Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Conteúdo Programático
MÓDULO IV
Política de Recursos Hídricos e tutela jurídica das áreas úmidas
Conteúdo
Neste módulo serão abordadas as características fundamentais do
Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH)
estabelecido pela Lei nº 9.433/1997, bem como os principais
instrumentos de gestão e controle dos recursos hídricos, com
destaque para os mecanismos (nacionais e internacionais) de
proteção das áreas úmidas, principalmente o Comitê Nacional de
Zonas Úmidas. Serão analisados, também, os dispositivos legais de
maior relevância na proteção das áreas úmidas. Ao final serão
examinadas algumas decisões judiciais de Tribunais Superiores,
concernentes à proteção de recursos hídricos.
1
Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, ANA, 221. Disponível em <
https://relatorio-conjuntura-ana-2021.webflow.io/capitulos/quanti-quali >. Acesso em 19 jul. 2022.
Curso de Aperfeiçoamento
Bases legais para a Conservação de Áreas úmidas no Brasil
2
TUCCI, Carlos E. M., et al. Gestão da Água no Brasil. 1. ed. Brasília: UNESCO, 2001. 192 p.
Curso de Aperfeiçoamento
Bases legais para a Conservação de Áreas úmidas no Brasil
atribuindo-se à União a competência para legislar sobre recursos hídricos. Coube à lei
nacional nº 9.433/1997, assim, instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos - SINGREH.
A nova lei define alguns princípios basilares para o gerenciamento dos recursos hídricos
existentes em território brasileiro, prevendo uma estrutura administrativa e estabelecendo
os instrumentos que viabilizarão efetivamente a gestão das águas em nosso país.
São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos (art. 2º): I - assegurar à atual e
às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade
adequados aos respectivos usos; II - a utilização racional e integrada dos recursos
hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou
decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais; IV - incentivar e promover a
captação, a preservação e o aproveitamento de águas pluviais.
Essa lei foi pontualmente alterada pela lei nº 9.984/2000, que criou a Agência Nacional
de Águas – ANA. Atualmente, o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos é integrado pelos seguintes órgãos:
A) Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH: órgão colegiado, consultivo e
deliberativo, da Administração direta, com natureza técnica, constituído por
representantes dos órgãos federais com atuação no gerenciamento ou no uso de recursos
hídricos, representantes dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, além de
representantes dos usuários dos recursos hídricos e das organizações civis de recursos
hídricos. A lei nº 9.433/97 prevê também a criação dos Conselhos de Recursos Hídricos
dos Estados e do Distrito Federal, que deverão se organizar tendo como parâmetro o
correspondente órgão federal. No caso específico da Agência Nacional de Águas-ANA,
criada como autarquia, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao
Ministério do Meio Ambiente, é dotada de poder de polícia, para gerir os recursos hídricos
de domínio da União.
B) Agência Nacional de Águas - ANA: as Agências de Água foram concebidas para
exercer a função de secretaria executiva dos Comitês de Bacia Hidrográfica, realizando o
controle sobre a disponibilidade dos recursos hídricos em sua área de atuação, efetuando
a cobrança pelo uso de recursos hídricos e a administração financeira dos recursos
arrecadados. Assim, as Agências de Água devem desempenhar, além da função
executiva, um papel financeiro, servindo como apoio às atividades dos Comitês de Bacia.
C) Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal: Seguem os
parâmetros do respectivo Conselho Nacional.
D) Comitês de Bacia Hidrográfica: concebidos para atuar como núcleo central dessa
política, esses órgãos colegiados, além do caráter técnico, possuem uma natureza política,
constituindo o fórum onde devem ser debatidas as principais questões relacionadas à
política de recursos hídricos e suas repercussões locais, sendo, por isso, identificados no
sistema europeu como “parlamentos da água”.
Decorridos mais de vinte anos desde a publicação da Lei de Política Nacional dos
Recursos Hídricos, poucos Comitês de Bacia estão efetivamente funcionando e sem eles
a gestão participativa dos recursos hídricos se torna mera expectativa.
Curso de Aperfeiçoamento
Bases legais para a Conservação de Áreas úmidas no Brasil
D) Cobrança pelo uso de recursos hídricos: Trata-se de instrumento econômico que visa
precipuamente aumentar a eficiência na utilização dos recursos hídricos. Essa cobrança
deve contemplar a captação, a acumulação, a diluição ou qualquer outro uso que implique
alteração qualitativa ou quantitativa da água, excluindo-se apenas o uso de recursos
hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais,
distribuídos no meio rural; bem como as derivações, acumulações, captações e
lançamentos considerados insignificantes. Nesse sentido, a lei nº 9.433/97, em seu art.
19, ao estabelecer a cobrança pelo uso da água, determina que esta cobrança terá como
objetivos reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu
real valor; além de incentivar a racionalização do uso da água, e obter recursos financeiros
para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos
hídricos.
Tal como preceituam os princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador, este
instrumento destina-se a viabilizar a internalização dos custos ambientais que qualquer
consumo de recursos naturais acarreta. Destaca-se que somente podem ser cobrados os
usos outorgados.
E) Sistema Nacional de Informações sobre os Recursos Hídricos - SNIRH: O SNIRH tem
o propósito de fornecer subsídios para a formulação dos Planos de Recursos Hídricos,
além de reunir, divulgar e atualizar permanentemente dados sobre qualidade, quantidade,
disponibilidade e demanda pelos recursos hídricos do país. Este instrumento é de
fundamental importância para a participação pública na gestão dos recursos hídricos
existentes no Brasil.
F) Compensação a municípios: Esse instrumento foi vetado quando da promulgação da
lei. Não obstante, os municípios se valem de outras formas para obter algum tipo de
compensação pela utilização dos recursos hídricos localizados em seu território, a
exemplo da compensação financeira pelo aproveitamento dos recursos hídricos para fins
de geração de energia elétrica.
2.3 – Pilares essenciais ao manejo dos recursos hídricos e das áreas úmidas
Por si só, a existência de normas jurídicas e de um arcabouço institucional (embora
bastante importantes) não garantem a efetividade da Política Nacional de Recursos
Hídricos, sendo necessário que o manejo desse precioso recurso (sobretudo a
implementação das políticas públicas), bem como das áreas úmidas, seja realizado com
base nas seguintes diretrizes:
Ø Sensibilização e aprofundamento da consciência da coletividade em geral, mas
principalmente das populações que habitam essas áreas, acerca da importância dos
recursos hídricos, nas suas mais diversas dimensões (econômica, ambiental, social, etc.);
Ø Implementação de programas permanentes de monitoramento e estudo dos recursos
hídricos existentes em território brasileiro, mormente no que tange à qualidade e
disponibilidade;
Ø Produção de informações cientificamente consistentes e amplamente disponibilizadas;
Curso de Aperfeiçoamento
Bases legais para a Conservação de Áreas úmidas no Brasil
3
Segundo Purvim Figueiredo: “[...] representou, insofismavelmente, uma vitória da bancada ruralista
representante da classe que há cinco séculos comanda os destinos de nosso país. Trata-se do mais grave
retrocesso político e jurídico para a cidadania ambiental.” PURVIM FIGUEIREDO, Guilherme José.
Capítulo 1. Art. 1. In: MILARÉ, Édis; LEME MACHADO, Paulo Afonso (Coord.) Novo código florestal:
comentários à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, à Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012 e do Decreto
7.830, de 17 de outubro de 2012. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 33.
4
JUNK, Wolfgang. O equilíbrio ambiental que vem das áreas úmidas. Revista do Instituto Humanitas
Unisinos, Edição 433. São Leopoldo: IHU, 2013, p. 06-10.
Curso de Aperfeiçoamento
Bases legais para a Conservação de Áreas úmidas no Brasil
5
Cf. previsto na Lei n° 12.651/2012: “Nos pantanais e planícies pantaneiras, é permitida a exploração
ecologicamente sustentável, devendo-se considerar as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de
pesquisa, ficando novas supressões de vegetação nativa para uso alternativo do solo condicionadas à
autorização do órgão estadual do meio ambiente, com base nessas recomendações” (art. 10).
6
IRIGARAY. C. T. Áreas úmidas especialmente “des” protegidas no Direito Brasileiro: o caso do Pantanal
mato-grossense e os desafios e perspectivas para sua conservação. Revista de Estudos Sociais da UFMT
vol. 34. Cuiabá: EdUFMT, 2015.
7
O Brasil enquanto país contratante da Convenção de Ramsar instituiu em 2003 o Comitê Nacional de
Zonas Úmidas (CNZU), objetivando a criação de um Plano Nacional de Zonas Úmidas com nítido intuito
de promover a devida proteção dessas áreas, o que também ainda não se efetivou.
8
No ordenamento jurídico brasileiro pode-se encontrar mais de 100 (cem) terminologias concernentes às
áreas úmidas, dentre as quais se destacam as áreas de restinga, banhado (como bem preceituado no julgado
supra), carnaubal, igapó, lagoa, manguezal, mata ciliar, pântano, nascentes e várzeas. A um só tempo este
fato expressa a variabilidade e a versatilidade dessas zonas.
9
IRIGARAY, Carlos Teodoro José Hugueney. BRAUN, Adriano. DAROLD, Fernanda Ribeiro. A
aplicação do princípio in dubio pro natura à proteção das áreas úmidas brasileiras. No prelo.
Curso de Aperfeiçoamento
Bases legais para a Conservação de Áreas úmidas no Brasil
Mecanismos internacionais
Dentre os diversos mecanismos jurídico-institucionais, concebidos no âmbito do direito
internacional, relativos à proteção de áreas úmidas, pode-se destacar os seguintes:
A) Lista de zonas úmidas de importância internacional – ou apenas Lista de Ramsar: A
Convenção de Ramsar de 1971 determina que, ao aderir ao tratado, o Estado deve
designar ao menos uma zona úmida de seu território para integrar a lista. Uma vez
aprovada a indicação por um corpo técnico, este local receberá, então, o título de Sítio
Ramsar, passando a fazer parte da Lista de Ramsar.
Na prática, isto significa que a partir de então, essa localidade (já reconhecida como sítio
Ramsar) passará a ser priorizada na implementação de programas internacionais de
cooperação técnica e científica. Além disso, os recursos financeiros disponíveis serão
prioritariamente aportados nessas áreas, tanto para a preservação por meio de
fiscalização, como na realização de projetos de cunho socioambiental, que envolvam as
comunidades locais.
Atualmente existem 27 sítios Ramsar em território brasileiro, contemplando todos os
biomas existentes no Brasil: Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. Até
o momento não existe nenhum sítio Ramsar no Bioma Caatinga.
Ressalta-se que, no âmbito do território brasileiro, caberá ao Comitê Nacional de Zonas
Úmidas (CNZU) atuar junto ao poder público na consecução dos preceitos da Convenção
de Ramsar, indicando, por exemplo, novos locais para a designação como Sítios Ramsar,
Curso de Aperfeiçoamento
Bases legais para a Conservação de Áreas úmidas no Brasil
critérios para a seleção de iniciativas e projetos de conservação, aos quais são destinados
recursos financeiros.
10
Composta por aproximadamente 400 entidades governamentais e não-governamentais, de 60 países, o
Conselho Mundial da Água é uma organização internacional criada em 1996 que tem por objetivo
demonstrar aos líderes públicos e privados que a conservação dos recursos hídricos é uma prioridade
política vital para o desenvolvimento sustentável e equânime.
Curso de Aperfeiçoamento
Bases legais para a Conservação de Áreas úmidas no Brasil
Proteção de nascentes
STJ – REsp 176.753/SC – Rel. Min. Herman Benjamin
“Seria um despropósito tutelar apenas as correntes mais caudalosas e as nascentes,
deixando, no meio das duas, sem proteção alguma exatamente o curso d’água de menor
valor volume ou vazão. No Brasil a garantia legal é conferida a bacia hidrográfica e a
totalidade do sistema ripário, sendo irrelevante a vazão do curso d’água. O rio não existe
sem suas nascentes e multifacetários afluentes, mesmo os menores e mais tênues, cuja
estreiteza não reduz sua essencialidade na manutenção da integridade do todo.”
REFERÊNCIAS
IRIGARAY. C. T. Áreas úmidas especialmente “des” protegidas no Direito Brasileiro: o
caso do Pantanal mato-grossense e os desafios e perspectivas para sua conservação.
Revista de Estudos Sociais da UFMT vol. 34. Cuiabá: EdUFMT, 2015.
IRIGARAY, Carlos Teodoro José Hugueney. BRAUN, Adriano. DAROLD, Fernanda
Ribeiro. A aplicação do princípio in dubio pro natura à proteção das áreas úmidas
brasileiras. No prelo.
JUNK, Wolfgang. O equilíbrio ambiental que vem das áreas úmidas. Revista do Instituto
Humanitas Unisinos, Edição 433. São Leopoldo: IHU, 2013.
PURVIM FIGUEIREDO, Guilherme José. Capítulo 1. Art. 1. In: MILARÉ, Édis; LEME
MACHADO, Paulo Afonso (Coord.) Novo código florestal: comentários à Lei 12.651,
de 25 de maio de 2012, à Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012 e do Decreto 7.830, de 17
de outubro de 2012. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
TUCCI, Carlos E. M., et al. Gestão da Água no Brasil. 1. ed. Brasília, DF: UNESCO,
2001.