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Prefácio..................................................................................................................i
Capítulo 1
Conclusão
Bibliografia
Capítulo 2
7 Por outro lado, as pressões econômicas sobre os recursos hídricos no Brasil não
se restringem ao período neoliberal recente, mas estiveram profundamente
associadas ao processo de modernização socioeconômica mencionadoa acima. A
nova fase de regulação de uso da água, que é o objeto principal dessa presente
discussão, apenas aprofunda e redireciona mecanismos anteriormente
estabelecidos de apropriação privada de recursos comuns e geração de impactos
negativos sobre largas parcelas da população. Um exemplo nesse sentido é a
degradação da Bacia do Rio São Francisco, a qual passou por um processo de
desenvolvimento hídrico (em um momento prévio à fase neoliberal) assentado no
latifúndio, na construção de grandes barragens e na irrigação de frutíferas voltada
ao mercado exterior.
30
Ainda que o Brasil seja um país com imensos rios, alguns com
mais água que nações ou subcontinentes inteiros, em termos hidrológicos
o Paraíba do Sul figura como um rio de porte mediano: a vazão média de
longo período na altura da foz foi estimada em 1.118,40 m 3/s (tomando-
se em conta as séries históricas de 199 estações fluviométricas e obtida
através de estudos de regionalização, cf. Coppetec, 2006: VII-1), o que é
significativamente menor do que os valores equivalentes para as grandes
bacias hidrográficas brasileiras.8 Mesmo assim, a BHRPS tem sido palco
de alguns dos mais relevantes desdobramentos e contradições da história
uso e de gestão de recursos hídricos no país. Devido à sua localização
estratégica, a BHRPS vem ocupando, há mais de 300 anos, uma
importância econômica e política fundamental. A exploração da bacia
teve início já no Século XVII com as primeiras incursões ao interior do
território para explorar minerais e aprisionamento de indígenas. No
Século XVIII, o Paraíba do Sul constituía o principal meio de comunicação
entre a costa e os sítios de ouro em Minas Gerais.9 Com a introdução de
café em 1770, vastas áreas de terra foram desmatadas para abrir espaço
para fazendas cafeicultoras. São desse período as construções imponentes
dos famosos ‘barões do café’ que dominavam a economia do império; a
aristocracia local era constituída por 32 senhores com títulos
nobiliárquicos, incluindo barões, viscondes e mesmo dois condes (para a
lista complete, ver Müller, 1969). Em poucas décadas, porém, as altas
taxas de erosão do solo começaram a comprometer a produtividade
agrícola e o centro da cafeicultura se deslocou para outros estados. Um
novo ciclo econômico se iniciou ao redor do final do Século XIX, com a
emergência da indústria têxtil e alimentícia, facilitada pela proximidade
dos centros consumidores de São Paulo e Rio de Janeiro. O Vale do
Paraíba foi uma das primeiras zonas a se industrializar no país, tendo
como um importante marco histórico a fundação da Companhia
8 A Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul contém 55.500 km2 entre os estados
de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mais de 5,4 milhões de pessoas
vivem nos 180 municípios com território parcial ou totalmente contido na bacia; a
calha do rio principal tem uma extensão de 1.100 km (Coppetec, 2006).
9 Cabe mencionar que, além do papel econômico e geopolítico, a bacia contém o
2006).
32
conceitos de ‘realismo crítico’ (Sayer, 1992) segundo o qual método inclui não
somente o componente empírico, mas também teorização a respeito das relações
33
Pergunta: “... levando-se em conta que a ANA foi criada anos depois de
o CEIVAP ter sido instituído, como o senhor avalia a contribuição da
agência para o processo de reorganização da gestão na bacia?”
ambientais. Contudo, com o tempo ficou claro que a real razão para a
mudança de postura foi muito mais uma decisão estratégica do que uma
tomada repentina de consciência ambiental: na verdade, uma vez que a
introdução da cobrança estava prevista em lei e era inevitável, dada a
pressão da ANA e de outros grupos com representação no comitê, a
indústria preferiu adotar uma posição pró-ativa e garantir tarifas
reduzidas, além de capitalizar politicamente. Para o público externo
criou-se a impressão de que as indústrias na BHRPS estariam
contribuindo efetivamente para a resolução dos (graves) problemas que
ela mesma ajudou a causar, mas de fato houve apenas um movimento de
aceitação de valores de cobrança relativamente baixos e com o benefício
de se consolidar politicamente sua imagem. Como historiado por
Formiga-Johnsson et al. (2007), ao concordar voluntariamente com a
cobrança, o setor industrial esvaziou qualquer tentativa de se ter um
marco regulatório mais efetivo. A grande ironia nesse processo, indicado
por diversos de nossos entrevistados, foi que as ONGs ambientais
passaram a ingenuamente apoiar essa chicana política do setor industrial,
inclusive desistindo de tentar aumentar o valor da cobrança para encerrar
de pronto a polêmica. Desse modo, o processo de aprovação da cobrança
nada mais fez do que submergir o CEIVAP no velho jogo político que
deformou as agências que o precederam: o invés de mecanismos
realmente participativos e que levassem em conta o interesse da maioria
da população, a tomada de decisões continuava a ser controlada pelos
grupos com maior poder político-econômico, ainda que dissimulada em
um processo de consulta democrática. O resultado não poderia ser mais
previsível e, apenas alguns anos mais tarde, nossas entrevistas
detectaram um clima predominantemente apático entre muitos membros
do comitê e moradores da bacia em relação à contribuição efetiva da
cobrança. Como observado por um entrevistado:
Itaocara talvez seja o caso mais ilustrativo, mas seguramente não foi o
único momento em que o papel do comitê como fórum legítimo e
paritário de representação tenha sido aviltado (há menção a situações
análogas nas próprias atas do comitê). Exemplos dessa natureza levam à
conclusão que, apesar da retórica de participação e descentralização
adotada pelo CEIVAP em suas publicações, o comitê de bacia tem de fato
apenas um tênue compromisso com a maioria da população local e com o
universo maior de pequenos usuários de água.
Apesar de ter sido objeto de menções honrosas, como quando
obteve em 2004 o prêmio ‘Melhores Práticas’ do Programa Habitat das
Nações Unidas, a incapacidade de lidar com a degradação ambiental e a
falta de democracia interna vêm marcando a experiência do CEIVAP
desde seu estabelecimento. Como referido por vários de nossos
entrevistados, existe mesmo uma perplexidade com os resultados tão
modestos atingidos até o momento. Algumas frases mencionadas durante
as entrevista ilustram essa percepção entre aqueles envolvidos no
processo:
“Os conflitos pela água são evidentes, mas são silenciosos, pouco
notados [no Paraíba do Sul]; (…) o que falta no processo todo é
participação pública real, envolvimento do povo pra valer.” (morado da
bacia e autointitulado ‘curioso’ em relação ao CEIVAP, maio 2007).
dos três governos estaduais pela maioria dos afluentes. 17 Essa posição
cautelosa é também ecoada pelos autores que entendem que o sistema
regulatório é ainda muito jovem e deve possivelmente melhorar
(Machado, 2006). Contudo, uma análise mais cuidadosa dos objetivos,
procedimentos e resultados obtidos pelo comitê sugere que a manutenção
da degradação ambiental e a falta de inclusão social significativa são
demonstrações da inadequação estrutural do comitê e do modelo
regulatório em implantação, que sistematicamente cede a soluções de
caráter tecnoburocrático. Essa conclusão em relação aos problemas que
persistem na bacia pode ser demonstrada pela ‘agenda única’ dedicada à
implantação da cobrança. Tomando-se em conta o contexto de reformas
institucionais e a discrepância entre construção retórica e mudanças
efetivas, fica claro que a principal deformação causada pela concentração
de esforços em torno da cobrança se relaciona à neutralização da
participação popular. A ‘burocratização’ do envolvimento popular custa
nada para aqueles que detém poder econômico, mas serve para reduzir
tensões sociais e diminuir os cursos de transação relacionados ao novo
modelo de gestão ambiental (Low e Gleeson, 1999). No caso específico, o
CEIVAP tem basicamente imposto um modelo de gestão (inspirado na
literatura internacional, conforme mencionado acima) a uma população
desorganizada e incapaz de se envolver criativamente nas suas instâncias
formais. Mas se o novo comitê tem sido instrumental para a homologação
do novo modelo global de gestão de recursos hídricos (em especial, o
conceito de IWRM), o mesmo tem sido incapaz de lidar com a
complexidade dos problemas socioambientais na bacia e de acomodar, de
forma equitativa e sustentável, as múltiplas subjetividades e
desigualdades sociais. Como observado por (Brannstrom, 2004), o
objetivo central, ainda que não oficial, das reformas institucionais no
Brasil parece se restringir tão somente à implementação da cobrança pelo
uso da água.
19A metodologia de cálculo previa que todos os usos acima de certos limites (i.e.
usos consuntivos acima de 1 litro por segundo e hidroeletricidade com potencial
acima de 1 MW) devem pagar uma taxa mensal, calculada de acordo com a
quantidade de água utilizada, a percentagem de uso e a qualidade do efluente
final. Há uma taxa padrão (R$ 0,02/m3) para indústrias, abastecimento público e
mineração, e descontos significativos para agricultura e aqüicultura. Durante o
período dessa pesquisa, a metodologia da cobrança estava sendo revista (algo
considerado inconveniente e desnecessário para alguns de nossos entrevistados).
44
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55
Capítulo 3
Capítulo 4
A Globalização Energético-Alimentar
Conclusões e Perspectivas
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85
Capítulo 5
Introdução
O Contexto Socioambiental
Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti, Mesquita, Nilópolis e Belfort
Roxo. Segundo dados da Pesquisa Municipal do IBGE de 2008, a população total
destes municípios é de 3.737.083 habitantes.
10 O principal sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro é oriundo, em
deste trabalho, não foi fruto apenas das manifestações da década de 1970,
haja vista o momento político vivenciado no fim do Século XX trazendo à
tona dois projetos políticos antagônicos. O primeiro projeto refere-se ao
processo de alargamento da democracia, iniciado formalmente na
Constituição de 1988. O segundo, dirige-se ao projeto neoliberal de
Estado mínimo, surgido no Brasil a partir de 1989, como parte da
estratégia de implementação do ajuste neoliberal – que se isenta
progressivamente de suas responsabilidades sociais e as transfere para a
sociedade civil. Sendo assim, devido à sobreposição destes dois projetos
políticos – diferentes e antagônicos, a década de 1990 é marcada por uma
“confluência perversa”, pois ambos os projetos demandam a existência de
uma sociedade civil ativa e propositiva.
Para Dagnino (2004), o que há de específico nesse processo, no
Brasil, é que ele se defronta com um projeto político democratizando,
amadurecido desde o período de resistência ao regime militar, fundado
na ampliação da cidadania e na participação da sociedade civil. Na
Baixada Fluminense, por exemplo, o período da ditadura funcionou como
um catalisador de fomento para que os movimentos sociais se
articulassem, pois a região foi um local adequado para a atuação política
por atrair pouca atenção das autoridades, em comparação com os grandes
centros, e por concentrar os segmentos sociais mais desfavorecidos. Nesta
época, chegaram ou retornaram à região diversos ativistas políticos e
foram formados os principais movimentos sociais da história da Baixada
(Macedo et al., 2007). A segunda metade da década de 1970, por exemplo,
foi um período marcado por grandes manifestações, cujas principais
bandeiras foram por melhores condições de saúde, moradia e
saneamento. Em sentido mais abrangente, os movimentos lutavam contra
os abusos expressivos do poder do Estado e a favor da democracia. Com
o enfraquecimento do regime militar, a anistia concebida aos exilados
políticos (em 1979) e a “abertura política”, iniciou-se um período de
legalização dos grupos de ‘Amigos de Bairro’, que aos poucos se
transformaram em ‘Associação de Moradores’ (Macedo et al., 2007).
A “transição democrática” brasileira teve o seu fortalecimento na
década de 1990, período este que apresentou um estreitamento na relação
entre o Estado e a sociedade civil, ambos comprometidos com o projeto
político participativo. Neste momento, observa-se que os movimentos
sociais deixam de lado o confronto aberto da década anterior por uma
aposta na possibilidade de uma atuação compartilhada com o Estado, a
chamada “inserção institucional” destes movimentos (Dagnino, 2004). Em
sua pesquisa sobre participação popular na Baixada, Macedo et al. (2007)
identificou certo saudosismo da população com relação à força dos
movimentos populares da década de 70 e 80, já que, ao longo da década
de 1990, uma série de condições sociais contribuiu para o
enfraquecimento da participação comunitária na região, tais como: 1) a
94
“Eu não ando com a associação porque é tudo muito política, aí eu não
gosto. (...) A gente entra aí quando chega esta época agora (véspera de
eleição) tem que trabalhar junto com eles para eleger um político.”
(moradora de Belford Roxo, julho 2008).
“As pessoas não sabem de onde vem a água, mas sabem o nome do
vereador que leva a água. (...) A mobilização em prol da água já foi forte,
mas hoje em dia é mais cômodo fazer um ‘gato’ do que lutar pelo
direito.” (representante movimento social Duque de Caxias, julho
2008).
15Os CBHs, originados no âmbito da Lei 9433, foram criados com o intuito de
implementar, na prática, a gestão das águas de forma participativa e
descentralizada, pois eles são a base do Sistema de Gerenciamento das Águas e o
lócus dos debates das questões referentes às águas da bacia. Cabe-lhes também a
importante e difícil tarefa de implementar a cobrança pelo uso da água. Eles são
órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem
exercidas na bacia hidrográfica de sua jurisdição. As principais atribuições dadas
a estes organismos são: I - arbitrar, em primeira instância, conflitos relacionados à
Bacia Hidrográfica; II - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia, bem como,
acompanhar a sua execução; III - analisar e aprovar pedidos de outorga de direito
de uso da água e; IV - estabelecer mecanismos de cobrança pelo uso da água e
sugerir valores. Para que sejam participativos, a lei das águas assegura que a
composição destes colegiados privilegie os representantes: I - da União (caso o rio
principal atravesse mais de um estado da federação); II - dos Estados e do Distrito
Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas
áreas de atuação; III - dos municípios situados, no todo ou em parte, em sua área
de atuação; IV - dos usuários das águas de sua área de atuação e V - das entidades
civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia. O número de
representantes de cada setor mencionado acima, bem como os critérios para sua
indicação, serão estabelecidos nos regimentos internos dos comitês, limitada a
98
“Para mim isto não está claro e eu já botei a minha posição contrária
pelo fato da FASE ainda estar como a “rainha da cocada preta”, quando
na verdade o que queremos é potencializar as ações da comunidade, ou
“Um dos nossos objetivos hoje é fazer com que surjam novos militantes
nesta área de meio ambiente. Nós temos aqui o Conselho de Meio, que
está meio parado, precisamos reativar isto. E aqui na região tem um
2008 com as famílias a serem reassentadas), o tempo que deveria ter sido
destinado a explicações e debates se resumiu a apresentação do projeto em um
PowerPoint padrão, posteriormente usados em outros encontros, exaltando as
benfeitorias a serem feitas e a parcela de culpa da população na degradação
ambiental. A reunião começou com quase duas horas de atraso e não houve
tempo suficiente para questionamentos pois as respostas esperadas pela
população ainda estavam sob análise. Contraditoriamente, o discurso da INEA é:
“a participação popular tem importância enorme neste processo”. Na reunião do
Trio de Ouro (São João de Meriti) em 08 de novembro de 2008, após mais de uma
hora de apresentação projetada em power point, a comunidade não teve paciência
para assistir o discurso de todos os membros da mesa – que parabenizavam a
população por serem contempladas com um projeto tão benéfico - e gritaram
irritados: “Já vimos esta apresentação. Estamos cansados de ouvir, viemos aqui
para falar”. Rapidamente, a mesa providenciou microfones e organizou uma fila
para que cada um pudesse expressar as suas demandas. O desfecho dessa reunião
105
Considerações Finais
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109
Capítulo 6
Da Foz às Nascentes:
Análise Histórica e Apropriação Econômica dos
Recursos Hídricos no Brasil.
“Senhor vê, o senhor sabe. Sertão é o penal,
criminal. Sertão é onde homem tem de ter a
dura nuca e mão quadrada. Mas, onde é
bobice a qualquer resposta, é aí que a
pergunta se pergunta.”
João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas
2 Castro (2006: 7) observa que, para Marx, “a terra, em termos econômicos, inclui
água”.
3 A noção de valor intrínseco, como um valor original relacionado à apropriação
9Para Kapp (1971), o capitalismo deve ser considerado uma economia de custos
sociais não pagos.
123
Conclusões
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Marx, K. e Engels, F. 1974. The German Ideology. Ed. C.J. Arthur. Original
publicado 1846. Lawrence & Wishart.
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Capítulo 7
Capítulo 8
Usuário ou Cidadão?
Reflexões Pessoais sobre a Experiência de Gestão
de Recursos Hídricos no Brasil.
“amém” para decisões que, como sempre, partem das elites e a elas
somente interessam. Moldura nova, prática velha. Discurso inovador
defendendo uma gestão de águas sustentável, mas que é propagado por
grupos políticos desinteressados em abrir espaço para parcelas maiores
da população. Apesar do discurso, as decisões têm sempre uma direção
predominantemente “de cima para baixo”, mesmo que afetem o modo de
vida tradicional das comunidades locais.
Por isso, ainda que nos “manuais” vejamos novos apelos para
uma maior participação social, identificamos a todo dia rançosas práticas
políticas inexoravelmente levando ao acirramento das disputas, ainda
que sob uma retórica de “proteção ambiental" ou de "instrumentos
modernos de gestão de água”. Desse modo, boas ideias terminam por
reforçar e até mesmo legitimar a exclusão social e a degradação do meio
ambiente, sempre que os usuários e os técnicos são manipulados para
aprovar temas de interesse da elite.
Já havia tratado desse assunto em minha breve análise do Sub-
Médio do Rio São Francisco, quando apontava que a escassez de recursos
hídricos e os decorrentes conflitos ali gerados têm relações muito mais
abrangentes com questões políticas e socioeconômicas do que meramente
técnicas e tecnológicas. Naquela região, o problema da seca decorre da
forma como a economia nordestina se estruturou, particularmente por ter
deixado o latifúndio como algo aceitável e até inatacável, donde advêm
muitas das causas de falta de água e falta de oportunidades no campo.
Ou seja, a limitada possibilidade de acesso à posse da terra implica em
menores oportunidades para se contar com fontes de água seguras e
garantidas, o que deixa as camadas pobres da população nordestina mais
vulneráveis às intempéries climáticas que as outras categorias sociais
melhor providas de recursos e poder político (Ioris, 2001).
Os Esforços Desperdiçados
O Esforço Desperdiçado em Crer que a Gestão de bacias Deve ser Sempre Igual
Conclusões
Bibliografia
Anexo
Resumos em Inglês
[Abstracts in English]
In the last decade, the use and conservation of water resources in Brazil
have been the object of an ample process of reforms and institutional
reorganisation. The experience of the Paraíba do Sul River Basin was
selected as a paradigmatic example of the institutional reforms ongoing
in the country. Through qualitative research methods, the aims and the
deficiencies of the new decision-making structure were analysed. The
study identified, as the crucial shortcoming, the affirmation of a
technobureaucratic rationality, which is applied both to the assessment of
problems and the formulation of responses. The most evident expression
is the strategic relevance attributed to water use charges, a highly
controversial management instrument that is leading to a polarisation of
political positions. The reforms in the Paraíba do Sul have been largely
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