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B
O home studio como espaço de criação e
A
aprendizagem musical
____________________________________________ T
Juciane Araldi Beltrame E
Universidade Federal da Paraíba
Resumo: Este artigo é um recorte da pesquisa de doutorado que investigou a S
educação musical que emerge das práticas de produção musical, considerando as
ações de produzir e compartilhar música como características da cultura digital e
participativa. A partir dos dados construídos na pesquisa, neste texto são 18
discutidas as aprendizagens presentes nas práticas de produção musical dos
entrevistados nos seus home studios. O perfil dos entrevistados é de
músicos/produtores envolvidos em práticas de gravação e edição sonora próprias
da cultura digital participativa tais como: música eletrônica (mashup, techno),
gravação multipista (autoprodução). Os dados são discutidos a partir de estudos
sobre cultura digital e participativa na educação e educação musical. As
discussões sobre o home studio como espaço de aprendizagem musical a partir
das experiências dos entrevistados em articulação com o referencial teórico são
apresentadas em três eixos: gravação de grupos, gravação como processo de
produção e edição sonora, tendo a aprendizagem entre pares, a autoavaliação, a
escuta musical como transversais em toda a análise dos dados. As experiências
relatadas pelos entrevistados trazem elementos para analisar, do ponto de vista
pedagógico musical, como a gravação, a edição sonora, as trocas entre músicos
no home studios mobilizam diferentes aprendizados para todos os envolvidos.
Palavras-chave: Produção musical. Cultura digital e participativa. Gravação
musical. Aprendizagem musical entre pares. Home studio.
____________________________________________
Home studio as a space for creation and musical learning
Abstract: This text is part of the doctoral research that investigated the musical
education that emerges from music production practices, considering the actions
of producing and sharing music as characteristical of participatory and digital
culture. From the data constructed in the research, this text discusses the present
learning in the practices of music production of the interviewees in their home
studios. The profile of the interviewees is of musicians/producers involved in
sound recording and editing practices specific to participatory digital culture, such
as: electronic music (mashup, techno), multitrack recording (self productions).
The data are discussed from studies on digital culture and participatory in
education and music education. The discussions about home studio as a space for
musical learning from the experiences of the interviewees in articulation with the
theoretical framework are presented in three parts: recording groups, recording as
a production process and sound editing, having peer learning, self-assessment
and the musical listening as transverse in all data analysis. The experiences
reported by the interviewees bring elements to analyze, from the musical
pedagogical point of view, such as recording, sound editing, exchanges between
musicians in home studios mobilize different learning for all involved.
Keywords: Music production. Digital and participatory culture. Musical recording.
Peer learning. Home studio.
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compartilhamento, e
Introdução
oferece algum tipo de
orientação informal pelo
Este artigo trata das
qual o conhecimento dos
aprendizagens musicais que estão
mais experientes é
imbricadas nas práticas de criação e
passado adiante para os
gravação musical realizadas em
iniciantes. A cultura
home studios. Essa discussão é um
participativa é também
recorte da pesquisa de doutorado1
onde os membros
que tratou de uma educação
acreditam que suas
musical que emerge das práticas de
contribuições são
produção musical, considerando as
importantes e onde os
ações de produzir e compartilhar
membros sentem algum
música como características da
grau de conexão social
cultura digital e participativa
com os outros (ao menos
(ARALDI-BELTRAME, 2016).
se importam com o que
A cultura digital se constrói
os outros pensam sobre o
na forma como as pessoas
que criaram). (JENKINS
interagem com as informações a
et al., 2006:3).
partir das possibilidades do
tratamento digital de som, da
imagem e do texto de forma ativa Considerando esses aspectos
na produção e veiculação de na cultura digital, as possibilidades
conteúdo (ver SANTOS e SANTOS, de produzir e compartilhar
2013). conteúdos, realizar atividades e
A participação e o interagir virtualmente trazem
compartilhamento são aspectos de uma cultura
características da cultura participativa, no sentido da
participativa que se desenvolve nas definição2 de Jenkins et al. (2006),
relações entre as pessoas em que se amplia para o espaço das
comunidades, nas gestões redes virtuais que se sustentam da
municipais e estaduais (orçamento participação dos seus membros.
participativo) e nas tradições orais Parte-se do pressuposto que as
que envolvem diferentes formas de mídias digitais possibilitam e
se relacionar com o conhecimento e incentivam a produção de
que incentivam a participação de conteúdos diminuindo a fronteira
cada pessoa na realização do todo. entre produtor e consumidor,
Uma definição de cultura propiciando outras formas de se
participativa é que trata-se de relacionar com as informações que
circulam pelas mídias.
uma cultura que impõe A discussão dessa questão no
relativamente poucas contexto da Mídia-Educação
barreiras à expressão realizada por Jenkins et al. (2006)
artística e ao destaca que as características da
engajamento cidadão, cultura participativa incluem
forte apoio à criação e ao “oportunidade de aprendizagem
entre pares; uma mudança de
1
Doutorado cursado na Universidade
2
Federal do Estado do Rio de Janeiro Isso porque existem diferentes lentes
(UNIRIO) entre os anos de 2012 a teóricas para conceituar a cultura
2016 sob orientação do Prof. Dr. José participativa. O conceito adotado aqui é
Nunes Fernandes. apenas um dentre muitos.
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grupo de hip hop, na qual é possível Por que o meu não fica bom? Por
sinalizar vários tipos de que a gente não consegue tirar o
aprendizados. O primeiro deles é som igual ao daquele cara? E aí vai
acerca de testar e escolher qual o a discussão” (Victor Hugo,
melhor local da sala para que a voz 27/07/15). Essa discussão parece
fique boa. Victor enfatiza: “eles fazer parte de um processo de
escolhem o local. Eu ensinei uma autoavaliação, de escuta
técnica de percepção; assim na compartilhada, de busca por
sala, e eles ficam assim pelo feedback para ver o que precisa ser
quartinho, aí acharam um canto, melhorado. Trata-se de uma
‘não, a voz aqui fica boa’” (Victor aprendizagem que ocorre
Hugo, 07/07/14). Tal prática coletivamente no espaço do home
possibilita que os músicos possam studio, no qual quem grava e quem
testar o espaço e, ao ver as está sendo gravado contribuem
diferenças de sonoridade, apurar a juntos para chegar ao resultado
percepção para encontrar locais final. Um exemplo de aprendizagem
para a música soar melhor. entre pares (JENKINS, et al., 2006).
O segundo aprendizado se dá Nesses casos citados, Victor
na apreciação de cada música foca mais na gravação da voz,
gravada, propiciando autoanálise. enfatizando que os “toques e
Nas palavras de Victor, “o tempo ajudas” são somente “quando
que esse pessoal do hip hop passou aquela pessoa realmente está muito
aqui a gente fez vários testes e eles desafinada e coisa e tal. Eu até
foram sacando. Olha ficou desse indico professor de canto” pois o
jeito assim! Vamos ver se dá pra normal é durante a gravação os
fazer desse jeito, pra ir percebendo” próprios músicos se ajudarem, “eles
(Victor Hugo, 27/07/15). Essas próprios assim, eles se produzem”
“sacadas” estão relacionadas à (Victor Hugo, 07/07/14). Esse
forma de captar o som, explicando exemplo demonstra uma prática
que não adianta “gravar ruim pra que os músicos trazem para o
mixar depois. Ah então por que que estúdio e que aparece de forma
eu não gravo direito? Ah por que a semelhante no contexto de
acústica não tá dando certo? Aí vai comunidades online estudadas por
começando a saber, vai Waldron (2013a), nas quais
destrinchando até chegar no “através de hiperlinks e posts, os
princípio do porquê não tá saindo membros da comunidade
legal” (Victor Hugo, 27/07/15). coproduzem e criam significados e
Esse processo de detalhar cada identidade por meio da prática em
parte da música, ouvir novamente, comunidade”14 (WALDRON,
perceber o que pode ser melhorado, 2013a:101). A autora enfatiza que
regravar, faz parte da metodologia esta comunidade é um exemplo de
que Victor está implementando para aprendizagem entre pares, pois
contribuir com os músicos que cada membro participa com o seu
passam no seu estúdio. conhecimento musical e assim
Confirmando a sua proposta de ser retroalimenta a rede
um espaço laboratório. compartilhando o que sabe e
Nessa direção, Victor analisa
as necessidades de feedbacks por 14
No original: Through hyperlinks and
parte de quem está gravando,
posts, community members co-produce
“ficou bom? Consegui fazer? Ah
and create menaing and identity
deixa eu ver como é que você faz. through practice in community.
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que grava pessoas e tem contato processos que realiza nas suas
com diferentes músicos. produções:
Essa questão de eu
No mashup do Arnaldo
testar, porque só você
Antunes com Antonio
testando, fazendo,
Carlos e Jocafi17. Eu
testando, fazendo,
mudei o pitch, a
testando. Quando mais
sonoridade, eu baixei o
você fizer nessa, vai
pitch do Antonio Carlos
ficando mais ciente,
pra poder soar com a voz
pegando macete. Tem
do Arnaldo, isso por
uma diferença quando
ouvido. E toda a vez que
você pega um músico
eu escuto a original o
porreta e grava ali na
pitch é alto, eu não
hora. Mas, como também
consigo mais escutar, eu
tem essa coisa de
gosto mais da versão que
autoprodução, de
eu baixei o pitch. (risos)
autoexploração, então
(Victor Hugo, 28/05/14).
fica nessa, fica sempre
nesse loop, tá
entendendo? De querer Esse trecho mostra que no
sempre estar ali, só trabalho de juntar músicas torna-se
experimentando. Porque fundamental reconhecer as
acho que mais vale isso tonalidades de cada música. Aqui
do que pegar uma coisa e Victor enfatiza que foi ajustando “de
fazer e pô, acabou. É ouvido”. O fato de procurar ouvir
mais essa coisa do sempre nessa nova tonalidade
experimento mesmo! demonstra o quanto Victor se
(Victor Hugo, 27/07/15). apropriou dessa nova escuta, a
partir da sua recriação. Esse
Essa experimentação está exemplo dialoga com Tobias (2013)
muito presente nas edições sonoras quando traz as possibilidades de
que, no caso das produções de aguçar a percepção sonora por
techno, mashup e re-edit meio do trabalho com práticas
representam o cerne da criação como remix e mashup.
sonora e no caso das gravações, as No caso do re-edit, a
edições são realizadas sobreposição de elementos sonoros
principalmente nas fases de em uma música pronta, a mudança
mixagem e masterização. na equalização para que uma parte
possa aparecer melhor, configura
diferentes passos da criação
Edição sonora musical. Victor procura ver quais
partes da música podem ser
O trabalho de Dante e Victor melhoradas, seguindo o seu padrão
com música eletrônica são de gosto e preferência musical, “se
desenvolvidos por meio de edição eu tivesse quando o cara tivesse
de músicas prontas, no caso dos gravando ou fazendo a música eu ia
mashups e re-edits e na criação,
edição e manipulação de diferentes 17
Disponível em:
sons, modificados eletronicamente, https://soundcloud.com/victorhugomafr
no caso da música techno. Nesse a/ossain-oxala
contexto, Victor detalha os
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