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XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

Da Inconstitucionalidade da Tutela Indígena no Ordenamento


Jurídico Brasileiro
Íris Pereira Guedes
Bolsista CAPES no Mestrado em Direito
Centro Universitário Ritter dos Reis
irispguedes@gmail.com

Resumo: O presente artigo tem como objetivo versar sobre a não recepção do artigo 7º
e 35 da Lei 6001/1973 e do artigo 1º, parágrafo único, da Lei 5371/1967, no que tange a
tutela indígena e sua representação processual, pela Constituição Federal de 1988,
artigo 232. Para tanto, serão abordados os avanços dos direitos indigenistas após a
promulgação do texto constitucional e, enfrentados os argumentos pelos quais
demonstrar-se-á o quão prejudicial é para as comunidades indígenas na medida em que
não lhes é possível consolidar sua capacidade civil de forma ampla. A metodologia
utilizada é a de estudos de casos e de revisão bibliográfica, com análise qualitativa dos
dados encontrados. A técnicas de pesquisa variam de acordo com as demandas, sendo
incluídas a análise documental, jurisprudencial e bibliográfica, assim como, consulta em
sítios eletrônicos.

1 Introdução

O presente artigo tem como objetivo versar sobre a não recepção do


artigo 7º e 35 da Lei 6001/1973 e do artigo 1º, parágrafo único, da Lei
5371/1967, no que tange a tutela indígena e sua representação processual,
pela Constituição Federal de 1988, artigo 232. Para tanto, serão abordados os
avanços dos direitos indigenistas após a promulgação do texto constitucional e,
enfrentados os argumentos pelos quais demonstrar-se-á o quão prejudicial é
para as comunidades indígenas na medida em que não lhes é possível
consolidar sua capacidade civil de forma ampla.
Para a realização de tal pesquisa, faz-se necessário abordar distinções
como: “direito indígena” e “direito indigenista”, motivo pelo qual, utilizaremos a
expressão “direito indigenista” para fazer relação aos instrumentos
internacionais e ordenamento jurídico interno, onde não existe a consulta das
comunidades indígenas para suas elaborações e aplicações, como por
exemplo o Estatuto do Índio (Lei 6001 de 1973) e a Convenção 169 da OIT.
Por outro lado, a expressão “direito indígena” está atrelada ao direito
costumeiro na organização interna das comunidades indígenas, portanto,
consuetudinário.
A inexistência de consulta aos povos e comunidades indígenas, na
elaboração dos conjuntos de normas que lhes dizem respeito é uma das
problemáticas que esta pesquisa buscará enfrentar, pois será fundamental para
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a análise dos dados coletados sobre a efetividade e aplicação dos documentos


internacionais de proteção aos Direitos Humanos na questão indígena. Outro
ponto de enfrentamento é em que medida o direito brasileiro dialoga com o
plano internacional quanto os entendimentos sobre as demarcações de terras
indígenas, questões de mobilidade destas comunidades, a proteção dos
mesmos como minoria e a proteção e afirmação do direito da antidiscriminação
aos povos indígenas.
A metodologia utilizada é a de estudos de casos e de revisão
bibliográfica, com análise qualitativa dos dados encontrados. A técnicas de
pesquisa variam de acordo com as demandas, sendo incluídas a análise
documental, jurisprudencial e bibliográfica, assim como, consulta em sítios
eletrônicos.

2 CONQUISTAS DE DIREITOS INDIGENISTAS A PARTIR DA PROMULGAÇÃO


DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

No Brasil, os direitos indígenas passaram a fazer parte dos textos


constitucionais brasileiros a partir da Constituição de 19341 (BRASIL, 1934), seguida
pelas Constituições de 19372, 19463, 19674 e 19695, todas de forma incipiente, sem
grandes garantias, conferindo o direito a posse das terras de forma insuficiente. O
substantivo índio não era utilizado, mas sim o termo, banido hoje em dia pela forte
carga pejorativa, de “silvícolas”6 (HOUAISS. Antônio, VILLAR. Mauro de Salles,
2008). O artigo 5° da Constituição de 1934, por exemplo, trata da responsabilização
por parte da União em incorporar os “silvícolas” à comunhão nacional, seguindo a
lógica de que se tratavam de minorias em vias de extinção, não tendo, portanto, o
reconhecimento de suas culturas como algo inerente à construção do país.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 no Brasil, por sua vez, trouxe
consigo algumas alterações, dentre elas, o abandono do uso do termo “silvícola”,
substituído pelo substantivo “índios”. Também foi fator decisivo para a
implementação da legislação internacional, que refletiu nas questões envolvendo os

1 Art. 5º - Compete privativamente à União: XIX - legislar sobre: m) incorporação dos silvícolas à
comunhão nacional.
2Art. 154 - Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter

permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas.


3Art 216 - Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente

localizados, com a condição de não a transferirem.


4Art 186 - É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o

seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes.
5Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos têrmos que a lei federal

determinar, a êles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto
exclusivo das riquezas naturais e de tôdas as utilidades nelas existentes.
6 O termo faz referência de forma pejorativa como aquele que “vive na selva, ignorante, incapaz,

selvagem”.
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indígenas e suas comunidades. Nota-se que os direitos indigenistas não constam de


forma explícita no rol dos direitos fundamentais da Constituição Federal, mas sim no
capítulo III -
Da Educação, da Cultura e do Desporto - Seção II Da Cultura, no artigo 215.
Independentemente disto, são considerados direitos fundamentais originários para
uma concepção de vida digna.
O Capítulo VIII, por sua vez, recepciona os artigos 231 e 232. O legislador
passa a reconhecer no caput do artigo 231 a multiculturalidade e plurietnicidade às
comunidades indígenas:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.

Em certa medida o disposto representa um avanço, pois rompe lógica


integracionista apresentada nas Constituições anteriores.
O artigo 232, por sua vez busca legitimar os índios e suas comunidades para
ingressar em juízo, de acordo com seus direitos e interesses:

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas


para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo
o Ministério Público em todos os atos do processo.

No mesmo sentido, o Decreto n° 6.040, de 7 de fev. de 2007 (BRASIL.


Decreto n° 6.040, de 7 de fev. de 2007)- Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, dispõe no artigo 1°, inciso I, do
Anexo, que:

I - o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade


socioambiental e cultural dos povos e comunidades tradicionais, levando-se
em conta, dentre outros aspectos, os recortes etnia, raça, gênero, idade,
religiosidade, ancestralidade, orientação sexual e atividades laborais, entre
outros, bem como a relação desses em cada comunidade ou povo, de modo
a não desrespeitar, subsumir ou negligenciar as diferenças dos mesmos
grupos, comunidades ou povos ou, ainda, instaurar ou reforçar qualquer
relação de desigualdade;

Existe um reconhecimento da diversidade cultural dos povos de comunidades


tradicionais, salientando a necessidade de respeito, atuação para que a redução das
desigualdades em relação a estes povos. Da mesma forma em que o artigo 232,
reconhece o direito pleno de as comunidades atuarem como parte legítima para

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ingressarem em juízo em defesa de deus direitos e interesses, não abarcando a


necessidade de tutela pela União e órgãos estatais.
No âmbito internacional, o Estado brasileiro é signatário de uma série de
tratados, protocolos e convenções internacionais, dentre os quais passaremos a
analisar, de forma breve, os que mais se aproximam do diálogo proposto neste
artigo, como é o caso da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), da Declaração Universal sobre os Direitos dos Povos Indígenas da
Organização das Nações Unidas (ONU).
Ressaltamos dos dois primeiros documentos o dever de consulta aos povos
indígenas, disposto tanto na Convenção 169 da OIT, quanto na Declaração
Universal sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações
Unidas (ONU); e, o reconhecimento para assumirem suas próprias instituições e
formas de vida, desenvolvimento econômico e o direito de manter e fortalecer suas
identidades, línguas e religiões.
De acordo com o disposto na Convenção 169 da OIT, é de responsabilidade
dos Estados perante as comunidades tradicionais indígenas:

1 - a necessidade de adoção do conceito de povos indígenas ao âmbito do


direito interno (e não aborígenes ou silvícolas); 2 - o princípio da auto
identificação como critério de determinação da condição de índio; 3 - o
direito de consulta sobre medidas legislativas e administrativas que possam
afetar os direitos dos povos indígenas; 4 - o direito de participação dos
povos indígenas, pelo menos na mesma medida assegurada aos demais
cidadãos, nas instituições eletivas e órgãos administrativos responsáveis
por políticas e programas que lhes afetem (e no judiciário, cabe ressaltar); 5
- o direito dos povos indígenas decidirem suas próprias prioridades de
desenvolvimento; 6 - o direito dos povos indígenas serem beneficiados pela
distribuição de terras adicionais, etc.

Neste sentido, é importante mencionar que as comunidades indígenas nunca


foram consultadas sobre seus direitos consuetudinários e os conflitos com o direito
indigenista. Questões como o significado e importância da terra e da natureza, no
direito indigenista, por exemplo, é tratado de forma reducionista ao conceito de
propriedade, sendo impossível um diálogo intercultural.
O ordenamento internacional se baseia no fato de que os povos indígenas
seriam titulares originais de seus direitos e lhes é devido o direito a disporem de
mecanismos de proteção com fins de reparação histórica pelos processos de
colonização ao qual foram submetidos.
Em que pese os tratados de convenções internacionais não tenham força
coercitiva, a Declaração dispõe em seu artigo 37 sobre o direito dos povos indígenas
de terem reconhecidos, observados e aplicados os tratados e acordos celebrados
com os Estados, de modo a se entender uma relação horizontal entre os povos
indígenas e os Estados em que vivem ou com quem se relacionam.
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A Declaração referida prevê três categorias de direitos aos indígenas: direito


individual de não-discriminação por determinados critérios, como ocupação, saúde,
educação; direitos coletivos, como a preservação e desenvolvimento da cultura e
identidade própria; e direitos especiais passíveis aos povos indígenas, como,
exemplificativamente, o direito de restituição de territórios tradicionais confiscados ou
tomados. As semelhanças e diferenças entre tais categorias são delineadas pelas
características de minorias e de povos indígenas enquanto beneficiários de direitos
especiais. Para tanto, há de se reconhecer o conceito de minoria não numérico, mas
sim em relação a outras entidades coletivas e, principalmente, às relações de poder.
Quanto à definição de povos indígenas, limitando-nos já à visão predominante - mas
não suportando visão essencialista -, ressalta-se as seguintes características:
subordinação nos campos econômico, político e sociocultural; descendência dos
habitantes originais do território; vítimas de genocídio, conquistas e colonizações; e
busca pela manutenção da identidade.
Enquanto os direitos individuais de não-discriminação figuram no núcleo dos
direitos humanos internacionais e são historicamente afirmados, as recentes
previsões a criação de meios para os indivíduos – em geral - exercerem e
protegerem seus critérios identitários individuais são também limitadas por não
poderem ‘contrariar o direito nacional ou internacional’ e, especialmente, ‘não expor
ao perigo a integridade política e territorial dos Estados”. Entretanto, a diversidade
de situações em que os indígenas se encontram denota a dificuldade de aplicação
apenas dos ‘direitos a pessoas pertencentes a minorias”, de modo a ensejar o
desenvolvimento de direitos especiais aos indígenas em detrimento aos direitos
individuais de não-discriminação. Assim, o maior desafio reside em determinar o
escopo e conteúdo dos direitos dos grupos, ou seja, de direitos que grupos não-
estatais podem pleitear, em oposição aos direitos humanos coletivos entendidos
enquanto direitos exercidos por indivíduos em comunidade com outros membros de
seus grupos.

3. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA TUTELA INDÍGENA


Conforme mencionado anteriormente, o art. 232 da CF/88 revogou a tutela
indígena, sendo assim, o indígena passou a ter o direito de qualquer outro cidadão
não índio, inclusive o de ser parte em processos judicias que discutam seus direitos.
São detentores, portanto, do direito de ingressarem em juízo, oferecendo denúncia e
de se defenderem quando acusados, havendo a possibilidade de intervenção do
Ministério Público.
Entretanto, várias comunidades seguem sendo diretamente afetadas por
decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que lhes negam este direito,
negando inclusive a participação nos autos na qualidade de parte ou litisconsorte e

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de ter a oportunidade de fazer provas e/ou de poder apresentar defesa da maneira


como bem entendem.
Neste sentido, entende-se que o art. 35 da Lei 6.001/73, não está de acordo
com o disposto no artigo 232:

Art. 35. Cabe ao órgão federal de assistência ao índio a defesa judicial ou


extrajudicial dos direitos dos silvícolas e das comunidades indígenas.

Outro detalhe importante é a data da promulgação da Lei 6001/1973, Estatuto


do Índio, em pleno período ditatorial. Período este que ficou reconhecido como de
grande violência para as comunidades indígenas (Relatório Figueiredo, 1967),
inclusive pelos órgãos estatais incumbidos de prestarem assistência e auxílio na
proteção e promoção dos direitos indígenas. Da mesma forma, o art. 1º, parágrafo
único7 da Lei 5.371/67, que estabeleceu a criação da FUNAI, foi alvo de apuração de
denúncias que apontaram para situações fraudulentas e de violências sem
precedentes do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em face dos povos indígenas.

Parágrafo único. A Fundação exercerá os podêres de representação ou


assistência jurídica inerentes ao regime tutelar do índio, na forma
estabelecida na legislação civil comum ou em leis especiais.
O órgão indigenista do Estado tem por obrigação institucional fazer a defesa
dos seus atos oficiais nos processos sobre demarcação, mas não de representar a
comunidade indígena, a qual só se fará através da liderança indígena, cacique ou do
seu representante, de acordo com os seus usos e costumes (art. 231 da CF/88). Ao
Ministério Público Federal lhe cabe o dever, de acordo com a Constituição de atuar
em todos os atos processuais, mas novamente, não lhe cabe representar a
comunidade.
Na medida em que o judiciário brasileiro se nega em aplicar o disposto no
artigo 232, viola o direito humano que todos os cidadãos possuem de acesso à
justiça, do devido processo legal, da incidência da Convenção 169 da OIT, no que
tange ao direito de serem ouvidas em sua língua tradicional e da própria dignidade
humana étnica das comunidades tradicionais.
Tanto o artigo 231, quanto o artigo 232 referem-se a direitos fundamentais, os
quais carecem de aplicabilidade imediata, não sendo possível o Estado brasileiro

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atuar de forma em que este sejam cerceados. Trata-se então, de obrigações e


medidas positivas e negativas, visando resguardar as especificidades culturais.
O acesso à justiça está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana. O
acesso à justiça processual, embora sendo meio para um fim almejado pelos povos
indígenas, é uma premissa constitucional de primeira envergadura. Caso
desrespeitada essa premissa, estaremos considerando que a vida do índio se coloca
em escala inferior à dos demais cidadãos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o estudo realizado, foi possível verificar que a aplicação de


ambas as leis, sem que seja declarada a não recepção pela Constituição Federal de
1988, representa uma violação do direito ao acesso à justiça e a cidadania, assim
como, do art. 232 da CF/88, do art. 1º da CF/88 (dignidade da pessoa humana ou
direitos humanos), do art. 231 também da CF/88 (cultura, crença, língua e tradição),
e violação à Convenção 169 da OIT.
Na medida em que as comunidades indígenas deixam de atuar nos
processos que lhes dizem respeito, seja por falta de citação ou por negativa de sua
participação (inclusive como litisconsorte) permitem-se que erros sejam cometidos,
graves omissões e equívocos que não poderão ser sanados. Da mesma forma em
que provas deixam de ser produzidas em benefício das comunidades. Existem,
então, duas formas de negativa de acesso à justiça: 1 – por falta de citação como
parte (ou litisconsorte); e, 2 – por negativa expressa através de decisões, após o
pleito de ingresso nos autos, feito pelas comunidades indígenas.
Ainda, em relação ao acesso à justiça, importante frisar que os indígenas
dispõem do direito de serem representados por advogados da confiança da
comunidade. Consoante a este ponto, há que considerar também o art. 134 da
CF/88 que assegurou a orientação jurídica e a defesa dos necessitados, na forma do
art. 5º, LXXIV. Com estes dispositivos, as defensorias, especialmente a Defensoria
Pública da União (DPU), tem se empenhado e se especializado em atender, cada
vez mais, as comunidades indígenas e demais populações tradicionais. Aliás, é
perfeitamente recomendável, que o judiciário provoque a DPU para representar as
comunidades indígenas ou acompanhar os processos que tratam sobre direitos
indígenas, considerando a afetação coletiva que uma demanda desta natureza
representa.
Desse modo, embora tenha se fortalecido nas últimas décadas a proteção
internacional aos direitos indígenas, os povos indígenas ainda não possuem os
meios legais capazes de coletivamente buscar reparação pelos séculos de terras e
recursos roubados, bem como pela marginalização econômica, política, social e
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cultural. Além do mais, mesmo que tenha começado a encontrar reconhecimento


internacional a situação especial dos povos indígenas em relação à sua prévia
existência nos Estados em que hoje vivem e nos territórios desses Estados, os
povos indígenas continuam a ser privados da possibilidade de reclamar qualquer
forma de pleito jurídico, enquanto partes legítimas, no direito internacional.
Como visto, o legislador brasileiro e a comunidade internacional se
preocuparam em criar diversos mecanismos de proteção e promoção dos direitos
indigenistas. No entanto, os relatórios sobre violência publicados anualmente pelo
CIMI8, assim como, notícias, informes e recomendações internacionais9 seguem
revelando o descaso do Estado brasileiro em fazer cumprir minimamente os direitos
positivados. O alto índice de conflitos decorrentes das demandas de demarcações
de terras, assassinatos de lideranças indígenas, cercos organizados por fazendeiros
com o apoio de milícias armadas, impossibilidade a compra e plantio de alimentos
de subsistência e a própria situação política nacional que tem implementado
mecanismos que impossibilitam novas demarcações, permitem que demarcações de
terras sejam revistas, ao contrário do disposto em lei, e que não permitem a
participação direita dos indígenas, apontam para um cenário preocupante.
Portanto, embora existam avanços, tanto no âmbito interno quanto
internacional, a relação do Estado e da sociedade com os povos indígenas continua
a produzir violações de direitos, conflitos violentos e negação dos seus territórios.
Diversos são os interesses e atores envolvidos em tais conflitos, o que acaba por ser
reproduzido na aplicação da lei e na formação de jurisprudência. Segundo dados da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), atualmente no Brasil o total 305 etnias
diferentes, com 274 línguas faladas, assim como, a existência de “69 referências de
índios ainda não contatados, além de grupos que estão requerendo o
reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista”,
contabilizando um cenário de fato diverso, autônomo e, em crescimento populacional
que têm sido afetadas pela aplicação de lei vigente não recepcionada pela
Constituição Federal de 1988. Portanto, como pode ser percebido não se tratam de
comunidades em vias de extinção, assim como, o grau de afetação negativa para as
comunidades apresenta-se alto.

Referências

8 Para uma consulta detalhada acerca dos Relatórios sobre a Violência contra os Povos Indígenas,
consultar: CIMI. Conselho Indigenista Missionário/Publicações. Disponível em: <
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=publicacoes&cid=30>. Acesso em: 23 de ago. de 2016.
9 Ver o exemplo dos informes, notícias e recomendações dos Organismos internacionais de Proteção

dos Direitos Humanos, como a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a ONU.
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BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de


1934. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>.
______. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937.
Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>.
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1446.
Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>.
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>.
BRASIL. Emenda Constitucional nº1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc0
1-69.htm>.
______. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
______. Decreto n° 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm>.
______. Decreto Legislativo n° 30.882, de 06 de maio de 1952. Disponível em:
<https://www.oas.org/dil/port/1948%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20a%
20Preven%C3%A7%C3%A3o%20e%20Puni%C3%A7%C3%A3o%20do%20Crime%
20de%20Genoc%C3%ADdio.pdf>

CIMI. Conselho Indigenista Missionário/Publicações. Disponível em: <


http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=publicacoes&cid=30>.
Manual prático de direitos humanos internacionais. Coordenador: SvenPeterke ;
Colaboradores: André de Carvalho Ramos … [et al.] – Brasília: Escola Superior do
Ministério Público da União, 2009. p. 309.

HOUAISS. Antônio, VILLAR. Mauro de Salles. Minidicionário da língua portuguesa.


Instituto Antônio Houaiss e Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa. 3ed, Rio
de Janeiro: Objetiva, 2008.

OEA. Relatório 125/10. Disponível em: <cidh.oas.org/annualrep/2010port/BRAD250-


04PO.doc>______. Relatório nº 80/06 - petição 62-02 – admissibilidade - Membros
da Comunidade Indígena de Ananás e outros – Brasil, 21 de outubro de 2006.
Disponível em:
<www.scm.oas.org/idms_public/PORTUGUESE/hist.../cidh02397p12.doc>. ______.
A CIDH condena assassinatos de indígenas defensores de direitos humanos no
Brasil. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2015/060.asp>.

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ONU. United Nations Framework of Analysis for Atrocity Crimes. Disponível em:
<http://www.un.org/en/preventgenocide/adviser/pdf/framework%20of%20analysis%2
0for%20atrocity%20crimes_en.pdf>.

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PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional.


13° ed., São Paulo: Saraiva, 2012. p. 466.

RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação: discriminação direta, indireta


e ações afirmativas. Porto Alegre, ed.: livraria do Advogado. 2008.

SALVADOR, Bartolomé Clavero. Derecho Global: por uma historia verossímil


dos derechos humanos. Ed. Trotta. 2014.

SCHULTE, Isabelle. In Indigenous Rights in The Age Of The un Declaration. 64–


86. Ed. Elvira Pulitano, 2012.

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