Você está na página 1de 9

19/08/2021

Programa de Pós-Graduação em Educação / UNICENTRO


Disciplina: Corpo e Educação
Professores: Emerson Luís Velozo / Gláucia Andreza Kronbauer

Excertos e discussões do livro

Sociologia do Corpo
de David Le Breton

A condição corporal
• Compreensão da corporeidade humana como fenômeno social e cultural, motivo
simbólico, objeto de representações e imaginário (p. 7).
• Antes de qualquer coisa, a existência é corporal. [...] o ator abraça fisicamente o
mundo apoderando-se dele, humanizando-o e sobretudo, transformando-o em
universo familiar, compreensível e carregado de sentidos e de valores que, enquanto
experiência, podem ser compartilhados [...] (p. 7).
• Puxou a mãe – Os feitos e gestos da criança estão envolvidos pelo padrão cultural
(ethos) que suscita as formas de sua sensibilidade, a gestualidade, as atividades
perceptivas, e desenha assim o estilo e sua relação com o mundo (p. 8).
• O corpo existe na totalidade dos elementos que compõem graças ao efeito conjugado
da educação recebida e das identificações que levaram o ator a assimilar os
comportamentos de seu círculo social (p. 9).
• Elas (as manifestações corporais) só tem sentido quando relacionadas ao conjunto de
dados da simbologia própria do grupo (p. 9).
19/08/2021

Imagem: Os operários – Tarsila do Amaral (1933)

Corpo e sociologia

• Libertação do corpo – e o ser humano?


• Ação sem carne;
• O corpo quando encarna o homem é a marca do indivíduo, a fronteira,
o limite que de alguma forma, o distingue dos outros (p. 10);
• Do distanciamento crítico adotado por alguns pesquisadores, passou a
existir o cuidado redobrado com relação aos condicionantes sociais e
culturais que modelam a corporeidade humana, o limite que de
alguma forma, o distingue dos outros (p. 12);

Uma sociologia implícita


• Homem como emanação do meio social e cultural
• Análise das condições miseráveis da classe trabalhadora;
• Saúde pública/ trabalho/ higiene;
• O corpo não é objeto, mas está implícito nas análises;
• Homem “produto” do corpo
• A biologia determina a condição social, os papéis desempenhados por cada indivíduo, seu
lugar na sociedade;
• Medidas morfológicas e referências anatômicas são utilizadas para justificar a colonização e
as situações de exploração;
• Eugenia;
• Os sociólogos
• Uma corporeidade ainda presa ao orgânico;
• A psicanálise
• Freud: Muito embora não sendo sociólogo, torna a corporeidade compreensível como
matéria modelada, ate certo ponto, pelas relações sociais e as inflexões da história pessoal
do sujeito (p. 18).
19/08/2021

Uma sociologia em
pontilhado
• Contribuições dos sociólogos
• o homem não é produto do corpo,
produz ele mesmo as qualidades do
corpo na interação com os outros e na
imersão no campo simbólico (p. 18-19)
• Contribuições etnológicas
• Os usos e expressões do corpo para
além da cultura ocidental

Imagem: O Ator – Pablo Picasso (1904)

Algumas ambiguidades
• A ciência moderna ocidental “produz” um corpo separado do homem e do
cosmo;
• Referências etnológicas
• Em outras sociedades o corpo não é isolado do homem e está inserido numa rede
complexa de correspondências entre a condição humana e a natureza ou cosmo que o
cerca. [...] Não existe ruptura entre a carne do mundo e a carne do homem (p. 27).
• O melanésio conquistado, mesmo de maneira rudimentar, pelos novos valores, liberta-se
da rede de correspondências que o ligava à comunidade. [...] Evangelizado, submete a
existência aos olhos de Deus e, a partir de então, as fronteiras delimitadas pelo corpo o
distinguem dos companheiros (p. 28).
• Contextos comunitários – corpo como identidade do grupo
• Fator de identificação
• Contextos individualistas – corpo como identidade do indivíduo
• Fator de distinção
19/08/2021

Algumas ambiguidades
• A referência biomédica, assim como a “fisiologia simbólica”, são formas
culturalmente construídas de conhecer e significar o corpo;
• Assim, o corpo não é somente uma coleção de órgãos arranjados segundo as leis
da anatomia e da fisiologia. É, em primeiro lugar, uma estrutura simbólica,
superfície de projeção passível de unir as mais variadas formas culturais. Em
outras palavras, o conhecimento biomédico, conhecimento oficial nas sociedade
ocidentais, é uma representação do corpo entre outras, eficaz para as práticas
que sustenta (p. 29).
• A tarefa da antropologia ou sociologia é compreender a corporeidade
enquanto estrutura simbólica e, assim, destacar as representações, os
imaginários, os desempenhos, os limites que aparecem como
infinitamente variáveis conforme as sociedades (p. 30-31).

Imagens:
O Lavrador de Café – Cândido Portinari (1934); Abaporu – Tarsila do Amaral (1928); Os Retirantes – Cândido Portinari (1944)
19/08/2021

Dados Epistemológicos
• O corpo não existe em estado natural, sempre está compreendido na trama
social de sentidos, mesmo em suas manifestações aparentes de insurreição,
quando provisoriamente um ruptura se instala na transparência da relação
física com o mundo do ator (dor, doença, comportamento não habitual, etc.)
(p. 32).
• A sociologia, cujas pesquisas têm no corpo seu fio condutor, não deve nunca
esquecer da ambiguidade e da efemeridade de seu objeto, a qualidade que
possui de incentivar questionamentos muito mais que constitui fonte de
certezas. [...] O corpo é uma linha de pesquisa, e não uma realidade em si (p.
33).
• Entre o monopólio de verdade requisitado pela medicina e pela biologia, e
outras tradições do conhecimento, cabe ao sociólogo revelar os diferentes
imaginários sobre o corpo.

Campos de Pesquisa
Lógicas sociais e culturais do corpo
• As técnicas do corpo
• Eficácia simbólica e eficácia prática – Marcel Mauss
• O corpo como primeiro e mais natural instrumento:
• O corpo não é nunca um simples objeto técnico [...] Além disso, a utilização de certos segmentos
corporais como ferramenta não torna o homem um instrumento. Os gestos que executa, até os
mais elaborados tecnicamente, incluem significação e valor (p. 44).
• Variações conforme: sexo, idade, rendimento, formas de transmissão
• Aspectos psicológicos, sócio-históricos, geográficos, filogenéticos, etc.
• O circo, as atividades físicas e esportivas, as atividades laborais, a sexualidade
• A gestualidade
• Ações do corpo quando os atores se encontram
• Impossibilidade de criar uma “gramática gestual”:
• [...] não é possível imaginar o significado de um gesto independentemente do contexto de troca
dentro de um sistema de equivalência (p. 47).
19/08/2021

Campos de Pesquisa
Lógicas sociais e culturais do corpo
• A etiqueta corporal
• Convenções coletivas e relações entre interlocutores
• Cada ator empenha-se em controlar a imagem que dá ao outro, esforça-se para evitar
as gafes que poderiam colocá-lo em dificuldades ou induzi-lo a confusão (p. 47)
• A expressão dos sentimentos
• As maneiras de vivenciar e expressar os sentimentos são sociais:
• Como a fome e a sede, a dor é um dado biológico, mas da mesma forma não encontram em seus
prantos sensações idênticas, experimentam a comida de modo diferente, dando-lhe significação
própria, os homens não sofrem da mesma maneira e nem a partir da mesma intensidade da
agressão. Eles atribuem valor e significados diferentes à dor conforme sua história e
pertencimento social (p. 53)
• As percepções sensoriais
• De uma área cultural para a outra, e mais frequentemente de uma classe social para
outra, os atores decifram sensorialmente o mundo de maneira diferenciada (p. 55).
• Exemplo: as preferências do paladar

A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de Campos de Pesquisa


que o corpo humano é repugnante e que sua tendência natural é Lógicas sociais e culturais do corpo
para a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única
esperança do homem é desviar estas características através do uso
das poderosas influências do ritual e do cerimonial.
• As técnicas de tratamento
Os Nacirema têm um horror quase que patológico, e ao mesmo
tempo fascinação, pela cavidade bucal, cujo estado acreditam ter
• Os Nacirema, de Horace Miner
uma influência sobre todas as relações sociais. Acreditam que, se • https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/364413
/mod_resource/content/0/Nacirema.pdf
não fosse pelos rituais bucais seus dentes cairiam, seus amigos os
abandonariam e seus namorados os rejeitariam. Acreditam também • Os comportamentos de higiene e
na existência de uma forte relação entre as características orais e as prevenção
morais: Existe, por exemplo, uma ablução ritual da boca para as
crianças que se supõe aprimorar sua fibra moral.
• As inscrições corporais
• Elas humanizam o homem, colocando-o
As cerimonias latipsoh são tão cruéis que é de surpreender que uma socialmente no mundo, como ocorre com
boa proporção de nativos realmente doentes que entram no templo os Bafia da África Ocidental que afirmam
se recuperem. Sabe-se que as crianças pequenas, cuja doutrinação não poder distinguir-se dos animais da
ainda é incompleta, resistem às tentativas de leva-las ao templo, selva sem suas escarificações (p. 60)
porque "é lá que se vai para morrer". Apesar disto, adultos doentes
não apenas querem mas anseiam por sofrer os prolongados rituais • A má conduta corporal
de purificação, quando possuem recursos para tanto. Não importa • Relações com a loucura e a medicalização
quão doente esteja o suplicante ou quão grave seja a emergência, os da psicologia
guardiões de muitos templos não admitirão um cliente se ele não
puder dar uma dádiva valiosa para a administração.
19/08/2021

Campos de Pesquisa
Imaginários sociais do corpo
• “Teorias” do corpo
• Formas de conhecimento e de apropriação desse conhecimento.
• Abordagens biológicas da corporeidade
• Corporeidade subordinada a natureza, fundamentada na tradição darwiniana.
• O sistema simbólico da relação entre atores, o funcionamento coletivo das
comunidades humanas estão, a seu ver, sob a estreita dependência de uma
programação genética, determinada durante o desenvolvimento da filogênese,
fazendo da cultura um simples artefato biológico (p. 63).
• A única universalidade consiste na faculdade de mergulhar na ordem simbólica da
sociedade, ela é esse privilégio de manifestar-se como um ator num mundo de
significações e de valores que nenhuma cultura esgota (p. 65).

Campos de Pesquisa Imagem:


Imaginários sociais do corpo Baum des todes und des
lebens – Berthold
Furtmeyr (antes de 1481)

A árvore da vida e da
morte

• Corpo, suporte de valores


• A mão direita é herdeira dos atributos do sagrado e a mão
esquerda daqueles do profano. Destro e canhoto não são
• Diferença entre os sexos somente designações funcionais, mas também valores morais
(p. 69).
19/08/2021

Campos de Pesquisa
• O corpo imaginoso do racismo Imaginários sociais do corpo
• O processo de discriminação repousa no exercício preguiçoso da
classificação: só dá atenção aos traços facilmente identificáveis (ao
menos a seu ver) e impõe uma versão reificada do corpo (p. 72).
• O corpo não é mais moldado pela história pessoal do ator numa dada
sociedade, mas ao contrário, aos olhos do racista, são as condições de
existência do homem que são produtos inalteráveis de seu corpo (p. 72-
73).
• O corpo “deficiente”
• O espelho do outro é incapaz de explicar o próprio espelho. Por outro
lado, a aparência intolerável coloca em dúvida um momento peculiar de
identidade chamando a atenção para a fragilidade da condição humana,
a precariedade inerente à vida. [...] Ele cria uma desordem na segurança
ontológica que garante a ordem simbólica (p. 75).
• O homem que sofre de uma deficiência visível, quanto a ele, não mais
pode sair de casa sem provocar os olhares de todos. Essa curiosidade
incessante é uma violência tão mais sutil que ela não se reconhece
como tal e se renova a cada passante que é cruzado (p. 75)

Campos de Pesquisa
O corpo no espelho social
• As aparências
• Maneira cotidiana de se apresentar socialmente – o olhar do outro
• A apresentação física de si parece valer socialmente pela apresentação moral (p. 78) – “a
roupa faz o monge”
• O mercado da eterna juventude
• Controle político da corporeidade
• Dispositivos de controle para além do Estado – a microfísica do poder
• M. Foucault desloca os pontos de referência de análise até então usados e chama a atenção para
as modalidades eficazes e difusas do poder quando se exercem sobre o corpo, para além das
instâncias oficiais do Estado (p. 79-80).
• Classes sociais e relações com o corpo
• As conformações externas corporais seriam as representações de compleições físicas
mais amplas envolvendo o conjunto de condutas próprias aos “agentes” de uma classe
social (p. 82).
• O corpo como instrumento de trabalho e o entrave da doença.
• O aprisionamento do homem a condição de classe.
19/08/2021

Campos de Pesquisa

• Modernidades O corpo no espelho social


• Esse processo de valorização de si, através do uso de marcas distintivas e mais eficientes
do ambiente imediato, depende de uma forma sutil de controle social (p.84).
• É precisamente a perda da “carne do mundo” que força o ator a se inclinar sobre o corpo
para dar carne a existência (p. 86).
• Destacado do homem, transformado em objeto a ser moldado, modificado, modulado
conforme o gosto do dia, o corpo se equivale ao homem, no sentido em que, se
modificando as aparências, o próprio homem é modificado (p. 87).
• Risco e aventura
• A paixão moderna pelas atividades de risco nasce da profusão dos sentidos que o mundo
contemporâneo sufoca [...] A procura de sentidos é fortemente individualizada (p. 88).
• Quando a sociedade é incompetente em sua função antropológica de orientação da
existência, resta interrogar a morte para saber se viver ainda tem sentido (p. 89)
• O corpo supranumerário
• A ética e a pesquisa biomédica
• A corporeidade, que dá ao homem a carne de sua relação com o mundo, quebra em
pedaços e se transforma num quebra-cabeça biológico constituído a partir de um modelo
da mecânica humana na qual cada elemento é substituível por outro, eventualmente com
melhor desempenho (p. 90).

Estatuto da Sociologia do Corpo

• O corpo é a interface entre o social e o individual, entre a natureza e a


cultura, entre o fisiológico e o simbólico; por isso, a abordagem
sociológica ou antropológica exige prudência particular e a necessidade
de discernir com precisão a fronteira do objeto (p. 92).
• Onde está a verdade, ou melhor, a pertinência da pesquisa, senão nas
condições de sua produção, em permanência submetidas à dúvida, ao
rigor, à troca com os outros (p. 93).

Referência: LE BRETON, David. A Sociologia do Corpo. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

Você também pode gostar