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C APÍTULO 1 - O G R ÃO DE AMOR

- Véio fio d’úa quenga! – grita Walter com S. Crispino, já com o


sangue quente nordestino borbulhando visivelmente pela jugular,
o que o torna uma presa bastante aprazível de se tirar um coco
(sem alusão alguma). O velho volta para dentro rindo muito com
a vassoura na mão, enquanto o irado rapaz desce a rua ainda
descascando palavrões em homenagem ao velho bufão.
Na mão a marmita, no pulso direito o enorme relógio para o
qual Walter não passa cinco minutos sem olhar. Pelo visto, vai
atrasado. Chega à estação de Perus, permanece de pé com fé
que o trem não há de demorar e espera. Espera. E se escora na
mureta. Pragueja. Entra finalmente no trem e, com toda a
delicadeza, conduz para dentro mais meia dúzia de pessoas na
ombrada.
Dentro do trem triunfantemente sentado, Walter sente como se
estivesse à poltrona de sua casa e vai se abrindo folgadamente
pelo banco. Em meio a toda barulheira do chacoalhar do trem e
gritaria dos ambulantes que se trombam no corredor, fecha os
olhos talvez na tentativa de transladar-se para algum lugar que
não fosse aquele, ou até, para uma vida que não a dele.
Acho que dorme…
Walter é um homem de cuja aparência agrada bastante as
mulheres, mas diz-se por aí que agrada ainda mais os viados com
seu jeito tímido e cara de moleque, semi-imberbe com vozinha de
adolescente asmático. Morre de vergonha com alguma
abordagem mais ousada e, se depender dele, o mulheril fica na
seca. Prefere muito mais pagar cinco reais às prostitutas da
estação da Luz e fazer o que quiser com elas sem dó e sem
remorso. Visita-as pelo menos umas duas vezes na semana para
descarregar a tensão nos lombos dessas mulheres. Até se
comenta entre as putas que o servem, que Walter sabe ser bem
domesticado quando quer além de ser tão bom trepando que
algumas juram que ainda hão de reembolsá-lo. O que é
facilmente compreensível, já que todas têm, em média, cinquenta
anos e, pelo menos, uns noventa quilos de gordura e pelos.

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Até que (finalmente) o trem vai chegando à estação Luz. Walter
volta de onde estava e desce junto à maioria dos passageiros.
Segue em direção à rua Santa Ifigênia onde trabalha numa loja
de cabos elétricos. Chega no horário. Trabalha até a hora do
almoço com toda a indisposição e mau-humor que lhe são
peculiares, parece estar sempre alerta esperando por alguma
catástrofe, sendo que a maior das desgraças, para ele, é
constante: ele está vivendo.
Em cinco minutos engole a marmita e sai pela rua se
distanciando da loucura que é a Sta. Ifigênia ao meio-dia. Para
em frente a um telefone público, procura no bolso da calça um
pedaço de papel com um nome e um número de telefone escrito;
vai ligar para Gicélia, sua adorada amada. Mostrando-se um tanto
nervoso, ele disca. Certamente ela também está em horário de
almoço:
- Alô, Gicélia é tu? (…) Não, é que eu queria era falar com
Gicélia (…) Veja se ela pode me atender (…) É Walter.
De certo não querem lhe passar a chamada pelo tanto que Walter
é grosseiro até mesmo sem querer.
Gicélia sempre gostou de Walter, mas nunca o quis namorar.
Acha que é muito galinha para se ter alguma coisa mais séria. De
vez em quando eles saem só para dançar um pouco e tomar
umas e outras e toda vez termina em cama. Em tudo isso há, no
máximo, dez por cento de verdade que se possa acreditar, pois
Walter é a única fonte desses “fatos”.
- Oi, pode falar (…) Mas “Seu Rubens”?! Quem é esse “Seu
Rubens”? (…) ah! Tá bem. Diga a ela que quem ligou foi Walter
(…)
Desliga o telefone e fica com cara de corno enganado, abaixa
a cabeça para sustentar o peso; pensa, pensa; balança-a
contraindo os lábios e volta pelo caminho em ritmo de marcha
fúnebre. Dessa forma o dia escorre-se lentamente. Walter para
matar o tempo só falta matar os mal-afortunados clientes que se
aventuram a pedir auxílio a ele, e isso se repete até o fim do seu
expediente. Ajuda a fechar a loja e se vai. Com certeza absoluta,
hoje ele vai dar umazinha antes de voltar para casa. Encontra-se
tão carente e para baixo que vai pelo caminho balbuciando

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pérolas de Zezé de Camargo. Chega ao puteirinho em tempo,
pois já estava culminando em Bruno e Marrone, à beira do
suicídio.
De manhã, nem cedo nem tarde, Walter acorda. Vê que não
conseguiu, sequer, sair do puteiro. Está de ressaca mas relaxa
ao lembrar que não está atrasado para ir trabalhar pois para este
Sábado não fora escalado. Dormiu com Tereza que, pela
preocupação com que ela o saúda, deve ter passado a noite toda
aguentado uma tonelada de lamentações ser despejada.
Pergunta se está tudo bem e se acordou com a cabeça mais
tranquila, se tinha parado com aquela besteira de se matar. Ao
sinal afirmativo, ela o abraça num gesto terno e maternal. Ele,
arrebenta-lhe a calcinha e a come violentamente só para que seu
dinheiro seja justificadamente bem aproveitado.
Depois disso, Walter se sente em dívida com Tereza e a pede
em casamento. Eles se casam naquele mesmo mês. Tereza
(após Walter ter abandonado o emprego) é quem sustenta a casa
e paga as contas, sendo um fiel exemplo da mulher moderna e
sua dupla jornada de trabalho. Cumpre várias vezes por dia o seu
dever de esposa e ainda arruma tempo de dar para fora.

(Ce acha...)

Walter paga os dez reais devidos pela noite e vai esperar o


trem que, aos Sábados, passa só na Segunda.
Começa então a sentir o resultado da bebedeira e da noite mal
passada, das muitas horas que está sem comer nada saudável e
do esforço que acabara de fazer com ressaca e tudo. Sente
fraqueza e senta-se no banco da estação para recuperar as
forças, mas o suadouro continua. O trem finalmente chega, para
na plataforma e abre suas portas. Walter caminha azoinado com
a mão trêmula entre os cabelos e se lança de bunda nos bancos
do vagão. Parece que está apagando… o trem fecha as portas e
parte; Walter não suporta a fraqueza e desmaia.
Passam-se algumas horas e várias estações, inclusive a de
Perus; o trem chega à estação terminal de Francisco Morato e
volta fazendo o percurso inverso. Os passageiros têm para si que

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o rapaz é mais um a dormir embalado pelo chacoalhar do trem;
passa despercebido por todos, menos por uma senhora idosa
que, logo após sentar ao seu lado, percebe o estado de
malemolência e palidez do corpo de Walter e o tenta acordar.
Confirma a suspeita em relação ao seu estado físico pela
dificuldade que está tendo em despertá-lo. Lentamente, Walter
vai recobrando os sentidos sentindo uma moleza da moléstia
(como ele mesmo talvez dissesse). Olha para a velhinha com os
olhos a meio-pau e lhe notifica que realmente não está bem; por
fim, lhe agradece pela preocupação.
Repara ao longe as semi-edificações e, com dificuldade devido
à quantidade de lugares feios que ele conhece, percebe que se
aproxima de Mauá. Resmunga baixinho um palavrão, mas se
tranquiliza ao arrazoar duas coisas: 1) que tem algum dinheiro e
o vagão está feito uma feira-livre de tantas opções de comidas,
petiscos e bebidas. 2) que não vai precisar pagar nenhuma
passagem a mais e, se tiver sorte, talvez nem precise esperar
outro trem para chegar em casa. Passa então um garoto
vendendo balas-de-goma, não acha uma ideia saudável; a um
passo de distância do menino vem um homem gritando com voz
nasalada: “Kaiser, Skol e Brahma. Gelada!” Basta ouvir para a
dor-de-cabeça aumentar. Até que, finalmente, passa um senhor,
o qual não tem pernas, sobre um skate vendendo chocolate: é
Ranchis! É qualidade. Walter faz sinal para que o homem pare,
põe a mão no bolso da camisa e (surpreenda-se!) vê que foi
roubado. Procura nos bolsos da calça e nada, manda o homem
seguir. A senhorinha ao seu lado docilmente pergunta o que
aconteceu para que ele ficasse puto daquele jeito. Daí começa a
contar toda a sua odisseia, iniciando do telefonema para Gicélia,
confessando sem receio o seu grande amor, ocultando dela
apenas onde passou a noite. Diz que ficou afogando as mágoas
em boa água. Neste momento a gentil senhora o interrompe lhe
dizendo que um rapagão tão bem apanhado não pode se atirar
assim na bebida. Aí ele emenda: “É que eu nasci feio mesmo, não
foi por ter apanhado bem muito, não”. A velha senhora ri com ele
e, de forma mais descontraída, Walter termina de contar a sua
desgraçada história de hoje. Ela se levanta e o chama para ir

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almoçar em sua casa ressaltando que não tem esse costume, no
entanto, não poderia deixar um rapaz tão agradável numa
situação dessas. Não precisa muito para que Walter (que não é
de rejeitar uma boquinha-livre mesmo) desça do trem e a
acompanhe. Descem na estação de Mauá.
É um dia sem graça de Outono e Mauá é uma cidade sem
folhas. As únicas coisas que caem lá (normalmente no verão) são
as casas com a enxurrada que desce de cima do morro.
…mas os dois andando juntos parecem mãe e filho enamorados
pisando em campos ao invés de lixo, desviando-se de colunas
inarruináveis e não do monte de entulho nas calçadas, sentindo
a brisa cheirosa da maresia e ignorando o bafo asfixiante que os
ônibus, aos pedaços, emitem.
Olhando bem para Walter enquanto figura deste quadro,
alguém poderia supor que acabara de reencontrar a feição velha
e amável que há anos deixou em Alagoas junto a seu pai, seus
muitos irmãos e com os medos que tinha de tudo (dos pais, dos
irmãos mais velhos, dos outros irmãos, de marreco, de defunto,
de saci, de montar em cavalo ou mesmo em jegue, de ver sangue,
de ficar sozinho, das meninas, de não saber beijar, do escuro, de
cipó por causa da semelhança com as cobras, muito mais medo
de cobra, de fantasma, da morte, da mulher do padre, de ficar
atrás da moita, do padre, de porco do mato, de ir à escola, de
continuar analfabeto, medo de se perder, de como se encontraria.
Tinha, sobretudo, medo de todo o resto, do que ainda não sabia
temer).
Poderia alguém sugerir que Walter, neste instante, sumiu com
as marcas que traz tão bem guardadas em cada canto do corpo;
muito bem guardadas e melhor ainda expostas para escandalizar
(quase de propósito) qualquer um que não possa com ele se
identificar: Não é órfão e, anualmente, sempre, ganhou irmãos ao
invés de perdê-los; nunca passou fome, mesmo que, às vezes,
passasse meses à base de farinha e fubá; não serviu ao exército,
não foi nenhum exilado político ou da guerra, nem herói, nem
nenhum doente fundamentalista de meleca. É um refugiado da
seca, um radical nos termos da sobrevivência. Sente como se
sempre fosse a caça, mas, na real, foi um caçador da gota. Desde

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que alcançou força para erguer uma enxada, carpiu, plantou,
arou, pediu chuva e até chegou a colher em algumas ocasiões.
Veio tentar a São Paulo com alguns anos de diferença dos
portugueses, italianos, espanhóis, árabes, orientais; sendo que a
maior diferença, sem dúvida alguma, era que Walter tinha como
posse, dentro de uma única mala de couro bem curtido, umas
poucas peças de roupa (todas baianas) junto a um pedaço de
jabá embebedado num saco só com sal-grosso e mormaço;
enquanto os estrangeiros iam trazendo famílias inteiras e, já
consigo, traziam os herdeiros da futura fortuna que extrairiam da
nossa terra. Walter trouxe apenas tudo o que a mãe pode juntar
em terríveis dias de seca e de seca.
D. Beatriz deve estar realmente muito à vontade com a
companhia de Walter, pois ela afetuosamente o puxa para que
continuem o trajeto de braços dados. Andam um tanto mais e ela
aponta com o indicador o lugar onde mora; ele, com toda a
sensibilidade que Deus lhe deu, discorre: “Oxi! Eu num ligo, não.
Contanto que eu bata úa xêpa, pode ser onde for!”. Ambos entram
e D. Beatriz já começa a agilizar a corriqueira comida para seu
convidado com bastante alegria. Ele come, como sempre, feito
um esquálido esfomeado. Repete uma porção de vezes. Após
uma pequena sesta, Walter a ajuda rapidamente com a louça e
passa o resto da tarde em sua companhia. A velha senhora é uma
pessoa bastante solitária, do tipo que segura a visita até onde é
possível, não importando ela qual seja.
Logo após o anoitecer, Walter se despede de D. Beatriz
prometendo voltar a vê-la logo e pagar os dois reais que ele está
levando emprestado. Ela, toda contente, agradece-lhe pelas
horas que passaram juntos e explica novamente o caminho até a
estação de trem; dá um terno beijo no rosto dele e o despede
entregando em suas mãos uma não-pequena vasilha contendo
algumas porções a mais de arroz, feijão e de uma visivelmente
suculenta carne de panela. Walter vira-se de costas e sobe a rua.
Olha para trás antes de dobrar à esquerda, ele acena para a
velhinha que permanece do lado de fora da casa acompanhando-
o com os olhinhos brilhando de contentamento, com um sorriso
singelo nos lábios finos e engelhados, toda orgulhosa pela feitura

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de um novo amigo. Walter novamente vira-se, dando-lhe as
costas, com uma cara de alívio e satisfação matreira, semelhante
à de uma criança que acabara de sair do castigo.
Pelo visto, Walter não pretende mesmo voltar a Mauá, pelo
menos não nessa vida. Com mais de um dia de atraso, ele ruma
finalmente para o moquifo onde se esconde. Segue andando por
umas ruas escuras até que, já próximo à estação, chega a uma
avenida estreita paralela à linha do trem e, distraído, ele a
atravessa em frente a um ponto de ônibus. Então algo lhe chama
muito a atenção. À espera do ônibus estão um homem de meia
idade, negro e de bigode, juntamente com uma figura jovem, de
rosto incomparavelmente belo e harmonioso, com olhos intensos,
de onde vem o olhar tão profundamente penetrante, que não
houve como passar despercebido. Walter está em choque. Jaz
ainda, por alguns segundos, aturdido mediante àqueles olhos de
cor indescritível que o seguem como se tivessem o poder de
regular o tempo, deixa tudo em câmera lenta. Provavelmente seja
seu pai o homem que está com ela e não deve ter mais do que
quinze anos. Mesmo assim, passa uma certeza de que sabe
muito bem o que vê e para quê.
Ainda meio aturdido, Walter consegue passar por ela ainda
diante daquele olhar todo. Desce a primeira à direita seguindo
para o outro lado da rua, quando tem a exata impressão de que
alguém apressa uns passos e para à esquina; ele se vira
rapidamente para trás e olha, e há mais uma vez um choque ao
confrontar com aquela menina de olhar ainda incisivo, porém,
agora, risonho na face de cor escura e dos traços perfeitamente
simétricos.
Seria essa a imagem a vertiginar a mente de Walter por todos
os longos dias que se seguiram.

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C APÍTULO 2 – Q U AS E N AD A S ÃO F LO R E S

Rebeca era a legítima filha de uma boa puta, muito conhecida,


atendia pela alcunha Madá; era também a mais cara. Foi
justamente quando tentava mudar de vida na intenção de evitar
que a filha ingressasse nessa carreira ingrata (embora rentável),
que Madá foi assassinada por uns playboyzinhos do ABC que, é
óbvio, estão em algum lugar por aí, estuprando prostitutas e
gozando da nossa cara, se achando o máximo. Entretanto,
mesmo que permanecesse viva, talvez a mãe de Rebeca não
poderia salvá-la de uma vida para a qual, desde novinha, já
apresentava grande vocação. Não foram poucas as ocasiões em
que Madá tinha de tirar sua menina dentre os homens, os quais
deixava bastante excitados apenas através dos seus trejeitos e
com pequenas carícias alucinógenas que administrava com a
língua.
Imediatamente após saber do ocorrido com sua irmã, Arnaldo,
tio de Rebeca, agilizou-se em retirar sua sobrinha de tal antro,
contando que ainda estivesse em tempo de ajudar a torná-la uma
pessoa digna. Logo, preocupou-se em se mudar para um lugar
mais distante do centro de Mauá, para viver com a tranquilidade
de pensar que nenhum dos frequentadores do bordel saberia

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onde a encontrar. Desde então, Rebeca mora com o seu tio,
enfrentando dificuldades e privações que nunca antes passara,
mas com muita leveza e carinho por parte da figura paterna, da
qual, sempre sentiu falta. Não desgruda desse tio por nada.
Passa o tempo todo que pode a tiracolo do tio e, às vezes, ao cair
da tarde, acompanha-o até o ponto de ônibus que fica do outro
lado da avenida em que moram. Quando avistam o ônibus, ela
agarra-lhe o pescoço para o beijar e corre para dentro de casa
sob a protetora vista de seu tio vigia noturno.
Na verdade, Rebeca saiu do convívio das amigas de sua mãe,
antes de aprender uma importante lição: não se fascinar por
homem algum. Na escola, mesmo estando na sexta série, é a
mais desejada por todos os caras do colegial que, mesmo sendo
tão sigilosos para esses assuntos no auge da adolescência,
correm a fama do beijo de Rebeca de boca em boca. Porque,
além de linda e ter um corpo mesmo em formação mas muito
interessante, sabe deixar qualquer moleque de dezessete anos
doido só de chegar perto. Tem a propriedade de mexer com a
mente dos homens como quiser. Tem a perspicácia de
reconhecer até de olhos fechados qualquer um que tenha tocado
o seu corpo ainda que por uma única vez. Reconhece os homens
pelo jeito de falar, e os meninos da escola pelo gaguejar. Guarda
consigo um caderninho contendo os nomes dos caras que já
estiveram com ela, também com a data, lugar, nota (sendo que a
melhor delas até hoje foi sete) e a previsão de quais terão e
quando terão coragem de procurá-la novamente. Porém parece
que sua perspicácia para por aí. É uma péssima aluna (só não
reprovou ainda graças ao Mário Covas) e um tanto devagar para
quaisquer outros assuntos diferentes de formas de manipular
homens.
No fundo talvez seja uma menina triste e se sinta sempre
solitária. Mas é linda! … e era justamente toda essa beleza que
permeava os pensamentos de Walter fosse no trabalho, em casa,
na condução, no boteco, durante toda a semana seguinte.
Os dias se arrastavam embaixo de suas fuças, enquanto
Walter tentava afastar da cabeça as imagens daquele rosto pueril;

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esforçando-se em lembrar que ainda ama Gicélia e que por ela,
sim, vale a pena lutar.
É Quarta-feira, quinze para as sete da noite, com o corpo
moído e fedido de mais um dia de trabalho, Walter já está em
casa com a cabeça atormentada por trocentos pensamentos, em
sua maioria, contraditórios. Isso perdura por alguns insuportáveis
minutos, até que, de súbito, toma uma inadiável decisão: vai ver
Gicélia não importando o custo. Vai mesmo agora. Que se dane
se o marido dela estiver em casa. Marido!? É, ela é casada.
Casou-se com um considerado bom ex-amigo de Walter, que se
apaixonou por ela por intermédio do, até então, hóspede da
moça… Calma AÍ!
A História de Walter - parte 2: O pobre Walter, coitado, foi se
perder às mãos de uma jovem quando ainda era moleque, no
interior do estado de Alagoas, por uma menina dois anos mais
velha, magréééla da barriga estufada de nome Gicélia. Era a filha
mais velha dos oito que tinham (e mais um a cada dez meses) D.
Maria da Graça e S. Zé Francisco; ela de dia cuidava dos filhos e
ele era boia-fria. Zé Francisco era viúvo e a molecada toda da vila
adorava imaginar a verdadeira causa de sua viuvez. Já beirava
os cinquenta anos de idade, levantava às três da matina, subia
no caminhão e ripava até o fim da tarde; chegava em casa, punha
a pirralhada para rua e ripava até a D. Maria (quase vinte anos
mais nova) sair gritando esbaforida o nome de Gicélia,
chamando-a para entrar com os outros. A essa altura, Walter já
era sabedor dos feitos sexuais pelo gabar dos rapazes mais
velhos, que o enchiam de histórias de senhoras carentes que,
saídas do banho, displicentemente deixavam cair a toalha ao
chão, exalando cheiro de rosas por todo o corpo quente, sedento
e molhado. Mas Walter era muito mais admirador de S. Zé
Francisco do que de todos esses meninos criativos juntos. Ele
verdadeiramente torcia para que D. Maria, naquela noite, cedesse
ao seu cônjuge fumegante tempo suficiente para que as crianças
cansassem de brincar bem antes dela e se deitassem embaixo
do pé-de-jambo no quintal de sua casa; e que S. Zé Francisco
mantivesse seu encanto enlaçador, ou que fosse mesmo um
cabresto na mulher, por um pouco mais de tempo até que Walter

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tivesse a oportunidade de ficar a sós com a sua bem amada e, se
possível fosse, tentar pôr à prova os macetes (os que seus
amigos juram ser infalíveis), enfim, explorar os segredos contidos
no sexo dos homens e descobrir os mistérios que estão
escondidos entre o alto das coxas de cada mulher. Mas tinha
sempre a peste do Toninho que não dormia nunca e, toda noite,
atrapalhava os intentos do esperançoso Walter, durante essa
fase de desespero da infância.
Ainda bastante nova, aquela menina magrinha deixou sua
cidade e, nela, deixou também Walter, com todas as inquietudes
encontráveis num ser humano. Foi para São Paulo morar nos
fundos da casa de uma amiga de sua mãe, conhecida também da
mãe de Walter. Lá, tornou-se uma mulher extremamente magrela,
de cujos mistérios, muitos homens fariam questão de não mexer
com eles. Demorou um pouco para Walter se sentir preparado e
deixar sua casa e família, tudo, para ir viver junto a sua amada;
tinha a certeza de que, morando com Gicélia em São Paulo, a
chance de eles não ficarem juntos seria remotíssima, ainda mais
depois de ter, finalmente, praticado bem-sucedidamente sexo
com umas galeguinhas de Alagoas. Era o plano perfeito: Ligava
para Dona Jacinta dizendo que tentaria vencer em São Paulo e
lhe pediria um lugarzinho na casa dela, nos fundos; chegando lá,
na prática, demonstraria a Gicélia todas as formas de fazer sexo
que sabia; ela, indubitavelmente, se apaixonaria e eles viveriam
juntos até o fim da história. Apenas se esqueceu de um mísero
detalhe: da palavra bonita, bem dita, bem perto do ouvido; da mão
levemente pressionando a cintura, como se dissesse, num sobe-
e-desce, que está ali para regar caminhos mais profundos; do
beijo na boca bem dado que fundamenta e alisa toda e qualquer
forma de corpos que se querem escanear; que tudo isso é o preço
de qualquer mulher que não se deprecia. Infelizmente, Walter
nunca tinha ouvido falar da conquista como forma da arte mais
bem empregada já desenvolvida pelo homem.
Mudou-se de maneira já anteriormente citada, mas com muita
esperança e excitação ao chegar e encontrar, pela sua visão, uma
Gicélia ainda melhorada. Os primeiros dias foram os melhores da
sua vida até hoje. Acordava cedo, preparava o café para sua flor-

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de-formosura tomar antes de ir para o trabalho. Quando não ia
procurar emprego, ficava o dia inteiro, entusiasmadíssimo,
arrumando a casa e, vez em outra, preparando uma armadilha
etílica para a noite, para quando ela chegasse do trabalho.
Chegava do trabalho verde de fome, devorava toda a comida que
via pela frente e, depois, com o estômago bastante cheio, bebia
o que Walter preparara, mas não fazia o efeito esperado.
Terminavam a noite, rindo, contando as muitas histórias da
infância deles e de seus tantos irmãos.
Logo Walter arranjou emprego de balconista de bar, não era
perto do serviço de Gicélia, mas já servia para ajudar nas
despesas de casa e levá-la ao forró no fim-de-semana. Esses
dois lugares citados, posteriormente, serviriam de palco para os
acontecimentos dos quais Walter se arrepende até hoje de ter
proporcionado. No bar, ele conhece e acha de fazer amizade com
Rodrigo, que era o chapeiro, e passava a maior parte do tempo
ao seu ouvido rasgando elogios a sua amada Gicélia, relatando
tão intensamente o tanto que ela representava e quanto ele a
amava, que seu chapa achou de fazer uma coisinha. Num dos
sábados seguintes, Walter chega ao forró mais tarde do que de
costume, por que teve de fazer hora extra, e encontra Gicélia,
toda vaporosa, conversando com um rapaz. Em princípio não
reconhece quem era aquele que estava, visivelmente, a cortejar
sua doce eleita, mas era mesmo Rodrigo. Walter foi tão ingênuo
naquela noite que não estranhou o fato de um paulistano ir a um
forró naquela época. Continuou ingenuamente passivo,
assistindo de pertíssimo ao namorico dos dois; metade
acompanhava de dia e a outra ouvia à noite. Mesmo não vendo
até hoje intenção de Rodrigo nesses acontecimentos e nos
conseguintes.
Gicélia diz que virou evangélica e o seu pastor a advertiu que
ela não podia morar junto com um homem que não fosse seu
esposo; que ela não seria aceita na irmandade se ele continuasse
a morar lá. Passados menos de três meses depois daquele
sábado fatídico, Walter se vê sem sua velha e fiel ilusão, sem
lugar para morar, sem rumo e, novamente, sem emprego, Walter
se arrepende e achava melhor não ter vindo para o sul, pelo

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menos, assim, ela não estaria casada, com dois filhos do filho da
puta que a esbofeteia. Esse quadro ilustra muito bem a frase do
poeta Jair de Oliveira: “Pois com amor ninguém brinca sem se
machucar” – o primeiro foi Walter; a seguinte, Gicélia; e depois…
depois.
Desde então, Walter e Rodrigo nunca mais se viram, até este
exato momento. Não que Walter fosse fazer alguma coisa com o
seu rival, pois, como já dito, não lhe guarda mágoas e, no fundo
no fundo, o único mal que lhe deseja é que morra, mas isso não
é nada pessoal.
Mesmo fedendo à carniça, repentinamente, Walter põe outra
vez sua carteira no bolso de trás da calça e sai a passos ligeiros
pela estrada de Taipas. Anda apressado e distraído, como se
mantivesse a mente em branco para encurtar a distância que tem
de percorrer até a casa de Gicélia (como se fosse somente dela).
Antes que chegasse em Alfa, Walter passa em frente a uma
floricultura sem perceber e é despertado pelo som das portas de
ferro sendo abaixadas. Tem uma ideia simples. Volta
rapidamente, diz ao rapaz que está com pressa e que só quer um
buquê de qualquer coisa. Enquanto o rapaz vai escolher as flores,
Walter pega um cartãozinho e escreve com letras garranchais:
“Gicélia, ainda te AMO muito”. Paga dez reais pela dúzia de rosas
vermelhas em botão e sai correndo com o buquê na mão do braço
direito esticado para cima, por ansiedade e falta de coordenação
motora, de não conseguir correr sem despetalar as rosas todas.
Em menos de cinco minutos, ele chega à casa da suposta
mulher da sua vida. Para uma casa antes da dela, respira fundo
para descansar da corrida e também para aliviar o nervosismo
que antecede o reencontro. Finalmente, para ao portão da
pequena casa pré-mal-construída, prende cuidadosamente o
buquê embaixo do braço, respira fundo mais uma vez e bate
palmas com força. Alguns segundos que só fazem aumentar a
expectativa. Uma porta se abre no fim do corredor estreito e
pouco iluminado. Walter esforça-se para ver quem é e, para sua
interina felicidade, é mesmo Gicélia a figura se empalidecendo ao
olhar para ele e trepidando-se de medo. Walter, num surto de
satisfação, grita de braços abertos:

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- É pra tu, Gicélia! É pra tu!
Gicélia arrepia-se, ou de pavor, ou pelo cheiro das axilas do
homem das pizzas embaixo dos braços. Ela olha aterrorizada,
pela porta entreaberta, para o vulto que se aproxima. Num
lampejo de inteligência, assim que o seu pseudo-ex-amigo bota a
cara de boi brabo para ver o filho de um corno que está com as
flores para sua mulher na mão, Walter saúda-o:
- Ê Rodrigão… num é que tu continua o mesmo romântico de
antes, hein? – Walter sorri de alívio olhando para a cara do outro
cara transfigurada de raiva e falta de reação – Mas me fale, como
estão? – Rodrigo reage por uma única vez ao acenar com a
cabeça, enquanto Gicélia faz barulho com o molho de chaves
tentando encontrar o portão – Quando vi que o endereço da
entrega era a rua Antônio de Cabezon número 86, eu fiz questão
de vir pessoalmente fazer a entrega. Rever meus velhos amigos.
Gicélia, acreditando realmente que recebera um raro agrado
do marido, agradece bem simpática e recebe as rosas das mãos
de Walter, o qual arremata:
- Meu Deus! Dá para ver o contentamento nos olhos de Gicélia
mesmo depois de tanto tempo que vocês tão aí… juntos – Gicélia
se acanha – mas também com um maridão que nem tu, né
Rodrigo? Num deve ter do que reclamar. – Rodrigo, totalmente
vidrado no buquê que a mulher toda orgulhosa traz nos braços,
não se contagia nem um pouco com essa alegria imaginando qual
seria a procedência daquelas flores e questionando tamanha
coincidência por parte do entregador. Walter, por sua vez, não vê
a hora de abandonar o circo, mas não antes de meter fogo – Ah!
Antes que eu me esqueça, Rodrigo, agradeça ao S. Rubens pela
gorjeta que ele deixou lá pra a gente. Ele saiu tão rápido que eu
nem vi. Ta bom, pessoal, eu vou me indo que ainda tenho que
fechar a floricultura, tá? Quando eu tiver com mais tempo eu volto
pra conhecer as crianças. Já devem estar quase do meu
tamanho, né? Pessoal, até mais!
Sobe duas casas e senta-se na calçada, rindo feito um bobo e
mais prazerosamente a cada grito do marido arguindo à sua
mulher histérica em prantos entre barulhos de portas
arremessadas ao batente, vidros se estilhaçando e Walter nem

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se importa se a coisa que Rodrigo está usando para a
quebradeira seja a sua frágil Gicélia. Quer mais é se divertir à
custa da desgraça de quem já tanto o desgraçou.

C APÍTULO 3 – E XP R ES SO C L AN D E ST I NO

Há um tempão atrás na região de Pirituba, um menino


arregaçava marcadores que tinham geralmente um metro a mais
de altura. Alastrava talento pelos gramados e nos não-poucos
campos de terra da periferia da Z. Oeste paulistana. Isso

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aconteceu anos antes de serem instituídos e distribuídos
adjetivos fenomenais a muitos pernas-de-pau; agora, esse
menino sim, possuía a estrela dos imortais nomes do futebol
brasileiro e já apresentava predicados como nunca antes vistos
num único jogador, mesmo sendo ainda tão pequeno: era veloz
que nem coelho e liso feito cobra; resistia aos trancos dos
brutamontes e sabia também bater para mostrar raça ao invés de
intimidação; tinha a presença de área dos grandes matadores;
batia falta, escanteio, cabeceava de olhos abertos tirando sempre
do goleiro, finalizava tão bem com a direita como com a esquerda,
tinha grande visão-de-jogo para armar jogadas no meio-campo e
driblava como ninguém. Era comentado durante dias nas
mesinhas dos botecos nos arredores dos campos após ter
apresentado seu imenso futebol mesmo que por poucos minutos.
O assédio dos clubes era constante na porta da casa dele, mas
sua mãe punha pra correr todos que aparecessem com essas
conversinhas de ir para o exterior, milhares e milhares de dólares;
queria mesmo ter um filho doutor. Só aos dez anos de idade, com
o apoio de alguns vizinhos, mesmo contra a vontade da própria
mãe, conseguiu ir treinar no seu clube de coração. Investia todo
dia dois passes de ônibus e mais dois de metrô para ir até
Itaquera, do outro lada da cidade, iniciar sua tão promissora
carreira de jogador.
Era, sem dúvida alguma, o maior nome do juvenil do Parque
São Jorge e já vislumbrando a possibilidade de começar a treinar
na equipe principal, quando uma terrível fatalidade mudaria a sua
vida abruptamente. Finzinho da tarde de um sábado; já não era
mais tão menino, cultivava um buço na cara como se fosse barba;
chegava em casa após mais um dia de arrebentar no treino.
Cansado, dormia durante todo o percurso do ônibus e perderia a
parada do ponto próximo à sua casa se não fosse o cobrador lhe
acordar. Depois de cinco anos fazendo esse trajeto quase todos
os dias, mesmo sem ser muito sociável, tinha feito amizade com
todos os motoristas e cobradores corintianos da companhia e só
precisava pagar passagem quando tinha o azar de pegar algum
cobrador palmeirense pela frente. Mas nesse dia, palmeirense foi
o acaso. Ainda bastante sonolento, após agradecer pela ajuda, ia

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descendo pela porta da frente do ônibus, por menos falta de sorte,
não tocara ao chão quando uma moto fazia a ultrapassagem pela
direita em alta velocidade, atingindo com violência e arrancando-
o de dentro do ônibus pelas pernas. Foi lançado a alguns metros
de distância pelo motoqueiro que nem sequer pôs a mão no freio
na menção de parar. Todos no coletivo, num desespero completo,
puseram aquele corpo franzino e desfalecido para dentro do
ônibus e foram diretamente para o pronto-socorro mais próximo.
Alguns nervosos praguejando, outros chorando, certamente não
pela saúde do menino ou pela revolta contra o motoqueiro, mas
sim, pelo futuro do Timão.
Esse fato encerra definitivamente a carreira de um craque que
nem bem começara. Com toda a sorte de placas, pinos,
parafusos, tanto ferro nas pernas, ficou impossibilitado de jogar
em qualquer clube de expressão e era muito metido para ir jogar
nos timinhos da várzea. Não foram exclusivamente os problemas
físicos que sobrevieram a esse garoto de apenas dezesseis anos,
foram acentuados problemas emocionais como a revolta, a
inveja, incapacidade de ver a alegria alheia sem, com isso,
impelir-se a atrapalhá-la ao máximo. Movido por este último
sentimento citado, alguns anos depois, teve a audácia e a
ruindade de atravessar a vida de duas pessoas que
supostamente se amavam: uma era a mulher magricela com
quem se casaria mesmo sem sentir nada por ela, o outro era o
trouxa do balconista do bar em que trabalha como chapeiro.
Infelizmente tornou-se tão infeliz, a ponto de gratuitamente
infelicitar aos que o rodeiam, tendo por único hobbie, o
esquartejamento lento e mental de sua esposa, como forma
castigá-la por ele próprio ter sido tão covarde de não conseguir
desfazer o malfeito em tempo após tê-la tirado da vida de Walter.
Casou-se com Gicélia mesmo após ter acabado seu farto
sadismo. Hoje os dois vivem infelizes, só não sei se para sempre.
Nesta quinta-feira Rodrigo levanta-se mais cedo do que de
costume, uma hora antes, depois das cinco que passou sem
pregar os olhos, apenas fazendo número na cama acompanhado
torturantemente pelos roncos intermitentes de Gicélia. Sai para
comprar o pão na padaria mais distante de sua casa, a do lado

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da floricultura, só para pegar o número do telefone e desmascarar
o safado do Walter. Volta com quatro daqueles pães estufados e
cinqüenta gramas de apresuntado para tomar seu individual café
da manhã. Vai trabalhar; chega antes do horário e já veste sua
indumentária encardida, avental e boné. Pega no batente mais
cedo por pura inquietação e matuta. Rodrigo pensa enquanto a
chapa esquenta. Na parte da manhã só tosta pão com manteiga
e faz um e outro ovo frito. Um pouco antes do almoço é quando
tem um tempinho para comer um bife no pão caprichado, com
queijo e vinagrete à vontade. Come rapidinho e liga para o
número do telefone anotado. Conforme o esperado, fica
completamente puto com a audácia do cabeça-chata miserável.
Jura que, se Gicélia estiver-lhe pondo uma boina de boi, ainda
hoje mata os dois condenados. Passa toda a tarde quase fritando
o próprio bico, com cara de malagueta, carregando de pimenta
tudo o que preparava. Chega às quinze para as cinco da tarde
com muita paciência e sacrifício, tenta conseguir com o patrão
sair meia hora mais cedo, o qual sarcasticamente lhe diz para
adicionar essa meia hora aos três meses de férias atrasadas.
Mesmo assim, talvez movido por um forte pressentimento,
Rodrigo larga o expediente quarenta minutos antes para dar
tempo de chegar até a Lapa antes da saída de Gicélia do trabalho.
Sobe para o ônibus que, mesmo lotado, para de ponto em ponto
para pegar mais passageiros. Quase seis e meia da tarde, com
um pouco de atraso, consegue chegar na portaria do serviço de
sua inconfiável esposa. Ainda algumas pessoas saem do prédio,
mas nenhuma delas atende pelo singelo nome de Gicélia. Espera
ainda mais alguns minutos após a saída do porteiro e, apreensivo,
atravessa a avenida em direção ao ponto de ônibus. Caminha
com o olhar não-expressivo e vago quando algo, ou melhor,
alguém lhe chama a atenção. Perplexo, reconhece a figura magra
de cabelos curtos e mal-tratados a berrar histericamente dentro
de um bar do outro lado da avenida. Dá um ou dois passos saindo
da calçada e para repentinamente ao identificar o homem com
quem a ordinária da sua mulher grita: é Walter! Sim, o cara das
flores, que deve também ter passado a noite sem dormir,
diferentemente do seu caso, por não poder dormir dando risada.

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É ele que está com Gicélia a qual está possivelmente brigando
com ele por ciúmes. Neste preciso momento, Rodrigo talvez
esteja sentindo toda a inferioridade e incapacidade que há tanto
tempo tenta esconjurar de si mesmo ao provar que, mesmo não
conseguido ser um jogador de futebol, poderia ele também se
casar com uma loira, ainda que tingida, feia e esquisita.
Permanece parado (feito uma homenagem ao patrono bovino
dos homens enganados) assistindo aos acontecimentos
conseguintes dos berros de Gicélia ruborizada, porém sem-
vergonha:

Walter se levanta e ameaça ir embora.


Gicélia o impede agarrando-o pela manga da camisa.
Walter esbraveja alguma coisa com ela.
Ela lhe responde à altura com o dedo indicador em riste a um
dedo do nariz de Walter. Em seguida ela se cala, fixa e
aprofunda o olhar dentro de seus olhos que, por enquanto, não
dão resposta.
Talvez Walter não entenda que aquele dedo na sua cara, nada
mais é do que uma intimação. É a oportunidade que procurou por
toda a vida e, como todas as outras vezes que ela surgiu e ele só
soube arrumar desculpas para sua falta de proveito, Walter se
intimida e tenta sair sem nem ao menos erguer o olhar. Então
Gicélia atarraca-se a ele envolvendo-o por sob os sovacos. Busca
com o próprio olhar os olhos de seu achego acanhado (mais um
olhar que Walter não traduz), encaminha seus lábios aos dele e
lhe beija na boca com afinco. Tudo seria tão belo e detalhado se
não houvesse um corno plantado do outro lado da pista,
completamente pasmado com tudo o que vê, tudo isso que
parece lhe estuprar a retina. De dor ou de raiva, interrompe de
vez aquele beijo que ia se assanhando. Os dois param e Gicélia,
ingênua, tenta abrigar-se atrás do seu atarracado protetor após
ouvir aterrorizada o seu nome ser gritado de forma tão habitual.
Feito um verdadeiro rato que acaba com a própria festa ao
perceber que o gato, de bico, também veio participar, assim
largou Walter do osso e apressou-se em sair do barzinho
esgueirando-se junto ao muro da construção ao lado. Os passos

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rápidos, um a diante do outro, só são interrompidos pelo susto do
frear brusco de um carro. Já com a feição transformada pelo ódio,
Rodrigo, do lado de lá da avenida, dá o passo “tá fundo” com os
olhos vidrados em Gicélia, a qual, visivelmente, batia um joelho
no outro (visto que, para tal, não é preciso muito devido as suas
pernas de Maria Chiquinha, em forma de X); deu mais um passo
à frente – o “tá raso” – xinga um palavrão careca, cabeçudo, feio
da ponta vermelha; e antes que fosse dar mais um passinho, com
a perna mais curta, uma Kombi velha tenta evitar o atropelamento
fritando os pneus também carecas, mas acerta Rodrigo em cheio
ainda com bastante velocidade, atirando-o a alguns metros
depois do semáforo. Walter arregala os olhos como se não
acreditasse no que eles veem e lê com espantosa facilidade, no
vidro filmado de trás da lotação ainda em movimento, a inscrição
irônica e também profética: “Só Jesus Salva”.
Depois de recebida a mensagem, Walter continua o passo que
tinha atrasado. Da mesma forma procede a lotação acelerando
para recuperar o tempo perdido durante a freada. Gicélia olha
para os dois principais homens da sua vida enquanto ambos vão
a abandonando sem remorso.

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C APÍTULO 4 – E N C ERR AN D O C AP Í T UL O S

Após a morte de Rodrigo a vida parece se travestir com uma


certa meia-calça de justiça; entretanto, Walter faz questão de
cobri-la com uma calça (inteira) de indiferença. Passa o dia do
funeral de Rodrigo em casa tentando ocupar a mente com
qualquer coisa só para não pensar em nada que não fosse lixo e
objetos espalhados por todos os cantos do seu quarto-e-cozinha.
Tenta dar um jeito no pandemônio que é seu quarto, com coisas
soterradas há tanto tempo que era tarefa difícil reconhecê-las.
Entre estas, encontrou uma caneca de chope que ganhou de uma
prima de Caruaru com a incrível frase: “Bebo porque é líquido /
Se fosse sólido eu comia”. Walter se perde um pouco, com um
sorriso sacana na boca, olhando para o presente semi-intacto
talvez lembrando com arrependimento de como a prima era
sólida. Junta a caneca aos pratos, cascas de frutas e restos de
comida que escondem a pia (faz dias que come na mesma panela
em que cozinha e bebe nos copinhos de plástico que traz da loja).
Volta ao quarto e passa algumas horas remanejando tranqueiras.
Um pouco antes das quatorze horas, toca o telefone de Walter,
ele corre todo eufórico (também… não é todo mês que ele toca)
e atende: - Gicélia, é tu? (…) Fale mais alto, num to escutando!
(…) Está bem, já já eu to aí. Tchau. - fica pensativo. Mesmo assim
para o que estava fazendo e, aproveitando a bagunça ainda
generalizada, pega as roupas do topo do monte e as veste. Em
um minuto já está pronto e à porta para ir. Para e fica mais
pensativo. Volta para trás e enrola quase meia hora andando do
quarto para a cozinha, da cozinha para o quarto. Resolve e vai de
uma vez confortar a viúva novinha em folha.
Rapidamente chega à casa de Gicélia, a qual não consegue
disfarçar seu abatimento mesmo com todo o pó-de-arroz que pôs
na cara ainda mais chupada e aflita. Não deve ter dormido à noite
de medo do espírito ruim do marido ou por pavor mesmo do
quarto, da cama, dos chinelos, dos grossos cintos de couro, das
fivelas que estamparam as partes, hoje dormentes, do seu corpo
nos últimos anos. Sorria parada em frente a sua casa,
possivelmente ainda mais esquálida, diante de um Walter

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aparentemente mentiroso em suas condolências bem mordazes
naturais do seu pronto cinismo. Ainda mais visível era o tipo de
comiseração que Walter pretendia prestar ao adentrar o recinto,
porém, toda a sua desenvoltura fica por aí. Carente de qualquer
coisa que a fizesse se sentir mulher outra vez, Gicélia recebe
Walter com muita falta de orgulho próprio e com um tanto de
esperança de que aquela entrega não fosse embalada por
mágoa, preferindo que Walter estivesse imbuído de pena a
qualquer outro sentimento menos honroso. Calma
aparentemente, demonstra a tensão e o tesão confundidos no ar
intermitente e ofegante de sua respiração ao conduzir Walter ao
quarto. Param em frente a cama, Gicélia senta-se e puxa Walter
pela mão para fazê-lo sentar-se do seu lado; ele, feito uma
marionete, obedece ao puxão. Bastante comovida, Gicélia lhe
dirige algumas palavras que só poderiam provir de egos
dilacerados na expectativa de uma réplica que os levantassem,
mas de Walter não se pode esperar nada que se levante pela sua
boca; broxa um pouco mais como forma de agradecimento
troiano pelo apoio moral e só volta a animar-se quando Gicélia
percebe de que única forma funciona seu inibido amante ao dar-
lhe todo o seu apoio bucal. Manda muito bem e Walter se solta
até demais: arranca a sua camiseta com uma só mão e com a
outra, logo após, levanta bestialmente Gicélia; numa tentativa
desastrosa, puxa-lhe a blusinha deixando-a entalada entre os
ombros e o pescoço – poderia tê-la esganado de tanta estupidez.
Ela, acalmando-o, tira a própria blusinha e o faz deitar na cama
com um empurrão; Gicélia, dominadora, com categoria toma as
rédeas do seu mulo xucro.
Walter já havia perdido a fixação que tinha por ela após o beijo
que lhe deu na frente do marido que estava naquele momento
indo pra casa dos pés juntos, então era absurdo o pensamento
de que aquela mulher em cima dele, esmagando os seus bagos
com mais selvageria do ele próprio demonstrara segundos antes,
era a mulher dos seus devaneios em, pelo menos, vinte anos de
sua vida; o roteiro estava errado: toda aquela posição de
submissão e nulificação deveria ser dela e não de Walter. A
trepada era dela. Ele é quem estava sendo comido!

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Após tanto tempo de aguardo e imaginação despendida, era
muito humilhante tal performance para ele, cujo nunca ficara o
tempo todo tão passivamente nas ações durante uma transa; não
se conforma de ter saído sem dar ao menos um tapão nas ancas
ossudas de Gicélia. Saía um tanto cabisbaixo quando sua
parceira, deliciada após a hora e meia de sexo inédita nos três
anos em que viveu sob os cascos de seu finado marido, o abraça
forte agradecendo pelos momentos tão inesquecíveis nesta dura
fase de adaptação. Aperta-o cada vez mais ao passo que lhe vai
declarando a importância que ele sempre teve para ela, e blá, blá,
blá… Walter, com impostação de militar, faz juramento de que
nunca, jamais a abandonará nesta situação. Como se detectasse
a balela e quisesse expurgar o falacioso, a menorzinha das filhas
de Gicélia acorda e começa a berrar de dentro da casa; a mãe,
por instinto, vira-se e dá um passo para dentro, Walter diz já do
lado de fora: - Fêche o portão! – e se vai imediatamente sem
sequer olhar para trás. Ainda por alguns instantes, Gicélia
permanece a olhá-lo ir, fecha o portão sem tirar os olhos de sobre
o seu amante de minutos antes, o qual se apressa em subir a rua.
Não sei bem ao certo, mas parece que Walter foge na tentativa
de deixar muita coisa para trás: uma culpa, a de possivelmente
ter participado efetivamente do caso pelo qual viuvou Gicélia; de
uma responsabilidade, aquele choro enjoado e amuador da
criança deve estar ainda tinindo nos ouvidos dele, tão
aterrorizado quanto o diabo que finge que foge da cruz; de um
passado sem sentido, testificou o que todos os moleques de
Alagoas falavam em relação a Gicélia, é totalmente sem sal nem
açúcar e mais desengonçada ainda pelada, muito feia mesmo. Ao
distanciar-se desta realidade que fazia questão de aplicar à sua
vida até aqui, Walter parece afrouxar e diminuir o ritmo dos
passos ligeiros, a face tensa dos olhos arregalados e testa
franzida, passam a dar lugar a um semblante mais natural e
característico ao corpo do homem depois de uma gozada; a cara,
outrora de pavor, transforma-se numa de saciedade e alívio
profundo. Assim, com o passo vagaroso das pernas sem firmeza,
Walter vai voltando para casa no intento de comer tudo o que

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puder e capotar na cama para só acordar no outro dia de manhã.
E é isso que ele faz.

C APÍTULO 5 - R EI NI CI AL I Z AN D O …

Qualquer quatorze horas de sono fazem uma pessoa,


seja ela quem for, nascer de novo. Com W alter não foi
diferente. Apesar do corpo moído de tanto virar em cima
da cama, a sensação neste nov o amanhecer é de
renovação, como em toda nova aurora se formos ver;
mas, hoje, em especial para W alter, é um recomeço
com aroma de uma nova chance. Restaurar o seu
passado arruinado, viver sem fardos trazidos do norte
nos lombos e a oportunidade de encontr ar novas
mulheres para arruinar tudo de novo é o que enche o
nosso anti-herói de entusiasmo ao acordar neste
primeiro dia aproveitável de sua vida . Apenas quem já
passou por longos dias de tormenta é que sabe o que
significa finalmente abrir os olhos e ver bonança. Tudo
o que se passou é, agora, definitivamente passado,
parece redundância, mas não é: foi virada aquela
enorme página tão confusa e vazia , cheia de tantos
borrões; abrindo horizontes antes distantes, hoje,
alcançáveis.
Acorda bem cedo devido às poucas condições de
conservar a sua cabeça no travesseiro por mais tempo,
graças ao litro de baba gelada que faz grudar
barulhentamente a sua cara na fronha. Levanta-se
morosamente com a mente vaga de pensamentos
negativos e, pela primeira vez desde que se tem
registro, nem sequer passa pela cabeça achatada de
W alter aquele nome estranho com “G” no começo. É
como ter convivido há anos com um tumor e o rumor de

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morte que ele fatalmente traz, para depois,
simplesmente, sentir o milagre da cura .
A existência parece bem mais lógica quando se para
de por defeito nela e , sem as horas gastas diariamente
para reclamar da vida, até sobra um tempinho para
arrumar, definitivamente , a zona que é o quarto de
W alter. Ainda não são nove horas d a manhã e já está
tudo no seu devido lugar: as meias e cuecas nas
gavetas; as camisetas, blusas, bermudas e calças no
armário e os tênis e chinelos embaixo da cama
alinhados cada um com seu par. W alter, para completar
a maravilha desta manhã tão agradavelm ente
produtiva, vai à padaria e compra pão, queijo, presunto,
suco de laranja e broa de milho. Quer tomar um café da
manhã digno e à altura do novo W alter (1,58m). Assim
que termina o seu de sjejum, imediatamente enfrenta a
pilha de pratos e afins na desapa recida pia da cozinha.
Por sorte encontra a vasilha da D. Beatriz ainda mais
esverdeada por causa dos fungos que dominaram o
recipiente. Não por isso, W alter permanece alguns
instantes olhando para ela antes de esfregar -lhe a
esponja; recorda -se daquele dia, por certo. Lava e a
põe de lado, propositalmente junto à caneca de Caruaru
e continua com o pensamento distante; aposto que em
Mauá. Deve lembrar do olhar fortuito daquela menina
aparentemente ingênua e sem malícia que o seguiu com
os olhos até onde pôde, a qual o persegue até agora na
imaginação. Só a mente sem vícios pode conjeturar tais
encontros e apenas uma mente perversa pode
compactuar com essas promiscuidades.
W alter não pode estar pensando nessa menina com
a cabecinha! É uma criança até que a prove ao contrário
– mas a cara de maníaco sexual dele no momento não
nega: masturba a mente com algumas brincadeirinhas
depravadas com a suposta aprendiz virgem nua.
Ainda com o sorriso tarado na boca, passa uma água
novamente na caneca de chope e a de ixa de boca para

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baixo para que se seque por si só. Em seguida, vai ao
banheiro fazer o que devia ter feito ontem . Após o
sacrifício do banho de quatro minutos, tenta dar um
jeito no cabelo esperando que a eletricidade (nem tão
estática) do seu corpo coopere com a não -armação do
seu ninho de pelo de gato, abusa do perfume e passa
desodorante (!). Já pronto, aciona seus conhecimentos
do domínio da força centrípeta chacoalha ndo a caneca
no ar para tirar-lhe as últimas gotas d’água , logo após,
a guarda numa sacola plástica juntamente com a
vasilha de D. Beatriz. W alter, quando se decide, é
bastante ágil para efetuar o que se determinou a fazer;
mais rápido que sexo dentro do casamento . Está
altamente preparado e partindo para a sua árdua
jornada, atravessando a cidade, enfrentado inimigos
desleais como os trens urbanos que têm tarifa mas não
têm hora de passar. Ainda próximo à sua Batcaverna, o
Jerônimo da zona oeste de São Paulo para numa
padaria e, utilizando -se agora de seus conhecimentos
de etiqueta e boas maneiras, escolhe (com seu olho
culínico contra coisas em estado de endurecimento) os
pães com a aparência de terem sido confeccionados
mais recentemente . Coloca -os generosamente na
vasilha, não apenas zelando p ela conservação dos
mesmos, mas também, cuidando para que não seja
afetado pelos efeitos de sua kriptonita, uma vez que os
mesmos são cobertos por coco ralado a dar com o pau.
Heroicamente W alter vai suportando a enorme tentação
com sua força de vontade descomunal e incorrompível,
tudo para seguir aos costumes de sua sábia mãe que
nunca, jamais, devolveu uma vasilha vazia.
Horas mais tarde, W alter chega a Mauá. Perde -se um
pouco até recordar o caminho com exatidão. Passa
atenciosamente pelo ponto de ônibus onde estava
aquela garota, mas não a encontra. Nã o perde o pique
nem mesmo assim seguindo a passos firmes pelas ruas
por onde acha que passou quando foi à casa de D.

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Beatriz. Força bastante a memória porém encontra a
casinha mal-acabada onde mora a só e gentil senhora.
Chama-a pelo nome, grita, bate palma e nada de
alguém atendê -lo. Permanece persistente por mais de
quinze minutos, depois disso, enfraquece até cair em
doce tentação ; senta-se na calçada em frente à casa da
velha, olha triste, muito triste, para a sacola que trouxe
consigo. Quase que chegando às lágrimas (se me cabe
tal exagero), W alter come um a um os pães doces que,
como forma de gratidão, ocupavam o interior da vasilha
que vinha em devolução à tão generosa pessoa . Como
se isso não bastasse, o nosso ex -herói deu agora
indícios de ser o elo fraco que p oria a romper uma
corrente de várias gerações, iniciada talvez pelos seus
antepassados índios que compartilhavam com seus
estimados amigos de praticamente tudo, da oca, da
caça, de seus adereços e (coincidentemente) de suas
mulheres.
Desapontado mas de bucho cheio, W alter se levanta
e volta por onde veio. Caminha alguns metros e se
sente obrigado a parar devido ao tamanho da oferta de
botecos. Para no balcão, pede uma branquinha e mata
o tempo ali junto com a seca de beber .
É verdade que coincidência s existem aos montes,
mas este não seria o caso, pois W alter, sentado de
cabeça baixa, passando o dedo na borda do copo
(lembra muito o velho W alter ) está distante no
pensamento obstante nos vinte segundos de um filme
cujo clímax são os olhos escuros daquela garota da
pele também escura, os quais o acompanhavam de
forma cobiçosa. Os pensamentos de antes, embora
agora interrompidos, tornam -se menos obstantes
enquanto aquelas poucas imagens gravadas em sua
mente são agora editadas com o som de uma voz
eufônica, tenra e terna, a qual o chama cutucando -lhe
as costas com delicadeza:

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- Moço! – Walter olha para trás . Com um arrepio que
se inicia no cóccix e vai subindo, num choque, ele se
depara com aquela mesma menina, a que o motivara a
vir até aqui e, neste instante, o deixa afônico:
- … ? … – a danadinha conserta facilmente este
primeiro desencontro:
- Ce não mora por aqui, né? – Walter aproveita a fala
voltando e responde prolixo:
- Não.
- É porque meu tio saiu e eu to sozinha em casa… eu
nem almocei ainda. – Aos poucos Walter vai caindo em
si e começa, finalmente, a acreditar no que está
acontecendo:
- Quer que eu lhe pague um amburgui?
- Não, meu tio num qué que eu fico comendo besteira.
Lá em casa só tem arro iz e eu nem sei fazê. Se você fô
comigo, a gente pode comprá a mistura e ce me ajuda
a fazê o almoço. Qual que é o seu nome?
- W alter. E o seu?
- Rebeca. Ce já almoçô?
- Ainda não. E tu? … ah é,… eh… Onde que tem um
mercado por aqui? Tu sabe?
- Tem um lá na avenida perto de casa. Lembra?
Aonde você passou aquela veiz que eu fiquei te
olhando. – Walter fica totalmente desconsertado:
- Ah, sim, sei. – tira do bolso de trás da calça a
carteira e paga a pinga. Evita olhar nos olhos de
Rebeca, aproveita então para olhar noutros lugares…
- Então simbora – diz condu zindo-a com a mão nas
suas costas para que saia na frente e ele atrás, que era
onde ainda não tinha dado uma boa olhada – Hum…
muito boa! – concorda Walter pensando em vo z alta.
- Filé, maminha, lombinho, colchão mole, picanha…
– introdu z Walter.
- Hã?
- A mistura. Qual que você mais gosta?

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- Ah! Carne moída com quiabo. – responde animada
aos primeiros passos junto ao seu companheiro de
olhar minucioso e mente pecaminosa :
- É? Eu também gosto. Tem quiabo lá? De qualquer
forma eu compro uns no mercadinho, uns grandes que
soltam mais baba.
Rebeca permanece atenta e segura a caminhar ao
lado de W alter, aliás, segura e fin gidamente ingênua
para que ele continue com sua malícia, essa sim,
ingênua.
Compram coisa pouca visto como W alter mostra -se
por demais exigente no pequeno e desfalcado mercado
na tentativa de impressionar Rebeca com su as noções
frigoríficas, noções estas que fizeram com que
chegasse a São Paulo com a mala fedendo a carne
podre. Meio quilo de acém moído , molho de pimenta,
feijão e quiabos grandes, é tudo o que W alter carrega
na sacola enquanto tenta desvendar a figura
intrigantemente faceira, linda e famint a:
-… meu pai eu nem conheci, minha mãe, a irmã desse
meu tio, sabe? morreu há mó tempão atráis . Aí eu vim
morá com meu tio.
- Faz é tempo que ela morreu?
- Xou vê… eu tinha doze… faiz uns dois anos.
- Foi do quê?
- Mataram ela.
- Vixi Maria, quem que matou?
- Ninguém sabe direito . – fica cabisbaixa neste ponto
do interrogatório. Walter, por milagre, percebe:
- E o seu tio lhe trata bem?
- Trata, ele é muito bom pra mim, faiz tudo o que eu
peço.
- Ah! Isso é que importa.
Chegam à casa da menina, W alter leva as sacolas
até a mesa de cozinha e se assanha para mostrar
também seus dotes culinários. Rebeca se senta à mesa
a pedido de W alter, o cozinheiro. Ele parece se sentir

- 29 -
à vontade como nunca antes com uma pessoa do sexo
feminino, a não ser talvez com as que lhe estivessem
prestando serviço. Pode ser pelo fato de não vê -la
como mulher mesmo, todavia, é um bom sinal para este
início de romance ou qualquer outra coisa que isso
possa vir a ser. Refoga a carne, corta o quiabo , a
linguiça no feijão e joga muita conversa fora. Rebeca
demonstra um interesse gigantesco por W alter, pela
paciência com que ela ouve tamanha conversa mole.
Até que, depois de muito saco, ela olha para o relógio
de parede e interrompe -o num suspiro suave:
- Sabe naquele dia…? Eu te achei fofo com esse jeito
engraçado que ce anda.
- Ah é? Mas eu num entendi foi nada. Ainda tu correu
pra esquina e eu fiquei cabreiro que só.
- Foi pra vê seu popozão. – Walter quase frita os
olhos de susto:
- Co-mo assim?
- Ce rebola. É isso o engraçado! – dá uma risadinha
safada como alguém quando se safa . Walter permanece
assombrado, sem entender esse suposto elogio o qual
vai livrando -lhe desse seu estado diferente que é o de
ficar à vontade.
- Deix’eu lavá essa louça logo, senão a gente não
tem onde comê. – Rebeca tenta desfa zer o clima
nebuloso que cobre a cabeçona de Walter – Ta um
cheiro bom essa carne. Quando eu morava com a minha
mãe, lá em casa quem fazia a comida eram as amigas
dela. Carne moída era o que mais elas faziam. Com
ovo, com quiabo, com salsicha… eu gostava de todo
jeito. – Walter finalmente reage:
- Sua mãe não cozinhava?
- Não, ela limpava a casa. A Silv ana e a Lucí era
quem ficava na cozinha.
- Ah, então vocês moravam tudo junto!
- É. Quando minha mãe tinha que trabalhá, eu ficava
com as amigas dela, era mó zoeira.

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- Tu não gostava de ir com a sua mãe?
- Ce acha! – Rebeca, rindo, inventa alguma coisa
para responder – Ela não podia me levá. Por que… ela
dizia que ainda não tava na hora.
- Na hora do quê?
- De aprender a trabalhar.
- E o que ela fazia?
- Faxina! Os patrão dela dizia que não tinha melhor
faxina que a dela.
- Mas cozinhar não era com ela …
- Ah, eu não sei. Diziam que a comida dela também
era boa, mas ela trampava muito e não tinha tempo de
cozinhá pra gente. Mas as meninas faziam sempre o
que eu gostava. Eu sinto saudade delas.
- Está bem, então eu vou caprichar ainda mais aqui
neste estragadinho pra tu se lembrar daquele que suas
amigas faziam.
É impressionante como W alter está diferente. Se isso
fosse ontem, ele ficaria o resto do dia com um bico
enorme por pensar que “talvez” tivesse sido zoado pelo
jeito de andar, ou rebolar … não sei. Com certeza
estaria com cara de quem procura um assento sanitário
emoldurar a própria ca ra.
- Quantos anos você tem?
- Vinte e sete. Tenho idade pra ser seu vizinho. –
Walter brinca com a menina para não causar impacto
por ser tão mais velho do que ela.
- Já fiquei com um cara de trinta e seis anos – Rebeca
faz melhor. Walter, mais uma ve z, mudo.
Definitivamente ela começa a sentir prazer em deixá-lo
assim – Foi o único cara que eu quis dá meesmo… –
encara Walter nos olhos – só que ele não conseguiu.
Disse que tinha uma filha quase da minha idade e que
não podia fazer i sso comigo. – por essa Walter perde a
vo z de ve z.
- Bacana – não é possível! – então tu é virgem?

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- Eu num disse isso. Mas s ô, e não tenho pressa pra
deixá de sê. Eu gosto é de beijá na boca, de brincá com
a língua… – atiçado Walter:
- Como assim?
- Quando eu quiser eu te mostro. – Walter ri bastante
sem graça porém excitado com essa mania dela de
assoprar só para morder . Mais uma vez ela assopra:
- Sabe, eu gosto de quando você fica sem jeito. Fica
mais bonitinho.
- Vamos parar com essa conversa, s enão eu vou
acabar esquecendo que tu é uma menina e não vai
prestar.
- Ta bom, a menina aqui vai ficar ali no cantinho, ta?
– Rebeca larga a estratégia de até então pela ofensa
de chamar uma pré -adolescente de menina , mas o
clima ganha leve za.
Ainda não era janta quando W alter consegue terminar
de cozinhar o feijão. Talvez escondendo o
contentamento, afinal, está prestes a comer . Rebeca
pega os pratos e talheres do escorredor e os põe sobre
a mesa.
- Bote o arroz primeiro para nós dois que depois eu
jogo o feijão quente por cima. – assim dá-se a primeira
cumplicidade de Walter e Rebeca, e há uma
comparação nisso que não pode passar batida: O arro z
branco, parado e frio era algo intragável mesmo ao
paladar menos exigente ; mas foi incorporado a ele o
feijão trigueiro, ainda borbulhante, bem temperado e
exalando aroma de comida caseira . Não há em lugar
nenhum do mundo combinação mais perfeitamente
saborosa. Vamos parar por aí, já que não vai ter o que
falar do quiabo da carne e da cerveja ch oca que Rebeca
tira da geladeira. Walter se esbalda, come e bebe mais
do que falou até agora; já Rebeca, ou come muito
pouco, ou ser chamada de “menina” no pejorativo foi
um péssimo aperitivo. Umas três colheradas de comida
depois, Rebeca empurra o prato e desembesta a falar:

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- Eu conheci os caras que mataram minha mãe.
- Mas tu não falou que ninguém sabia quem era? –
cuspindo comida.
- Mas eu sei! Eu não lembro muito bem da cara, do
resto eu lembro… f ilho da puta! Um dia, tenho certeza,
que eu vô encontrá eles de novo. Eu sei que eu vô.
- E tu vai fazer o quê?
- Isso eu não sei. Um dia eu te conto o que eles
fizeram com ela.
- Quem foi o doido que lhe contou isso?
- Eu ouvi. As meninas choravam o dia todo, aí o povo
vinha comentar com elas e eu ouvia escon dida.
- Chore não! – diz Walter largando por um instante o
garfo para esfregar -lhe a mão com delicade za.
- Mesmo com meu tio aqui eu me sinto sozinha, fico
lembrando dessas coisas o tempo inteiro. Ele sai para
trabalhá e eu tento dormí logo pra não ficá pensando
muito. – Walter seca o rosto de Rebeca e, quase sem
querer, lhe acaricia o lado esquerdo da face molhada.
A reação dos dois é imediata e espontânea; de conforto
por parte dela, de estranho pra zer e descoberta por
parte de Walter. Rebeca sorri, se cando o resto do rosto,
pede:
- Come! – Walter, pecaminoso, arra zo a – Termina de
comê, já, já meu tio chega e eu não quero que vocês se
conheçam ainda. – escancara os olhos abismados
mostrando determinação , à qual Walter obedece
subconscientemente e, o pior, gosta da sensação.
Será que um homem que jamais cogitou a hipótese
de respeitar na vida uma mulher que não fosse sua mãe
poderá aprender a sucumbir seus desejos, acorrentá -
los e entregá -los a mãos beijadas de uma que nem
mulher ainda é? Será que o herói movido a macaxeira
subsistirá à inédita façanha de se desgarrar das
pútridas raí zes do machismo nordestino? Não perca o
próximo capítulo de … “As Desaventuras de Walter
Closed…” - Estão batendo na porta. – avisa Walter a

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Rebeca que se fa z de surda. Persiste alguns instantes
inerte até levantar -se e diz bem falsa:
- Quem será?
Usando sua famosa cara (nº do burro), W alter fica
por entender a surpresa de Rebeca ao bater em na
porta, visto que ela mesma acabara de advertir sobre a
iminente chegada do seu tio. A conversa à porta parece
se exaspera r entre Rebeca e uma inquisidora voz
masculina, até a porta ser fechada e as vozes se calam
enquanto dura a lenta caminhada de ambos pela
pequena sala rumo à cozinha. Rebeca, um tanto
austera, apresenta:
- W alter! Esse aqui é meu primo… Diogo – no tempo
em que Walter menciona levantar -se para cumprimentar
o jovem de vastos cabelos crespos parado atrás de
Rebeca, como num ato imed iato à apresentação, o tal
Diogo acena com o olhar e sobe as escadas a largos
passos. Rebeca aparentando ter gostado da reação do
primo:
- Ele é assim mesmo. É melhor ce í agora. Quando
meu tio chegá eu invento qualquer coisa.
W alter põe os pratos na pia d emonstrando toda a sua
domesticação e é acompanhado por Rebeca até a
porta. Uma breve despedida e W alter segue seu
caminho. Fecha a porta ainda antes de um último olhar
de seu aspirante a namorado , Rebeca apressa -se em
subir ao encontro de alguém que, defi nitivamente, não
é o primo Diogo.

C APÍTULO 6 - R E C E B A R EB E C A !

- Dio, abre! Dionísio! Para de sê bobo.


- Então é essa minha recompensa? É isso que eu
recebo por tudo o que eu faço para você? – abre a porta
neste instante. A cena é marcante; aquele rapa z alto de
olhar auda z e intenso, sensivelmente abalado com a
surpresa de encontrar sua desejada Rebeca fa zendo

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Deus sabe o quê, a sós, com um homem tão mais velho;
a mocinha agora tenta demover da memó ria de Dionísio
essa suspeita, e isso ela sabe fa zer como ninguém :
- Calma, neguinho…
- Beca, como você traz para cá um cara que você
nunca viu na vida? – diz Dionísio bem mais calmo - Ele
podia ter feito coisas com você que eu nem quero
pensar.
- Mas não fez, ta? O cara tava com fome e eu dei
comida pra ele. Foi só isso.
- Não tinha porquê. Ele já é muito bem crescido pra
se virar sozinho. Não precisava que uma menina de
quatorze anos fosse “dá di cume”…
- Ah! Só por isso vai me zuá – sorri de forma
avassaladora ante o inconformismo de Dionísio se
escoando:
- Promete para mim que nuca mais vai se encontrar
com ele?
- Oxi! Ele nem é daqui.
- Promete ou não!?
- Claro.
- Então ta beleza. E como foi na escola esses dias?
As provas?
- Acho que fui bem. Mais ou menos. Sei lá! Toda vez
que eu acho que fui bem eu me ferro. A professora de
geografia mandou a gente faz ê um trabalho sobre
racismo valendo nota.
- Pô, legal! Se você precisar já sabe, né?
- E quando que eu não precisei?
- Eh… - vai abrindo sem, que se possa controlar, um
sorriso igual ao pavão abrindo o rabo - É um começo
por o racismo no quadro negro, já que “quadro negro” é
um dos poucos termos que “negro” é só uma cor fora
do sentido negativo. Ainda não é uma forma de por o
racismo contra a parede, mas está perto.
- Já, já isso vira música. E a professo…

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- Falando nisso - Dionísio tira do bolso do blusão um
cd e o entrega a Rebeca – taí, como prometido :
“Respeitem meus cabelos, Brancos!” .
- Chico César! Põe pra gente ouvir .
- Você reparou na vírgula?
- Quê?
- É: Respeitem meus cabelos “vírgula ” Brancos. Ele
pede para os brancos respeitarem os cabelos dele,
além de ser uma brincadeira com o título de uma música
muito antiga, de mesmo nome só que sem a vírgula.
“Não falem dessa mulher perto de mim, não falem pra
não aumentar minha dor…” – cantarola Dionísio
enquanto põe o CD para tocar. Já Rebeca permanece
sentada forçando a peruca para tentar lembrar o que ia
falar antes da interrupção de Dionísio. Coisa de
minutos, ela empolgada , se desesquece:
- Ah! Tem outro trabalho pra fazer. É sobre uma tal
de Cumadre Tereza de Não Sei o Que Lá.
- Quem!?
- Uma freira que ajudava os outros.
- Eh, eh… – tentando controlar o riso – É Madre
Tereza. MADRE sem o “cu”! – e cai Dionísio na
gargalhada.
- Para de rir, Dio. Seu tonto. Eu só ouvi o nome uma
vez, nem tava prestando atenção, ta?
- Mas com essa carinha linda que você tem quem é
que vai prestar atenção no que você fala, hein? –
depois de engolir o riso seco, Dionísio muda o tom de
vo z para acompanhar a música de fundo e, tentando ver
o que consegue com seu olhar de Rambo depois da
gripe do frango, se aproxima s orrateiro da menina
assentada ao chão com o encarte do CD na mão.
Sestrosa, se fa z de distraída quando sente a
proximidade das segundas, terceiras e quartas
intenções de seu mentor intelectual . Esquiva -se:
- Por que ele não fala dos pretos que raspam,
arrancam, alisam , pintam, põe fogo no cabelo, não

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respeitam o que são e acabam aceitando o termo que
os brancos inventaram para taxar seus cabelos de
“ruins”. – Dionísio fica procurando de onde saiu aquela
contestação tão bem elaborada, pasmo e gago, tenta
responder:
- Ele diz que esses daí que você falou , se enquadram
nesse parâmetro de embraquiçados.
- Não entendi. – se acreditasse Nele, Dionísio daria
graças a Deus agora por certificar-se de que sua amada
não estava incorporada por algum espírito intelige nte.
- “Branco”, nesse caso, não faz referência à “raça”
branca ou a um grupo determinado de pessoas, mas
sim a uma mentalidade anti -negra, vamos assim dizer.
Melhorou agora?
- Ta achando que eu sou o quê, retardada!?
- Imagina. Eu sei que às vezes eu não consigo
controlar o meu vocabulário rebuscado. Mas fala aí, eu
sei que você gosta quando eu “meto a maleta.”
- Seu metido! Tira a mão de mim, sai! Em mim você
não vai meter nada.
- Nossa! Por que tanta revolta nesse seu
coraçãozinho lindo ?
- Não, Dio, é sério. Meu tio pode passar aqui antes
de ir pra São Bernardo, pra ver se ta tudo bem comigo.
Se ele te achar aqui no quarto comigo, é você quem vai
ser comido.
Chega dessa conversinha ! Os dois se despedem não
do jeito que Dionísio queria, ela apenas concede um
selinho para mantê -lo sempre prestativo e o manda
embora. Dionísio parece ir sem ao menos ter uma
lembrança na mente que não seja Rebeca. Que W alter
que nada! Segue para casa esfregando os lábios um no
outro, ruminando o pedaço de migalha que lhe foi
sobejada de um pão que qualquer um outro menos
idiota arrancaria as lascas que desejasse.
Rebeca sobe apressada para o seu quarto e tranca a
porta. Passa quase hora escrevendo ent usiasmada os

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últimos acontecimentos de sua vida; de quando viu
aquele homem que havia lhe chamado a atenção dias
atrás sentado ao balcão de um bar ; de como não
conseguiu controlar sua vontade de saber se era tão
bonito, ou não, de perto; se a voz possuía a lgum
ziriguidum, se as mãos eram atentas a movimentos
insinuantes e principalmente se era macho; de como
inventou qualquer história, a primeira que veio à mente
quando se deparou com choque de tamanha
correspondência ; por fim, guarda o papel com a letra
trêmula de W alter contendo o número do seu telefone.
Prepara o material e a desculpa para não ter lido
sequer uma linha do caderno, do livro, de nada. Ainda
bem cedo, se arruma para dormir; antes, lê o que
acabara de escrever no diário para induzir o
subconsciente a ter bons sonhos, de preferência com
aquele homem um dedo mais alto do que ela, uma
miniatura de Gianechinni com a cabeça em tamanho
igual ao do original, mas tão desajeitado, tão
desajeitado, que chega a ser cuti -cuti (palavras de
Rebeca, por favor!). Pega no sono como um bebê e
dorme gostoso com a mente cheia de planos e o
coração repleto de ansiedade .
… até que enfim , termina esse Domingo a tempo de
não ser interminável.

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