Você está na página 1de 55

Fernanda Matos

Eldis Camargo
Alexandre de Pádua Carrieri
Fernanda Matos
Eldis Camargo
Alexandre de Pádua Carrieri

Retratos de governanças das águas:


gênero e o perfil dos membros de comitês
interestaduais de bacias hidrográficas

Belo Horizonte
FACE/UFMG
2021
Este relatório compõe uma série sobre o perfil dos representantes membros de comitês de bacia
hidrográfica no Brasil, integrando o projeto Governança dos Recursos Hídricos.

/ // Fernanda Matos
Pesquisadora em Residência Pós-Doutoral em Administração na UFMG.

/ // Eldis Camargo
Phd em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, membro do Comitê Executivo da
Gender Water Alliance - GWA

/ // Alexandre de Pádua Carrieri


PhD em Administração. Professor Titular, Universidade Federal de Minas Gerais.

* Os dados de pesquisa referente aos Comitês Interestaduais foram coletados à partir de uma
colaboração institucional entre a Coordenação do Projeto (NEOS/CEPEAD/FACE/UFMG) e a
Superintendência de Planejamento de Recursos Hídricos/ANA para ampliação dos estudos referente
ao processo de formação e o perfil dos membros do SINGREH.

Ficha catalográfica

R438 Retratos de governanças das águas: gênero e o perfil dos membros de comitês
interestaduais de bacias hidrográficas. / Fernanda Matos, Eldis Camargo,
2021
Alexandre de Pádua Carrieri. – Belo Horizonte: FACE - UFMG, 2021.
55p.: il. - (Perfil dos representantes membros de comitês de bacia
hidrográfica no Brasil)

ISBN: 978-65-88208-13-7
Inclui bibliografia.

1. Recursos hídricos - Desenvolvimento. 2. Bacias hidrográficas. 3.Gênero


humano. I. Matos, Fernanda. II. Camargo, Eldis. III. Carrieri, Alexandre de
Pádua. IV. Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração.

CDD: 333.7
Elaborado por Adriana Kelly Rodrigues CRB6-2572
Biblioteca da FACE/UFMG – AKR/034/2021

* Agradecemos a todos que auxiliaram na realização de contatos com os membros dos comitês de
bacia hidrográfica; aos membros da diretoria e secretaria executiva, pela atualização da relação de
membros, e, também, aos representantes, pelo tempo dedicado a responder ao questionário de
pesquisa. Agradecemos também Thaís Zimovski pela colaboração.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamentode Pessoal de Nível Superior - Brasil
(Capes) - Código de Financiamento 001 (Programa Pró-Recursos Hídricos - Chamada N° 16/2017)

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
5 APRESENTAÇÃO

9 GÊNERO: CONCEITOS-CHAVE  
10 Sexo
10 Gênero
11 Inclusão
11 Feminismo
12 Igualdade de gênero
12 Equidade de gênero
13 Lacunas de gênero
13 Estereótipo
14 Discriminação de gênero
14 Violência de gênero
14 Violência política contra mulheres

16 GOVERNANÇA DA ÁGUA, GÊNERO


E JUSTIÇA SOCIAL  

21 OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS

27 ASPECTOS METODOLÓGICOS  
29 Perfil socioeconômico dos representantes
42 Composição e representação

47 CONSIDERAÇÕES FINAIS  

51 REFERÊNCIAS
APRESENTAÇÃO
“A água faz parte do patrimônio do planeta.
Cada continente, cada povo, cada nação,
cada região, cada cidade e cada cidadão é
plenamente responsável por ela diante de
todos” (ONU, 1992).

A água é um elemento natural com múltiplas funções de ordem química, física,


biológica e social, nessa última característica se apresenta como recurso, com
um arsenal jurídico e político voltado para o seu uso. Para tanto, cabe aos agen-
tes gestores das águas, fixarem os seus usos múltiplos e as demais condições de
utilização.

Nessa perspectiva, ao menos duas políticas subordinam os usos da água: uma vol-
tada para preservação e conservação das águas, pautada em regras na Política
Nacional do Meio Ambiente e outra destinada a regras os usos antrópicos da água,
estabelecida pela Política Nacional de Recursos Hídricos. Em que se conte que a
gestão deva incorporar de forma integrada a administração da água nas duas pers-
pectivas, nesse trabalho estarão sendo focadas as diretrizes direcionadas a gestão
referenciada na Política e no Gerenciamento Nacional de Recursos Hídricos.
Os bens ambientais, conforme determina a Constituição Federal em seu art.225
constituem-se como um bem de todos e de uso comum do povo, alterando assim,
a velha classificação do Direito (público e privado), dotando, também à água como
de interesse difuso ou coletivo. Com esse teor, se faz necessário, por ordem da
Carta Maior, que esses bens recebam outra visão no que concerne à gestão, tra-
zendo todos os atores sociais para participarem na formulação da política de uso
das águas 1.

O que se tem a partir daí é que o domínio dos cursos de água não está mais sob a
égide somente do Poder Público. Aqui ele terá somente o papel de gestor do bem
comum, ou seja, seu papel se resume em domínio iminente dos bens (no caso os
usos da água).

A gestão das águas apresenta-se como um dos maiores desafios colocados à socie-
dade nos últimos tempos, considerando sua fundamental importância para vida e
de todos os seres do planeta, inclusive o ser humano.

Atualmente, a Organização das Nações Unidas estima que mais de 2 bilhões de


pessoas vivem em bacias hidrográficas onde a demanda de água supera a oferta.
Em 2050, estima-se que serão quase 5 bilhões de pessoas vivendo com acesso li-
mitado a esse recurso. Os desafios na gestão das águas incluem não apenas sua es-
cassez, mas também a poluição, as inundações, o acesso a serviços de água potável
e saneamento, dentre outros. Todas essas questões são e continuarão a serem exa-
cerbadas pelas mudanças climáticas, notadamente pela falta de gestão adequada.
6
Quanto à disponibilidade, em termos globais, o Brasil apresenta grande oferta
de água, observando-se que passam no território brasileiro “em média, cerca de
260.000 m 3 /s”, sendo possível afirmar que o país tem a maior reserva mundial de
água potável, cerca de 12% do montante total, o que não exclui a possibilidade
de sofrer a falta desse recurso, tendo em vista a crescente demanda e a poluição
(ANA, 2015). Entretanto, estiagens, secas, enxurradas e inundações representam
cerca de 84% dos desastres naturais ocorridos no Brasil, de 1991 a 2012 (ANA,
2017). Nesse período, quase 39 mil desastres naturais registrados afetaram cerca
de 127 milhões de pessoas. Um total de 47,5% (2.641) dos municípios brasileiros
decretou situação de emergência ou estado de calamidade pública devido a cheias
pelo menos uma vez, de 2003 a 2016. Cerca de 55% (1.435) desses municípios lo-
calizam-se nas regiões sul e sudeste. Quanto à seca ou à estiagem, cerca de 50%
(2.783) dos municípios brasileiros decretaram situação de emergência ou estado
de calamidade pública no mesmo período.

Este estudo compõe a série ‘Retratos de Governanças das Águas’ que tem como
objetivo analisar o perfil de representantes de comitês de bacias hidrográficas no
Brasil e oferecer informações que possam apontar aspectos importantes da capaci-
dade inclusiva na representação, identificando também como são percebidos o seu

1 Fixe-se que a participação da sociedade está estabelecida no parágrafo único do art.1º.da Constituição
Federal, de duas formas: (1)Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou; (2) diretamente, nos termos desta Constituição.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
envolvimento no processo decisório e o funcionamento dos organismos colegia-
dos. Integrando o Projeto Governança dos Recursos Hídricos, cujos resultados em
âmbito estadual, apontaram também para problemas relativos ao cenário federal.

O desenho do estudo partiu da perspectiva de que se podem analisar os comitês


de bacia hidrográfica (CBHs) como arranjos de governança compostos por dife-
rentes atores que têm as atribuições de mediar, articular, aprovar e acompanhar
as ações para o gerenciamento dos recursos hídricos de sua jurisdição. Os comitês
são órgãos colegiados com atribuições normativas, propositivas, consultivas e deli-
berativas, cujo objetivo é promover o planejamento e a tomada de decisões acerca
dos usos múltiplos dos recursos hídricos no âmbito da bacia hidrográfica, região
compreendida por um território e por diversos cursos d’água.

Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, na qual se procurou, a partir de


uma primeira exploração das informações disponíveis, descrever a característica
dos atores que participam da gestão dos recursos hídricos, com vista a identificar
quem são as pessoas que participam dos processos de formulação das políticas das
águas em âmbito de bacias hidrográficas.

A concepção de governança pública utilizada, neste estudo, a considera como a


capacidade de o governo se articular com outros atores no processo de elaboração
e implementação de projetos e políticas públicas, a partir da tomada de decisão
coletiva, na busca pelo bem comum. A importância de se pensar os organismos
de bacia sob a ótica da governança reside na constatação de que o processo de
decisão coletivo é a base estruturante da proposta desse tipo de organização, sen- 7
do algo que a caracteriza e a diferencia de outras. E, em um cenário em que a
segurança hídrica esteja ameaçada, para o planejamento e a adoção de medidas
de prevenção, adaptação, mitigação e precaução a essa nova realidade climática,
é um problema de ação coletiva que suscita respostas institucionais de estados,
mercados e comunidades.

Neste estudo são apresentadas as análises dos dados referentes aos comitês in-
terestaduais de bacias hidrográficas. Como mencionado, o desenvolvimento do
Projeto “Governança dos Recursos Hídricos: análises do perfil e do processo de for-
mação dos representantes dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e Comitês
de Bacia Hidrográfica”, apontou uma participação feminina de apenas 31% nos co-
mitês de bacias do país. (Matos et.al, 2019). De modo complementar, apresentamos
este estudo visando promover uma discussão quanto à participação e representa-
ção de mulheres nestes espaços criados para a gestão das águas.

Entende-se que a gestão dos recursos hídricos trata de um conjunto de ações de


planejamento, monitoramento, alocação de recursos, implementação e fiscalização
dos instrumentos legais existentes para a coordenação eficiente e sustentável do
uso das águas no país. Buscou-se contribuir para os estudos sobre a participação
ao apresentar o perfil dos membros de comitês interestaduais de bacia hidrográ-
fica desagregados por sexo e oferecer informações que possam apontar aspectos
importantes da sua capacidade inclusiva, tendo como premissa que uma boa go-
vernança é fundamental para alcançar a segurança hídrica.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Desse modo, foram destacados aspectos considerados relevantes, para fornecer
um primeiro esforço para apresentar uma visão geral sobre a participação sob as
lentes de gênero, em âmbito nacional, sobre a capacidade inclusiva nos nove co-
mitês interestaduais pesquisados. Adota-se como premissa a ideia de que uma
boa governança é fundamental para alcançar a segurança hídrica, a universali-
zação dos recursos hídricos e a justiça social. Dados compilados dessa forma po-
dem ainda colaborar para subsidiar a elaboração de políticas para fortalecimento
da democratização na gestão da água, o qual demanda a superação de desafios
como o combate a desigualdade de gênero, a mensuração das lacunas sociais exis-
tentes nos espaços estudados, a qualificação do debate sobre tema, bem como
o cumprimento do compromisso assumido para o atingimento dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável, em especial, a conexão entre o ODS 6 (água limpa e
saneamento) e 5 (igualdade de gênero).

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
GÊNERO:
CONCEITOS-CHAVE
Neste capítulo, tem-se como objetivo a apresentação de conceitos considerados di-
recionadores nas abordagens sobre o tema gênero. Não tendo intuito de esgotar
todos os conceitos utilizados, e tampouco o tema abordado, reconhecendo a com-
plexidade de perspectivas e teóricos que os abordam; busca-se oferecer ao leitor
uma ideia geral, instigando a reflexão sobre o assunto e, se possível, ser utilizado
como fonte de consulta para dirimir alguma dúvida referente ao tema apresentado.

SEXO
Refere-se à natureza biológica de ser homem ou mulher. Conjunto de características
anatomofisiológicas que os distinguem (ex.: sexo feminino, sexo masculino).

10
GÊNERO
Gênero está vinculado a construções sociais, não a características naturais (ao sexo
biológico). Referem-se a funções, responsabilidades, direitos, relacionamentos e
identidades de mulheres e homens que são definidos ou atribuídos a eles dentro de
uma determinada sociedade e contexto - e como esses papéis, responsabilidades,
direitos e identidades de mulheres e homens afetam e influenciam uns aos outros.

Assim, refere-se ao conjunto de qualidades e comportamentos esperados de mulhe-


res e homens, e como isso é socialmente construído, difere de cultura para cultura.
Por exemplo, o antigo Código Civil brasileiro de 1916, Art. 233, nº IV 242, nº VII, cabia
ao marido “autorizar a profissão da mulher” para que ela pudesse trabalhar fora de
casa. Hoje esse dispositivo foi alterado pelo novo Código Civil (Lei Nº 10.406, em
2002). Por serem normas e condutas criadas culturalmente, diferem entre lugares e
dentro de lugares, e são mutáveis ao longo do tempo, e com o envolvimento ativo
das pessoas podem ocorrer ainda mais rápido.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
INCLUSÃO
Em setembro de 2015, com a divulgação dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) pela Organização das Nações Unidas (ONU), países de todo
o mundo se uniram para promover esforços que contribuíssem com as 169 me -
tas elaboradas e, consequentemente, com a Agenda 2030. Ao adotarem o docu-
mento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável” (A/70/L.1), os países comprometeram-se a tomar medidas ousadas e
transformadoras para promover o desenvolvimento sustentável adotando o lema
“Leave no one behind” - ‘Não deixar ninguém para trás’. Com este lema, a intenção é
a redução das desigualdades, o que inclui as de gênero, geracionais e étnico-raciais,
buscando assegurar que a nenhuma pessoa sejam negados os direitos humanos uni-
versais e oportunidades econômicas básicas. Para tanto, faz-se necessário a busca
por ações afirmativas que promova a inclusão das mulheres em diferentes campos.

A igualdade de gênero não é apenas um direito humano fundamental, mas a base


necessária para a construção de um mundo pacífico, próspero e sustentável. O es-
forço de alcance do ODS 5 de alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as
mulheres e meninas é transversal à toda Agenda 2030 e reflete a crescente evidên-
11
cia de que a igualdade de gênero tem efeitos multiplicadores no desenvolvimento
sustentável.

FEMINISMO
Refere-se a um ideal, uma forma de pensamento, e um movimento como iniciativa
para ação buscando promover a igualdade de oportunidades entre mulheres e ho-
mens. Difere do femismo, situação onde há prevalência da mulher sobre os homens,
mas combate o machismo, que, inversamente defende a prevalência de homens so-
bre as mulheres.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
IGUALDADE DE GÊNERO
O conceito de que todos os seres humanos, homens e mulheres, são livres para
desenvolver suas habilidades e escolher sem se verem limitados por estereótipos,
papéis de gênero estritos, ou preconceitos. Igualdade de gênero significa que os
comportamentos, aspirações e comportamentos diferentes de mulheres e homens
as necessidades são igualmente valorizadas, consideradas e promovidas. Isso não
significa que mulheres e homens devem se tornar iguais, mas sim que seus direitos,
responsabilidades e oportunidades não devem depender se eles nasceram mulhe-
res ou homens. Como exemplo, dessa busca pela igualdade de direitos, podemos
citar o direito ao voto em nosso país. A primeira eleição foi realizada em 1532 para a
escolha dos representantes das Câmaras Municipais, entretanto, apesar das muitas
transformações, apenas em 1932 (Decreto nº 21.076) as mulheres puderam exercer
também esse direito, ou seja, o voto passou a ser permitido para ambos os sexos.
Outra mudança ocorrida foi no Código Civil, Lei Nº 10.406, em 2002, no qual defi-
niu-se igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, sendo igualmente responsáveis
pela provisão e administração dos encargos da família.

12

EQUIDADE DE GÊNERO
Refere-se à justiça entre homens e mulheres no acesso aos recursos da sociedade,
reconhece suas diferentes necessidades. Isso pode incluir tratamento igual ou dife-
renciado que é visto como equivalente em termos de direitos, benefícios, obrigações
e oportunidades. No contexto de desenvolvimento, um objetivo de igualdade de
gênero muitas vezes requer a incorporação de medidas para compensar as desvan-
tagens históricas e sociais das mulheres.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
LACUNAS DE GÊNERO
Refere-se às diferenças sociais entre homens e mulheres que são consideradas inde-
sejáveis. Esses são frequentemente relacionados a acesso desigual, distribuição de
recursos e poder em um determinado contexto, como exemplo, citamos a questão
tempo e mobilidade.

Tempo disponível: Os dias de trabalho das mulheres são normalmente mais longos
do que os dos homens, devido às demandas de suas famílias e atividades de traba-
lho doméstico. Consequentemente, as mulheres acabam tendo menos tempo para
participar de reuniões comunitárias e outras reuniões, em comparação aos homens.

Mobilidade: insegurança e normas socioculturais de gênero podem limitar quem


pode viajar para onde, sozinho ou em grupos, a pé ou de carro, e o horário em que
elas possam estar lá. Isso pode reduzir as oportunidades das mulheres de participar
em diferentes redes de contato e espaços de participação.

13

ESTEREÓTIPO
Diz respeito a um conceito ou imagem preconcebida, padronizada e generalizada es-
tabelecida pelo senso comum, sem conhecimento profundo, sobre algo ou alguém.
Costuma ser usado principalmente para definir e limitar as pessoas, associando va-
lores e comportamentos com indivíduos de acordo com seu grupo social, tais como
gênero, classe, raça, etnia, idade.

Os estereótipos de gênero são crenças generalizadas sobre papéis e comportamen-


tos atribuídos a homens e mulheres. A imposição de estereótipos limita o desen-
volvimento das habilidades e capacidades, e afetam o que as meninas e meninos
escolhem como profissões no futuro. Como destacado por Leo Heller, “um estereóti-
po de gênero é danoso quando ele limita a capacidade de homens ou mulheres de
desenvolverem suas habilidades pessoais, seguir suas carreiras e fazer escolhas livres
sobre suas vidas” (Heller, 2016, p.6).

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO
Distinção, exclusão ou restrição feitas com base no gênero ou sexo de uma pessoa.
Tem sido ligado a estereótipos e papéis de gênero com o propósito de prejudicar ou
invalidar o reconhecimento, gozo ou exercício, em base de igualdade entre homens
e mulheres, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro campo.

VIOLÊNCIA DE GÊNERO
São atos ou ameaças que infligem dano ou sofrimento físico, emocional, psicológico
ou sexual, baseadas nos estereóticos de gênero. Também pode envolver a nega-
ção de uso ou acesso a algum recurso. Embora, homens e meninos também possam
sofrer violência de gênero, é mais infringida contra as mulheres e meninas. Para
evitá-las, Estados, dirigentes de órgãos gestores, e diferentes organizações e inicia- 14
tivas, precisam dar considerável importância ao treinamento e suporte à criação de
ambientes não violentos, buscando promover a aprendizagem sobre diversidade
inclusiva estimulando a conscientização social, aceitação e respeito.

VIOLÊNCIA POLÍTICA
CONTRA MULHERES
São atos violentos, tais como agressão, assédio, exclusão e estereótipos, ou ameaças
com o intuito de limitar, ou mesmo impedir, a participação da mulher na vida polí-
tica e partidária. Estes podem ser deflagrados por disputas de poder ou pela ideia
de que as mulheres devem se dedicar apenas à vida privada ou aos afazeres domés-
ticos, ou seja, que não pertencem ao espaço político. É também entendida como
violência política sexista.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Por fim, é sempre necessário fixar a recomendação do Princípio 3 da Carta de Dublin,
documento consensuado a respeito do gerenciamento das águas, evento preparató-
rio da Rio 92, para gestão dos recursos hídricos. A Lei n. 9433, de 1997 que trata da
Política Nacional de Recursos hídricos e seu Gerenciamento aderiu totalmente aos
princípios e fundamentos do documento, mas não adotou o Princípio 3, fato que não
inviabiliza o seu reconhecimento uma vez os ditames de nossa Carta Constitucional
e demais do documentos internacionais e nacionais.

Princípio N° 3, da Declaração de Dublin:

As mulheres desempenham um papel central no fornecimento, gestão e proteção


da água - Este papel central das mulheres como provedoras e usuárias da água e
guardiãs do ambiente em que vivem raramente tem sido refletido nos arranjos
institucionais para o desenvolvimento e gestão dos recursos hídricos. A aceita-
ção e implementação deste princípio exige políticas positivas para atender às neces-
sidades específicas das mulheres e equipar e empoderar mulheres para participar
em todos os níveis nos programas de recursos hídricos, incluindo.

15

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
GOVERNANÇA DA
ÁGUA, GÊNERO E
JUSTIÇA SOCIAL
“A igualdade de gênero é um princípio
fundamental de direitos humanos, entretanto,
desigualdades entre homens e mulheres, com
base na identidade de gênero, são observadas
em todos os países e frequentemente se
traduzem em oportunidades desiguais
e graves violações de direitos humanos”
(Heller, 2016, p.1)

Historicamente, o pertencimento ao gênero feminino implicou e ainda implica, em


uma depreciação que dificulta a paridade participativa em diversas esferas da vida
social e política. Embora tenha havido progresso em todo o mundo, as desigualda-
des persistem em relação a quem participa, contribui e se beneficia da gestão dos
recursos hídricos.

Grande parte da literatura que versa sobre água e gênero chama atenção sobre
como a falta de acesso à água segura e potável afetam as mulheres em seus papéis
e responsabilidades de trabalho do cuidado (maternidade; atividades domésticas;
assistência a crianças, idosos, pessoas doentes ou deficiências), agravada pela ne- 17
cessidade de obtenção de água. E ainda aspectos relacionados à saúde e higiene
pessoal, especialmente relacionados ao período menstrual das mulheres e meninas.
Consequentemente, a disponibilidade de abastecimento de água e instalações sani-
tárias adequadas colabora para reduzir o tempo gasto com atividades domésticas e
o risco de problemas de saúde (incluindo stress psicossocial) e violência de gênero
(Matos el al, 2021). A par dessas peculiaridades, há de forma singular uma descrença
na área científica do conhecimento e saber das mulheres: determinação de papéis
femininos e masculinos e pouco caso a respeito da compreensão técnica das mulhe-
res (aqui incluída o conceito de gênero).

Ressalta-se que a governança hídrica trata das alternativas de arranjos institucionais


utilizados no gerenciamento das águas, de forma a contribuir para o desenvolvi-
mento econômico e o bem-estar das populações. Isso inclui a criação de instituições
de gerenciamento, com pessoal técnico capacitado e vínculos permanentes; e de
instâncias decisórias que envolvam diferentes níveis de governo e organizações da
sociedade; além de foro de articulação com as localidades que sofrem com a falta de
água e com as organizações de defesa civil, entre outras.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Desta forma, a busca por uma participação equitativa cria oportunidades sociais e
econômicas, enobrecendo o sistema de gestão da água, contribuindo, igualmente,
para a consolidação do envolvimento sustentável. Diretamente, relacionada às mu-
lheres, a participação equitativa na gestão da água pode também chegar a outros
grupos vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com deficiência, que em grande
parte dependem dos cuidados e zelo das mulheres.

Apesar de evidências de que a participação das mulheres pode levar a resultados


melhores e mais sustentáveis na gestão da água, diferentes estudos demonstram
que elas ainda são minoria na tomada de decisões sobre a água. Há ainda casos nos
quais elas são excluídas, e as decisões - que não levam em consideração sua opi-
nião e necessidades - afetam seus meios de subsistência, saúde e bem-estar geral
(Adams, 2018; Moraes e Rocha, 2013; Figueiredo e Perkins, 2013; Meinzen-Dick e
Zwarteveen, 1998).

Em seus estudos, Adams et al (2008) analisou publicações sobre sobre mecanismos


participativos associados à irrigação e gestão da água em áreas rurais, e também
constatou que é baixa a participação das mulheres no planejamento e na tomada de
decisões hídricas. E apontou como sendo causas as relações de poder, micropolíticas
e dinâmicas de gênero historicamente arraigadas em diferentes escalas (Hawkins e
Seager, 2010). 18

Como destacado por Heller (2016 p.14-15), a “participação é não só um direi-


to em si mesmo, mas também imperativo para o cumprimento de outros direitos.
Participação engloba o poder das mulheres para influenciar decisões, exprimir as
suas necessidades, fazer escolhas individuais e controlar suas próprias vidas. A falta
de água, esgotamento sanitário e higiene que atenda às necessidades de mulheres
e meninas pode ser atribuída em grande parte à ausência de participação das mu-
lheres nas tomadas de decisão e no planejamento”.

A importância de envolver homens e mulheres na gestão da água e do saneamen-


to foi reconhecida em todos os níveis, começando com a Conferência das Nações
Unidas de Mar del Plata, em 1977, passando pela Década Internacional de Água
Potável e Saneamento (1981-1990) e, mais adiante, a Conferência Internacional so-
bre Água e Meio Ambiente, em Dublin, em janeiro de 1992, que reconheceu a mulher
como um dos nove principais grupos da sociedade cuja participação na tomada de
decisões é essencial para alcançar o desenvolvimento sustentável.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
O reconhecimento do envolvimento de mulheres na gestão da água também foi
reforçado na Agenda 21 (ONU, 1992, parágrafo 18) e no Plano de Implementação
de Joanesburgo (ONU, 2002, parágrafo 25). Além disso, a declaração da Década
Internacional para a Ação “Água, Fonte de Vida” 2005-2015 apela para a participa-
ção e o envolvimento das mulheres nos esforços de desenvolvimento relacionados
com a água (United Nations, 2015), o que foi reafirmado no ODS 5, que diz respeito
a alcançar a igualdade de gênero, inclusive nas decisões políticas (5.5) (ONU, 2015).

Dentre os diferentes argumentos para a importância da participação das mulheres


na governança das águas, segundo Harris (2009) - em análise de Upadhyay 2003;
Devasia 1998; Lobo 2001; Assaad et al. 1994 - que há: i) os que alegam que promo-
ver a participação é essencial para melhorar seu status e promover a igualdade de
gênero; ii) que a participação das mulheres melhora potencialmente fiscalização e
favorece obtenção de recursos e sustentabilidade; iii) e argumentos de que a não
inclusão das mulheres prejudica o sucesso e a sustentabilidade dos esforços de ges-
tão da água; e ainda que a inclusão de mulheres resulta em empoderamento das
participantes.

É importante considerar que a Constituição Federal brasileira imprime dentre os di-


reitos individuais e coletivos em seu art. 5º., a igualdade de direitos entre homens e
mulheres. Na seara internacional, os parágrafos do mesmo dispositivo, estabelecem 19
o cumprimento de princípios e Tratados Internacionais em que o Brasil faça parte.

De um modo geral, as políticas públicas são muitas vezes implementadas como ‘ta-
manho único’. Ou seja, as políticas possuem pouca consideração às especificidades
de seu contexto e são teoricamente “neutras em termos de gênero”. Assim, autori-
dades e gestores responsáveis pela sua elaboração e implementação acabam ne-
gligenciando o fato de que os resultados dessas políticas envolvem e impactam,
diferentemente, homens e mulheres (Harris, 2009).

Do mesmo modo, as políticas públicas voltadas para a gestão de recursos hídricos,


também são neutras em termos de gênero, e pouco atentas às desigualdades sociais.
“Em consonância com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, os Estados de-
vem, portanto, usar as “lentes da intersetorialidade” em todas as suas iniciativas de
políticas para garantir que seja dada atenção especial às pessoas com as maiores
desvantagens na fruição de seus direitos” (Heller, 2016, p.6). A incorporação da pers-
pectiva de gênero nas políticas públicas partem da compreensão da necessidade de
objetivar ações que coíbam a desigualdade das mulheres.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Assim, nota-se que esforços conscientes, como ações afirmativas e políticas direcio-
nadas, serão necessários para garantir a participação significativa de grupos excluí-
dos (especialmente mulheres) nos arranjos de governança. Para tanto, envolver as
mulheres na gestão das águas, considerando a tomada de decisões e implementa-
ção, pertinentes requer fornecer capacitação para sua participação e cumprimento
de novas responsabilidades. Para se obter igualdade substantiva entre os membros,
além da capacitação, é preciso atuar para reduzir as barreiras de acesso e permanên-
cia nestes espaços.

Para Chhotray e Stoker (2009), a teoria da governança é sobre a prática da tomada


de decisão coletiva, tendo como questões clássicas a busca da compreensão sobre “o
que decidir”, “como decidir” e “quem decide”, e também da democracia, como apon-
tado por Bobbio (1986). Nessa mesma linha, mas associado à questão de gênero,
Heller pontuou “é importante considerar quem participa, uma vez que a partici-
pação é muitas vezes estendida apenas para algumas mulheres, em outras palavras,
para as mais ricas, mais instruídas e aquelas relativamente privilegiadas devido à sua
casta ou religião.” (Heller, 2016, p. 16). Acrescenta-se que as mulheres ribeirinhas,
caiçaras, indígenas, calungas e outras de comunidades específicas, devem e tem que
ser ouvidas e participarem de processos decisórios, por conta de possuírem saberes
próprios, dignos de serem incorporados na gestão de recursos hídricos.
20

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
OS COMITÊS
DE BACIAS
HIDROGRÁFICAS
A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) foi instituída tendo como objetivo
principal assegurar a disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados
aos respectivos usos, buscando a prevenção e o desenvolvimento sustentável pela
utilização racional e integrada dos recursos hídricos. Dentre alguns de seus princí-
pios estão o reconhecimento da água como bem público, finito e vulnerável, dotado
de valor econômico, e a adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamen-
to descentralizada e participativa.

De acordo com a PNRH, os estados, assim como o Distrito Federal, são responsáveis
pela gestão das águas sob seu domínio, devendo, então, elaborarem legislação es-
pecífica - veja consideração a respeito ao direito de legislar na Constituição - para
a área, constituírem o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e garantirem o fun-
cionamento dos comitês de bacia em sua região. Cabe aos poderes executivos dos
municípios e do Distrito Federal promoverem a integração das políticas locais de
saneamento básico, de uso, de ocupação e de conservação do solo e do meio am-
biente com as políticas federal e estaduais de recursos hídricos (Brasil, 1997), assim
como deveres dos Estados membros e da União, notadamente no que se refere à
gestão integrada de recursos hídricos com a gestão ambiental.

O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) é o conjunto


de órgãos e colegiados que concebe e implementa a Política Nacional das Águas.
Fazem parte do Singreh para a formulação e a deliberação sobre políticas de recur-
sos hídricos, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, os conselhos estaduais de
recursos hídricos e os comitês de bacias hidrográficas (estaduais e federais).

Como estabelecido pela Política Nacional de Recursos Hídricos, os comitês de ba-


cia hidrográfica são fóruns de decisões no âmbito das bacias hidrográficas e se
destinam a atuar como “Parlamento das Águas”, ou seja, são organismos colegiados
consultivos e deliberativos para a gestão dos recursos hídricos na respectiva escala
hidrográfica. Eles se caracterizam pela descentralização do poder de decisões, a inte-
gração das ações públicas e privadas, e a participação de todos os setores sociais. A
sua constituição está prevista na Lei nº 9433, de 1997, e referendado nas legislações
estaduais. Nela o legislador destacou a importância do estabelecimento de espaços 22
de interação entre o poder público e atores da sociedade e mercado, estando, prin-
cipalmente, voltados à promoção de articulação política no âmbito local. Em outras
palavras, a eles é atribuída a promoção dos debates das questões relacionadas aos
recursos hídricos na totalidade da bacia hidrográfica. Portanto, a instalação dos co-
mitês de bacias é atividade primordial para o bom andamento da gestão das águas.

OS COMITÊS DE BACIAS SÃO ORGANISMOS COLEGIADOS, DE CARÁTER


NORMATIVO, DELIBERATIVO, PROPOSITIVO E CONSULTIVO, CUJAS PRINCIPAIS
COMPETÊNCIAS, NO ÂMBITO DE SUA ÁREA DE ATUAÇÃO, SÃO:

• I) promover o debate sobre questões relacionadas a recursos hídricos e articu-


lar a atuação das entidades intervenientes;

• II) arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos


recursos hídricos;

• III) aprovar o plano de recursos hídricos da bacia;

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
• IV) acompanhar a execução do plano de recursos hídricos da bacia e sugerir as
providências necessárias ao cumprimento de suas metas;

• V) propor ao conselho nacional e aos conselhos estaduais de recursos hídricos


as acumulações, as derivações, as captações e os lançamentos de pouca expres-
são, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de
recursos hídricos, de acordo com os domínios destes;

• VI) estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e su-


gerir os valores a serem cobrados e

• VII) estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múlti-
plo, de interesse comum ou coletivo.

Os comitês são compostos por membros titulares e suplentes, sendo sua estrutura
paritária constituída por representantes do poder público estadual e municipal cujos
territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação;
pelos usuários de água de sua área de atuação e por representantes das entidades
civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia. Nos comitês de bacias
cujos territórios abranjam terras indígenas devem ser incluídos representantes da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como parte da representação da União, e das 23
comunidades indígenas ali residentes ou com interesses na bacia.

A proporção entre esses representantes foi definida pelo Conselho Nacional de


Recursos Hídricos (CNRH), por meio da Resolução nº 5, de 10 de abril de 2000 (modi-
ficada pela Resolução nº18, de 20 de dezembro de 2001, e pela Resolução nº 24, de
24 de maio de 2002) que estabeleceu as diretrizes para a formação e o funcionamen-
to dos comitês de bacias hidrográficas. Estabeleceu também que, nos rios de domí-
nio da União, o número de representantes de entidades civis seja proporcional ao
da população residente no território de cada estado e do Distrito Federal, com, pelo
menos, 20%; o número de representantes dos usuários corresponda a 40% do total
de votos e os votos dos representantes dos poderes executivos da União, dos esta-
dos, do Distrito Federal e dos municípios obedeçam ao limite de 40% (CNRH, 2000).

O processo eleitoral dos membros dos comitês, como estabelecido pela Agência
Nacional das Águas (2011b), deve ser conduzido de modo a garantir a oportunidade
de participação de todos os atores da bacia. Os membros que compõem o colegiado
são escolhidos entre seus pares, sejam eles dos diversos setores usuários de água,
das organizações da sociedade civil ou dos poderes públicos.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Atualmente, no Brasil existem 233 Comitês de Bacia, sendo dez comitês de bacia
interestaduais em funcionamento, e 223 comitês estaduais criados, porém, entre o
ato de criação e instalação pode ocorrer um intervalo até o seu funcionamento. Por
exemplo, o estado de Goiás é composto por onze unidades de gestão de recursos
hídricos, sendo que: a) cinco comitês de bacia hidrográfica já foram criados e insta-
lados comitês, entretanto ,b) três foram criados e estão em fase de instalação; e c)
três foram criados, mas não instituídos por Decreto (Afluentes Goianos do Médio
Araguaia; do Médio Tocantins, etc.)

A instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica em rios de domínio da União é efe-


tivada por ato do Presidente da República (Brasil, 1997). Como estabelecido pela
Constituição Federal (art. 20), são bens da União “os lagos, rios e quaisquer correntes
de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de
limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele prove-
nham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”. Assim, um corpo d’água
superficial é de dominialidade estadual quando se localiza integralmente dentro dos
limites de uma unidade da federação, e é considerado federal se abrange mais de um
unidade. Essa dominialidade define se gestão das águas será realizada pela União ou
pelos estados.

Necessário ressaltar que o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos, confor- 24


me inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal está sob os auspícios da União de
forma exclusiva (não pode delegar – deve ser seguida a determinação da política
nacional). Já o inciso IV do art. 22, estabelece à União, privativamente, legislar sobre
águas, podendo delegar aos Estados essa função. Porém será necessário para tanto
a edição de uma Lei Complementar para indicar os regramentos próprios.

O Brasil possui 29 Unidades de Gestão de Recursos Hídrico de Bacias Hidrográficas


de rios de domínio da União, definidas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos,
por meio da resolução nº 109/2010 visando orientar a priorização na implantação
de comitês de bacia e a implementação dos instrumentos de gestão previstos na
Política Nacional de Recursos Hídricos. Um detalhamento desta proposta, inclusi-
ve na Região Hidrográfica Amazônica, foi apresentada no Relatório Conjuntura dos
Recursos Hídricos no Brasil 2020 (ANA, 2020), e compreende 47 Unidades de Gestão
de bacias de domínio da União (Figura 1).

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Tocantins-Araguaia

Piancó-Piranhas-Açu

Xingu
Parnaíba

Tapajós

São Francisco
Verde Grande
Pardo
Jequitinhonha
Paraguai Paranaíba
Doce
Paraná
Grande Paraíba do Sul
Paranapanema PCJ

Prioritárias Iguaçu
Uruguai Ribeira do Iguape
Demais Amazônicas
Litorâneas (< 25 mil km²)
25
Estaduais

Figura 1: Unidades de Gestão de Recursos Hídricos. Fonte: ANA

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Na Tabela 1 apresenta-se, de forma detalhada, a situação dos dez Comitês Interes-
taduais de bacias hidrográficas, criados e instalados entre 1994 a 2018.

COMITÊ DE BACIA DATA DO N.MEMBROS Nº DE MUNICÍPIOS ESTADOS


(regimento)*
INSTALADOS DECRETO DE PARTICIPANTES **
CRIAÇÃO

Paraíba do Sul 22/03/1996 120 107 184 MG, RJ, SP


MG, DF,
CBH do Rio
05/06/2001 124 115 505 GO, BA,
São Francisco
AL, SE, PE
CBH Doce 25/01/2002 120 96 228 MG e ES
CBH PCJ 20/05/2002 100 96 76 MG e SP
GO, MG,
Paranaíba 16/07/2002 90 88 197
MS e DF
Rio Verde Grande 03/12/2003 80 73 35 MG e BA
Piranhas-Açu 29/11/2006 80 73 147 PB e RN
Rio Grande 02/08/2010 130 111 393 MG e SP
Paranapanema 05/06/2012 100 99 247 PR e SP
Parnaíba*** 2018 277
26
Total 944 858

* Número de membros (titulares e suplentes), conforme regimento interno. **Número de membros ativos, informação obtida a partir da relação
de membros disponibilizadas no site e por e-mail. *** O Comitê do Rio Parnaíba foi criado em 2018, e no período da realização da pesquisa
estava em fase de processo eleitoral iniciado para o 1º mandato de seus membros. Fonte: páginas dos CBHs (2020) e ANA (2020);

Durante a fase de levantamento das informações e aplicação do questionário de


pesquisa (nos meses de janeiro a maio de 2020) realizou-se a verificação nas páginas
dos comitês, e também contato por e-mail, objetivando confirmar o quantitativo de
membros, e principalmente, a existência de cadeiras em vacância. Conforme levanta-
mento, nos nove Comitês considerados para a elaboração deste estudo, observou-se
que oito possuem espaços de representação em aberto, seja por ausência de insti-
tuição interessada ou por não indicação do representante, totalizando, 86 cadeiras
em vacância.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
ASPECTOS
METODOLÓGICOS
Bobbio (1986), em “O Futuro da Democracia”, já advertia que um processo democráti-
co é caracterizado por um conjunto de regras que estabelecem quem está autoriza-
do a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. O autor ainda destaca
que mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não
decide) e, por isso, afirma o autor, “para que uma decisão tomada por indivíduos
(um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que
seja tomada com base em regras que estabeleçam quais são os indivíduos” autori-
zados a tomar as decisões vinculantes ao grupo, o arranjo representativo e as ações
oriundas deste. Portanto, neste trabalho parte-se do pressuposto de que o pleno
funcionamento dos comitês e o exercício ativo dos representantes dos diferentes
segmentos deveriam contribuir para assegurar o acesso inclusivo e sustentável à
água de qualidade, em quantidade adequada à manutenção dos meios de vida, do
bem-estar humano e do desenvolvimento socioeconômico. Ou seja, promover a se-
gurança hídrica deve ser o foco principal daqueles que realizam a gestão dos recur-
sos hídricos.

Nesta pesquisa adotou-se a abordagem quantitativa e qualitativa de caráter descri-


tivo, tendo sido coletados dados primários e secundários. As fontes primárias foram
obtidas nos questionários de pesquisas com questões fechadas e espaços para inser-
ção de apontamentos. Os dados secundários foram obtidos de publicações relacio-
28
nadas à legislação estadual e ao funcionamento dos comitês de bacias.

No que se refere aos procedimentos necessários à obtenção de dados, na primeira


etapa recorreu-se ao levantamento da quantidade de comitês interestaduais de ba-
cia hidrográfica no país e da quantidade de membros em cada organismo, dados que
são detalhados no próximo tópico. À medida que iam sendo obtidos esses dados,
foram realizados os contatos e o envio de questionários por meio eletrônico para os
representantes dos comitês de bacia hidrográfica abrangidos e o reforço do pedido
de preenchimento dos questionários. A obtenção de respostas para o questionário
ocorreu entre janeiro a maio de 2020. Os sujeitos da pesquisa foram compreendidos
como “atores sociais” com o potencial para protagonizar o processo de formulação,
implementação e avaliação das ações voltadas para à política de águas, expressando
as demandas sociais.

No processo de análise das respostas recebidas foram excluídas aquelas considera-


das como duplicidades e as incongruentes, resultando na obtenção de uma amostra
de 46% dos membros, incluindo titulares e suplentes de todos os segmentos de
representação e gêneros. Ressalta-se que foram realizados diversos contatos com
intuito de obter um maior números de respostas dos questionários, apesar de con-
siderarmos um baixo percentual de retorno o número de respostas obtidas, estatis-

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
ticamente, ultrapassa o tamanho mínimo da amostra para um nível de confiança em
95% e margem de erro em 5%. A operacionalização da análise e a apresentação dos
dados basearam-se no conjunto das seguintes categorias analíticas que orientaram
o desenvolvimento deste relatório: i) perfil socioeconômico dos representantes; ii)
composição, representação e aspectos relacionados ao perfil participativo.

PERFIL SOCIOECONÔMICO
DOS REPRESENTANTES
Um comitê é formado por um grupo de pessoas que se reúnem para examinar deter-
minado assunto, no caso deste estudo, sobre o tema gestão dos recursos hídricos no
âmbito de uma determinada bacia hidrográfica. Eles são compostos por um número
limitado de representantes, definidos nos seus regimentos internos aprovados pela
plenária do comitê, que é a instância máxima de decisão. A plenária é composta pelo
conjunto dos representantes e presidida por um deles. Seu funcionamento é basea-
29
do em reuniões abertas e públicas, assim, qualquer interessado na temática pode
acompanhar as reuniões e opinar sobre os assuntos debatidos.

Conforme levantamento realizado, apresentado na Tabela 1 (relação de comitês de


bacias hidrográficas considerados na pesquisa), há 944 espaços para participação
em comitês interestaduais (e nos comitês estaduais mais de 12 mil espaços, Matos,
2020). Compete aos representantes, como membros destes espaços públicos de ne-
gociação, a busca por coordenar os múltiplos usos dos recursos hídricos e debater
sobre a integração entre as políticas públicas que têm no uso das águas forte in-
terlocução. Independentemente do grau de implementação da política de recursos
hídricos no âmbito regional, considerou-se que as ações desses indivíduos são fun-
damentais para se alcançar a tão almejada sustentabilidade desses recursos.

Na primeira parte da análise buscou-se identificar quem são os sujeitos sociais que
participam dos processos de formulação e deliberação de políticas de gestão dos
recursos hídricos no âmbito dos comitês interestaduais de bacias hidrográficas.
Buscando identificar características dos participantes, ligadas à escolaridade e à área

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
de estudos, dentre outros aspectos. A partir dessa caracterização é possível analisar
e discutir se os organismos de bacia são capazes de incluir sujeitos que estão tradi-
cionalmente pouco inseridos em espaços de decisão.

A partir da pesquisa realizada, quanto ao perfil dos representantes de acordo com


o gênero, percebeu-se que os comitês interestaduais de bacias hidrográficas apre-
sentaram uma composição predominantemente masculina entre os respondentes,
tendo em vista que o percentual dos homens (72,83%) é mais que o dobro das mu-
lheres (27,17%). Nesta questão, também foi disponibilizada para marcação o campo
“outros”, mas não houve indicações para esta variável.

Gráfico 1: Distribuição dos respondentes por sexo. Dados de pesquisa.

30
De modo geral, os dados revelaram grande disparidade de representação feminina
nos comitês interestaduais, sendo percentuais ainda mais baixos se comparados à
média nacional nos comitês estaduais (31%), a qual também não reflete a equidade
participativa entre os gêneros (Matos, 2020).

Buscou-se também identificar a distribuição dos representantes de acordo com o


gênero, por comitê, e esta análise está apresentada no gráfico 2.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Rio São Francisco 27,66%
72,34%

Doce 33,33%
66,67%

PCJ 26,83%
73,17%

Paraíba do Sul 20%


80%

Paranaíba 28,26%
71,74%

Paranapanema 19,05% 31
80,95%

Piancó-Piranhas-Açu 19,35%
80,65%

Rio Grande 22,64%


77,36%

Rio Verde Grande 44,12%


55,88%

Feminino Masculino

Gráfico 2: Distribuição dos respondente por sexo x comitê. Dados de pesquisa

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Na análise comparada, nota-se que o Comitê do Rio Verde Grande foi o que apresen-
tou melhor índice de participação feminina (44,12%) e o Comitê do Paranapanema, o
índice mais baixo (19,05%). Lembrando que, apesar de ser um percentual superior ao
cálculo de amostragem necessário para a realização da análise, um número maior de
respondentes proporcionaria maiores níveis de confiança e possibilidades de aná-
lise. Em análise dos dados relativos ao comitê Rio Verde Grande, percebe-se que a
divergência percentual na participação entre homens e mulheres, é baixa. Porém, de
qualquer forma, é importante que os membros façam uma reflexão sobre a questão
de gênero no âmbito dos organismos colegiados de gestão das águas.

Como esclarece Heller (2016, p.3-4) a busca por igualdade de gênero requer a “iden-
tificação das causas fundamentais das desigualdades e o desmantelamento das bar-
reiras estruturais, tabus, estereótipos e normas sociais que impedem, com base no
gênero, a fruição de direitos. Políticas e medidas especiais precisam ser adotadas
para lidar com as desigualdades na prática e fortalecer a voz das mulheres e sua
participação”.

Na sequência, buscou-se identificar como estão distribuídos, por idade, os respon-


dentes dos comitês interestaduais de bacia no Brasil (Gráfico 3). Os dados gerais
dos respondentes permitiram assinalar que a distribuição dos atores nos comitês
concentra as maiores proporções de representantes na faixa entre 41 a 50 anos, com 32
25,21%. Os comitês de bacia estudados apresentaram uma proporção de 4,2% de
atores considerados em idade jovem (até 30 anos), no entanto, considerando que
quase a metade, 48,74% dos respondentes, estava com mais de 51 anos, cabe uma
reflexão sobre a importância de investimento na formação de representantes mais
jovens, no intuito de darem continuidade no processo de renovação da representa-
ção e participação social da gestão das águas.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
ATÉ 30 ANOS 31 A 40 ANOS

2%
FEM.
2,2%
MAS.
9,5%
FEM.
12,3%
MAS.

41 A 50 ANOS 51 A 60 ANOS

5,9%
FEM.
19,3%
MAS.
7,3%
FEM.
17,6%
MAS.

61 A 70 ANOS + DE 70 ANOS

2,5%
FEM.
17,4%
MAS.
0%
FEM.
3,9%
MAS.
33

Gráfico 3: Distribuição total dos representantes por idade e sexo, em porcentagem. Dados de pesquisa.

Ao realizar o comparativo entre as categorias “faixa etária” por “sexo”, os dados per-
mitiram assinalar que a distribuição das mulheres concentra as maiores proporções
das representantes na faixa etária entre 31 a 40 anos com 9,5%.

Em seguida, considerando que o membro eleito deve estar preparado para defender
os interesses do segmento que representa, também se interrogou aos representan-
tes sobre o nível de escolaridade e a área de formação. Essas questões buscavam
uma aproximação de entendimento sobre as possíveis variáveis para a formação do
representante. E, ainda, sinalizar se diferentes atores, diretamente ligados aos usos
das águas, podem não estar representados nos comitês de bacias, isto é, aqueles
com menores níveis de escolaridade ou de diferentes áreas de formação.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Quando se analisa o grau de escolaridade dos representantes que atuam nesses es-
paços é possível observar um perfil altamente escolarizado dos membros de comitês
de bacia. Os dados gerais revelaram que 93,3% dos representantes que responderam
à questão concluíram curso de ensino superior, outros 2,2% estavam cursando, e
quase 65,5% ingressaram em cursos de pós-graduação. Os dados mostraram, ainda,
que, no que se refere à escolaridade, os extremos estão situados no nível funda-
mental, tendo o percentual de representantes com esse grau de ensino completo
atingido 0,9% e no nível de doutorado, 8,5%. Pode-se perceber que a escolaridade
dos representantes dos comitês está diversamente distribuída e de forma não equi-
librada entre os diferentes níveis de ensino.

Em análise comparada por sexo, percebe-se que as mulheres se destacam com níveis
de escolaridade mais elevados. Percebe-se que mais de 95,9% das representantes
que responderam à questão sobre o grau de escolaridade concluíram curso de en-
sino superior e mais de 71,1% ingressaram em cursos de pós-graduação. No Gráfico
4, a seguir, apresenta-se a distribuição dos dados de escolaridade dos responden-
tes por sexo.

34

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Doutorado Completo 11,3%
10,4%

Doutorado Incompleto 2,1%


3,1%

Mestrado Completo 17,5%


11,5%

Mestrado Incompleto 6,2%


5,8%

MBA/Especialização 34%
32,7%

Superior Completo 24,7%


28,8%
35
Superior Incompleto 2,1%
2,3%

Curso Técnico 0%
1,9%

Médio 0%
3,1%

Fundamental 2,1%
0,4%

Feminino Masculino

Gráfico 4: Distribuição dos respondentes, por escolaridade e sexo, em %.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Ao ser eleito para participar de comitê, o representante deve estar preparado para
defender os interesses do segmento e da organização que representa. Assim, bus-
cou-se conhecer a área de formação desses atores. Após análise dos dados dos ques-
tionários de pesquisa, percebeu-se que os comitês de bacias são espaços em que
predomina a concentração dos respondentes em certas áreas de formação, desta-
cando-se os cursos de Engenharias (35,9%), distanciando-se da segunda área mais
indicada, que é das Ciências Sociais Aplicadas (Administração Pública e de Empresas,
Contábeis e Turismo Arquitetura, Urbanismo e Design, Comunicação e Informação,
Direito, Economia, Planejamento Urbano e Regional, Demografia e Serviço Social),
com 21,4% das indicações.

Dado o cenário da representação, especialmente o grau de escolaridade e a área de


formação dos atores inseridos nessas instâncias e considerando que as representa-
ções nos comitês devem refletir os múltiplos interesses de sua jurisdição, pode-se
indagar se a alta qualificação de grande parte dos representantes, no que diz res-
peito à formação, não estaria reduzindo a perspectiva de inclusão dos interesses e
demandas dos grupos e setores sociais cujas vozes não alcançam expressão e reco-
nhecimento nos espaços de representação política comuns, podendo gerar, assim,
decisões social e ambientalmente injustas. Em outras palavras, apesar de ser um
fator positivo a diversidade de especialistas, seja por qualquer razão, os arranjos de
36
governança estariam deixando de fora grupos com capacidade para influenciar as
políticas neles adotadas e que representam outras linguagens, saberes e formações.
Outro ponto, a presença de mais representantes com área de formação nas enge-
nharias nesses colegiados pode concentrar as discussões em dados hidrológicos e
obras para reservação e oferta de água, importantes para o sistema de gestão, mas,
em detrimento de questões sociais e ambientais.

No Gráfico 5, a seguir, apresenta-se a distribuição dos respondentes de acordo com


área de formação e por sexo. Pode-se observar que a concentração dos responden-
tes em certas áreas de formação ocorre em ambos os sexos, ou seja, comparativa-
mente, o maior percentual de mulheres possuem formação na área dos cursos de
Engenharias. Percebe-se também pequenas diferenças entre as áreas de formação,
sendo a mais significativa nas áreas de Ciências Agrárias e de Ciências Biológicas.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Engenharias 26,3%
38,6%

Ciências Sociais Aplicadas 23,2%


20,7%

Ciências Agrárias 9,5%


16,3%

Ciências Biológicas 23,2%


9,3%

Cências Exatas 7,4%


4,1%

Antropologia/Arqueologia 7,4% 37
5,3%

Multidisciplinar 3,2%
3,7%

Ciências da Saúde 0%
1,2%

Linguística 0%
0,8%

Feminino Masculino

Gráfico 5: Distribuição dos respondentes, por área de formação e sexo, em %.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
No que se refere à distribuição dos recursos, os resultados do estudo mostraram, no
quesito renda familiar, que a maior parte dos membros, cerca de 30,5%, informaram
que ganhava de R$ 4.001,00 até R$8.000,00, 28% tinham rendimentos acima de R$
12.000,00.

Observou-se que 81,8% ganhavam acima de R$ 4.001,00. Os resultados encontrados


indicam um perfil com renda acima da média do país, se comparada com o valor do
salário mínimo (R$954,00) ou com o rendimento nominal mensal domiciliar per ca-
pita nacional, de R$2.112,00 (IBGE, 2018), definindo, assim, os grupos que controlam
as decisões em torno da gestão da água. Esses dados corroboram os apontamentos
de Santos Júnior et al. (2004, 37) de que o perfil dos representantes constitui uma
espécie de elite de referência, ou de uma “comunidade cívica portadora de uma cul-
tura associativa”, caracterizada por um perfil socioeconômico superior e por maior
grau de informação e de capacitação técnica e política, se comparada à média da
população em geral.

O avanço em governança dos recursos hídricos exige o envolvimento de uma ampla


gama de atores sociais por meio de estruturas de governança inclusivas que reco-
nheçam a dispersão da tomada de decisão através de vários níveis e entidades. Os
dados apresentados, desde a escolarização até a faixa de renda dos atores partici-
pantes nos comitês de bacias, parecem indicar a necessidade de ampliação da base 38
social para que outros grupos mais frágeis, em termos sociais, sejam representados
na gestão das águas. A composição diversificada e democrática nos comitês pode
contribuir para que todos os setores da sociedade com interesse sobre a água na
bacia tenham representação e, assim, manifestem seus interesses no processo de
tomada de decisão sobre a gestão da bacia hidrográfica. Sendo também imperativo
reconhecer, por exemplo, a contribuição das mulheres para a gestão local dos recur-
sos hídricos e seu papel nas tomadas de decisão relacionadas à água.

Dos representantes que recebiam os rendimentos mais elevados (51,3% deles ga-
nhavam acima de R$8.001,00), observou-se que apenas 11,2% eram mulheres. Em
uma análise comparativa (Gráfico 6) percebe-se que não apenas as mulheres são
ainda minoria nos organismos de bacia, mas que elas pertencem aos grupos com as
rendas familiares mais baixas. Este dado reforça a necessidade de fortalecer a inser-
ção da mulher na gestão pública e que os comitês de bacias precisam refletir sobre
a questão de gênero e a representação das mulheres e dos setores mais vulneráveis
na gestão de recursos hídricos.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
acima de 12001,00 5,04%
22,97%

de 8001 até 12000,00 6,16%


17,09%

de 4001 até 8000,00 9,52%


21,01%

de 2501 até 4000,00 3,64%


6,44%

39
de 1501 até2500,00 0,84%
2,8%

de 900 até 1500,00 1,4%


1,96%

abaixo de 900,00 0,56%


0,56%

Feminino Masculino

Gráfico 6: Distribuição dos respondentes, por renda e sexo, em %.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
A participação desigual das mulheres nos processos de tomada de decisão e nos
mercados de trabalho compõe desigualdades e geralmente impede que as mulheres
contribuam totalmente para o planejamento, formulação de políticas e implemen-
tação relacionadas ao clima (UNFCCC, 2020), e consequentemente para a gestão das
águas. Como destacado por Heller (2016), as vozes de mulheres e meninas são in-
dispensáveis para assegurar que suas necessidades sejam entendidas e priorizadas
(Heller, 2016, p. 15). O autor ainda chama a atenção para as mulheres “marginaliza-
das (incluindo aquelas com deficiência, mulheres idosas, analfabetas ou pobres” e o
fato delas enfrentarem barreiras adicionais à participação. Essa observação conduz
aos estudos sobre interseccionalidade: gênero, raça e classe. Pois as desigualda-
des de gênero são ampliada quando somadas a outras formas de discriminação e
desvantagens. O fortalecimento do debate da interseccionalidade apresenta novos
desafios de análise das demandas de diferentes grupos de mulheres, passando tam-
bém a diversificar as pautas e tornando-as mais complexas em função das novas
perspectivas que agrega.

Sobre o tempo de participação e representação em comitês de bacia, 12,1% dos


respondentes informaram que participavam há menos de 1 ano da composição do
comitê; 49,7% de 1 a 5 anos; 22,3% de 6 a 10 anos; 7,2% de 10 a 15 anos, 4,% de 16 a
20 anos, e 4,6% para a categoria ‘mais de 20 anos, previamente disponibilizada para
40
marcação. Nota-se que a maioria dos respondentes (61,8%) é membro de comitê por
período inferior a 6 anos, tendo a variável 1 a 5 anos de participação sido a que re-
cebeu o maior percentual de indicações (49,7%). É importante ressaltar que três dos
nove comitês de bacia analisados neste estudo foram criados a partir dos anos 2010
(vide tabela) o que ajuda a explicar o “baixo” percentual de participação de membros
por períodos superiores a 10 anos.

Quando se desagregam os dados de tempo de participação por gênero e os analisam


separadamente, percebe-se que 73,2% das mulheres participavam por período infe-
rior a 6 anos, nos comitês. Analisando os dados dos respondentes do sexo masculino,
observou-se que 57,4% deles participam por período inferior a 6 anos, e, portanto,
42,4% participam por período superior a 6 anos. Esse cenário pode ser promissor
para que as mulheres alcancem percentual relevante de participação, desde que haja
práticas que as incentivem a permanecer como representantes dos CBHs. Todavia,
não nos foi possível analisar esse tempo de permanência quanto à renovação e ro-
tatividade, e ainda, o tempo de exercício do mandato dos membros é definido em
cada regimento interno dos CBHs, não havendo uma padronização quanto a duração
dos mandatos.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Outro ponto observado foi a participação dos membros na diretoria colegiada dos
comitês. Dentre os respondentes da pesquisa, 14% indicaram que também parti-
cipam da diretoria do comitê e, deste percentual, apenas 5% são mulheres. As res-
postas recebidas foram distribuídas por cargo e sexo, e como pode ser observa-
do (Gráfico 7) 76,47% das mulheres que fazem parte da diretoria ocupam vagas de
secretária.
Fem.

5,88% 17,65% 52,94% 23,53%


PRESIDENTE VICE-PRESIDENTE SECRETÁRIO SECRETÁRIO ADJUNTO
Masc.

33,34% 23,33% 30% 13,33%


PRESIDENTE VICE-PRESIDENTE SECRETÁRIO SECRETÁRIO ADJUNTO

41

Gráfico 7: Distribuição dos ocupantes da diretoria por sexo (em%)

Em resumo, pelo exame quantitativo da paridade de gênero na participação social


da governança das águas, a participação das mulheres é consideravelmente menor,
apenas 27,17%, nos espaços representativos dos comitês interestaduais de bacia
hidrográfica do Brasil. No entanto, as mulheres se destacam pela renovação nestes
espaços de decisões coletivas, tendo em vista também que a representação feminina
se dá nas faixas etárias mais jovens e com níveis de escolaridade mais elevados, se
comparadas ao perfil nacional. Os dados mostraram que a participação das mulheres
acontece nos espaços de representatividade dos comitês de bacia do Brasil, mas de
forma minoritária.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
COMPOSIÇÃO E
REPRESENTAÇÃO
Dos respondentes do questionário de pesquisa 62,36% são representantes titulares,
e os demais (37,64%) são suplentes. Os membros suplentes que não estão no exer-
cício da titularidade não votam, mas têm direito à voz nas plenárias. A existência
dessa figura, a quantidade e a forma de substituição do titular estão previstas no
regimento interno de cada comitê.

As respostas obtidas para esta questão - como os respondentes ocupam os espaços


do plenário - foram redistribuídas comparativamente. Inicialmente, entre os titula-
res, buscamos analisar o percentual por sexo. Dentre os respondentes que ocupa-
vam a representação como titulares, apenas 24,77% são mulheres; e na suplência,
elas ocupavam 31,34% das vagas. Entretanto, como o percentual de participação
feminina é baixa, isso impacta a forma de observação dessa informação. Assim, as
respostas foram redistribuídas comparativamente para observar a distibuição por
sexo, como mostra o Gráfico 8, 43,3% das mulheres que participam desses espaços
colegiados ocupavam vagas de suplência.
42
FEM.

56,70% 43,30%
MAS.

64,48% 35,52%

TITULAR SUPLENTE

Gráfico 8: Distribuição dos respondentes por sexo e titularidade, em %. Dados de pesquisa.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
A composição de um comitê deverá refletir os múltiplos interesses em relação às
águas da bacia. De forma geral, são três os interesses que se expressam nas bacias:
dos usuários diretos de recursos hídricos (sujeitos ou não à outorga de direito de
uso); dos poderes públicos constituídos (municípios, estados e União) na imple-
mentação das diferentes políticas públicas e das organizações civis na defesa dos
interesses coletivos e com o olhar dos interesses difusos. Em resumo, “esse conjunto
de representações deve buscar reunir os antagonismos dos interesses sobre a água,
porém, o uso dos recursos hídricos deve ser sustentável de modo a assegurar condi-
ções não só para as atuais gerações, mas também para as futuras’’ (ANA, 2011).

Em linhas gerais, pode-se dizer que a definição das características que qualificam o
representante como o mais adequado para defender os interesses de determinado
segmento é realizada entre os seus pares em assembléias setoriais, convocadas me-
diante publicação de edital dos comitês para escolha dos representantes.

O processo eleitoral consiste em um conjunto de atos abrangendo a preparação


e a realização das eleições, incluindo a eleição e a posse dos eleitos. Ele envolve a
formação do planejamento, publicação do Edital com as regras e orientações do
processo eleitoral, a formação da comissão eleitoral, a divulgação e mobilização so-
cial, além das inscrições e entrega de documentos, habilitação e a realização das
reuniões de segmentos que elegem os representantes habilitados em cada categoria 43
de participação. Após a eleição e posse, as instituições tem um prazo para enviarem
os nomes dos indicados que as representarão e por fim, o governador publica, no
Diário Oficial do Estado, o Ato Governamental que oficializa a composição de cada
CBH e encerra o processo eleitoral

Nota-se que a adoção da ideia de governança requer a adoção de metodologias


de fortalecimento das comunidades, de forma a qualificá-las para participarem nos
processos decisórios locais, influenciando de forma positiva, a construção de pro-
cessos mais sustentáveis, ao avaliar e propor soluções para os problemas de bacias
(Hollanda, 2009; Ribeiro, 2009). Inclusive, incentivando a participação de mulheres
nas arenas decisórias.

De um modo geral, sem a marcação generificada, no que se refere ao setor de re-


presentação: 19,94% dos respondentes pertenciam ao segmento do poder público
municipal; 17,13% do poder público estadual; 30,34% dos usuários de água; 29,78%
da sociedade civil; e 2,81% do poder público federal. Importa realçar que, no caso da
sociedade civil e dos usuários de água, essa representação está relacionada a entida-
des constituídas e, nesse sentido, não existe espaço para a participação individual.
Cabe destacar que o termo sociedade civil abriga um conjunto bastante diferenciado

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
de organizações, entidades e grupos de interesses, como ONGs, entidades filantrópi-
cas, entidades sindicais e organizações empresariais, dentre outros. E, como usuários
da água, consideram-se grupos, entidades públicas e privadas, e coletividades que,
em nome próprio ou no de terceiros, utilizam os recursos hídricos ou, ainda, que
captam água, lançam efluentes ou realizam usos que não para consumo diretamente
em corpos hídricos (rio ou curso d’água, reservatório, açude, barragem, poço, nas-
cente, etc.).

Outro ponto, ainda sobre o segmento de representação, é que uma organização re-
presenta um conjunto de seus pares. Uma pessoa é nomeada representante dessa
entidade no comitê. Em outras palavras, é atribuído poder a um ator para tomar de-
cisões em nome de uma organização e de um segmento de representação ao apre-
sentar as perspectivas e as ansiedades de um grupo, e, ainda assim, pensar no inte-
resse coletivo que é o uso racional dos recursos hídricos.

Nessa perspectiva, entende-se que a participação ativa dos representantes pode


potencializar a gestão e a conservação dos recursos na bacia hidrográfica de que
participam. Quanto a isso, vale lembrar que Norberto Bobbio (1986) assinala que a
regra fundamental da democracia é a regra da maioria, quer dizer, que essa é a regra
base sobre a qual são consideradas decisões coletivas, e assim vinculadas para o
todo o grupo, as decisões aprovadas pela maioria daqueles a quem compete tomar 44
a decisão. Porém, cabe salientar que, possivelmente, as melhores decisões no comitê
de bacias são as decisões negociadas, buscando o consenso para, quem sabe, todos
saírem com o sentimento de que estão ganhando e não gerar conflitos.

As respostas obtidas para esta questão sobre o segmento de representação a que


pertecente foram redistribuídas comparativamente por sexo. No gráfico 9 apresen-
ta-se os dados apurados.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Poder Público Federal

30% 70%

Poder Público Estadual

31,15% 68,85%

Poder Público Municipal

25,35% 74,65%

Usuários

25% 75%

Sociedade civil

28,3% 71,7%

Feminino Masculino 45

Gráfico 9: Distribuição dos respondentes por segmento de participação e sexo, em percentagem. Dados de pesquisa.

Observou-se que as mulheres estão mais presentes no segmento de entidades li-


gadas ao poder público estadual, com 31,15%, e menores percentuais de participa-
ção no segmento dos usuários de água, com 25%. Ao questionar se “no seu período
como representante, já representou outros segmentos?”, apenas 3,13% das respon-
dentes informaram que sim, já haviam representado outro segmento de participação
(entre os homens, 14,11% responderam afirmativamente).

Apesar de ter sido realizada a análise utilizando-se outras variáveis, como escolari-
dade, área de formação e renda, este é um estudo introdutório ao entendimento da
participação das mulheres, no sentido de que apresenta um panorama dessas repre-
sentantes, tendo a limitação que concerne às pesquisas quantitativas. Assim, não
se aprofunda nas diferenças entre elas ou em suas relações e posições dentro dos
arranjos de governança. Mas, como preconizado pelo GWP (2012), às diferenças e as
desigualdades entre homens e mulheres determinam como os indivíduos respon-
dem às mudanças na gestão dos recursos hídricos e, nesse sentido, envolver mulhe-

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
res e homens nas iniciativas integradas de deste recurso pode aumentar a eficácia e
a eficiência dos arranjos de governança das águas. Estudos indicam que as mulheres
são mais vulneráveis aos eventos naturais mais extremos, mas essa vulnerabilidade
não vem de sua própria natureza, mas de processos socialmente construídos.

Ainda sobre esse perfil participativo, perguntamos se além de fazer do comitê inte-
restadual, se o representante também era membro em comitês estaduais e/ou sub-
comitês. Para esta questão, nota-se que quase metade das respondentes 48,39%
informaram que sim, “sou representante em outros CBHs” (entre os homens, 44,4%
também responderam afirmativamente).

Outras observações foram que 61,7% das respondentes informaram que além de
participar dos comitês interestaduais de bacia, elas também atuam em outros or-
ganismos participativos de áreas diversas, como educação, saúde e etc (entre os
homens, 59,34% também responderam afirmativamente). O que demonstra que a
rede de gestão da água no país está interligada, as deliberações tomadas em nível
de comitê podem estar e advir de outros arranjos, sendo influenciados por eles, a fim
de atender a Política Nacional de Águas.

46

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A IV Conferência Mundial sobre a Mulher - Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento
e a Paz, realizada em 1995 em Beijing, China, pelas Nações Unidas, discutiu os avan-
ços obtidos desde as conferências anteriores (México, 1975; Copenhague, 1980; e
Nairobi, 1985). A Declaração e Plataforma de Ação aprovadas no encontro recomen-
dou o reforço da capacidade para a produção de estatísticas de gênero e reforçar
a integração do gênero na formulação de políticas, implementação e monitoria de
modo a proporcionar uma melhor percepção das contribuições que as mulheres fa-
zem para o desenvolvimento nacional.

Com este trabalho buscou-se contribuir para os estudos sobre a participação em


comitês interestaduais de bacias hidrográficas desagregados por sexo e oferecer in-
formações que possam apontar aspectos importantes da sua capacidade inclusiva.
Foram destacados aspectos considerados relevantes, para fornecer um primeiro es-
forço para apresentar uma visão geral sobre a participação sob as lentes de gênero,
em âmbito nacional, nos nove comitês interestaduais pesquisados.

Adotou-se como premissa a ideia de que uma boa governança é fundamental para
alcançar a segurança hídrica, a universalização dos recursos hídricos e a justiça so-
cial. Dados compilados dessa forma podem ainda colaborar para subsidiar a ela-
boração de políticas para fortalecimento da democratização na gestão da água, o
qual demanda a superação de desafios como o combate a desigualdade de gênero, 48
a mensuração das lacunas sociais existentes nos espaços estudados, a qualificação
do debate sobre tema, bem como o cumprimento do compromisso assumido para o
atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em especial, a conexão
entre o ODS 6 e 5.

Após a análise dos dados obtidos, observou-se que o perfil socioeconômico dos
representantes dos comitês é caracterizado da seguinte forma: a maioria é do sexo
masculino e pertence às classes média e alta (81,8% tinham renda familiar acima
de 4.001 reais); tem alta escolaridade (93,3% concluíram, no mínimo, graduação), e
48,74% tinha mais de 51 anos de idade. Espera-se que esses arranjos de governança
devam ser inclusivos, sendo capazes de incluir todos os indivíduos nos processos
deliberativos e decisórios, independente das posições de poder que ocupem nas
relações sociais.

No que tange à participação das mulheres, neste estado também se observou gran-
de disparidade entre a participação entre homens (72,83%) e mulheres (27,17%),
sendo consideravelmente menor a participação feminina. Pode-se dizer que buscar
a igualdade é ainda um desafio, ou seja, de garantir a paridade de gênero nos âm-
bitos políticos e representativos. Assim, a presença feminina nos comitês pode ser

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
vista sob dois aspectos. Primeiro, ainda que seja baixa a participação das mulheres
na representatividade dos comitês de bacias hidrográficas do Brasil, esta presença se
faz importante e significativa, uma vez que o espaço de participação política ainda
é predominantemente masculino. Isto mostra que vem ocorrendo uma transforma-
ção no cenário da participação política no país, especialmente nos comitês, não só
na perspectiva de gênero, mas também geracional. Segundo, ainda persistem, nos
caminhos da transformação social, política e econômica, os aspectos estruturais do
sistema patriarcal e da divisão sexual do trabalho. Pela arraigada naturalização de
que são as mulheres as responsáveis pelo trabalho doméstico de âmbito privado e,
historicamente, elas estiveram ausentes dos espaços de participação política, como
o caso dos Comitês Interestaduais de Comitês de Bacias Hidrográficas.

As ausências ou as invisibilidades nos processos de composição desses espaços po-


dem colocar pessoas à margem do bem comum. Dito de outra forma, os interesses
e as demandas daqueles que não participam dos comitês não são representados no
planejamento e na gestão das águas, podendo, inclusive, contribuir para asseverar
a escassez do acesso ao uso da água por aqueles que vivem em situação de misera-
bilidade e pobreza.

A gestão conjunta, participativa e deliberativa no âmbito dos comitês de bacia, visa


à promoção da segurança hídrica e, consequentemente, pode permitir melhor aces- 49
so à água, ao saneamento e à preservação das condições de quantidade e da quali-
dade dos recursos hídricos. Assim, portanto, ressalta-se que a participação de todos
os atores envolvidos, de todos os setores da sociedade, constitui um elemento im-
portante e que pode promover a equidade na gestão da água.

Os comitês de bacia têm a missão de administrar as opiniões divergentes e construir


soluções inovadoras de forma participativa e democrática. Esses arranjos, por meio
dos seus membros, têm o poder de decisão sobre uma série de questões importan-
tes na sua bacia, além da articulação entre diversos agentes, da atuação em primeira
instância em caso de conflito e da aprovação do plano de recursos hídricos da bacia.
Daí a importância da representatividade de seus membros. São muitos os interesses
e os sujeitos envolvidos e que devem ser levados em consideração para a gestão dos
recursos hídricos, a partir da explicitação dos interesses, das perspectivas e dos an-
seios de cada segmento e, ainda assim, buscando o interesse coletivo e cooperação,
na construção de pactos coletivos que é o uso racional dos recursos hídricos.

A participação dos representantes é um fator crítico e princípio fundamental para a


gestão e a governança das águas, tendo em vista a possibilidade de melhorar a qua-
lidade das decisões, dar legitimidade à gestão e melhorar as relações entre os atores

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
envolvidos. O estudo da representação, como aponta Simione (2018), importa na
medida em que permite observar quão representativa é uma instituição participati-
va da população em geral (idade, sexo, educação) e se não há grupos ou interesses
relevantes excluídos da participação, ao mesmo tempo em que ajuda na identifica-
ção da distribuição do poder dentro das instituições participativas.

Estudar a representação em espaços deliberativos pode fornecer conhecimentos so-


bre os modos pelos quais os esforços de ampliar a participação de diferentes setores
da sociedade se dão. O aprimoramento da representação social é fator importante
para garantir a legitimidade de tais espaços. Tal aprimoramento implica em que to-
dos os grupos de interesse estejam representados e que tais representantes tenham
a mesma condição de apresentar suas ideias, debater e se posicionar em relação à
tomada de decisões. Além disso, não se pode esquecer que a representação deman-
da também um olhar sobre como ela é construída, ou seja, como os representantes
são selecionados e em que extensão a atuação deles nos comitês reflete as necessi-
dades dos representados. Este olhar, apresentado por este relatório, é fundamental
para todos aqueles preocupados com o fortalecimento da democratização da gestão
de políticas públicas, mais especificamente na questão da gestão das águas.

50

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
REFERÊNCIAS
ADAMS, Ellis; JURAN, Luke; AJIBADE, Idowu. ‘Spaces of Exclusion’ in community water governance:
A Feminist Political Ecology of gender and participation in Malawi’s Urban Water User Associations.
Geoforum, Volume 95, 2018, Pages 133-142.

ANA - Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Comitês de Bacia Hidrográfica. Disponível
em:https://www.gov.br/ana/pt-br/assuntos/gestao-das-aguas/fortalecimento-dos-entes-do-singreh/
comites-de-bacia-hidrografica/comites-interestaduais

ANA - Agência Nacional de Águas. O Comitê de Bacia Hidrográfica: O que é o que faz? Agência Nacional das
Águas (Cadernos de capacitação em recursos hídricos; v. 1. Brasília: SAG., 2011.

ANA - Agência Nacional de Águas. O Comitê de Bacia Hidrográfica: prática e procedimento. Agência
Nacional das Águas (Cadernos de capacitação em recursos hídricos; v.2). Brasília: SAG, 2011b.

ANA – Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos recursos hídricos: informe 2017. Agência Nacional das
Águas. Brasília: ANA, 2017.

ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Conjuntura dos recursos hídricos: informe anual
2020. Agência Nacional das Águas. Brasília: ANA, 2020

ANA – Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos recursos hídricos: informe 2015. Agência Nacional das
Águas. Brasília: ANA, 2015.

Assaad, Marie; Samiha El Katsha; Susan Watts. Involving women in water and sanitation initiatives: An ac-
tion/research project in an Egyptian village. Water International 19, no. 3: 113–120, 1994.
BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução de Marco Aurélio Nogueira.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

BRASIL Código Civil. Lei n° 3.071 de 1° de janeiro de 1916.

BRASIL. Código Civil. Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988.

BRASIL. Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932.

BRASIL. Lei nº. 9.433. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal e altera o
art. 1º da Lei nº. 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº. 7.990, de 28 de dezembro de 1989.
De 8 de Janeiro de 1997.

CBH Doce. Institucional. 2020. Disponível: www.cbhdoce.org.br

CBH Doce. Lista de membros - Quadriênio 2017-2021. 2020. Disponível: www.cbhdoce.org.br

CBH Paranaíba. Composição. 2020. Disponível em: http://cbhparanaiba.org.br

CBH Paranaíba. Sobre o CBH Paranaíba. 2020. Disponível em: http://cbhparanaiba.org.br

CBH Rio Verde Grande. O comitê. 2020. Disponível: www.verdegrande.cbh.gov.br

CBH Rio Verde Grande. Regimento interno. 2020. Disponível: www.verdegrande.cbh.gov.br 52

CBHSF - Comitê da Bacia do Rio São Francisco. A bacia. 2020. Disponível: cbhsaofrancisco.org.br

CBHSF - Comitê da Bacia do Rio São Francisco. Lista de membros do CBHSF. 2020. Disponível: cbhsaofran-
cisco.org.br

CEIVAP - Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Regimento interno. 2020.
Disponível em: www.ceivap.org.br

CEIVAP - Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Apresentação. 2020. Disponível
em: www.ceivap.org.br

CEIVAP - Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. Composição. 2020. Disponível
em: www.ceivap.org.br

CHHOTRAY, V.; STOKER, G. Governance Theory and Practice: A Cross-Disciplinary Approach. England:
Palgrave Macmillian, 2009.

CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Resolução nº 5, de 10 de abr de 2000. Estabelece diretrizes
para a formação e funcionamento dos Comitês de Bacia Hidrografia.

Devasia, Leelamaa. Safe drinking water and its acquisition: Rural women’s participation in water manage-
ment in Maharashtra, India. International Journal of Water Resources Development 14, no. 4: 537–546, 1998.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
FIGUEIREDO, P., PERKINS, P.E.. Women and water management in times of climate change: participatory and
inclusive processes. J. Clean. Prod. 60, 2013, 188–194.

GWP - Global Water Partnership. Rio+20: Water Security for Growth and Sustainability. Sweden, 2012.

HARRIS, L. Gender and Emergent Water Governance: Comparative overview of neoliberalized natures and
gender dimensions of privatization, devolution and marketization. Gender, Place and Culture, 2009, 16
(4): 387-408

Hawkins, R., Seager, J.. Gender and water in Mongolia. Professional Geogr. 62, 16–31, 2010.

HELLER, LÉO - NAÇÕES UNIDAS. Relatório do Relator Especial sobre o direito humano à água potável segura
e ao esgotamento sanitário. Conselho de Direitos Humanos. Trigésima Terceira sessão. Item 3 da Agenda:
Promoção e proteção de todos os direitos humanos, direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais,
inclusive o direito ao desenvolvimento. Julho, 2016.

HOLLANDA, C.L. (2009). Estratégias de governança em resíduos sólidos no município de Urubici – SC.
Florianópolis: ESAL/UFSC. 94p. TCC de Graduação.

IBGE. Censo, 2010.

IBGE. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e


Análises da Dinâmica Demográfica. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2018.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. O Conselho Nacional dos Direitos do Idoso na Visão de 53
seus Conselheiros. Relatório de Pesquisa. Brasília: IPEA, 2012.

Lobo, Crispino; Abraham Samuel. Slaking thirst – retrieving desertified living spaces. Watershed develop-
ment saves Indian villages. D + C, development and cooperation 4: 8–13, 2001.

MATOS, F; Hernandez-Bernal, N; Ckagnazaroff, I.B: Carrieri, A.P. Water resources governance: analysis of the
profile and the shaping of the representative members of the Watershed Organisms in Brazil. IN: UNESCO
and UNESCO i-WSSM. Water Security and the Sustainable Development Goals (Series l). Global Water
Security Issues (GWSI) Series, UNESCO Publishing, Paris, 2019. Disponível em: https://bit.ly/2vcIFxt

MATOS, F. Retratos de Governanças das Águas no Brasil: Um estudo sobre o perfil dos representantes mem-
bros de Comitês de Bacia Hidrográficas. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de
Pós-Graduação e Pesquisas em Administração, 2020.

MEINZEN-DICK, R., ZWARTEVEEN, M.. Gendered participation in water management: issues and illustrations
from water users ‘associations in South Asia. Agric. Human Values 15, 1998, 337–345.

MORAES, A.F.J., ROCHA, C., 2013. Gendered waters: the participation of women in the ‘One Million Cisterns’
rainwater harvesting program in the Brazilian Semi-Arid region. J. Clean. Prod. 60, 163–169.

ONU - Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos da Água, Declaração Universal
dos Direitos da Água,1992.

ONU - Organização das Nações Unidas. Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre
a Mulher, Pequim, 1995.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
ONU. Report of the United Nations Conference on Environment and Development, Rio de Janeiro, 3-14
June 1992. (United Nations publication, Sales No. E.93.I.8.).

PCJ Federal - Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rio Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Membros. 2020.
Disponível: www.comitespcj.org.br

PCJ Federal - Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rio Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Regimento interno.
2020. Disponível: www.comitespcj.org.br

PPA. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu. A bacia. 2020. Disponível: www.cbhpian-
copiranhasacu.org.br

PPA. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu. Cadastro de membros titulares e suplentes.
2020. Disponível: www.cbhpiancopiranhasacu.org.br

PPA. Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu. O comitê. 2020. Disponível: www.cbhpian-
copiranhasacu.org.br

RIBEIRO, W.C (2009). Impasses da governança da água no Brasil. IN: Ribeiro, W.C. Governança da água no
Brasil: uma visão interdisciplinar. São Paulo: Annablume, Fapesp; CNPq.

SANTOS JÚNIOR, Orlando Alves; AZEVEDO, Sérgio; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Democracia e gestão lo-
cal: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. IN: SANTOS JÚNIOR, Orlando Alves; Azevedo, Sérgio;
RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos muni-
cipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, Fase, 2004.

SIMIONE, A.A.N da S. Participação social e efetividade da deliberação em conselhos locais em Moçambique. 54


Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em
Administração, 2018.

UNESCO, UN-Water, 2020: United Nations World Water Development Report 2020: Water and Climate
Change, Paris, UNESCO.

UNITED NATIONS (UN). Report of the United Nations Water Conference, Mar del Plata, 14-25 March, 1977
(United Nations publication).

UNITED NATIONS. Agenda for Sustainable Development. 2015.

UPADHYAY, B.. Water, poverty and gender: review of evidences from Nepal, India and South Africa. Water
Policy 5, 2003, 503–511.

///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
View publication stats

Você também pode gostar