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Junho 2011

ESPECIAL 29

“Na natureza nada se cria,


nada se perde, tudo se
transforma”
Kalinka Iaquinto, do Rio de Janeiro

A máxima do químico francês Antoine Laurent Um caminho apontado por especialistas é a


mudança na forma de lidar com o conceito de
de Lavoisier (1743/94) se encaixa nesse mundo
lixo. “Aquilo que, equivocadamente, se chama de
globalizado e com cada vez mais consumidores,
lixo, na verdade é um conjunto de matérias-primas
gerando um problema preocupante: excesso de preciosas que pode trazer benefícios sociais, eco-
lixo. Ano passado, o Brasil registrou aumento nômicos e ambientais para o país”, avalia Sabetai
populacional de 1% e produziu 61 milhões de Calderoni, presidente do Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Sustentável (Ibrades) e autor
toneladas de resíduos sólidos urbanos, 7% a
do livro Os bilhões perdidos no lixo.
mais do que em 2009. Materiais que acabam, “Não tem sentido enterrar nem queimar
na maior parte das vezes, em lixões e aterros dinheiro”, defende Calderoni, ao se referir aos
sanitários. Seguramente, esta não é a melhor novos mercados que o reaproveitamento do
solução, pois traz consequências ambientais, lixo proporciona. “Para a indústria, a sucata pode
gerar riqueza. Além disso, o uso de resíduos acaba
sociais e econômicas.
sendo fonte de trabalho e renda para quem atua
nas diversas etapas do processo.”
E a aposta é de que esses mercados terão
impulso com base na conjunção de dois con-
ceitos: o da logística reversa, que compreende
um conjunto de ações, procedimentos e meios
destinados a viabilizar a coleta e a restituição
dos resíduos sólidos ao setor empresarial para
reaproveitamento; e o da responsabilidade com-
partilhada, segundo o qual os setores público
e privado e os consumidores têm de participar
do processo. Ambos fazem parte da Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída
pela Lei Federal no 12.305/2010, regulamentada
pelo Decreto Federal no 7.404/2010.

Foto: Banco de imagens Inpev


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o professor Paulo Roberto Leite, presidente do Conselho


de Logística Reversa do Brasil (CLRB). A incorporação dos
resíduos no processo de desenvolvimento dos produtos leva
empresários a investir em áreas nas quais não atuavam. “Por
isso, muitas empresas se instalam no Brasil. As que possuem
aterros industriais montam empresas de reciclagem. As que
já estão nessa área, expandem sua atuação, aumentando seu
porte”, afirma Leite.
A logística reversa de pós-venda já vem sendo praticada no
país, pois as empresas se preocupam com a satisfação e a fide-
lização do cliente. No caso do pós-consumo, porém, o processo
ainda é incipiente. “Alguns produtos voltam naturalmente às
indústrias, outros não. Os que voltam, em geral, contêm matéria-
prima de interesse econômico para algumas empresas, como
ferro e alumínio. O valor agregado permite que elas comprem a
sucata para reaproveitar a matéria-prima”, ilustra Leite.

Reverso
Uma sondagem do Instituto de Pesquisa Econô- Processo
mica Aplicada (Ipea) mostra que o Brasil perde No caso das embalagens de agrotóxicos, o país tem um caso
R$ 8 bilhões por ano ao deixar de processar o bem-sucedido. Desde 2002, o Instituto Nacional de Proces-
resíduo reciclável que é encaminhado para ater- samento de Embalagens Vazias (Inpev) realiza o processo de
ros e lixões. Com a adoção da logística reversa logística reversa, atendendo a uma legislação específica que
— o que deve acontecer no segundo semestre já estabelecia a responsabilidade compartilhada dentro da
de 2012 —, a tendência é de que a situação se cadeia de produção. O consumidor final, no caso o agricultor,
modifique. “Acreditamos que a logística reversa faz a lavagem tríplice e devolve as embalagens. Os agentes de
induzida potencializará a reciclagem no Brasil, comercialização — revendedores, cooperativas — indicam
além de oferecer vantagens como preservação na nota fiscal onde as embalagens devem ser devolvidas e
do meio ambiente, economia de energia, dimi- gerenciam esse local. A partir daí, a responsabilidade passa
nuição da exploração dos recursos naturais para para o fabricante, que se encarrega da logística de transporte
novos produtos e geração de empregos, como e distribuição dos produtos.
é o caso dos catadores de materiais recicláveis”, “Nosso sistema pratica 90% da logística reversa. No caso
avalia Nabil Bonduki, secretário de Recursos do transporte, o caminhão que leva as embalagens cheias é
Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do programado para retornar coletando as vazias”, informa João
Meio Ambiente. Cesar Rando, presidente do Inpev. “A indústria está conseguin-
A logística reversa desenvolve-se em dois do fechar o ciclo de vida do produto dentro dela mesma. Hoje,
campos: pós-venda, referente aos materiais que a embalagem ecoplástica, por exemplo, volta a ser reciclada
sequer foram consumidos, como em desistências pela própria indústria que produz o lixo.”
de compras e sobras de produtos em lojas; e Com 421 unidades de recebimento espalhadas pelo país,
pós-consumo, quando os produtos esgotaram o Inpev fechou 2010 contabilizando 31.266 toneladas de em-
suas vidas úteis. “Estima-se que de 5% a 6% dos balagens devolvidas e destinadas de forma ambientalmente
produtos de logística pós-venda retornem para correta. Desse total, 92,5% foram encaminhados para recicla-
a origem, o que deve resultar em R$ 15 bilhões gem, um crescimento de 9% em relação a 2009. Já no primeiro
em mercadorias. Com a lei, o mercado de pós- trimestre de 2011, 8.092 toneladas de embalagens vazias foram
consumo também vai aumentar muito”, acredita processadas (17% a mais do que no mesmo período de 2010).

Foto: Banco de imagens Inpev


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“Atualmente, a média nacional de retorno de embalagens


plásticas é de 94% do que existe no mercado”, diz Rando.
No caso dos eletroeletrônicos, a indústria está a meio ca-
minho do que prega a lei. Algumas empresas, para suprir uma
necessidade de mercado e atender a legislações estaduais e mu-
nicipais, já de olho na aprovação da PNRS, desenvolveram seus
projetos de sustentabilidade baseados na logística reversa.

Crescimento
Na Itautec, empresa que comercializa computadores e afins, o
processo de reciclagem de eletroeletrônicos começou em 2003.
E, para que se tenha uma ideia de sua evolução, o volume de
material reciclado saltou de 527 toneladas, em 2009, para 3.842
toneladas ano passado. De todo o lixo produzido pela empresa
(5.100 toneladas, se considerados os resíduos orgânicos), 92%
é reciclado. Mas não se pode fazer uma correlação entre o que
é produzido e o que retorna à empresa. “Os equipamentos de resíduos sólidos utilizados como matérias-
destinados para reciclagem podem ser oriundos de diversos primas ou produtos intermediários na fabricação
anos de fabricação. Não há como estabelecer uma correlação de seus produtos”, ressalta Nabil Bonduki, secre-
entre o que é processado no Centro de Reciclagem de Jundiaí tário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano
e o que é fabricado ano a ano na empresa”, explica João Carlos do Ministério do Meio Ambiente.
Redondo, gerente de Sustentabilidade da Itautec.
Trata-se de um ponto importante. Embora a PNRS estabele-
ça metas de reciclagem, assim como de redução e reutilização, Isenção
Redondo pondera que o fabricante não tem o poder de retirar No caso da Itautec, para evitar, por exemplo, que
o produto obsoleto das casas e empresas. “As decisões de os produtos recuperados fossem considerados
compra e descarte são dos usuários. No mercado brasileiro, e tributados como matéria-prima, a empresa
os computadores têm mais de dez anos de uso e existe um adotou dois procedimentos. No primeiro,
processo de rede social em que uma pessoa passa o produto que visa à obtenção de proteção jurídica, os
para outra. Como especificar metas se não temos o poder de clientes declaram que o produto foi entregue,
posse?”, indaga. de forma voluntária, e que não vão requerer
Uma das saídas, segundo ele, seria a conscientização do novos produtos. Por sua vez, a empresa assume
consumidor. “Oferecemos as informações para que o pessoal a responsabilidade de dar àquele bem o destino
saiba como utilizar e se desfazer do produto. Além disso, as adequado — no caso, a reciclagem e a reuti-
políticas estaduais devem estar em sintonia com a nacional. lização de alguns equipamentos. O segundo
Os fabricantes não podem desenvolver um sistema para procedimento consiste na assinatura de uma
cada estado.” declaração de isenção de nota fiscal, no caso
O alinhamento das políticas e as diferenças tributárias de pessoas físicas. “No fim do processo, como
são debatidos pelo Grupo de Trabalho de Incentivos Fiscais o volume é pequeno, geramos certificado de
e Desoneração Tributária, dentro do Comitê Interministerial destinação homenageando a atitude do cliente
de Acompanhamento da PNRS. “Algumas medidas já foram e um registro fotográfico com o processo de des-
adotadas pelo governo federal, a exemplo da Política Nacio- montagem do aparelho doado”, diz Redondo.
nal de Resíduos Sólidos, que dispõe que os estabelecimentos Já na TGestiona, empresa do grupo Telefônica,
industriais farão jus a crédito presumido do IPI na aquisição a recuperação de modems, celulares e demais

Foto: Divulgação Itautec


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equipamentos eletrônicos é feita desde 2006. No


início, eram coletados por mês cerca de sete mil Política irreversível
produtos — hoje, são 70 mil. O processo ocorre da
seguinte maneira: a empresa agenda a coleta, efetua
uma triagem do material, higieniza e reaproveita a
Grupos de Resíduos
Em um primeiro momento, a lei determina que a logística
parte considerada utilizável e encaminha o restante
reversa deva compreender um conjunto de ações e proce-
para uma oficina de reparos ou destruição.
dimentos de coleta, reciclagem, reutilização e descarte de
Vale a pena adotar o processo de logística rever-
cinco grupos de resíduos: eletroeletrônicos; embalagens
sa? Na avaliação de Clóvis Travassos, diretor-geral em geral; medicamentos; lâmpadas fluorescentes, de
da TGestiona, sim. Mas a garantia de sucesso está vapor de sódio e mercúrio de luz mista; e embalagens de
atrelada a alguns fatores, pois esse procedimento óleos lubrificantes e seus resíduos.
gera impacto nos custos de usuários e de empre-
sas. “O que tenho acompanhado é que as empre-
Inovação
sas que adotam projetos de logística reversa por
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) reúne
razões que não são muito ligadas ao negócio em conceitos modernos de gestão de resíduos sólidos: respon-
si, mas apenas pela questão da sustentabilidade, sabilidade compartilhada; gestão integrada; inventário;
não costumam ir longe”, avalia Travassos. sistema declaratório anual; acordos setoriais; ciclo de vida
Redondo, da Itautec, diz que não se pode afirmar do produto; não geração, redução, reutilização, recicla-
que o investimento para a implantação do processo gem e tratamento dos resíduos, bem como disposição
de logística reversa na empresa seja pago pelo lucro final ambientalmente adequada dos rejeitos; princípios
obtido, mas acredita que apostar no sistema é a do Direito Ambiental; e elaboração de planos de gestão
melhor saída. “Para a empresa compensa por que nacional, estaduais e municipais e de gerenciamento (pelo
o custo com esse processo é menor do que deveria setor empresarial). Além disso, prevê a inclusão social por
meio do fortalecimento das cooperativas e associações de
investir para destinar os resíduos para aterros indus-
catadores de materiais recicláveis.
triais, além de ser uma prática ambientalmente mais
adequada pelo aproveitamento de materiais 100%
recicláveis”, declara. E completa: “Não é possível Penalidades
dizer em quanto tempo o investimento em logística Consumidores que descumprirem a lei no que diz respeito
reversa se paga, uma vez que a flutuação no mer- à logística reversa e à coleta seletiva estarão sujeitos a
uma penalidade de advertência. No caso de reincidência,
cado de commodities e o tipo de resíduo destinado
poderão ser aplicadas multas entre R$ 50 e R$ 500.
afetam o equilíbrio nessa conta”.
O ideal, segundo Travassos, da TGestiona, é
aliar a sustentabilidade à geração de recursos, até Importados
mesmo para manter a cadeia que forma a logís- No caso de importação de resíduos sólidos perigosos e
tica reversa. Mas isso implicaria mudanças mais rejeitos que causem dano ao meio ambiente, às saúdes
pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para
profundas. “Há empresas que só se preocupam
tratamento, reforma, reúso, reutilização ou recuperação,
com o assunto por causa da legislação. Temos aí
as multas variam de R$ 500 a R$ 10 milhões.
um lado cultural a ser trabalhado.”
E esse lado cultural é um dos focos da PNRS.
“Espera-se que o conhecimento das diretrizes da
Política Nacional de Resí­duos Sólidos leve a uma
mudança desde a forma de conceber, pensar o
produto, até a sua destinação final ambientalmen-
te adequada”, afirma Nabil Bonduki, secretário do
Ministério do Meio Ambiente. 

Foto: Divulgação TGestiona

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