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Eldis Camargo
Alexandre de Pádua Carrieri
Fernanda Matos
Eldis Camargo
Alexandre de Pádua Carrieri
Belo Horizonte
FACE/UFMG
2021
Este relatório compõe uma série sobre o perfil dos representantes membros de comitês de bacia
hidrográfica no Brasil, integrando o projeto Governança dos Recursos Hídricos.
/ // Fernanda Matos
Pesquisadora em Residência Pós-Doutoral em Administração na UFMG.
/ // Eldis Camargo
Phd em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, membro do Comitê Executivo da
Gender Water Alliance - GWA
* Os dados de pesquisa referente aos Comitês Interestaduais foram coletados à partir de uma
colaboração institucional entre a Coordenação do Projeto (NEOS/CEPEAD/FACE/UFMG) e a
Superintendência de Planejamento de Recursos Hídricos/ANA para ampliação dos estudos referente
ao processo de formação e o perfil dos membros do SINGREH.
Ficha catalográfica
R438 Retratos de governanças das águas: gênero e o perfil dos membros de comitês
interestaduais de bacias hidrográficas. / Fernanda Matos, Eldis Camargo,
2021
Alexandre de Pádua Carrieri. – Belo Horizonte: FACE - UFMG, 2021.
55p.: il. - (Perfil dos representantes membros de comitês de bacia
hidrográfica no Brasil)
ISBN: 978-65-88208-13-7
Inclui bibliografia.
CDD: 333.7
Elaborado por Adriana Kelly Rodrigues CRB6-2572
Biblioteca da FACE/UFMG – AKR/034/2021
* Agradecemos a todos que auxiliaram na realização de contatos com os membros dos comitês de
bacia hidrográfica; aos membros da diretoria e secretaria executiva, pela atualização da relação de
membros, e, também, aos representantes, pelo tempo dedicado a responder ao questionário de
pesquisa. Agradecemos também Thaís Zimovski pela colaboração.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamentode Pessoal de Nível Superior - Brasil
(Capes) - Código de Financiamento 001 (Programa Pró-Recursos Hídricos - Chamada N° 16/2017)
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
5 APRESENTAÇÃO
9 GÊNERO: CONCEITOS-CHAVE
10 Sexo
10 Gênero
11 Inclusão
11 Feminismo
12 Igualdade de gênero
12 Equidade de gênero
13 Lacunas de gênero
13 Estereótipo
14 Discriminação de gênero
14 Violência de gênero
14 Violência política contra mulheres
27 ASPECTOS METODOLÓGICOS
29 Perfil socioeconômico dos representantes
42 Composição e representação
47 CONSIDERAÇÕES FINAIS
51 REFERÊNCIAS
APRESENTAÇÃO
“A água faz parte do patrimônio do planeta.
Cada continente, cada povo, cada nação,
cada região, cada cidade e cada cidadão é
plenamente responsável por ela diante de
todos” (ONU, 1992).
Nessa perspectiva, ao menos duas políticas subordinam os usos da água: uma vol-
tada para preservação e conservação das águas, pautada em regras na Política
Nacional do Meio Ambiente e outra destinada a regras os usos antrópicos da água,
estabelecida pela Política Nacional de Recursos Hídricos. Em que se conte que a
gestão deva incorporar de forma integrada a administração da água nas duas pers-
pectivas, nesse trabalho estarão sendo focadas as diretrizes direcionadas a gestão
referenciada na Política e no Gerenciamento Nacional de Recursos Hídricos.
Os bens ambientais, conforme determina a Constituição Federal em seu art.225
constituem-se como um bem de todos e de uso comum do povo, alterando assim,
a velha classificação do Direito (público e privado), dotando, também à água como
de interesse difuso ou coletivo. Com esse teor, se faz necessário, por ordem da
Carta Maior, que esses bens recebam outra visão no que concerne à gestão, tra-
zendo todos os atores sociais para participarem na formulação da política de uso
das águas 1.
O que se tem a partir daí é que o domínio dos cursos de água não está mais sob a
égide somente do Poder Público. Aqui ele terá somente o papel de gestor do bem
comum, ou seja, seu papel se resume em domínio iminente dos bens (no caso os
usos da água).
A gestão das águas apresenta-se como um dos maiores desafios colocados à socie-
dade nos últimos tempos, considerando sua fundamental importância para vida e
de todos os seres do planeta, inclusive o ser humano.
Este estudo compõe a série ‘Retratos de Governanças das Águas’ que tem como
objetivo analisar o perfil de representantes de comitês de bacias hidrográficas no
Brasil e oferecer informações que possam apontar aspectos importantes da capaci-
dade inclusiva na representação, identificando também como são percebidos o seu
1 Fixe-se que a participação da sociedade está estabelecida no parágrafo único do art.1º.da Constituição
Federal, de duas formas: (1)Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou; (2) diretamente, nos termos desta Constituição.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
envolvimento no processo decisório e o funcionamento dos organismos colegia-
dos. Integrando o Projeto Governança dos Recursos Hídricos, cujos resultados em
âmbito estadual, apontaram também para problemas relativos ao cenário federal.
Neste estudo são apresentadas as análises dos dados referentes aos comitês in-
terestaduais de bacias hidrográficas. Como mencionado, o desenvolvimento do
Projeto “Governança dos Recursos Hídricos: análises do perfil e do processo de for-
mação dos representantes dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e Comitês
de Bacia Hidrográfica”, apontou uma participação feminina de apenas 31% nos co-
mitês de bacias do país. (Matos et.al, 2019). De modo complementar, apresentamos
este estudo visando promover uma discussão quanto à participação e representa-
ção de mulheres nestes espaços criados para a gestão das águas.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Desse modo, foram destacados aspectos considerados relevantes, para fornecer
um primeiro esforço para apresentar uma visão geral sobre a participação sob as
lentes de gênero, em âmbito nacional, sobre a capacidade inclusiva nos nove co-
mitês interestaduais pesquisados. Adota-se como premissa a ideia de que uma
boa governança é fundamental para alcançar a segurança hídrica, a universali-
zação dos recursos hídricos e a justiça social. Dados compilados dessa forma po-
dem ainda colaborar para subsidiar a elaboração de políticas para fortalecimento
da democratização na gestão da água, o qual demanda a superação de desafios
como o combate a desigualdade de gênero, a mensuração das lacunas sociais exis-
tentes nos espaços estudados, a qualificação do debate sobre tema, bem como
o cumprimento do compromisso assumido para o atingimento dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável, em especial, a conexão entre o ODS 6 (água limpa e
saneamento) e 5 (igualdade de gênero).
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
GÊNERO:
CONCEITOS-CHAVE
Neste capítulo, tem-se como objetivo a apresentação de conceitos considerados di-
recionadores nas abordagens sobre o tema gênero. Não tendo intuito de esgotar
todos os conceitos utilizados, e tampouco o tema abordado, reconhecendo a com-
plexidade de perspectivas e teóricos que os abordam; busca-se oferecer ao leitor
uma ideia geral, instigando a reflexão sobre o assunto e, se possível, ser utilizado
como fonte de consulta para dirimir alguma dúvida referente ao tema apresentado.
SEXO
Refere-se à natureza biológica de ser homem ou mulher. Conjunto de características
anatomofisiológicas que os distinguem (ex.: sexo feminino, sexo masculino).
10
GÊNERO
Gênero está vinculado a construções sociais, não a características naturais (ao sexo
biológico). Referem-se a funções, responsabilidades, direitos, relacionamentos e
identidades de mulheres e homens que são definidos ou atribuídos a eles dentro de
uma determinada sociedade e contexto - e como esses papéis, responsabilidades,
direitos e identidades de mulheres e homens afetam e influenciam uns aos outros.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
INCLUSÃO
Em setembro de 2015, com a divulgação dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) pela Organização das Nações Unidas (ONU), países de todo
o mundo se uniram para promover esforços que contribuíssem com as 169 me -
tas elaboradas e, consequentemente, com a Agenda 2030. Ao adotarem o docu-
mento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável” (A/70/L.1), os países comprometeram-se a tomar medidas ousadas e
transformadoras para promover o desenvolvimento sustentável adotando o lema
“Leave no one behind” - ‘Não deixar ninguém para trás’. Com este lema, a intenção é
a redução das desigualdades, o que inclui as de gênero, geracionais e étnico-raciais,
buscando assegurar que a nenhuma pessoa sejam negados os direitos humanos uni-
versais e oportunidades econômicas básicas. Para tanto, faz-se necessário a busca
por ações afirmativas que promova a inclusão das mulheres em diferentes campos.
FEMINISMO
Refere-se a um ideal, uma forma de pensamento, e um movimento como iniciativa
para ação buscando promover a igualdade de oportunidades entre mulheres e ho-
mens. Difere do femismo, situação onde há prevalência da mulher sobre os homens,
mas combate o machismo, que, inversamente defende a prevalência de homens so-
bre as mulheres.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
IGUALDADE DE GÊNERO
O conceito de que todos os seres humanos, homens e mulheres, são livres para
desenvolver suas habilidades e escolher sem se verem limitados por estereótipos,
papéis de gênero estritos, ou preconceitos. Igualdade de gênero significa que os
comportamentos, aspirações e comportamentos diferentes de mulheres e homens
as necessidades são igualmente valorizadas, consideradas e promovidas. Isso não
significa que mulheres e homens devem se tornar iguais, mas sim que seus direitos,
responsabilidades e oportunidades não devem depender se eles nasceram mulhe-
res ou homens. Como exemplo, dessa busca pela igualdade de direitos, podemos
citar o direito ao voto em nosso país. A primeira eleição foi realizada em 1532 para a
escolha dos representantes das Câmaras Municipais, entretanto, apesar das muitas
transformações, apenas em 1932 (Decreto nº 21.076) as mulheres puderam exercer
também esse direito, ou seja, o voto passou a ser permitido para ambos os sexos.
Outra mudança ocorrida foi no Código Civil, Lei Nº 10.406, em 2002, no qual defi-
niu-se igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, sendo igualmente responsáveis
pela provisão e administração dos encargos da família.
12
EQUIDADE DE GÊNERO
Refere-se à justiça entre homens e mulheres no acesso aos recursos da sociedade,
reconhece suas diferentes necessidades. Isso pode incluir tratamento igual ou dife-
renciado que é visto como equivalente em termos de direitos, benefícios, obrigações
e oportunidades. No contexto de desenvolvimento, um objetivo de igualdade de
gênero muitas vezes requer a incorporação de medidas para compensar as desvan-
tagens históricas e sociais das mulheres.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
LACUNAS DE GÊNERO
Refere-se às diferenças sociais entre homens e mulheres que são consideradas inde-
sejáveis. Esses são frequentemente relacionados a acesso desigual, distribuição de
recursos e poder em um determinado contexto, como exemplo, citamos a questão
tempo e mobilidade.
Tempo disponível: Os dias de trabalho das mulheres são normalmente mais longos
do que os dos homens, devido às demandas de suas famílias e atividades de traba-
lho doméstico. Consequentemente, as mulheres acabam tendo menos tempo para
participar de reuniões comunitárias e outras reuniões, em comparação aos homens.
13
ESTEREÓTIPO
Diz respeito a um conceito ou imagem preconcebida, padronizada e generalizada es-
tabelecida pelo senso comum, sem conhecimento profundo, sobre algo ou alguém.
Costuma ser usado principalmente para definir e limitar as pessoas, associando va-
lores e comportamentos com indivíduos de acordo com seu grupo social, tais como
gênero, classe, raça, etnia, idade.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO
Distinção, exclusão ou restrição feitas com base no gênero ou sexo de uma pessoa.
Tem sido ligado a estereótipos e papéis de gênero com o propósito de prejudicar ou
invalidar o reconhecimento, gozo ou exercício, em base de igualdade entre homens
e mulheres, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro campo.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO
São atos ou ameaças que infligem dano ou sofrimento físico, emocional, psicológico
ou sexual, baseadas nos estereóticos de gênero. Também pode envolver a nega-
ção de uso ou acesso a algum recurso. Embora, homens e meninos também possam
sofrer violência de gênero, é mais infringida contra as mulheres e meninas. Para
evitá-las, Estados, dirigentes de órgãos gestores, e diferentes organizações e inicia- 14
tivas, precisam dar considerável importância ao treinamento e suporte à criação de
ambientes não violentos, buscando promover a aprendizagem sobre diversidade
inclusiva estimulando a conscientização social, aceitação e respeito.
VIOLÊNCIA POLÍTICA
CONTRA MULHERES
São atos violentos, tais como agressão, assédio, exclusão e estereótipos, ou ameaças
com o intuito de limitar, ou mesmo impedir, a participação da mulher na vida polí-
tica e partidária. Estes podem ser deflagrados por disputas de poder ou pela ideia
de que as mulheres devem se dedicar apenas à vida privada ou aos afazeres domés-
ticos, ou seja, que não pertencem ao espaço político. É também entendida como
violência política sexista.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Por fim, é sempre necessário fixar a recomendação do Princípio 3 da Carta de Dublin,
documento consensuado a respeito do gerenciamento das águas, evento preparató-
rio da Rio 92, para gestão dos recursos hídricos. A Lei n. 9433, de 1997 que trata da
Política Nacional de Recursos hídricos e seu Gerenciamento aderiu totalmente aos
princípios e fundamentos do documento, mas não adotou o Princípio 3, fato que não
inviabiliza o seu reconhecimento uma vez os ditames de nossa Carta Constitucional
e demais do documentos internacionais e nacionais.
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///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
GOVERNANÇA DA
ÁGUA, GÊNERO E
JUSTIÇA SOCIAL
“A igualdade de gênero é um princípio
fundamental de direitos humanos, entretanto,
desigualdades entre homens e mulheres, com
base na identidade de gênero, são observadas
em todos os países e frequentemente se
traduzem em oportunidades desiguais
e graves violações de direitos humanos”
(Heller, 2016, p.1)
Grande parte da literatura que versa sobre água e gênero chama atenção sobre
como a falta de acesso à água segura e potável afetam as mulheres em seus papéis
e responsabilidades de trabalho do cuidado (maternidade; atividades domésticas;
assistência a crianças, idosos, pessoas doentes ou deficiências), agravada pela ne- 17
cessidade de obtenção de água. E ainda aspectos relacionados à saúde e higiene
pessoal, especialmente relacionados ao período menstrual das mulheres e meninas.
Consequentemente, a disponibilidade de abastecimento de água e instalações sani-
tárias adequadas colabora para reduzir o tempo gasto com atividades domésticas e
o risco de problemas de saúde (incluindo stress psicossocial) e violência de gênero
(Matos el al, 2021). A par dessas peculiaridades, há de forma singular uma descrença
na área científica do conhecimento e saber das mulheres: determinação de papéis
femininos e masculinos e pouco caso a respeito da compreensão técnica das mulhe-
res (aqui incluída o conceito de gênero).
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Desta forma, a busca por uma participação equitativa cria oportunidades sociais e
econômicas, enobrecendo o sistema de gestão da água, contribuindo, igualmente,
para a consolidação do envolvimento sustentável. Diretamente, relacionada às mu-
lheres, a participação equitativa na gestão da água pode também chegar a outros
grupos vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com deficiência, que em grande
parte dependem dos cuidados e zelo das mulheres.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
O reconhecimento do envolvimento de mulheres na gestão da água também foi
reforçado na Agenda 21 (ONU, 1992, parágrafo 18) e no Plano de Implementação
de Joanesburgo (ONU, 2002, parágrafo 25). Além disso, a declaração da Década
Internacional para a Ação “Água, Fonte de Vida” 2005-2015 apela para a participa-
ção e o envolvimento das mulheres nos esforços de desenvolvimento relacionados
com a água (United Nations, 2015), o que foi reafirmado no ODS 5, que diz respeito
a alcançar a igualdade de gênero, inclusive nas decisões políticas (5.5) (ONU, 2015).
De um modo geral, as políticas públicas são muitas vezes implementadas como ‘ta-
manho único’. Ou seja, as políticas possuem pouca consideração às especificidades
de seu contexto e são teoricamente “neutras em termos de gênero”. Assim, autori-
dades e gestores responsáveis pela sua elaboração e implementação acabam ne-
gligenciando o fato de que os resultados dessas políticas envolvem e impactam,
diferentemente, homens e mulheres (Harris, 2009).
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Assim, nota-se que esforços conscientes, como ações afirmativas e políticas direcio-
nadas, serão necessários para garantir a participação significativa de grupos excluí-
dos (especialmente mulheres) nos arranjos de governança. Para tanto, envolver as
mulheres na gestão das águas, considerando a tomada de decisões e implementa-
ção, pertinentes requer fornecer capacitação para sua participação e cumprimento
de novas responsabilidades. Para se obter igualdade substantiva entre os membros,
além da capacitação, é preciso atuar para reduzir as barreiras de acesso e permanên-
cia nestes espaços.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
OS COMITÊS
DE BACIAS
HIDROGRÁFICAS
A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) foi instituída tendo como objetivo
principal assegurar a disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados
aos respectivos usos, buscando a prevenção e o desenvolvimento sustentável pela
utilização racional e integrada dos recursos hídricos. Dentre alguns de seus princí-
pios estão o reconhecimento da água como bem público, finito e vulnerável, dotado
de valor econômico, e a adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamen-
to descentralizada e participativa.
De acordo com a PNRH, os estados, assim como o Distrito Federal, são responsáveis
pela gestão das águas sob seu domínio, devendo, então, elaborarem legislação es-
pecífica - veja consideração a respeito ao direito de legislar na Constituição - para
a área, constituírem o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e garantirem o fun-
cionamento dos comitês de bacia em sua região. Cabe aos poderes executivos dos
municípios e do Distrito Federal promoverem a integração das políticas locais de
saneamento básico, de uso, de ocupação e de conservação do solo e do meio am-
biente com as políticas federal e estaduais de recursos hídricos (Brasil, 1997), assim
como deveres dos Estados membros e da União, notadamente no que se refere à
gestão integrada de recursos hídricos com a gestão ambiental.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
• IV) acompanhar a execução do plano de recursos hídricos da bacia e sugerir as
providências necessárias ao cumprimento de suas metas;
• VII) estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múlti-
plo, de interesse comum ou coletivo.
Os comitês são compostos por membros titulares e suplentes, sendo sua estrutura
paritária constituída por representantes do poder público estadual e municipal cujos
territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação;
pelos usuários de água de sua área de atuação e por representantes das entidades
civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia. Nos comitês de bacias
cujos territórios abranjam terras indígenas devem ser incluídos representantes da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como parte da representação da União, e das 23
comunidades indígenas ali residentes ou com interesses na bacia.
O processo eleitoral dos membros dos comitês, como estabelecido pela Agência
Nacional das Águas (2011b), deve ser conduzido de modo a garantir a oportunidade
de participação de todos os atores da bacia. Os membros que compõem o colegiado
são escolhidos entre seus pares, sejam eles dos diversos setores usuários de água,
das organizações da sociedade civil ou dos poderes públicos.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Atualmente, no Brasil existem 233 Comitês de Bacia, sendo dez comitês de bacia
interestaduais em funcionamento, e 223 comitês estaduais criados, porém, entre o
ato de criação e instalação pode ocorrer um intervalo até o seu funcionamento. Por
exemplo, o estado de Goiás é composto por onze unidades de gestão de recursos
hídricos, sendo que: a) cinco comitês de bacia hidrográfica já foram criados e insta-
lados comitês, entretanto ,b) três foram criados e estão em fase de instalação; e c)
três foram criados, mas não instituídos por Decreto (Afluentes Goianos do Médio
Araguaia; do Médio Tocantins, etc.)
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Tocantins-Araguaia
Piancó-Piranhas-Açu
Xingu
Parnaíba
Tapajós
São Francisco
Verde Grande
Pardo
Jequitinhonha
Paraguai Paranaíba
Doce
Paraná
Grande Paraíba do Sul
Paranapanema PCJ
Prioritárias Iguaçu
Uruguai Ribeira do Iguape
Demais Amazônicas
Litorâneas (< 25 mil km²)
25
Estaduais
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Na Tabela 1 apresenta-se, de forma detalhada, a situação dos dez Comitês Interes-
taduais de bacias hidrográficas, criados e instalados entre 1994 a 2018.
* Número de membros (titulares e suplentes), conforme regimento interno. **Número de membros ativos, informação obtida a partir da relação
de membros disponibilizadas no site e por e-mail. *** O Comitê do Rio Parnaíba foi criado em 2018, e no período da realização da pesquisa
estava em fase de processo eleitoral iniciado para o 1º mandato de seus membros. Fonte: páginas dos CBHs (2020) e ANA (2020);
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
ASPECTOS
METODOLÓGICOS
Bobbio (1986), em “O Futuro da Democracia”, já advertia que um processo democráti-
co é caracterizado por um conjunto de regras que estabelecem quem está autoriza-
do a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. O autor ainda destaca
que mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não
decide) e, por isso, afirma o autor, “para que uma decisão tomada por indivíduos
(um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que
seja tomada com base em regras que estabeleçam quais são os indivíduos” autori-
zados a tomar as decisões vinculantes ao grupo, o arranjo representativo e as ações
oriundas deste. Portanto, neste trabalho parte-se do pressuposto de que o pleno
funcionamento dos comitês e o exercício ativo dos representantes dos diferentes
segmentos deveriam contribuir para assegurar o acesso inclusivo e sustentável à
água de qualidade, em quantidade adequada à manutenção dos meios de vida, do
bem-estar humano e do desenvolvimento socioeconômico. Ou seja, promover a se-
gurança hídrica deve ser o foco principal daqueles que realizam a gestão dos recur-
sos hídricos.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
ticamente, ultrapassa o tamanho mínimo da amostra para um nível de confiança em
95% e margem de erro em 5%. A operacionalização da análise e a apresentação dos
dados basearam-se no conjunto das seguintes categorias analíticas que orientaram
o desenvolvimento deste relatório: i) perfil socioeconômico dos representantes; ii)
composição, representação e aspectos relacionados ao perfil participativo.
PERFIL SOCIOECONÔMICO
DOS REPRESENTANTES
Um comitê é formado por um grupo de pessoas que se reúnem para examinar deter-
minado assunto, no caso deste estudo, sobre o tema gestão dos recursos hídricos no
âmbito de uma determinada bacia hidrográfica. Eles são compostos por um número
limitado de representantes, definidos nos seus regimentos internos aprovados pela
plenária do comitê, que é a instância máxima de decisão. A plenária é composta pelo
conjunto dos representantes e presidida por um deles. Seu funcionamento é basea-
29
do em reuniões abertas e públicas, assim, qualquer interessado na temática pode
acompanhar as reuniões e opinar sobre os assuntos debatidos.
Na primeira parte da análise buscou-se identificar quem são os sujeitos sociais que
participam dos processos de formulação e deliberação de políticas de gestão dos
recursos hídricos no âmbito dos comitês interestaduais de bacias hidrográficas.
Buscando identificar características dos participantes, ligadas à escolaridade e à área
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
de estudos, dentre outros aspectos. A partir dessa caracterização é possível analisar
e discutir se os organismos de bacia são capazes de incluir sujeitos que estão tradi-
cionalmente pouco inseridos em espaços de decisão.
30
De modo geral, os dados revelaram grande disparidade de representação feminina
nos comitês interestaduais, sendo percentuais ainda mais baixos se comparados à
média nacional nos comitês estaduais (31%), a qual também não reflete a equidade
participativa entre os gêneros (Matos, 2020).
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Rio São Francisco 27,66%
72,34%
Doce 33,33%
66,67%
PCJ 26,83%
73,17%
Paranaíba 28,26%
71,74%
Paranapanema 19,05% 31
80,95%
Piancó-Piranhas-Açu 19,35%
80,65%
Feminino Masculino
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Na análise comparada, nota-se que o Comitê do Rio Verde Grande foi o que apresen-
tou melhor índice de participação feminina (44,12%) e o Comitê do Paranapanema, o
índice mais baixo (19,05%). Lembrando que, apesar de ser um percentual superior ao
cálculo de amostragem necessário para a realização da análise, um número maior de
respondentes proporcionaria maiores níveis de confiança e possibilidades de aná-
lise. Em análise dos dados relativos ao comitê Rio Verde Grande, percebe-se que a
divergência percentual na participação entre homens e mulheres, é baixa. Porém, de
qualquer forma, é importante que os membros façam uma reflexão sobre a questão
de gênero no âmbito dos organismos colegiados de gestão das águas.
Como esclarece Heller (2016, p.3-4) a busca por igualdade de gênero requer a “iden-
tificação das causas fundamentais das desigualdades e o desmantelamento das bar-
reiras estruturais, tabus, estereótipos e normas sociais que impedem, com base no
gênero, a fruição de direitos. Políticas e medidas especiais precisam ser adotadas
para lidar com as desigualdades na prática e fortalecer a voz das mulheres e sua
participação”.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
ATÉ 30 ANOS 31 A 40 ANOS
2%
FEM.
2,2%
MAS.
9,5%
FEM.
12,3%
MAS.
41 A 50 ANOS 51 A 60 ANOS
5,9%
FEM.
19,3%
MAS.
7,3%
FEM.
17,6%
MAS.
61 A 70 ANOS + DE 70 ANOS
2,5%
FEM.
17,4%
MAS.
0%
FEM.
3,9%
MAS.
33
Gráfico 3: Distribuição total dos representantes por idade e sexo, em porcentagem. Dados de pesquisa.
Ao realizar o comparativo entre as categorias “faixa etária” por “sexo”, os dados per-
mitiram assinalar que a distribuição das mulheres concentra as maiores proporções
das representantes na faixa etária entre 31 a 40 anos com 9,5%.
Em seguida, considerando que o membro eleito deve estar preparado para defender
os interesses do segmento que representa, também se interrogou aos representan-
tes sobre o nível de escolaridade e a área de formação. Essas questões buscavam
uma aproximação de entendimento sobre as possíveis variáveis para a formação do
representante. E, ainda, sinalizar se diferentes atores, diretamente ligados aos usos
das águas, podem não estar representados nos comitês de bacias, isto é, aqueles
com menores níveis de escolaridade ou de diferentes áreas de formação.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Quando se analisa o grau de escolaridade dos representantes que atuam nesses es-
paços é possível observar um perfil altamente escolarizado dos membros de comitês
de bacia. Os dados gerais revelaram que 93,3% dos representantes que responderam
à questão concluíram curso de ensino superior, outros 2,2% estavam cursando, e
quase 65,5% ingressaram em cursos de pós-graduação. Os dados mostraram, ainda,
que, no que se refere à escolaridade, os extremos estão situados no nível funda-
mental, tendo o percentual de representantes com esse grau de ensino completo
atingido 0,9% e no nível de doutorado, 8,5%. Pode-se perceber que a escolaridade
dos representantes dos comitês está diversamente distribuída e de forma não equi-
librada entre os diferentes níveis de ensino.
Em análise comparada por sexo, percebe-se que as mulheres se destacam com níveis
de escolaridade mais elevados. Percebe-se que mais de 95,9% das representantes
que responderam à questão sobre o grau de escolaridade concluíram curso de en-
sino superior e mais de 71,1% ingressaram em cursos de pós-graduação. No Gráfico
4, a seguir, apresenta-se a distribuição dos dados de escolaridade dos responden-
tes por sexo.
34
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Doutorado Completo 11,3%
10,4%
MBA/Especialização 34%
32,7%
Curso Técnico 0%
1,9%
Médio 0%
3,1%
Fundamental 2,1%
0,4%
Feminino Masculino
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Ao ser eleito para participar de comitê, o representante deve estar preparado para
defender os interesses do segmento e da organização que representa. Assim, bus-
cou-se conhecer a área de formação desses atores. Após análise dos dados dos ques-
tionários de pesquisa, percebeu-se que os comitês de bacias são espaços em que
predomina a concentração dos respondentes em certas áreas de formação, desta-
cando-se os cursos de Engenharias (35,9%), distanciando-se da segunda área mais
indicada, que é das Ciências Sociais Aplicadas (Administração Pública e de Empresas,
Contábeis e Turismo Arquitetura, Urbanismo e Design, Comunicação e Informação,
Direito, Economia, Planejamento Urbano e Regional, Demografia e Serviço Social),
com 21,4% das indicações.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Engenharias 26,3%
38,6%
Antropologia/Arqueologia 7,4% 37
5,3%
Multidisciplinar 3,2%
3,7%
Ciências da Saúde 0%
1,2%
Linguística 0%
0,8%
Feminino Masculino
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
No que se refere à distribuição dos recursos, os resultados do estudo mostraram, no
quesito renda familiar, que a maior parte dos membros, cerca de 30,5%, informaram
que ganhava de R$ 4.001,00 até R$8.000,00, 28% tinham rendimentos acima de R$
12.000,00.
Dos representantes que recebiam os rendimentos mais elevados (51,3% deles ga-
nhavam acima de R$8.001,00), observou-se que apenas 11,2% eram mulheres. Em
uma análise comparativa (Gráfico 6) percebe-se que não apenas as mulheres são
ainda minoria nos organismos de bacia, mas que elas pertencem aos grupos com as
rendas familiares mais baixas. Este dado reforça a necessidade de fortalecer a inser-
ção da mulher na gestão pública e que os comitês de bacias precisam refletir sobre
a questão de gênero e a representação das mulheres e dos setores mais vulneráveis
na gestão de recursos hídricos.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
acima de 12001,00 5,04%
22,97%
39
de 1501 até2500,00 0,84%
2,8%
Feminino Masculino
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
A participação desigual das mulheres nos processos de tomada de decisão e nos
mercados de trabalho compõe desigualdades e geralmente impede que as mulheres
contribuam totalmente para o planejamento, formulação de políticas e implemen-
tação relacionadas ao clima (UNFCCC, 2020), e consequentemente para a gestão das
águas. Como destacado por Heller (2016), as vozes de mulheres e meninas são in-
dispensáveis para assegurar que suas necessidades sejam entendidas e priorizadas
(Heller, 2016, p. 15). O autor ainda chama a atenção para as mulheres “marginaliza-
das (incluindo aquelas com deficiência, mulheres idosas, analfabetas ou pobres” e o
fato delas enfrentarem barreiras adicionais à participação. Essa observação conduz
aos estudos sobre interseccionalidade: gênero, raça e classe. Pois as desigualda-
des de gênero são ampliada quando somadas a outras formas de discriminação e
desvantagens. O fortalecimento do debate da interseccionalidade apresenta novos
desafios de análise das demandas de diferentes grupos de mulheres, passando tam-
bém a diversificar as pautas e tornando-as mais complexas em função das novas
perspectivas que agrega.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Outro ponto observado foi a participação dos membros na diretoria colegiada dos
comitês. Dentre os respondentes da pesquisa, 14% indicaram que também parti-
cipam da diretoria do comitê e, deste percentual, apenas 5% são mulheres. As res-
postas recebidas foram distribuídas por cargo e sexo, e como pode ser observa-
do (Gráfico 7) 76,47% das mulheres que fazem parte da diretoria ocupam vagas de
secretária.
Fem.
41
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
COMPOSIÇÃO E
REPRESENTAÇÃO
Dos respondentes do questionário de pesquisa 62,36% são representantes titulares,
e os demais (37,64%) são suplentes. Os membros suplentes que não estão no exer-
cício da titularidade não votam, mas têm direito à voz nas plenárias. A existência
dessa figura, a quantidade e a forma de substituição do titular estão previstas no
regimento interno de cada comitê.
56,70% 43,30%
MAS.
64,48% 35,52%
TITULAR SUPLENTE
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
A composição de um comitê deverá refletir os múltiplos interesses em relação às
águas da bacia. De forma geral, são três os interesses que se expressam nas bacias:
dos usuários diretos de recursos hídricos (sujeitos ou não à outorga de direito de
uso); dos poderes públicos constituídos (municípios, estados e União) na imple-
mentação das diferentes políticas públicas e das organizações civis na defesa dos
interesses coletivos e com o olhar dos interesses difusos. Em resumo, “esse conjunto
de representações deve buscar reunir os antagonismos dos interesses sobre a água,
porém, o uso dos recursos hídricos deve ser sustentável de modo a assegurar condi-
ções não só para as atuais gerações, mas também para as futuras’’ (ANA, 2011).
Em linhas gerais, pode-se dizer que a definição das características que qualificam o
representante como o mais adequado para defender os interesses de determinado
segmento é realizada entre os seus pares em assembléias setoriais, convocadas me-
diante publicação de edital dos comitês para escolha dos representantes.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
de organizações, entidades e grupos de interesses, como ONGs, entidades filantrópi-
cas, entidades sindicais e organizações empresariais, dentre outros. E, como usuários
da água, consideram-se grupos, entidades públicas e privadas, e coletividades que,
em nome próprio ou no de terceiros, utilizam os recursos hídricos ou, ainda, que
captam água, lançam efluentes ou realizam usos que não para consumo diretamente
em corpos hídricos (rio ou curso d’água, reservatório, açude, barragem, poço, nas-
cente, etc.).
Outro ponto, ainda sobre o segmento de representação, é que uma organização re-
presenta um conjunto de seus pares. Uma pessoa é nomeada representante dessa
entidade no comitê. Em outras palavras, é atribuído poder a um ator para tomar de-
cisões em nome de uma organização e de um segmento de representação ao apre-
sentar as perspectivas e as ansiedades de um grupo, e, ainda assim, pensar no inte-
resse coletivo que é o uso racional dos recursos hídricos.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
Poder Público Federal
30% 70%
31,15% 68,85%
25,35% 74,65%
Usuários
25% 75%
Sociedade civil
28,3% 71,7%
Feminino Masculino 45
Gráfico 9: Distribuição dos respondentes por segmento de participação e sexo, em percentagem. Dados de pesquisa.
Apesar de ter sido realizada a análise utilizando-se outras variáveis, como escolari-
dade, área de formação e renda, este é um estudo introdutório ao entendimento da
participação das mulheres, no sentido de que apresenta um panorama dessas repre-
sentantes, tendo a limitação que concerne às pesquisas quantitativas. Assim, não
se aprofunda nas diferenças entre elas ou em suas relações e posições dentro dos
arranjos de governança. Mas, como preconizado pelo GWP (2012), às diferenças e as
desigualdades entre homens e mulheres determinam como os indivíduos respon-
dem às mudanças na gestão dos recursos hídricos e, nesse sentido, envolver mulhe-
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
res e homens nas iniciativas integradas de deste recurso pode aumentar a eficácia e
a eficiência dos arranjos de governança das águas. Estudos indicam que as mulheres
são mais vulneráveis aos eventos naturais mais extremos, mas essa vulnerabilidade
não vem de sua própria natureza, mas de processos socialmente construídos.
Ainda sobre esse perfil participativo, perguntamos se além de fazer do comitê inte-
restadual, se o representante também era membro em comitês estaduais e/ou sub-
comitês. Para esta questão, nota-se que quase metade das respondentes 48,39%
informaram que sim, “sou representante em outros CBHs” (entre os homens, 44,4%
também responderam afirmativamente).
Outras observações foram que 61,7% das respondentes informaram que além de
participar dos comitês interestaduais de bacia, elas também atuam em outros or-
ganismos participativos de áreas diversas, como educação, saúde e etc (entre os
homens, 59,34% também responderam afirmativamente). O que demonstra que a
rede de gestão da água no país está interligada, as deliberações tomadas em nível
de comitê podem estar e advir de outros arranjos, sendo influenciados por eles, a fim
de atender a Política Nacional de Águas.
46
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A IV Conferência Mundial sobre a Mulher - Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento
e a Paz, realizada em 1995 em Beijing, China, pelas Nações Unidas, discutiu os avan-
ços obtidos desde as conferências anteriores (México, 1975; Copenhague, 1980; e
Nairobi, 1985). A Declaração e Plataforma de Ação aprovadas no encontro recomen-
dou o reforço da capacidade para a produção de estatísticas de gênero e reforçar
a integração do gênero na formulação de políticas, implementação e monitoria de
modo a proporcionar uma melhor percepção das contribuições que as mulheres fa-
zem para o desenvolvimento nacional.
Adotou-se como premissa a ideia de que uma boa governança é fundamental para
alcançar a segurança hídrica, a universalização dos recursos hídricos e a justiça so-
cial. Dados compilados dessa forma podem ainda colaborar para subsidiar a ela-
boração de políticas para fortalecimento da democratização na gestão da água, o
qual demanda a superação de desafios como o combate a desigualdade de gênero, 48
a mensuração das lacunas sociais existentes nos espaços estudados, a qualificação
do debate sobre tema, bem como o cumprimento do compromisso assumido para o
atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em especial, a conexão
entre o ODS 6 e 5.
Após a análise dos dados obtidos, observou-se que o perfil socioeconômico dos
representantes dos comitês é caracterizado da seguinte forma: a maioria é do sexo
masculino e pertence às classes média e alta (81,8% tinham renda familiar acima
de 4.001 reais); tem alta escolaridade (93,3% concluíram, no mínimo, graduação), e
48,74% tinha mais de 51 anos de idade. Espera-se que esses arranjos de governança
devam ser inclusivos, sendo capazes de incluir todos os indivíduos nos processos
deliberativos e decisórios, independente das posições de poder que ocupem nas
relações sociais.
No que tange à participação das mulheres, neste estado também se observou gran-
de disparidade entre a participação entre homens (72,83%) e mulheres (27,17%),
sendo consideravelmente menor a participação feminina. Pode-se dizer que buscar
a igualdade é ainda um desafio, ou seja, de garantir a paridade de gênero nos âm-
bitos políticos e representativos. Assim, a presença feminina nos comitês pode ser
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
vista sob dois aspectos. Primeiro, ainda que seja baixa a participação das mulheres
na representatividade dos comitês de bacias hidrográficas do Brasil, esta presença se
faz importante e significativa, uma vez que o espaço de participação política ainda
é predominantemente masculino. Isto mostra que vem ocorrendo uma transforma-
ção no cenário da participação política no país, especialmente nos comitês, não só
na perspectiva de gênero, mas também geracional. Segundo, ainda persistem, nos
caminhos da transformação social, política e econômica, os aspectos estruturais do
sistema patriarcal e da divisão sexual do trabalho. Pela arraigada naturalização de
que são as mulheres as responsáveis pelo trabalho doméstico de âmbito privado e,
historicamente, elas estiveram ausentes dos espaços de participação política, como
o caso dos Comitês Interestaduais de Comitês de Bacias Hidrográficas.
///Retratos de Governanças das Águas – Gênero e o Perfil dos Membros de Comitês Interestaduais de Bacias Hidrográficas
envolvidos. O estudo da representação, como aponta Simione (2018), importa na
medida em que permite observar quão representativa é uma instituição participati-
va da população em geral (idade, sexo, educação) e se não há grupos ou interesses
relevantes excluídos da participação, ao mesmo tempo em que ajuda na identifica-
ção da distribuição do poder dentro das instituições participativas.
50
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