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2, 2012
RESUMO
Este texto apresenta uma determinada característica do modo de vida ribeirinho abordando a relação dos
moradores das comunidades ribeirinhas de Porto Velho/RO com o rio. Essa relação apresenta-se como
característica da cultura dos grupos sociais que vivem a margem dos rios da Amazônia. Por meio de entrevistas
gravadas obteve-se as narrativas relatando os laços afetivos, subjetivos e de sobrevivência do ser humano com os
elementos da natureza, considerando as conseqüências dessa relação sobre a vida e relação do ribeirinho com o
rio. Diante disso, abre-se uma discussão no campo da Geografia Humana e Cultural abordando a construção
social dos grupos e das pessoas, nesse caso dos grupos ribeirinhos. Uma pesquisa desenvolvida com as
metodologias da História Oral e do Espaço Vivido, o que permite fazer uso de leituras fundamentadas na
Geografia Cultural para analisar e interpretar a organização espacial do rio pelo viés da cultural impulsionando a
temática de representações para além do campo do visível navegando pela subjetividade da cultural ribeirinha.
Palavras-chave: Rio, Espaço, Cultura, Ribeirinho.
ABSTRACT
This paper addresses one particular feature of the coastal way of life by addressing the relationship of the
residents of riverside communities of Porto Velho / RO with the river. This relationship is presented as typical of
the culture of social groups living rivers of the Amazon. Through interviews we obtained the narratives
chronicling the emotional ties, subjective and survival of human beings with the elements of nature, considering
the consequences of this relationship on the life and relationship of the river with the river. In this perspective, a
discussion in the field of Human Geography and Cultural addressing the social construction of groups and
individuals, in this case the riverine groups. A survey developed with the methodologies of oral history and the
lived space, which allows you to make use of readings grounded in Cultural Geography to analyze and interpret
the spatial organization of the cultural bias of the river by pushing the theme of representations of the field
beyond the visible browsing by the subjectivity of cultural riverside.
Keywords: River, Space, Culture, Riverside
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O ribeirinho tem seu universo sua vida. Essa convivência é um elo que se
marcado pela presença da mata e do rio, fortifica a cada amanhecer, quando seu
elementos que estão cotidianamente em olhar volta-se para o rio e adentra a mata.
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Possui uma compreensão própria desses ribeirinho tem do seu lugar bem como as
elementos que proporciona o modo de vida relações no seu espaço possibilitando
no Rio Madeira, um modo de vida compreender as relações no espaço
marcado pela relação subjetiva de valor ribeirinho enfocando a afetividade e os
para com o lugar. elementos culturais representativos na
Essa relação entre o homem relação homem/meio, possibilitando ainda
ribeirinho, as águas e a mata é o principal a interpretação subjetiva dessa relação.
fio condutor do seu cotidiano. Esta ligação As narrativas foram interpretadas
é representada nas atividades de considerando o entrelaçamento das
subsistência, como a caça, as plantações de relações do ser humano com o seu espaço,
hortas, a construção de moradias e seu lugar e as representações existentes na
principalmente a pesca, quando apresenta a sua cultura, no caso a ribeirinha. Possibilita
organização da plantação conforme o ainda preservar e trabalhar com a fala na
movimento do rio, as moradias são integra do narrador, mantendo os relatos de
construídas a margem deste organizando o suas experiências de vida, o que facilita
espaço das localidades, identifica-se uma para compreender as relações deste com o
relação muito particular e envolvente, há lugar.
uma relação do sentimento de gostar deste Para tais compreensões considera
grupo social para com a natureza e em prol que, “os geógrafos devem procurar
dela que possam garantir sua compreender a concepção de mundo que
sobrevivência. existe no coração do grupo ou da sociedade
A metodologia da História Oral que estejam estudando.”
(MEIHY, 2005) foi aplicada considerando (BONNEMAISON, 2002, p.102). Dessa
as etapas de construção da História Oral: forma compreende-se que todos os lugares
elaboração do projeto; gravação (entrevista apresentam representações sócio-culturais
livre); confecção do documento; análise; e, e cada uma delas correspondem a
devolução do produto. Interligando e determinados símbolos e significados que
aplicando com a concepção de Espaço o ser humano cria para se legitimar e
Vivido (FRÉMONT, 1980). identificar no seu lugar.
Tais escolhas ocorreram pelo uso Neste sentido, faz uso da Geografia
da entrevista como meio de coleta de Cultural, por proporcionar a possibilidade
informação e a necessidade de de compreender o espaço e o lugar através
compreender a percepção que o homem de uma determinada cultura, a partir de
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que esse autor afirma ser “o homem é um Logo, o homem faz parte de uma
que ele mesmo teceu, assumo a cultura grupos sociais e cada um deles apresenta
discussão no momento que enfatiza que as organizar e pensar a vida comum aos
sujeito a leis regulares; estas leis são precisa se identificar como integrante de
outros tipos de regras e leis subjetivas que não somente na organização espacial
e trabalham juntas durante um período de saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos
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complexidade de seu conceito, por ser do que uma observação ou opinião sobre o
mundo, o ato de representar é a expressão de
amplo no momento que, corresponde os
uma internalização da visão de mundo
comportamentos, saberes, técnicas e
articulada que gera modelos para a organização
gerações. Em virtude do acúmulo de tudo
da realidade.
isso durante a vida do indivíduo e mais
Representação é uma visão de
ainda, quando percebe-se que não existe
mundo, uma possibilidade de imagem do
uma homogeneidade em todas essas
ambiente e que cada grupo cria seus atos
características e que cada pessoa que faz
de representar - suas representações –
parte de uma sociedade ou grupo
diferenciando, desta forma, as
apresentando diferenças quanto ao
organizações e relações do homem com
desenvolvimento das marcas culturais.
seu espaço.
Apresenta a cultura como uma
Considera-se ainda que a visão de
herança que influencia na construção social
mundo como uma forma de conhecimento
das relações de cada grupo, assim, a
muito específica e individual uma vez que
criança crescerá e trocará relações com o
cada pessoa adquire o conhecimento
grupo em que vive e destas relações
conforme sua vivencia e interpretação do
ocorrerá trocas culturais. Considera-se a
que viveu.
cultural dinâmica e consequentemente o
Representações semelhantes são
espaço também será.
fatores de união entre sujeito e grupos
Toda cultura está inserida em um
sociais, elas, com todo o simbolismo que
processo social-histórico, tendo suas raízes
as envolvem dão sentido à existencia do
num passado longínquo onde, muitas
espaço humanizado. Observa-se, ainda, as
vezes, para compreender uma determinada
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visualidade, pela atividade artística, ele definiu por esta perspectiva da Geografia, isto é
sua grandeza diante desse conjunto grandioso possível porque os geógrafos culturais,
que é o “mundo amazônico” (LOUREIRO, compartilham o mesmo objetivo de descrever e
1995, p. 59). entender as relações entre a vida humana
Assim, com a floresta, o caboclo, coletiva e o mundo natural, as transformações
bem como outros grupos da Amazônia, produzidas por nossa existência no mundo da
desenvolveu uma relação próxima, a tal natureza e, sobretudo, os significados que a
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beira do rio. Por isso, identificamos que p. 27). Ou seja, mais uma vez o rio não é
olhando para ele conversam, trocando parado, encontramos, no reflexo das águas,
A afetividade com o rio faz vida que há nele, os perigos que estão nas
presente em vários momentos da fala dos profundezas do rio Madeira. Do rio vem o
narradores, como neste caso onde a peixe, principal alimento das comunidades
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ribeirinhas e de fácil acesso, esta situação envolvendo o rio, destacamos uma, em que
faz como este elemento natural torne-se a narradora diz:
representação social por ser o lugar da “o rio já levou uma parte como daqui naquele
casarão... o rio Madeira veio e já comeu tudo...”
pesca, morar próximo ao rio significa não
(Dona M. R. D. S.).
passar fome.
Neste sentido, Dona M. S. P.,
Neste fragmento, percebe-se o
falando sobre o rio afirma,
quanto o rio pode representar pontos
“é muita gente que essas águas dá
opostos. Dá mesma forma que ele oferece
o de comer...”
o alimento mantendo a sobrevivência do
Sendo o rio o lugar do peixe e este grupo ele desbarranca o lugar levando
ao rio o ato de doar a comida. Logo, uma portanto, como uma coisa viva da qual
afetividade de gratidão e agradecimento tudo pode vir, como de tudo o que é vivo,
O rio ainda é um elemento tão marcante na 1995, p.203). Para a narradora, o rio
vida ribeirinha que podemos identificar o Madeira representa algo forte e supremo,
tempo amazônico “marcado pelo que se impõe pela força e fúria, precisa ser
viagens não são contadas por quilômetros Ainda neste sentido, Dona D. M.
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