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Jorge Miranda
Carla Amado Gomes
Organizadores
Bleine Queiroz Caúla
Gerardo Clésio Maia Arruda
Valter Moura do Carmo
VOL. 6
R io de Janeiro
2016
Copyright © 2016 by
Bleine Queiroz Caúla e Valter Moura do Carmo
Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Bibliografia
ISBN 978-85-8440-545-9
Jorge Miranda
Licenciado em Direito (1963) e doutor em Ciências Jurídico-Políticas (1979), é
professor catedrático das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da
Universidade Católica Portuguesa. Nas duas Faculdades já exerceu a regência de
todas as disciplinas do Grupo de Ciências Jurídico-Políticas, mantendo hoje a seu
cargo as de Direito Constitucional e Direitos Fundamentais. Também na Faculdade
de Direito de Lisboa, exerceu funções como presidente do Conselho Científico (1988–
1990 e 2004–2007) e presidente do Conselho Directivo (1991–2001). Integrou ainda
Comissão Científica da Escola de Direito da Universidade do Minho (1973–2005)
e coordenou a licenciatura em Direito da Universidade Católica Portuguesa (1983-
1989). Eleito nas listas do Partido Popular Democrático, foi deputado à Assembleia
Constituinte (1975–1976), tendo tido um papel importante na feitura da Constituição
da República Portuguesa de 1976. A sua colaboração estendeu-se também à elaboração
das Constituições de São Tomé e Príncipe (1990), de Moçambique (1990), da Guiné-
Bissau (1991) e de Timor-Leste (2001). Foi membro da Comissão Constitucional
(1976–1980), órgão precursor do atual Tribunal Constitucional. É Doutor Honoris
Causa em Direito, pela Universidade de Pau (França, 1996), Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (Brasil, 2000), Universidade Católica de Lovaina (Bélgica, 2003) e
pela Universidade do Porto (2005). Presidente Honorário Vitalício do Instituto Luso
Brasileiro de Direito Público.
Artur Bruno
Deputado Federal. Secretário do Meio Ambiente do Ceará. Deputado
Estadual em quatro legislaturas e Vereador de Fortaleza, ambos pelo PT. Formado
em Pedagogia. Há mais de 35 anos dedica-se à formação da juventude, como
professor de Geografia e História, em cursos pré-universitários públicos e privados.
César Barros Leal
Pós-doutor em Estudos Latino-americanos pela Faculdade de Ciências
Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México; Pós-
doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Santa Catarina; Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade
Nacional Autônoma do México; Procurador do Estado do Ceará; Professor
aposentado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará; Membro
da Academia Cearense de Letras.
Susana Borràs
Profesora de Derecho Internacional Público y Relaciones Internacionales
e Investigadora del Centro de Estudios de Derecho Ambiental de Tarragona
(CEDAT), Universidad Rovira i Virgili (Tarragona-España).
Tiago Antunes
Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Sumário
PREFÁCIO���������������������������������������������������������������������������������������� XXI
APRESENTAÇÃO������������������������������������������������������������������������ XXVII
Ambiental
AS LIBERDADES FUNDAMENTAIS E O
PERIGO DO “ESTADO MUSCULADO”����������������������������������������� 237
Alexandre Sousa Pinheiro
DIREITO COMPARADO E
TRANSJUSFUNDAMENTALIDADE
— O ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL NO STF������������������������������������������������������ 429
Francisco Lisboa Rodrigues
1. Conservadorismo: características
Assim como qualquer conceito político, conservador e conservadorismo
representam uma história de usos e contextos que vão se construindo ao longo
tempos, não se tratando, desta forma, de conceitos estáticos. Este texto não tem o
1 Para um panorama da teoria conservadora seguindo uma perspectiva conservadora, cf. VÉLEZ-
RODRÍGUEZ, 2015, p. 66–78. Sobre a prática política conservadora, cf. CABRAL, 2015b.
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objetivo de apresentar uma história conceitual desses termos, o que, aliás, já foi feito
competentemente por outros autores (VIERHAUS, 2004)2. Caso se pretendesse
fazer um estudo dessa natureza, o passo inicial deveria ser a determinação precisa
do momento a partir do qual esses conceitos se tomaram parte do discurso
político. Mais relevante, no entanto, é estabelecer uma relação entre o surgimento
do movimento conservador e a segunda metade do século XVIII, especialmente
o período ligeiramente anterior à Revolução Francesa, quando, de acordo com
Rudolf Vierhaus, se iniciam movimentos de reação ao iluminismo, às ideias de
direito natural, de direitos do homem e às reformas iluministas operadas em
governos de algumas regiões da Europa (VIERHAUS, 2004, p. 531).
É, portanto, característica do nascedouro do conservadorismo — enquanto
movimento — ser uma reação, implicando que a sua materialização, pelo menos
do ponto de vista histórico, foi consequência de ação que inovou ou tentou
inovar a realidade. O binômio movimento/reação nos ajuda a compreender a
lógica conservadora: caso uma ação tenda a alterar o estado das coisas, faz-se
necessária uma reação, com força igual ou superior, para mantê-las como estão.
É baseando-se exatamente nessa tese que Roger Scruton defende ser da essência
do conservador, um desejo de continuidade3. Esse sentimento se relaciona mais
firmemente com a manutenção de uma tradição já consolidada que se sente
ameaçada por um movimento, mas, para além dos casos em que o desejo de
continuidade se manifesta — nas tentativas de rompimento do status quo — é
possível observá-lo, ainda quando já houve uma alteração no estado das coisas.
Nesta hipótese, a continuidade adquire feições de restauração.
Diferentemente de outras ideologias, como o liberalismo, a democracia, o
comunismo e fascismo, o conservadorismo não possui, nos termos de Samuel
Huntington, um ideal substantivo (HUNTINGTON, 1957, p. 457) ou um corpo
de dogmas fixos e imutáveis, como afirmou Russell Kirk4, o que torna difícil,
2 Para o Brasil, cf. LYNCH, 2008. Para uma introdução à metodologia da História dos Conceitos, cf.
KOSELLECK, 2006.
3 “
It is a limp definition of conservatism to describe it as the desire to conserve; for although there is in
every man and woman some impulse to conserve that which is safe and familiar, it is the nature of this
'familiarity' that needs to be examined. To put it briefly, conservatism arises directly from the sense
that one belongs to some continuing, and preexisting social order, and that this fact is all important
in determining what to do”. SCRUTON, 1980, p. 21.
4 “
Conservatism is not a fiex and immutable body of dogma, and conservatives inherit from Burke a
talento for reexpressing their convictions to fit the time. As a working premise, nevertheless, one can
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por exemplo, descrever com precisão, como seria uma sociedade conservadora.
Para isso contribui também a ausência de um livro fundador do peso de um
The Wealth of Nations (1776), de Adam Smith, para o liberalismo, ou o
Manifest der Kommunistischen Partei (1848) ou Das Kapital (1867), de Karl
Marx, para o comunismo. A obra comumente apontada como seminal para o
conservadorismo, Reflections on the Revolution in France (1790), de Edmund
Burke, não se enquadra perfeitamente no que se espera de um texto fundador,
seja porque, segundo Müller, ela não apresenta uma plataforma política clara
e concreta (MÜLLER, 2006, p. 360), ou porque, de acordo com Huntington,
ao se confrontar o pensamento de Burke, além das Reflections, percebe-se a
inexistência de um ponto muito claro na distinção do liberalismo clássico, em
matérias como a econômica (HUNTINGTON, 1957, p 461–465). Sua ligação
com os Whigs, partido pelo qual ele foi membro do Parlamento por várias
décadas, o posicionamento favorável aos rebeldes de várias partes da Europa
e ao processo de independência das colônias na América tornam Burke uma
figura que, pessoalmente, não pode ser dissociada das causas liberais do final
do século XVIII, ainda que o impacto da sua principal obra tenha contribuído,
decisivamente, para a formação do pensamento conservador europeu5.
Mesmo tendo o primeiro panfleto relacionado ao conservadorismo partido
da Inglaterra, que não foi afetada diretamente pelos acontecimentos iniciados
com a queda da Bastilha, a França foi logicamente o terreno mais propício
para a proliferação de um pensamento conservador frontalmente contraposto
à Revolução Francesa. Nomes como Joseph de Maistre (1753–1823) e François
René de Chateaubriand (1768–1848) tem um perfil mais relacionado ao royalism,
à manutenção do status quo e à defesa do regime monárquico, teses expressas de
modo contundente no primeiro número do principal panfleto restauracionista
francês, o jornal Le Conservateur6, editado por Chateaubriand no período que
se seguiu ao final da era napoleônica.
observe here that the essence of social conservatism is preservation of the ancient moral traditions of
humanity”. KIRK, 1960, p. 6.
5 Was immer Burke unter der Isolierung in seiner Gesellschaft gelitten hat, es wurde nach seinem Tod
“
durch eine ungeheure Breitenwirkung in ganz Europa kompensiert”. VON BEYME, 2013, p. 41.
6 Logo em seu primeiro número, o Le Conservateur deixou muito claro quais seriam os seus objetivos:
“Quoi qu’il en soit de ces accusations, de ces mensonges avec lesquels on se croit obligé de combattre
des adversaires, le Conservateur soutiendra la religion, le Roi, la liberte, la Charte et les honnêtes gens,
ou ni moi ni mes amis ne pouvons nous y intéresser”. Le conservateur, n° 1, 5/10/1818, p. 7.
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Antike in der Idee eines goldenen Zeitalters einstiger Harmonie, im Mittelalter in dem Glauben an
die Vorbildlichkeit der christlichen Urgemeinde, bis in der frühe Neuzeit in der Überzeugung von der
Verbindlichkeit alten Rechts Gestalt gefunden”. VIERHAUS, 2004, p. 533.
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8 “
To be conservative, then, is to prefer the familiar to the unknown, to prefer the tried to the untried,
fact to mystery, the actual to the possible, the limited to the unbounded, the near to the distant, the
sufficient to the superabundant, the convenient to the perfect, present laughter to utopian bliss”.
OAKESHOTT, 1991, p. 408–409.
9 Por essa razão, muitas vezes é muito tênue o limite conceitual entre radicalismo e revolução, como
pontuou Wende, ainda que esses conceitos não devam ser confundidos. WENDE, 2004, p. 132.
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2. Conservadorismo à brasileira:
uma proposta de roteiro
2.1. Pressupostos
Como já se afirmou anteriormente, uma das premissas deste texto é a
necessária dependência dos conceitos políticos dos contextos de que são partes.
Mais do que uma mera inserção nessas realidades, os conceitos são utilizados
de modo efetivamente diferente, a depender desses contextos. Na prática, isso
significa que não se encontrará uma perfeita identidade semântico-pragmática
entre os conceitos de conservador e conservadorismo na França de 1830 e na
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10 Esse sentido negativo que se agregou ao conceito de conservador, tanto é fruto da tradição marxista
que via no conservadorismo uma forte relação com as classes dominantes, e a defesa do establishment
sociopolítico, quanto de movimentos políticos posteriores, a fim de reivindicar determinadas
ideologias como suas ancestrais, no intuito de legitimar genealogicamente suas aspirações de poder,
ainda que nada tenham de substantivo em comum. Cf. LYNCH, 2008, p. 59–60.
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11 Deve-se dizer que, na visão de von Beyme, Constant estaria mais próximo dos Ultraroyalisten. Cf.
VON BEYME, 2013, p. 43 – 47.
12 Sobre o Marquês de Caravelas, cf. LYNCH, 2014.
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2.2.2. Saquaremas
Estabelecido o Império e organizados os partidos políticos, percebeu-
se, especialmente durante a maior parte do Segundo Reinado, a polarização
das ideias políticas entre conservadores, conhecidos como Saquaremas, e
liberais, chamados de Luzias. Num momento em que o pensamento político
se manifestava muito mais claramente na prática política do que em ambientes
intelectuais formais, como a academia, as linhas gerais das plataformas podem
ser captadas, em obras escritas, por importantes agentes políticos do período.
Entre os saquaremas, destacaram-se sobretudo, José Antônio Pimenta Bueno
(1803–1878), o Marquês de São Vicente, e Paulino José Soares de Sousa (1807–
1866), o Visconde do Uruguai, cujas obras Direito público brasileiro e análise da
Constituição do Império (1857) e Ensaio sobre o Direito Administrativo (1862),
respectivamente, sintetizaram os principais argumentos saquaremas.
Na maior parte do período imperial, as principais diferenças entre saquaremas
e luzias residiram nos poderes das províncias, em que os conservadores defendiam,
muito mais do que os liberais, um efetivo centralismo13, e no exercício do poder
moderador, cuja defesa coube aos saquaremas14. Discussões de outras naturezas,
especialmente sobre a república e a abolição da escravidão, não chegaram a
marcar uma diferença nítida entre os partidos até meados da década de 1880,
o que autoriza a apontar, em linhas gerais, o centralismo estatal como principal
característica do pensamento saquarema. Da mesma forma, nenhum dos
dois grupos questionou a liberdade econômica nem defendeu enfaticamente
a necessidade de o Estado participar ou intervir nas atividades econômicas,
matérias que não estavam na ordem do dia no Brasil do século XIX.
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19 É muito extensa a bibliografia sobre os dois autores, especialmente sobre Campos. Entre muitos
outros, cf. SEELAENDER, 2013.
20 Vai nesse sentido, por exemplo, o pensamento de Roger Scruton: “Conservatism presupposes the
existence of a social organism. Its politics is concerned with sustaining the life of that organism,
through sickness and health, change and decay”. SCRUTON, 1980, p. 25. “One major difference
between conservatism and liberalism consists, therefore, in the fact that, for the conservative,
the value of individual liberty is not absolute, but stands subject to another and higher value, the
authority of established government”. SCRUTON, 1980, p. 19.
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21 Para um perfil geral dos filiados ao PSD, cf. HIPPOLITO, 2012, p. 41–57.
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Considerações finais
Longe de pretender apresentar conclusões definitivas, este trabalho
mirou duas metas que se aproximam: de um lado, construir um panorama
do pensamento político conservador brasileiro, e, de outro, entender em que
medida os autores e as teses conservadoras, de aqui e de alhures, se comunicam.
Mesmo em um repasse que se reconhece carecer de efetiva profundidade,
verifica-se que o reconhecido pressuposto da ausência de ideologia específica
do conservadorismo pode ser claramente observado tanto quando se compara
à contribuição brasileira internamente quanto quando esta é comparada com
as matrizes europeias. Há elementos europeus que se repetem no pensamento
brasileiro, mas é evidente que se está muito longe de uma identidade ou um
transplante, os quais, em verdade, seriam impossíveis de se observar, uma vez
que os conceitos políticos são moldados por contextos variáveis.
É importante perceber que as pautas conservadoras brasileiras, ainda que
tenham elementos comuns ao longo das décadas, não podem ser encaradas como
se fossem efetivamente uniformes. Ainda que os saquaremas e os autoritários dos
anos 30 tenham na defesa do centralismo estatal um ponto de contato que os
aproxime, o antiliberalismo destes não era observado naqueles — nem muito
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Referências
GONÇALVES, João Felipe. Rui Barbosa: pondo as ideias no lugar. Rio de Janeiro:
FGV, 2000.
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KIRK, Russel. The conservative mind: from Burke to Eliot. 3 ed. Chicago:
Henry Regnery Company, 1960.
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