e o asfalto amolecia muito. Daí quando passava as chuvas, a
prefeitura vinha e arrumava tudo. Lamentou que “agora recente a última prefeita passou
uma camada de asfalto quente aí, agora ela não está borbulhando mais, ela só está saindo
pela mangueira”. Explicou que a água “está saindo magrinha daquele jeito porque ela está
reduzida, mas quando eu tirar a redução ela vai voltar a jorrar muito, pode ir lá ver que
ela sai uma tora d’água”.
Estes depoimentos somados às nossas lembranças e convivência para com a
biquinha da mina da rua Goiás foi deveras esclarecedor e fantástico. Com os depoimentos
do Nego Spindola, do contador Valdeci que preservou a mina quando da edificação do
seu escritório, a do Kid e do Alacyr Freitas e outras inúmeras pessoas que falam das suas
memórias para com a biquinha ficamos convencidos da necessidade em se fazer um
projeto de tombamento, preservação e dinamização das águas da mina da Biquinha.
Aquela mina d´água jorra incansavelmente por quase um século encharcando o chão da
rua Goiás. Ela reclama por sua história, por sua preservação, revitalização, dinamização
e o aproveitamento das suas águas para outros fins.
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BIQUINHA: lágrimas de águas subterrâneas


A medida que prosseguimos nesse estudo, a abundância desnorteadora de
perspectivas tanto individual quanto coletiva torna-se cada vez mais evidente. Nós
uruaçuenses de todas gerações compartilhamos das mesmas percepções em relação as
águas da biquinha, tidas como um bem comum vinculado a história da cidade. Evidencia-
se sua importância nas várias formas de manifestação. A exemplo do que nos relatou o
contador Valdeci “sempre vejo postagens no facebook sobre isso ai... é comentário de
todo canto do Brasil [...] do povo pedindo para fazer alguma coisa. Isso é a história da
cidade. E hoje a questão da agua escassa é necessário a preservação das aguas”.
Na Exposição Fotográfica ‘ Uruaçu 60 anos, 60 Ângulos’ realizada em 1991 pelo
então Centro Cultural Cazuza, presidido por Jota Marcelo foi apresentado imagens da
Biquinha em forma de apelo para sua
manutenção. Há também matérias
jornalísticas que abordam a situação de
desperdício das águas da biquinha em
meio à crise dos recursos hídricos no
Brasil. A título de exemplo temos a
matéria veiculada no Jornal Opção.
Fonte: Jornal Opção Fevereiro de 2015. .
Cedida por Jota Marcelo do Jornal Cidade Uruaçu-GO

O primeiro impacto ambiental sofrido pela mina da biquinha foi a abertura da


rua sem o devido cuidado de preservação da água que emergia das entranhas da terra. Daí
para frente os demais impactos foram consequências. A cidade foi estruturada, de tal
forma, que a mina ficou no centro da rua. Não fora planejado, destarte a forma de
distribuição do terreno fez com que a mina ficasse num dos quintais. Mais tarde com a
abertura e alinhamento das ruas a mina ficou contida em meio à rua Goiás. A ação mais
impactante dada a mina da biquinha ocorreu por volta da década de 70 com o processo
de urbanização do núcleo urbano de Uruaçu com o lançamento dos esgotos na rua Goiás
e, mais tarde com o asfalto. Nesta ocasião o gestor municipal queria soterrar a mina
d’agua fazendo-a escorrer diretamente nos tubos de esgoto. De fato, o soterramento das
manilhas de escoamento e, posteriormente a malha asfáltica poderiam ter destruído a mina
da biquinha que jorrou/jorra incansavelmente sob os olhos da comunidade desde a
fundação da cidade. Sabemos que o sepultamento do ecossistema natural com a criação
de novos sistemas impermeabilizados impossibilita a infiltração das águas que alimentam

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o lençol aquífero dificultando a sobrevivência do subsistema. Em verdade, estas ações de


urbanização provocam o aterramento de canais, nascentes, olhos d´água e minas
cristalinas. São ações irreversíveis. É certo, pois, que por esta razão a urbanização é vista
como um dos problemas cruciais das cidades em nossa época.
Os problemas socioambientais são fundamentalmente, problemas humano,
econômico, político e social que dependem da motivação e de ações positivas que vertam
energias para saná-lo. Tal perspectiva se mostra adequada à mudança de paradigma que
se estabelece entre a cidade e o ambiente. No caso de Uruaçu tivemos a sensibilidade e
consciência do Sr. José Martins Spindola, conhecido por Zezé Spindola que nos processos
de urbanização e realinhamento das ruas da cidade fez com que a mina da biquinha
permanecesse.
Importa-nos dizer que a cidade de Uruaçu em seu crescimento guardou sinais e
marcas que os indivíduos deixaram no seu espaço contando uma história não verbal, mas
que que se nutre de saudades e lembranças do passado. Se optamos ou não por aprender
com o passado, se escolhemos aprender ou ignorar é uma questão de particularidade, mas
devemos sobretudo entender que o passado é o nosso único instrutor. Desse passado em
constante mudança, e só dele, nós devemos de algum modo tirar, parafraseando Woster
(2012, p.384), com a auxilio da razão imperfeita, o que nós valorizamos e devemos
defender. É fato que as ditas ações/práticas modernas não se atentou que o espaço
geográfico é social, cultural e produto do processo histórico da sociedade em cada
momento histórico, portanto um patrimônio cultural e ambiental.
Sob a perspectiva imperiosa da sustentabilidade o aproveitamento
responsável das águas requer o provimento de condições que facilitem à natureza sua
renovação permanente. Assim sendo, a adoção de técnicas de gestão ambiental do ciclo
das águas pode ser eficiente para Uruaçu, principalmente, se considerar as condicionantes
da paisagem. Neste sentido, as condicionantes ambientais do território reconhecem que
as águas subterrâneas desempenham papéis fundamentais para a qualidade do ambiente
urbano sustentável. Destarte, tendo como referência o cenário de crise da água no Brasil
incentivamos ações governamentais, pautadas pela adoção dos princípios de
sustentabilidade ambiental, que dinamize e conscientize da importância em se preservar
a mina da “biquinha” e, fazer o aproveitamento daquelas lágrimas de águas subterrâneas
que encharcaram/encharcam por quase um século, o chão da rua Goiás.
Como se vê reivindicamos formas de conservar e garantir a sustentabilidade
das águas subterrânea da mina que forma a “Biquinha da rua Goiás”. Foi nesse intuito

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que apresentamos em Sessão Plenária à Câmara Municipal de Uruaçu, em meados do ano


de 2017, como forma de conscientização, a pesquisa por nós efetuada na Universidade
Estadual de Goiás. Nessa pesquisa evidenciamos a historicidade e a necessidade tanto
quanto a possibilidade de dinamização, revitalização e preservação daquele exemplar
socioambiental. Como disse Brandimarte (1999) “A conscientização é a base para o
exercício da cidadania... Só assim será possível alcançar um uso mais sustentável da água,
a fim de garantir esse recurso para as próximas gerações com a qualidade e a quantidade
adequadas”. Contudo, até o presente momento não presenciamos providências e/ou
atitudes daquele Legislativo em votar ou encaminhar uma ação/projeto que pudesse
colocar em discussão o aproveitamento do fluxo das águas doces daquela mina que
desagua na superfície da rua Goiás há quase um século. Seria importante elaborar um
projeto de tombamento, preservação e dinamização das águas da mina da Biquinha.
Contudo nossos esforços pareceram-me a um bodo gratuito!
Quando falamos de preservação das “águas da biquinha” estamos traduzindo
para a memória citadina seu significado e suas representações, mas é ela própria quem
mantém uma sublimidade maior em relação ao processo ordenado da natureza que ali
permanece como um estado de espirito. Quando reivindicamos solidariedades no sentido
de dinamizar e preservá-la há urgência, pois no estado em que se encontra suas águas
poderá sem demora ficar somente na memória a lembrança da água subterrânea que aflora
da terra encharcando o chão. A Biquinha não pode deixar de existir fisicamente para as
gerações do presente representadas por nós mesmos e a nossa descendência atual e futura.
Que condições objetivas e/ou subjetivas pode-se ter de vivência material e
espiritual dessas águas que jorram incansavelmente por toda a vida desta cidade se suas
águas deixarem de fluir e sua presença inexistir? E as nossas memórias? Por que não se
aproveitar estas águas cristalinas que tanto já servira a comunidade uruaçuense em
períodos de estiagem? E a sua presença viva e monumental? A sua história de
permanência vencendo as intempéries da urbanização? Seriam tantas interrogações e
alertas à grave situação em que se encontra as águas da mina da Biquinha que se encontra
totalmente ameaçadas e desperdiçadas, mas deixaremos evidente somente que a grave
situação e a condição ambiental em que se chegou a mina exige de todos nós, sociedade
civil e gestores municipais, estaduais e federais um engajamento cívico efetivo em defesa
ambiental das águas da mina e da sua história. Pensamos ser este, talvez, o momento ideal
do poder local institucionalizar normas, principalmente práticas que preserve este
Patrimônio Cultural e Ambiental traduzindo em relações de respeito o aproveitamento

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das suas águas cristalinas. Para tanto faz-se necessário se implantar uma política
socioambiental definida em termos de sustentabilidade para enquadrar as suas águas
como bem coletivo do município, portanto como recurso natural, cultural e social
estratégico de permanência ambiental e vital à existência da sociedade uruaçuense em sua
memória histórica, social e ambiental. Sabe-se, obviamente, que para preservar as águas
da “mina da biquinha” faz-se necessário um projeto de tombamento, preservação e
dinamização das águas da mina. É preciso realizar um diagnóstico da situação do
território que inclua uma análise de seus componentes, uma identificação de sua estrutura
e a elucidação do dinamismo ecológico que seja funcional ao território. Há numerosos
métodos de análises da qualidade da água (físico, químico e biológico) para estimar
cientificamente o grau de potabilidade daquelas águas e sua capacidade para novos usos.
O diagnóstico valorativo constituir-se-á no primeiro passo para sua continuação. Com ele
definir-se-á os objetivos e medidas mais adequadas para sua conservação e restauração
dos valores e situações históricas no tempo e no espaço.
Sabe-se que as cidades são complexas. Elas podem ser identificadas por uma
simples imagem ou um monumento. É comum em muitas cidades realizar gestos público
para alcançar transcendentalidade. Aqui e acolá um governante impõe certa regularidade
geométrica para exibir seu senso de grandeza. Pode ser novos arruamentos ou aberturas
de artérias. Pode ser um imponente paço Municipal ou um monumento que capta a
história e a identidade da cidade, como uma fonte, uma praça ou uma grande avenida.
Comumente as águas subterrâneas que brotam nos solos citadinos se
converteram/convertem em fatores determinantes do atrativo territorial. Isso representa
aspectos a se ter em conta no diagnóstico prévio que condiciona o uso das águas urbanas,
pois poderá se converter em forma de fontes, chafarizes e/ou outros recreios próprios ao
uso público. A “Biquinha da Rua Goiás” é um desses exemplares que reclama por sua
monumentalidade e pelo seu uso em projetos urbano-paisagístico. Estas são as chaves que
resumiria o aspecto geral da base fundamental da conservação que adotaria componentes
do espaço monumentalizado em tempos de crise das águas no Brasil.
Considerações Finais
A responsabilidade para nós de falarmos de um patrimônio tão importante para
toda sociedade uruaçuense conjugou-se ao prazer de trabalhar com águas e ecoar seu
brado. O território das águas uruaçuense embora, muitas vezes, incompreendidos,
maltratados e /ou inaproveitados contam a história da cidade e de seu território. Trata-se
de águas calmas, transparentes e límpidas. Águas admiradas que perfila a memória dos

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filhos genuínos da cidade em toda sua exuberância e na dimensão da memória daqueles


que cresceram e/ou envelheceram. Elas têm, para todos nós, muitos significados e muitas
representações. Primamos pela preservação, dinamização e aproveitamento daquelas
águas que jorram incessantemente desde a formação do núcleo de Santana. Isso feito será,
para nós, num arrancar da memória o espaço vivido no tempo. A materialização deste
espaço-memória consignará lembranças e registrará testemunhos que se enraizará no
concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. Será refúgio da memória dentro da
paisagem urbana e na história da cidade. Será, para nós, o reencontrar da coerência dos
sistemas de representação e apreciação. Em termos sociais sabe-se que a crise social tende
se aprofundar quando os indivíduos perdem suas referências. Isso significa dizer que
pensamos na celeridade necessária para um novo uso das águas subterrâneas que jorram
da Biquinha, pois suas águas são referências de diversas gerações. Não se trata de tomar
medidas no futuro, mas sim para o futuro. Afinal, a crise da água e a preservação da
Biquinha diz respeito a todos uruaçuenses indistintamente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico no Época de Filipe II. Vol I e II. Martins
Fontes, 1983.
BRANDIMARTE, Ana Lúcia. Água: modismo, futurologia ou uma questão atual? In Ciência Hoje, Rio de
Janeiro, vol.26, nº154, out. 1999. Departamento de Ecologia Geral, Instituto de Biociências, Universidade
de São
Gandara, Gercinair Silvério. Cadinho do Brasil. Uruaçu... cidade-beira... cidade-fronteira nos caminhos do
sertão de Goiás 91910-1960)Goiânia: Ed. Espaço Acadêmico, 2016
GOMES, Horieste. (org.) Universo do Cerrado. Goiânia: Ed. Da UCG, 2008..
LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis: Vozes,
2015
MARTINS, Marcos Lobato. História e Meio Ambiente. São Paulo: Annablume; Faculdades Pedro
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REBOUÇAS, Aldo da C.. Águas Doces do Brasil; capital ecológico, uso e conservação. São Paulo:
Escrituras Editora, 2006.
TUNDISI, José Galizia. As origens da crise da água e as possíveis soluções. In BARBOSA, Francisco.
Angulos da água: desafios da integração. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008WORSTER, Donald. Para Fazer
História Ambiental. Tradução José Augusto Drummond. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 4, n.
8, 1991.
WOSTER, Donald. “A natureza e a Desordem da História”. In FRANCO, Jose Luis de Andrade et all.
(orgs) História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação a natureza. Rio de Janeiro:
Garamond, 2012

JORNAIS:
Jornal Opção Fevereiro de 2015. Cedida por Jota Marcelo do Jornal Cidade Uruaçu-Go.
Jornal Cidade (16 a 28/02 de 2015)
Exposição Fotográfica ‘ Uruaçu 60 anos, 60 Ângulos’,1991, Cultural Cazuza, presidido por Jota Marcelo -
Jornal Cidade.
SITES:
http://www.jotacidade.com/colunas/exibir.php?noticia_id=1670&noticia_link=17&noticia_data=29-01-
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http://www.mottafilho.com.br/especiais/exibir.php?noticia_id=989&noticia_link=30&noticia_data=19- 11-
2012%2010:11
http://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/em-uruacu-mina-dagua-potavel-jorra-desde-1940-27751/
DEPOIMENTOS:
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Valdeci Francisco de Morais.Escritório de Contabilidade Padrão 21.03.2017 Uruaçu-GO


Alacir Freitas Carvalho (Cil) Presidente da Câmara dos Vereadores 14 e 20/03/2017 Uruaçu-GO
Alair Martins Spindola (Nego Spindola) 75 anos Via Celular
Antônio de Freitas Carvalho (Kid, Kidão) 20/03/2017 Uruaçu-GO

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