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ISBN 85 08 03779 1 0. historiadores atribuem varios sentidos & expressdo “revolucdo norte-americana’’. Ela pode ser vista como uma guerra revolucionaria de independéncia da Gra-Bretanhe, mas fol também uma revoluedo constitucional e ideoldgica dentro da América do Norte. Neste livro, 0 autor examina primeiro a perspectiva da Gra-Bretanha, que, logo a seguir 4 Guerra dos Sete Anos, sentiu necessidade de exercer um controle financeiro mais rigoroso sobre suas colénias, © a conseqléncia dessa politica. Discute, depois, as reagdes que iriam culminar na Declaracéo da Independéneia e conclui com o estudo da revolugdio que prosseguiu dentro da América do Norte. M. J. Heale 6 professor-adjunto de Historia na Universidade de Lancaster Area deinteresse do- volume Historia Outras treas da série Administragdo © Antropologia * Artes Ciéncias © Civilizagéo * Comunicagées Direito * Economia * Educacao * Enfermagem Estética ° Farmacia © Filosofia ° Geogratia Linguistica ° Literatura * Medicina * Odontologia Politica * Psicologia * Satide * Sociologia RinairtoS M. Jd. Heale A REVOLUCAO NORTE-AMERICANA Atri nae fern oe Fars eer sqrt reget cy crete ae oes , serine iia scenes Stela Grater Tagnin ‘sen tn $ ‘oss Genagatia Cotas # trabarna Snona de Come Gomes Mona caine D'saa accega icra do negro brastoke Chive anus O Teresa Mundo ea nave ‘eda merece Seton Caron Walkne ‘relat do esto {© irmerio de Cais Manno Somtavert We PRBBS M. J. Heale Professor de Histéria da Universidade de Lancaster (Gra-Bretanha) REVOLUCAO NORTE-AMERICANA Tradugao de Lolio Lourengo de O iveira fa Diregao Benjamin Abdala Junior Samira Youssef Campedelli Preparacao de texto Sérgio Roberto Torres Edigdo de arte (miolo) Milton Takeda. ina Rocha Corte Coordenagao de composicso (iagromorsarPesinagte om wes), Neide Hiromi Toyota Alice Yuriko Gomeda Capa ‘Ary Normanha Antonio Ubirajara Domiencio © 1986, M. J. Heate Titulo original em inglés: The American Revolution Primeira edi¢ao em 1986 por Methuen & Go. Ltd., Lodon. ISBN 85 08 037791 1991 Todos os direitos reservados Editora Atica $.4, — Rua 3ardo de Iguape, 110 Tel: (PABX) 278-9822 — Caixa Postal 8656 End. Telegrafico "Bomlivro” — S40 Paulo Sumario 1. Retrospecto da Revolugao Norte-Americana 5 2. A perspectiva britanica 9 3. A perspectiva norte-americana 23 4.A Guerra da Independéncia___— 37 5. As revolugdes dentro dos Estados 9 6. A revolugdo na nagao 59 7. Sugest4o de leituras ‘oaROUNA sto 8H rates coro "| pei cent ugaipa ii ‘oo ‘s0LFO'D0 Mexico OnENTAL é : ier i, 0 Os Estados Unidos na Guerra da Independéncia 1 Retrospecto da Revolucio Norte-Americana © que foi a Revolugio Norte-Americana? Na Gra Bretanha, a Revolugdo Norte-Americana freqiientemente é vista como sendo a mesma coisa que a Guerra da Indepen- déncia norte-americana, iniciada em 1775, com a batalha de Lexington, e finda em 1783, com o Tratado de Paris. Segun- do essa definicdo, a Revolucdo Norte-Americana consistiu no éxito militar dos norte-americanos em livrar-se do dominio do rei britinico, ou, em outras palavras, na separacdo norte- americana do Império Britanico. No entanto, essa visdo da Revolugio Norte-Americana € inadequada, ainda que surja com muita freqiéncia em ma- nuais britdnicos de histéria. Um norte-amer‘cano procuraria responder pergunta “O que foi a Revolugio Norte- Americana?” em termos mais amplos, embora diferentes norte-americanos pudessem respondé-la de modos diversos. Alguns diriam que a Revolucio Norte-Americana foi o.que tiguxe liberdade e democracia a América do Norte, resposta ainda inadequada, mas que, pelo menos, reconhece que os norte-americanos nio apenas se livraram do dominio briti- nico, ¢ que, além do desligamento da Gri-Bretanha, ocorre- ram no continente americano mudancas politicas ¢ sociais im- 6 portantes. Outros norte-americanos poderiam dizer que a Re- volugao consistiu em substituir o dominio britanico, arbitra- jo ou despdtico, por um sistema de governo baseado na di- viséio de poderes e numa Constituicdo escrita, ou seja, um sistema que garantia que nenhum elemento isolado deteria totalmente o poder. Mesmo essa visio do processo revolu- ciondrio continua sendo uma visio estreita, mas a0 menos reconhece que uma revolugiio no €.a mesma coisa que uma guerra de independéncia. Uma colénia pode conseguir a in- depend@icia de uma metrépole, por meio de uma guerra ou de um acordo, sem, com isso, passar por uma revolucao. As definigdes de revolugao sao variadas, mas normalmente su- poem que uma mudanga de amplas conseqilgncias ocorra den- tro do pais em que se verifica. De fato, alguns estudiosos tm afirmado que nao houve uma Revolugao Norte-Americana, mas, sim, apenas um ato de secessio do Império Britanico; a maioria, porém, concorda em que realmente ocorreu uma revolugiio ou, talvez, uma série de revolugdes — politica, constitucional, ideoldgica e social. O reconhecimento de que a Revolugiio Norte-Americana consistiu em algo mais do que uma luta pela independéneia ¢ implicou uma mudanga social e politica fundamental den- tro dos Estados Unidos propde uma outra questo: quanto tempo ela durou? Poder-se-ia concordar, fara facilitar a dis- cussio, que a batalha de Lexington de 1775, ou a Declara- cdo da Independéncia de 1776, marcou o inicio da Revolu- Gio; mas 0 que foi que marcou seu fim?.O Tratado de Paris de 1783 encerrou formalmente a guerra, mas varios anos ain- da se passaram até que os norte-americanos ajustassem seu sistema de governo. A famosa Constituicaio Norte-Americana foi redigida na Filadélfia em 1787 e comezou a ser aplicada ‘em 1789. Sera que a adogao da Constituicio marcaria 0 tér- mino da Revolugao Norte-Americana? No correr da década de 1780, muitos dos Estados norte-americanos, como a Pen- silvinia e Vermont, fizeram experiéncias com alguns estilos 1 muito radicais de governo, que, para eles, representavam 0 desdobramento da légica revoluciondria, mas algumas res- trigdes foram impostas a esses governos estaduais a partir de 1787, pela Constituigéo Norte-Americana, Assim sendo, te- r4 essa Constitui¢ao representado a culminiincia da Revolu- do Norte-Americana, ou terd sido, antes, uma medida con- tra-revolucionaria, como afirmaram alguns historiadores? Poder-se-ia considerar a Revolugiio Norte-Americana termi nada, com éxito ou ndo, quando George Washington se ins- talou firmemente como primeiro presidente, em 1789? Para muitos norte-americanos da época, a Revolucio encontrava-se ainda na infiincia e eles continuaram, pelo menos por mais uma geragiio, a desavir-se uns com os outros a respeito da forma que deveria assumir sua repiiblica. Nos anos que se seguiram a 1789, os norte-americanos acrescentaram carne € sangue aos ossos nus de sua Constituigiio, sob a forma de novos impostos, de uma divida nacional recomposta, da cons- trugdo de uma capital que iria chamar-se Washington, da cria- cio de partidos politicos, ¢ do estabelecimento de grande quantidade de instituigdes e de costumes néio-mencionados pela Constituicdo mas essenciais a um governo estavel. Em 1812, deflagrou-se novamente a guerra com a Gri-Bretanha, © poder-se-ia dizer que o final dessa guerra, em 1815, depois de haverem os Estados Unidos demonstrado a si mesmos e a0 mundo que seu novo sistema de governo resistira tanto a tensdes internas quanto a ataques externos, marcava a cul- minancia da Revolugao Norte-Americana. Num certo sentido, porém, a Revolugiio Norte-Amet cana nunca terminou. A Declaracio da Independéncia afi ma que ‘todos os homens sao criados iguais”” e, desde 1776 aqueles norte-americanos que sentiram nao estar sendo tr: tados como iguais tém exigido seus direitos. O movimento pelo sufragio feminino, por exemplo, baseou-se em parte na exigéncia de que se cumprisse a promessa da Revolucdo Norte- Americana, Nos iltimos anos, negros ¢ mulheres norte- Bo americanos, particularmente, invocaram a Declaracdo da In- dependéneia nas campanhas que fizeram pela igualdade de direitos, como 0 fizeram, também, outros grupos minorita- rios, como 05 hispainicos, 0s homossexuais e os idosos. Nes- se sentido, a Revolugio Norte-Americana esta ainda por com pletar-se. 2 A perspectiva britanica A 19 de abril de 1775, tropas britinicas depararam com um grupo de milicianos de Massachusetts em Lexington. Su- bitamente, um tiro foi disparado, ambos os lados abriram fogo, ea Guerra da Independéns ficou bem claro quem disparou aquele primeiro tiro, mas, como escreveria mais tarde Ralph Waldo Emerson, foi um “tiro que se ouviu por todo o mundo”. Aqueles colonos norte-americanos eram stiditos britdnicos e haviam pegado ‘om armas contra os soldados de set rei, Em alguns anos, sua revolta se transformaria numa revolugiio bem-sucedida, a pri- meira das revolucdes da historia moderna dirigida contra uma monarquia hereditaria e uma forma de governo tradicional. O tiro que se ouviu por todo o mundo ainda reboava na Fran- a, em 1789, em diversas capitais européias, em 1848, ¢ até mesmo na Russia, em 1917. Por que as tropas britanicas ¢ os milicianos norte-ame- ricanos entraram em choque? Os rebeldes norte-americanos nao tinham a menor dificuldade em responder a essa pergun- ta. Repetidas vezes, os lideres revolucioncirios explicaram que haviam reagido porque o governo britanico estava tentando escravizi-los. Varios meses antes da escaramuca de Lexing- havia comecado. Nunca 10 ton, um norte-americano preocupado escreveu: “Digo-o com mégoa — digo-o com afligdo —, 0s britdnicos sio nossos opressores; digo-o com vergonha — digo-o com indignacae — NOS SOMOS ESCRAVOS”. Para entender as origens da guerra revolucionaria é necessirio compreender essa menta lidade, compreender por que ¢ que tantos norte-americanos haviam chegado a crer que a Grd-Bretanha procurava reduzi los A escravidio. Esse ponto de vista norte-americano sera examinado de modo mais completo nas paginas 23 a 36, no capitulo ‘A perspectiva norte-americana”, mas, como pro- va de suas acusagdes, 0s lideres coloniais apontavam 0 com- portamento dos governos britanicos nos anos que se segui ram A Guerra dos Sete Anos. Foram as politicas ¢ as medi-, das adotadas por ministros britinicos por volta de 1763 a 1775 que fizeram com que os norte-americanos temessem por suas fiberdades. Por que, entdo, teriam os governos do rei em preendido agées tio destruidoras da harmonia anglo-norte- americana? Aos olhos de George III e de seus ministros, naturalmen: te pouco havia nas medidas britanicas que pudesse ter oca. sionado um alarme tdo exagerado na’ colénia. Os norte americanos opunham-se, particularmente, aos impostos que 05 governos britiinicos procuravam arrecadar deles, mas es: ses impostos eram muito suaves em comparagéio com os apli- cados na Gra-Bretanha, ¢ 0 dinheiro recolhido destinava-se a pagar parte dos altos custos da defesa e da administragao coloniais. Nem era 0 caso de serem esses impostos criados de maneira arbitrdria, como os que Carlos | tentara impingi: a seus stiditos no século XVII; eles foram adequadamente apresentados mediante leis do Parlamento, ¢ 0 Parlamento era 0 organismo supremo do governo do Império Britanico. Para muita gente na Grd-Bretanha era como se 0s colonos norte-americanos, que em sua maioria desfrutavam um pa- un drdo de vida relativamente alto, estivessem, egoisticamente, recusando-se a contribuir sequer com uma modesta parte dos custos de sua propria defesa, Para as cabegas britdinicas mais rigidas, a Guerra da Independéncia norte-americana, quan- do ocorreu, nao diferia muito de uma pritica habitual de so- negacdo de impostos. A revolta norte-americana nao pode, naturalmente, ser explicada em termos tao grosseiros como esses. Os proprios ministérios britanicos sabiam muito bem que a resisténcia co- lonial nao podia ser tratada sumariamente de maneira tio des- denhosa. Os impostos propostos eram suaves em compara- cdo com os da Gra-Bretanha, mas havia outras restrig6es, so- fridas pelas coldnias, que limitavam suas oportunidades de maximizar a riqueza. Desde meados do século XVII, por exemplo, 0 comércio colonial fora regulado pelas Navigation Laws (Leis da Navega¢do), que exigiam que alguns produtos coloniais fossem exportados diretamente para a Inglaterra, © apenas em navios ingleses ou coloniais, ¢ poder-se-ia argu- mentar ser injusto que ainda se acrescentassem impostos a tais restriges comerciais. Na verdade, essa foi uma das ra- z6es por que Os ministros de George III procuraram nao in- troduzir impostos coloniais mais pesados do que o fizeram; consideravam razoavel, porém, arrecadar alguma receita das col6nias, particularmente quando pretendiam despendé-la nas colénias. Contudo, a tributagao nao foi o inico nem o maior dos temas da disputa entre a Gra-Bretanha e suas colénias norte-americanas no decorrer dos quinze anos que antecede- ram a Declaracdo da Independéncia. © atrito entre elas sur- giu, pela primeira vez de maneira séria, quando os ministé rios briténicos pretenderam fazer mudangas no governo ena administraciio do Império Britanico. Foi a adogiio, na déca- da de 1760, de uma politica de reorganizacdo imperial que disparou a seqiiéncia de acontecimentos que levaram a Guerra da Independéncia. 2 Uma nova politica imperial tornara-se necesséria em de- corréncia da Guerra dos Sete Anos e, antes dela, de varias décadas de negligéncia para com 0 Império. A colonizac britanica da América do Norte viera ocorrendo algo irregu- larmente desde 1607 e, por volta de 1750, havia treze cold- nias britanicas espalhadas ao longo do litoral atlintico e ou- tras mais nas ilhas do Caribe. O povo britanico nae era, po- rém, a tinica nacdo a penetrar no continente americano, pois a Espanha ocupava a Florida e grande extensio do sudoeste, enquanto a Franga afirmava-se na posse do Canada ¢ de gran- de parte do interior. A competigao pelas riquezas do con nente levou a deflagracio de hostilidades entre a Gra- Bretanha ea Franga, em 1754, que prosseguiram com a guerra na Europa, de 1756 a 1763. A Gri-Bretanha saiu dessa guer- ra com um império enormemente aumentado, também na ‘América do Norte, onde a Franca entregou todas as suas pos- sessdes ¢ a Espanha concordou em retirar-se da Florida. Saiu, também, com sua divida nacional duplicada, atingindo a uma soma alarmante, superior a 130 milhGes de libras. Para essa divida, contribuira o custo da guerra na América do Norte, qual, na maior parte, as colOnias furtaram-se a custear, mui- to embora se tenhiam beneficiado enormemente com o afas- tamento de seus concorrentes franceses. A vitdria britanica na Guerra dos Sete Anos pode ter tomado a Gri-Bretanha a maior poténcia mundial, mas quan- do George Grenville se tornou o primeiro-ministro do rei, em 1763, viu-se diante de problemas quase insuperdveis. Sua ta- refa fundamental foi a de governar esse vasto império, com algumas partes acostumadas ao sistema de governo francés ou espanhol. Além das treze colénias norte-americanas, a Gri-Bretanha tinha algo a fazer agora com suas novas responsabilidades no Canada, na Flérida e no interior da América do Norte. As treze coldnias também exigiam aten- cio, pois haviam, durante os anos de abandonc, muit vezes fugido aos regulamentos imperiais ¢ ignorado as exigén- 13 cias dos governos britanicos. Algumas das assembléias elei- tas, que 0s colonos gostavam de encarar como equivalentes locais do Parlamento, pretendiam exercer poderes antes da algada dos governadores régios. E nao eram sé assembléias desrespeitosas que preocupavam os ministros do rei. No cor- rer dos anos, 0 governo britinico assinara tratados com ind- meras tribos indigenas, ¢ esses tratados precisavam, as ve- zes, ser aplicados contra as ambicdes de variados grupos de colonos. Reivindicagdes de terras constituiam problema per- manente para os funcionarios imperiais, pois as terras na ‘América do Norte podiam ser reivindicadas de diversas ma- neiras por variados governos coloniais, companhias de ter- 1s, individuos ¢ tribos indigenas. O comércio exterior colo- ial era outro assunto que exigia fiscalizagdio dos funcio’ rios imperiais, bem como o lucrativo comércio de peles do interior e do Canada. Todos esses problemas e muitos mais disputavam a atengiio de George Grenville seus colegas a0 avaliarem qual a melhor maneira de administrar 0 Império Britiinico recém-ampliado Esse império devia de algum modo ser ocupado, admi- nistrado e defendido, tarefa nada facil numa época em que as comunicacdes eram demoradas ¢ os exércitos eram peque- nos. Uma coisa era 0 Parlamento aprovar uma lei, € coisa muito diferente seria conseguir aplicii-la numa terra distan- te. A necessidade de prover a defesa das colénias tornou-se evidente na primavera e no verdio de 1763, quando um chefe ottawa, Pontiac, encabecou um grande levante indigena no qual foram destruidos todos os postos britanicos, menos dois, situados a oeste do Nidgara. A conjuragdo de Pontiac con- firmou a opinidio que jd se tinha em Londres de que as colé- ias eram incapazes de prover a propria defesa, ou de que relutavam em fazé-lo. Em outubro, 0 ministério emitiu 0 que ficou conhecido como a Proclamacio de 1763, que pretendia tanto possibili- tar a administragdo dos novos territérios americanos quanto lidar com o problema indigena. A proclamagiio criava duas novas provincias na Flérida Oriental e Ocidental, com go- vernos distintos, ¢ no Canadé era instituida a nova colénia de Quebec, para administrar as recentes aquisicdes naquela area. Um dispositivo importante dessa proclamagio foi a fi- xacio das fronteiras da colonizacio branca no divisor de dguas dos montes Apalaches, pelo menos temporariamente. Esperava-se que isso preservasse 0 interior do territério para as tribos, reduzisse ao minimo o conflito entre brancos e in- dios, ¢ estimulasse o povoamento branco ao longo do litoral leste e nas novas colénias do Canada e da Flérida. De Lon- dres, esse impedimento ao povoamento a oeste parecia ra- cional e humanitirio, mas contrariava interesses de muitos pioneiros e especuladores de terras. O plano implicava tam- bém pér o oeste sob controle militar, € os colonos nao de- moraram a dar-se conta de que, muito embora a manuten- io da paz na fronteira exigisse um exército permanente, es- se exército poderia, algum dia, ser utilizado contra eles Ao mesmo tempo que o ministério de Grenville desen- volvia seus planos de administragdo da América do Norte, bus- cava também os modos de custear as despesas que isso impli- cava. Ninguém mais do que George Grenville estava cons- ciente de que a administragdo e a defesa desses vastos tert trios custariam muito dinheiro. Teoricamente, esse dinhei ro podia ser levantado na Gra-Bretanha; porém, a divida bri- ‘nica ja estava em niveis alarmantemente altos, devido 4 Guerra dos Sete Anos, e assim também se encontrava a carga tributéria sobre o pafs. De fato, Grenville aumentou os impos- tos britanicos, embora um novo imposto sobre a aguardente de sidra ocasionasse tumultos no sul da Inglaterra. Calculou- se que 0 custo para manter um. exército regular apenas no continente americano seria de 200 mil libras por ano. Essas tropas eram necessitrias para defender as colénias america- nas contra os indios (e para defender os fndios contra 0s co- Jonos), bem como para dissuadir as poténcias européias de re- 15 tomar. Contudo, as coldnias cram agora relativamente prés- peras e, segundo uma estimativa, 0 norte-americano médio pagava apenas 6 pence por ano de impostos, enquanto 0 con- tribuinte médio na metrépole pagava 25 shillings. Grenville nao esperava conseguir que as colénias pagassem por todos os custos de sua defesa, mas considerava razoavel esperat que pagassem uma parte. Dai ter ele se envolvido numa politica que teve conse- qiiéncias fatidicas. Leis do Parlamento preexistentes, estabe- lecendo taxas alfandegdrias sobre mercadorias que entravam nas col6nias, foram aplicadas mais rigorosamente, para de- sagrado de grandes negociantes norte-americanos. Em 1764, Grenville promoveu 0 Sugar Act (Lei do Acticar), ou Plan- tation Act (Lei das Fazendas), medida complexa que, na ver- dade, reduzia a taxa sobre o melaco estrangeiro importado pelos destiladores de rum da Nova Inglaterra. Isso reduziu © estimulo ao contrabando, fazendo, assim, com que muitos grandes negociantes norte-americanos tivessem de pagar a ta- rifa pela primeira vez e de respeitar outras regulamentagdes alfandegarias. Contudo, como medida de receita, isso no levantou muito dinheiro ¢, em 1765, Grenville pretendeu, pela primeira vez, instituir um imposto interno sobre as colénias com 0 Stamp Act (Lei do Selo). Tarifas de selo vinham sen- do cobradas na Inglaterra ha mais de setenta anos, ¢ 0 mi- istério desejava estender 0 mesmo principio as col6nias com um imposto sobre jornais, cartas de baralho, documentos le- gais, licenea para negociar com aguatdente, apélices de se- guro, documentos de embarque e outros. Essas arrecadagdes deveriam ser algo mais suaves do que as da Gra-Bretanha, € 0 dinheiro arrecadado deveria ser gasto nas coldnias e, ain- da assim, seria pouco mais de uma quarta parte da impor- tancia necessiria a defesa da colénia. Na visio do ministé, rio, era uma medida bastante modesta, que absolutamente nao permitia prever as controvérsias constitucionais que iria provocar. Algumas assembléias coloniais ja se haviam quei- 16 xado de que a Lei do Agticar significava que os norte-ameri- canos estavam sendo tributados sem terem dado sua anuén- cia. A instituicdo de um novo imposto interno pelo Parla mento levantou, de maneira ainda mais aspera, a polémica sobre se 05 colonos norte-americanos podiam ser tributados por um organismo no qual nio eram diretamente repre- sentados. A reagio colonial as diversas medidas do ministério de Grenville, em particular Lei do Selo, foi extraordinariamen- te exaltada. A Lei do Agiicar havia incomodado sobretudo os habitantes da Nova Inglaterra, mas a Lei do Selo causou aborrecimento em tadas as calénias, pelo menos gos cida- dios influentes, como advogados, grandes negociantes, im- pressores e agricultores, cujas atividades comerciais foram di- retamente afetadas pelas novas taxas. A assembléia de Rho- de Island divulgou um refrdo popular, ao chamar a atengio para 0 fato de que as pessoas taxadas pelo capricho de ou- tras “talvez ndo possam ter propriedade alguma... mas es- to na verdade reduzidas & mais abjeta escravidiio”’. Organi- zagdes secretas, conhecidas como os Filhos da Liberdade, disseminaram-se pelas principais cidades para coordenar a re- sisténcia e ameacar os que apoiassem a Lei do Selo. Todos 0s distribuidores de selos foram obrigados a renunciar a seus cargos. Grandes negociantes constituiram associagées de naio- importaedo para boicotar mercadorias britainicas. Em outu- bro de 1765, nove coldnias enviaram representantes para um Congresso da Lei do Selo, reunido em Nova York, ¢ este, a0 mesmo tempo que insistiu em sua lealdade ao rei, insistiu também em que os colonos gozassem dos mesmos direitos que os ingleses da metrépole, e que s6 pudessem ser tributa- dos por suas respectivas assembléias de representantes. governo britinico ndo concordou com essas objecdes constitucionais, mas viu-se impotente diante da resisténcia dis- seminada contra suas medidas. O exército para o qual estava tentando levantar dinheiro destinava-se primordialmente a 0 guarnecer os fortes fronteirigos; ndo podia ser empregado pa- ra subjugar todas as colénias. Se nao havia ninguém dispos- ta ser um distribuidor de selos nas colénias, a taxa respec- tiva ndo podia ser arrecadada. Além disso, os distirbios na América do Norte levaram alguns grupos influentes na Gra Bretanha a questionar a sabedoria das medidas que os ha- viam provocado. Preocupados com o boicote comercial e com a perspectiva de uma perda de débitos de que eram credores, os grandes comerciantes britanicos exortaram o Parlamento a revogar a Lei do Selo. A essa altura, o ministério de Gren- ville havia sido substituido por outro, encabegado por Lord Rockingham (por razdes sem qualquer relagio com as ques- tes americanas), e, sem condigdes de impor sua vontade as colénias, esse ministério conseguiu a revogaccio daquela lei em margo de 1766. Ao mesmo tempo, no entanto, 0 Parla- mento aprovou o Declaratory Act (Lei Declaratoria), que ga- rantia 0 direito do Parlamento de elaborar leis para as col6- nias “fem qualquer caso que Fosse”. © governo britanico abandonou assim uma medida que ndio podia fazer aplicar, mas no deixou de lado o prineipio constitucional da sobe- rania parlamentar. Os ministros britinicos relutaram também em abando- nar inteiramente 0 esforco para arrecadar uma receita das co- J6nias norte-americanas. Outra mudanga de governo colocou © brilhante e instavel Carlos Townshend como chanceler do Tesouro. O Parlamento ainda estava inquieto quanto ao al- to nivel de tributacao na Gra-Bretanha, 0 custo de manuten- gio da defesa das colénias era considerado mais elevado do que nunca, ¢ as coldnias continuavam a furtar-se a grande parte dos impostos. Townshend determinou outra tentativa para arrecadar dinheiro das colénias e, com o Revenue Act (Lei da Receita), de 1767, instituiu tarifas sobre a importa- io colonial do cha e de muitas mercadorias manufaturadas, especialmente vidro, tinta e papel. Havia precedentes para impostos externos desse tipo ¢ esperava-se que se mostras- sem menos controvertidos do que impostos interns como as tarifas do selo, embora muitos colonos houvessem deixado claro que se opunham a ambas as formas de tributa¢io. De igual importdncia era um dispositive das medidas de Town- shend que criava uma dotagio para despesas na América do Norte — isto é, 0 dinheiro arrecadado nao precisava, afinal de contas, ser gasto na defesa, mas podia ser utilizedo para © pagamento de sakirios dos governadores, juizes = outros funciondrios do rei, que deixariam de depender, quanto & sua renda, das assembléias coloniais. Townshend instituiu tam- bém, em Boston, um American Board of Customs Commis- sioners (Conselho Norte-Americano de Comissdrios Alfan- degdrios), submetido diretamente Gra-Bretanha, ¢ permi- tiu que os tribunais coloniais expedissem mandados de inter- venedo, possibilitando que funciondrios alfandegdrios des- sem buscas em residéncias e depésitos. Anteriormente, a po- litica imperial muitas vezes fora frustrada pela resistencia das assembléias coloniais; agora, porém, parecia estarse mon- tando uma maquina administrativa que contornasse aqueles organismos insubordinados. A resistencia colonial is leis de Townshend desenvalveu- se mais Tentaimente do que ocorrera com as medidas de Gten- ville nem por isso deixou de se tornar também resoluta e ge- neralizada. Os nor iteraram_sua reivindica- gio de que apenas suas proprias assembleias pudessem fixar impostos pura a8 coldnias, Organizou-se outro bo.cote co- mercial a importacdes da Gra-Bretanha, houve explosdes es- pordidicas de tumultos, ¢ 0s funcionéios alfandegirios so- freram intimidag6es. As agressdes a funciondrios da alfain- dega levaram 0 ministério, em 1768, a enviar tropase navios de guerra para Boston, onde sua presenca tornou-se fonte de ressentimento dos cidadaos locais. Em marco de 1770, essa desinteligéncia explodiu no chamado Massacre de Boston, no qual cinco bostonianos foram mortos. Na verdade, a essa al- tura um novo governo britanico, encabegado por Lord North, v jd admitira a necessidade de abandonar a politica inaplicavel de Townshend, que estava custando mais dinheiro do que ar- recadava, €, num gesto que pretendia ser uma ultima conces- sio, o ministério revogou todas as tarifas, mantendo apenas a que recafa sobre o chi, “como um sinal da supremacia do Parlamento”’. A crise imediata novamente recuou, mas a de- cisio de manter a tarifa sobre o cha significava que a ques- to constitucional ainda nao fora resolvida definitivamente. O colapso do boicote comercial coincidiu com a volta da prosperidade nas coldnias e, por algum tempo, foi como. se as dificuldades norte-americanas houvessem terminado ‘Mas era uma ilusdio. Os colonos faziam contrabando de che estrangeiro, em vez de pagar a taxa sobre o cha britanico, € vez por outra verificavam-se incidentes graves. Os funcio- -nirios alfandegaios e outros representantes do Império con- tinuavam tendo dificuldade para aplicar a lei. Em 1772, a es- cuna Gaspée da marinha real foi incendiada por habitantes de Rhode Island, quando encathou, ¢ por todas as colénias 0s norte-americanos ficaram perturbados quando 0 governo britanico pretendeu que qualquer suspeito dessa agressiio fos- se julgado na Inglaterra. Nesse mesmo ano, 0 governador Hutchinson, de Massachusetts, declarou que ele e os juizes de mais alta categoria de Massachusetts deveriam receber seus salarios diretamente da Corod, pagos com as tarifas do cha. Interpretando esse ¢ outros gestos como evidéncia de uma in- tengdo de impor um regime arbitrario a partir da Gra- Bretanha, radicais notte-americanos constituiram comités de correspondéncia em diversas colénias para manterem conta- to entre si e divulgar propaganda antibritanica. Enquanto, nas coldnias, ia sendo coordenada uma opo- sido contra as pretensdes britanicas, 0 ministério de North Jutava com grave crise financeira na Gra-Bretanha. Especial- mente a Companhia das Indias Orientais, que havia sido tio bem-sucedida na exploracdo das oportunidades comerciais do subcontinente indiano, foi duramente atingida por esse pi- nico, ¢ as pilhas de cha nao-vendido que se amontoavam em 0 seus depésitos atingiam as maiores dimensdes com a recusa norte-americana em comprar o cha britanico. A reacdo de Lord North foi o Tea Act (Lei do Cha), em 1773, que permi- tia que a companhia vendesse o cha diretamente a América do Norte, com reducio das tarifas alfandegérias pagas na Gra-Bretanha. Isso deveria resultar na redugdo do prego do cha na América do Norte, tornando assim nao-lucrativo contrabando de cha estrangeiro e garantindo que o restante da tarifa de Townshend fosse pago, Além disso, a Compa- nhia das Indias Orientais foi autorizada a nomear seus prd- prios representantes para vender 0 cha nas coldnias. A Lei do Cha teve pequena repercussio na Gra-Bretanha, mas so- freu ampla oposicaio na América do Norte, onde hd muita tempo se resistia ao principio da tributacio parlamentar ¢ on- de grandes comerciantes, que vinham contrabandeando cha holandés, presumivelmente teriam prejuizo em seus negécios. Essa nova tentativa de arrecadar uma receita das colénias ¢ de controlar seu comércio somente serviu para agravar as sus- peitas norte-americanas a respeito da investida da politica bri- Jinica, e os grandes comerciantes e radicais em todas as ci- dades portudrias mais importantes uniram-se em rebeldia de- clarada. Na Filadélfia, em Nova York e em Charleston, os vendedores de chi, como antes acontecera com os distribu dores de selos, foram obrigados, pelos cidadaos locais, a re- nunciar a seus cargos. Quando o ch chegava, alguns portos 0 mandavam de volta para a Gra-Bretanha. Em Boston, on- de 0 governador Hutchinson procurou persuadir os vende- dores de cha a recebé-lo, 0 impasse foi resolvido quando ho- mens disfargados de indios mohawk jogaram as caixas de chei nas diguas do porto. Essa foi a famosa Boston Tea Party (Fes- ta do Ché de Boston) de dezembro de 1773. Ela demonstrou que, naquele momento, as autoridades imperiais estavam im- potentes em Boston, como também em pelo menos outras trés cidades coloniais. A intengdo do ministério de North era que a revogacio, em 1770, da maioria das tarifas de Townshend fosse a tilti- a ma concesstio do governo as reivindicagdes norte-americanas; além disso, dificilmente poderia admitir o tipo de insubordi nagao ocorrida em Boston, sem abdicar inteiramente de sua autoridade. Concluindo que Boston era o centro das pertur- bagdes nas colénias, 0 ministério decidiu isold-la e puni-ta. Através dos Coercitive Acts (Leis Coercitivas), ou Intoler ble Acts (Leis Intoleréveis), de 1774, 0 porto de Boston foi fechadlo até que se restabelecesse a disciplina; os direitos da assembléia de Massachusetts foram reduzidos; e se atribuiu a0 governador o poder de nomear todos os juizes, xerifes e magistrados, e de proibir a realizagiio de reunides piiblicas nas cidades. Quase ao mesmo tempo, o comandante-chefe na América do Norte, general Thomas Gage, foi nomeado novo governador de Massachusetts, que desse modo ficou co- ‘mo que sujeito a uma forma de regime militar de governo. Outra medida de 1774, embora anteriormente programad foi o Quebec Act (Lei de Quebec), que submeteu a provincia de Quebec a maior parte da 4rea a noroeste do rio Ohio, re- conheceu plenamente a Igreja Catélica Romana, colocou a autoridade nas mios de um governador sem uma assembléia leita, manteve em vigor a lei civil francesa e restringiu o jul- gamento por jtiri. Esse empenho em promover a administra gio do Canada, assim como as Leis Coercitivas, parecia trai a intengdo de sujeitar a América do Norte a formas autori rias de governo. Essas varias Ieis de 1774 pareceram a muitos norte- americanos uma investida planejada contra suas liberdades, Em vez de isolar Massachusetts e subjugar os descontentes, as medidas resultaram numa resisténcia generalizada, Assem- bléias coloniais, reunides puiblicas nas cidades ¢ nos conde dos, jornais, clérigos e outros homens influcntes denunci ‘yam os atos do governo britanico. Em setembro de 1774, aten- dendo a uma proposta da assembléia de Massachusetts, reuniu-se em Filadélfia um Congresso com representantes de doze colénias. © Congresso Continental, embora ainda nao 2 pregasse a independéncia, negou que as col6nias estivessem sujeitas autoridade do Parlamento. Segundo o Congresso, 08 stiditos norte-americanos do rei, do mesmo modo que os ingleses na metrdpole, posstiam os direitos ‘a vida, a liber- dade e a propriedade”’, ¢ apenas seus prdprios 6840s legis. lativos podiam dar forga de lei a ‘todos os casos de tributa- cdo e de governo.interno”, sujeitos ao veto da Coroa, Para dar mais forga a essa reivindicagao de autonomia colonial, © Congreso aprovou também um novo boicote a mercado- rias britinicas. © governo britanico nao podia ceder quanto & questdo da autoridade soberana do Parlamentoe, em feve- reiro de 1775, 0 Parlamento declarou Massachusetts em es- tado de rebeliio. O governador militar da colénia, general Gage, preparou-se para combate e, em abril, teve lugar 0 con- fronto fatidico de Le» 3 A perspectiva norte-americana Desde 1763, o empenho dos ministérios britanicos em promover a administracdo do Império levou-os a entrar em io com as colnias norte-americanas. Nem todas as suas providencias foram bem coneebidas, porém, mais surpreen- dente, talvez, do que sua periddica impaci¢neia com a obsti tenha sido sua tolerincia. Afinal de contas, uns apés outros, os ministros britinicos agiram, em todos ‘9s aspectos, de maneira coerente com o entendimento que tinham da Constituigiio inglesa, na qual o Patlamento era 0 érgio supremo da administragac do Império Britinico. Con- tudo, ndo recorreram imediatamente as armas quando sua autoridade foi desafiada. Deixando de lado tudo 0 mais, fo- ram muito conscientes da extraordinaria dificuldade em fa- zer valer sua vontade em colénias distantes, e, quando uma medida nao funcionava, habitualmente experimentavam ou- tra. Com a vantagem da visio retrospectiva, pode-se ques- tionar se a disposicao dos ministérios britanicos para ceder © experimentar foi inteiramente sabia, pois 0 que para eles Pareceu um comportamento razoivel aquirium carder ni- idamente sinistro aos olhos dos norte-am tos colonos eminentes, as medidas atabalhoadas do governo britanico pareciam passos sucessivos no sentido de privé-los da liberdade, e talvez até mesmo uma conspiragao planejada para acabar com a prépria Constituicdo inglesa. Os colonos norte-americanos, tanto quanto os ministé- ios britanicos, agiam com a convicgdo de que seu lado é que era o certo. Os lideres coloniais tinham seu entendimento pr6- prio da Constituigdo inglesa ¢ dos direitos ¢ privilégios que ela conferia aos siditos do rei por todo o Império, De seu ponto de vista, as autoridades britanicas é-que eram culpa- das de atos inconstitucionais e ilegais. Onde 0 governo brit: nico enxergava um conjunto de colonos indisciplinados ¢ in- solentes, rebelados para expandir seus interesses egoisticos ¢ desorientados, os colonos-enxergavam, um ministério brita nico corrupto firmemente resolvido a ampliar seu poder so- bre eles ¢ inclinado a reduzi-los a um estado que nada mais era do que.a escravidao. Os colonos niio estavam, realmente, utilizando uma lin- guagem exagerada ao acusar os ministros britdnicos de ten- tar transformi-los em escravos. Na linguagem politica do sé- culo XVIII, 0 oposto de liberdade era escravidao, ¢ qualquer coisa que reduzisse as liberdades de um homem trazia-o para mais perto da escravidao. Quando Patrick Henry gritou, co- mo provavelmente fez, “Déem-me a liberdade, ou déem-me a morte”, estava dizendo que até mesmo a perspectiva- da morte era mais suave do que a perspectiva de ‘*grilhdes e es- cravidio”’. Se os colonos se submetessem as exigéncias abso- lutas do Parlamento, afirmava um advogado da Carolina do Norte, tornar-se-iam dependentes, ‘nao na condigao de ho- mens livres, mas na de escravos”. A palavra escravidao era largamente usada pelos norte-americanos para expressar 0 ta tus a que, aparentemente, 0 governo britdnico pretendia reduzi-los. Os “atos e medidas [...] adotados desde a tiltima guerra”, queixaram-se os lideres coloniais ao reunir-se no Congreso Continental, “demonstram um sistema montado para escravizar a América do Norte”. 25 Para compreender por que se rebelaram os norte-ame- ricanos, é preciso, pois, compreender por que encaravam as medidas dos ministérios britanicos posteriores a 1763 como tendo a intengdo de torné-los escravos. Assim faziam, em par- te, porque as col6nias ja ndo eram mais povoamentos primi- tivos lutando pela sobrevivéncia fisica. Com o correr dos anos, estruturas sociais relativamente complexas se haviam desenvolvido na maioria das colénias, ordenamentos hierér- quicos nos quais elites sociais, na maior parte nascidas e cria- das na América do Norte, encaravam a si mesmas como os dirigentes naturais da sociedade colonial. Esses ricos fazen- deiros, proprietarios de terras e grandes negociantes ndo eram aristocratas, no sentido britinico, mas constituiam uma classe de fidalgos que exercia consideravel influéncia social e poli- tica. Essa pequena nobreza colonial, promovendo seus inte- resses nas assembléias, sistematizou uma ideologia que devia muita coisa ao pensamento constitucional inglés e que enfa- tizava os direitos’e liberdades dos ingleses nascidos livres e as limitagdes do régio poder. Todo rei que procurasse am- pliar aquele poder podia ser acusado de procurar escravizar seus stiditos. Nao eram, porém, apenas consideragdes ideo- ldgicas que moviam os lideres coloniais. Possuiam também interesses econdmicos, ¢ quando sofriam reveses financeiros é que as questdes de principio constitucional pareciam mais pertinentes. Além disso, as elites coloniais nao se opunham aos britiinicos apenas por si mesmas. Nas décadas de 1760 € 1770, muitos homens de categorias mais humildes — arte- sios, comerciantes, marinheiros, pequenos agricultores ¢ ou- tros — igualmente se opunham de forma ativa as exigéncias britanicas, muitas vezes por verem, eles também, aquelas me- didas como um golpe tanto em seus interesses econdmicos quanto em suas liberdades constitucionais. Os fidalgos colo- niais e as pessoas comuns freqtientemente concordaram, a partir de 1763, que a Gra-Bretanha ameacava a todos os norte-americanos com o que se podia chamar de escravidao. 26 E, enquanto os norte-americanos de todas as categorias eram induzidos, por consideragdes ideoldgicas ¢ econdmicas, a en- xergar uma intengdo sinistra na politica britinica, uma cir- cunstancia local incomum fazia da escravidio algo particu- larmente temivel para eles. O fato era que existiam escravos em todas as treze colénias norte-americanas, e, embora fos- sem negros, sua presenga servia como adverténcia viva e cons- tante aos colonos brancos do horrivel destino que aguardava os homens que nao conseguissem preservar suas liberdades. Assim, pois, uma raziio do alarme ocasionado nas co- J6nias norte-americanas pelas medidas britdnicas era a de se- rem elas vistas através dos olhos de cavalheiros versados nos principios libertairios da Constituigéo inglesa idealizada. Os prdsperos grandes negociantes, advogados, proprietarios de terras ¢ fazendeiros, que ocupavam elevada posi¢do na so- ciedade colonial, vinham buscando, ha muito tempo, exer- cer influéncia nas instituigdes politicas que se haviam estabe- lecido em cada coldnia, tais como o conselho do governador ¢, especialmente, a assembléia. As assembléias eram eleitas pelos préprios colonos, pelo menos por aqueles que tinham patrim6nio suficiente para votar, os quais eram comumente em niimero muito grande, ¢ com 0 corter dos anos as assem- bléias iam obtendo mais poder, a medida que tomavam por modelo a Camara dos Comuns. Embora desejando manter- se Ieais ao rei, os colonos buscavam naturalmente certo gradu de autonomia, € as elites que ti nto nas procuravam transformé-las em miniparlamentos, recorren- do amplamente a tradigio parlamentar inglesa para justifi- car suas reivindicagdes. Uma das razdes para a Guerra da In- dependéncia foi o malogro do governo britnico em avaliar © grau em que os principios constitucionais inglesés se Tia- viam arraigado nas colénias. A heranca constitucional inglesa punha énfase na pre- servagiio das liberdades individuais contra o poder arbitré- 2 rio, ¢ ha muito tempo 0s colonos se haviam acostumado a ali- mentar essa heranca. Repetidas vezes insistiam eles em que eram ingleses, dignos de todos os direitos e proteyées conce- didos pela Constituic: ‘$85, quando ac um juiz singular, o mesmo direito tinham também os stiditos do rei nas coldnias norte-americanas, ov assim consideravam eles. Se, na Inglaterra, as pessoas no podiam ser tributadas sem que dessem sua anuéncia, mediante seus representantes no Parlamento, 0 mesmo se aplicava as pessoas. na América britanica. Quando os membros do Coneresso Continental, em 1774, reclamaram contra as Leis Coercitivas, assim o fizeram, disseram eles, “como ingleses”, e argumentaram que, ao emi- ‘grar, seus ancestrais haviam carregado consigo seu equipamen- to completo de direitos ingleses, dos quais seus descendentes coloniais continuavam sendo titulares. O paradoxo da Revoluciio Norte-Americana, portanto, é ter ela iniciado pela afirmagio dos direitos de ingleses na- tos. Pode-se duvidar de que muitos dos primeiros coloniza- dores ingleses se considerassem portadores de seus plenos di- reitos constitucionais. Por um lado, enquanto navegavarn pelo Atlintico, as grandes batalhas constitucionais da Inglaterra dos Stuart ainda estavam sendo travadas, e somente depois da Revolugio Gloriosa de 1688-9 é que os direitos dos ingle- ses puderam ser definidos com suficiente seguranga, Eles pré- prios, stiditos dentro do reino do rei, os mais eminentes co- Jonos norte-americanos interessavam-se pelo andamento da- quelas lutas constitucionais ¢ tinham toda a disposi¢ao de be- neficiar-se das vitérias dos parlamentaristas e dos Whigs. Por razbes variadas, as condigdes na América do Norte mostra- ram-se extremamente compativeis com as correntes mais li- bertarias do pensamento constitucional inglés. Nas batalhas politicas entre a Corte ¢ o pais, na Inglaterra do século XVIII, 08 colonos norte-americanos identificaram-se muito pronta- mente com a posicao do pais, com sua desconfianca em rela- 28 Go ao governo central e sua simpatia pela Camara dos Co- muns como 0 co de guarda das liberdades do povo. De fa- to, 0s mais radicais dos criticos do pais com quem os colo- nos norte-americanos simpatizavam, os Real Whigs ou Com- monwealthmen, foram os que lamentaram a crescente influén- cia do executivo sobre o legislativo. Os radicais néo tiveram muita influéncia na Inglaterra, mas seus escritos tornaram- se muito populares nas coldnias norte-americanas. Entre esses radicais ingleses estavam John Trenchard ¢ ‘Thomas Gordon, que na década de 1720 publicaram as Car- tas de Catdo, nas quais afirmavam que a famosa Constitui- ‘Go inglesa, a qual se supunha preservar as liberdades dos in- gleses, estava sendo destruida pelos ministros do rei, que uti- lizavam a corcupeao para obter o controle dos demais ramos do governo e estabelecer uma tivania. Uma conspiracao si- nistra e diabdlica, localizada na Corte, diziam eles, estava prestes a privar os ingleses de suas antigas liberdades e a eles impor um despotismo militar. Bssas Cartas, e outras seme- Ihantes, circularam amplamente nas colénias. Com as Car- tas de Catdo e com os eseritos de Lord Bolingbroke, James Burgh e outros criticos do governo britanico, os revolucio- narios norte-americanos da col6nia ficaram sabendo que, na Inglaterra, a ambigua Constituigdo estava sendo destruida pe- las maquinagdes do rei e de seus ministros, os quais estavam sabidamente aniquilando a liberdade do povo a indepen- déncia da Camara dos Comuns, mediante a utilizagao de su- borno e de clientelismo ¢ pela manipulagao da divida nacio- nal e dos impostos. Essa imagem de uma ordem politica em que a liberdade recuava rapidamente diante do poder de um ministério voraz estimulou enormemente a pretensio dos co- lonos norte-americanos de proteger seus proprios privilégivs. Além disso, na medida em que se convenciam de que a liber- dade estava moribunda na Inglaterra, chegaram a irdnica con- clusiio de que eles, os colonos norte-americanos, eram os der- radeiros baluartes vivos dos dirsitos ingleses. 29 Esse tipo de mentalidade era suficientemente forte en- tre os norte-americanos influentes na década anterior a 1775 para que qualquer aco imperial se visse revestida de uma in- tengo sinistra. Cada uma das sucessivas medidas do gover- no inglés parecia realizar a profecia radical de uma conspira- 40 ministerial para reduzir a América do Norte a servidio. Dessa perspectiva, medidas como a Lei do Selo e as tarifas de Townshend pareciam mesmo tentativas para escraviza-los, para impor-lhes uma forma de governo da qual estivessem inteiramente exclufdos. Essa interpretacdo “‘ideolégiea”, que se funda no ponto de vista mundial dos lideres colon.ais e no modo como perce- bem os atos britdnicos, representa um grande passo na diregao da explicaciio da resisténcia norte-americana, Porém a ideolo- gia niio constitui explicagao suficiente, em parte porque as pes- soas nao vivem exclusivamente no :nundo das idéias, e em par- te porque os que tinham maior opertunidade de aprofundar-se na teoria constitucional, os fidalges da col6nia, nao foram os linicos a rebelar-se. A resisténcia norte-americana a politica bri- tanica deveu algo também a consideragdes econdmicas e aos interesses, atos e crengas dos homens e mulheres comuns. Se as medidas britinicas se houvessem limitado a declara- es vazias, afirmando o principio da supremacia do Parlamen- to, como foi o caso da Lei Declaratéria, ¢ pouco provaivel que ‘0s colonos norte-americanos se tivessem exasperado a ponto de chegar a uma rebeldia declarada. Gestos vazios podem ser res- pondidos com gestos vazios, como se deu com a Lei Declara- t6ria, Somente quando os colonos mais eminentes se sentiram também ameacados economicamente pelas politicas briténicas € que se tornaram mais sensiveis quanto a seus direitos ¢ liber- dades constitucionais. Poucas coisas so mais eficicutes do que @ exigéncia inesperada de um imposto para despertar a cons- ciéneia politica de alguém. Nao queremos dizer com isso que a Guerra da Independéncia tenha sido causada exclusivamente por aqueles impostos, mas, apenas, que eles serviram para 30 concentrar as idéias dos norte-americanos no status politico constitucional das colénias dentro do Império Britanico. ‘A Guerra dos Sete Anos, ou Guerra Francesa ¢ Indige- na, como ficou conhecida na América do Norte, gerou certo grau de prosperidade, como costumam fazer as guerras, mas a ela logo se seguiu uma depressio que atingiu a maioria das coldnias. As Leis do Acticar e do Selo foram aprovadas pelo Parlamento num momento em que muitos.grandes.comer- ciantes norte-americanos enfrentavam graves dificuldades, do mesmo modo que os comerciantes e agricultores quethes.de- viam dinheiro. Também os fazendeiros sulistas sentiram que cafa a procura britanica por tabaco, exatamente quando es- tavam sendo pressionados a pagar suas dividas aos grandes negociantes britdnicos. Um grande fluxo de importagSes britinicas obrigou al- guns grandes negociantes norte-americanos a se retirarem dos negécios e fez com que outros mantivessem estocadas em seus armazéns mercadorias que nao conseguiram vender. A pro- posta de opor-se & Lei do Selo mediante um boicote as mer- cadorias britanicas foi, assim, bem recebida por muitos ne- antes ansiosos por livrarem-se de seus estoques a pregos is. A partir disso, as condig6es comerciais melhora- ram, 0 que constitui uma das razSes por que os colonos se demoraram a reagir contra as tarifas de Townshend, de 1767, se bem que a ndo-importacdo de fato progrediu nos portos nortistas, enquanto dificuldades econdmicas voltaram a apa- recer em alguns lugares no final da década de 1760. No mo: mento em que as tarifas de Townshend foram revogadas, em 1770, 8 grandes negociantes norte-americanos haviam se li- vrado de seus estoques € néio estavam preparados para man- ter 0 boicote & retengao da tarifa do ch, @ qual, em todo caso, podiam como de habito sonegar. Foi efémera, porém, a volta dos bons tempos e da paz politica. A crise financeira que atingiu a Gré-Bretanha em 1772, ¢ que levou a Compa- nhia das Indias Orientais a uma situacdo muito precari — sultou num colapso do crédito nas coldnias, 0 que afetou es- pecialmente os fazendeitos sulistas, cujas operagdes dependiam dos créditos escocés e inglés. Os grandes negociantes e os fa- zendeiros que sofriam essas crises periédicas continuavam a considerar-se leais stiditos do rei inglés, mas, vez por outra, atribufam também suas dificuldades financeiras a um sistema imperial sobre o qual no tinham controle algum. A insistén- cia briténica para que as col6nias ficassem subordinadas a0 Parlamento s6 serviu para aprofundar suas preocupagdes. Enguanto as elites coloniais estavam condicionadas por uma ideologia libertaria a interpretar os atos ministeriais co- mo prova de uma intengdo de escravizd-las, ¢ enquanto o ri- gor financeiro as convencia periodicamente de sua falta de independéncia econémica, a elas se juntavam, em sua resi téncia & Gra-Bretanha, muitos norte-americanos de catego- ria inferior que jamais haviam lido um tratado politico nem solicitado crédito junto a firmas exportadoras britinicas. Em arte, esses artesiios, comerciantes € pequenos agricultor participaram da intimidacio dos distribuidores de selo, dos funciondrios alfandegarios e dos vendedores de cha porque aceitavam a lideranga dos fidalgos ¢ estavam convencidos de que sua liberdade também estava ameagada. A medida, po- rém, que a acdo de massa ressurgiu naqueles anos, pessoas desconhecides, de procedéncia humilde, aleangaram posicdes de lideranga, e algumas delas elaboraram uma ideologia po- litica popular propria. Quando Tom Paine, um inglés elo- aiiente e insubordinado, de origem modesta, chegou a Fila- délfia em 1744, tornou-se rapidamente porta-voz. dos intelec- tuais e artesios radicais daquela cidade. Seu famoso livro, Bom senso, publicado em janeiro de 1776, foi bem além das queixas tradicionais do pais a respeito de um executivo cor- rupto que destrufa a liberdade do povo, e denunciou a pré- pria Constituiedo inglesa, que tinha por base a “tirania” mo- narquica e aristocrdtica. Paine concordava que os norte-ame- ricanos softiam a ameaga da escraviddo, mas o problema nao 2 B era tanto a corrupgaio quanto o principio hereditario. Nao era s6 George III que estava errado, mas sim todos os reis. Idéias como essa podiam voltar-se contra hierarquias de to- do tipo, ¢ houve artifices e pequenos agricultores que con- cluiram que sua propria liberdade s6 seria assegurada numa sociedade verdadeiramente igualitaria. Essas pessoas susten- tavam a eliminagao da autoridade régia como primeiro pas- So para esse objetivo democratico. Eram, pois, consideragdes ideoldgicas que moviam al- guns membros das camadas mais baixas, e suas idéias exam freqiientemente mais radicais do que as dos fidalgos. Tam- bém eles, porém, eram movidos por interesses econdmicos € pessoais. Os marinheiros norte-americanos que viviam nos portos coloniais eram por vezes recrutados compulsoriamente pela marinha real, experiéneia que thes permitia vincular au- toridade régia a tirania; haviam-nos privado, ao mesmo tem- po, do meio de subsisténcia ¢ da liberdade. Os pequenos co- merciantes ¢ 0s artesiios das cidades habitualmente compra- vam a crédito dos grandes negociantes locais em épocas ror- mais, € as crises financeiras que coincidiram grosso modo com a Lei do Selo ea Lei do Cha levaram essas pessoas humildes & bancarrota mais depressa do que seus credores. Quando, naqueles anos, os grandes negociantes norte-americanos de- fenderam o desenvolvimento da manufatura local como uma maneira de tornar suas comunidades menos dependentes da Grd-Bretanha, as camadas inferiores receberam com prazer as oportunidades de emprego que assim seriam criadas. Mui- tos artifices das colénias deram apoio aos boicotes as merca- dorias britanicas, articulados para combater a Lei do Selo € as tarifas de Townshend, porque as que eles préprios pro- duziam sofreriam menos concorréncia. Como acontecia com 08 fidalgos, o interesse econdmico freqiientemente tornou mais aguda a percepedo da gente comum de que a politica britanica poderia prejudicd-los e até mesmo reduzi-los a 30- breza ou a eseravidao. Assim, pois, os motivos econdmicos ajudam a explicar © surgimento relativamente precoce do radicalismo nas mais importantes cidades norte-americanas. Porém, embora os thos da Liberdade recrutassem membros de todas as cama- das nas cidades e ajudassem a mobilizar a resisténcia contra a Gra-Bretanha, nao se deve exagerar o significado do radi- calismo urbano. A grande maioria dos homens brancos por todas as coldnias norte-americanas era de pequenos agricul- tores e, em sua maior parte, nio estava sofrendo dificulda- des econdmicas. A relativa prosperidade da agricultura foi uma das raz6es por que os agricultores norte-americanos demoraram-se mais a aderir 4 revolta contra o rei do que os pequenos comerciantes e artifices das cidades, mas finalmente aderiram, e desse modo tornaram possivel que a Guerra da Independencia fosse levada a cabo com éxito. Em meados da década de 1770, muitos desses agricultores foram arrasta- dos para a causa patridtica pela convincente defesa que dela faziam seus superiores, e muitos foram politizados pelos co- micios € comités nas cidades e nos condados, muito difundi: dos naquela época, ¢ pelas igrejas e jornais locais que perce- biam, na politica britinica, uma ameaga a liberdade. O grau de alfabetizagao era relativamente alto no interior da Ameéri ca do Norte, tanto quanto nas cidades, e os jornais ¢ folhe- tos tiveram papel marcante. Em algumas regides, pequenos agricultores estavam in- dignados com os senhores locais que haviam recebido cargos, concessdes de terra ou outros favores das autoridades régias, e tendiam a rebelar-se para tirarem uma desforra local. Em todas as coldnias, muitos pequenos agricultores haviam sido atingidos pelo grande despertar religioso de meados do século XVII, 0 que os levara a voltarem-se contra as hierarquias ecle- sidsticas tradicionais. Esse protestantismo igualitario consti- tufa ainda uma poderosa forca & época da Guerra da Inde- pendéncia, alimentando desconfianga contra todo tipo de pom- pa, ostentagao e hierarquia. Alguns agricultores pegaram em arias contra 0 rei, apés testemunharem as depredagdes reali-

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