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11º Seminário Internacional de Transporte e Desenvolvimento

Hidroviário Interior
Brasília/DF, 22-24 de outubro de 2019
O Singular Relevo da Hidrovia Tietê-Paraná
Pedro Victoria Junior, CEANI, São Paulo/Brasil, pedrovic59@gmail.com

Resumo
O presente trabalho tem por objetivo discutir de uma forma prática a relação existente entre hidrovias e o relevo
geográfico e dentro deste contexto elaborar uma análise da Hidrovia Tietê-Paraná.
Ao contrariar a lógica vigente, a Hidrovia Tietê-Paraná situa-se em altitudes muito superiores às de outras
hidrovias conhecidas, em uma região caracterizada como a de um planalto.
Através da análise das características principais necessárias para o desenvolvimento da navegação fluvial, das
características geomorfológicas dos rios e de dados das principais hidrovias do mundo pretende-se discutir as
características únicas dessa hidrovia e de como a Hidrovia Tietê-Paraná é na verdade parte integrante de um
grande sistema hidroviário.
certo uma hidrovia localizada a 750 m de altitude,
1. Introdução situação essa que não existe em nenhum outro
Todos aqueles que conhecem a Hidrovia Tietê- lugar do mundo.
Paraná sabem da peculiaridade do rio Tietê, que A hidrologia estuda a exaustão as características de
nasce a 20 km do mar, corre para o interior e morfologia e correntes que tornam um rio
deságua 1.100 km depois no rio Paraná, próximo à navegável. Evidente também que tais
cidade de Castilho. características têm relações com o relevo local.
Como as cargas atuais da hidrovia percorrem o Regiões com relevo montanhoso ou muito
sentido oeste – leste, dos centros produtivos de acidentado geram corpos d’água com regime
grãos ao porto de Santos, as embarcações sobem o turbulento, impróprios à navegação. Já nas reuniões
rio até um terminal estrategicamente localizado e de planície, os rios tendem a formar meandros e
transbordam sua carga a um outro modal (ferro ou seus leitos serem mais susceptíveis a processos de
rodoviário), para completar sua viagem. sedimentação.
Em algum momento imaginamos como seria a A partir deste ponto é que procedemos a uma
hidrovia se o Tietê corresse em direção ao mar e análise da relação das principais hidrovias do
desembocasse junto ao porto de Santos. Afinal, os mundo com o relevo local e do porque a Hidrovia
inúmeros exemplos que citamos e conhecemos de Tietê-Paraná aparentemente contraria o modelo
hidrovia obedecem a esse padrão: rio que corre convencional de outras hidrovias.
para o mar com um porto marítimo localizado em
seu estuário. 2. Características Físicas
A Hidrovia Tietê-Paraná, principalmente em seu São bastante conhecidas as características físicas de
tramo Tietê, é uma hidrovia que, de fato, contraria um rio exigidas para que ele se torne uma via
a lógica. Enquanto as principais hidrovias do mundo navegável.
localizam-se preferencialmente em regiões de A navegação exige profundidade mínima,
planície, o Tietê está localizado em um planalto. geometria adequada e correntezas máximas.
Ser um fator impeditivo não é o caso, afinal a Essas características podem ser atendidas pelo
hidrovia funciona há anos. Mas, até que ponto essas próprio rio em sua condição natural, exigir que
características dificultam seu desenvolvimento. sejam realizadas melhorias ou uma combinação das
Também já ouvimos críticas sobre, por exemplo, o duas situações.
projeto do Hidroanel, dizendo que jamais daria

1
O Amazonas, por exemplo, é um rio que, pela sua área de drenagem, maior sua vazão média, claro,
magnitude e relevo, apresenta excelentes considerando um valor médio de taxa de
condições de navegação. O Tietê, em sua maior precipitação.
parte de extensão comercialmente navegável, é um A forma da bacia, por sua vez, guarda estreita
rio canalizado, formado por uma sucessão de relação com o relevo local. Quanto mais acidentado
reservatórios. O Paraná, em sua extensão o terreno, há uma tendência de haver um número
navegável, alterna trechos em reservatórios com maior de divisores de água (cumeeiras), fazendo
outros de livre correnteza. com que a forma da bacia seja mais alongada,
Embora a engenharia disponha de muitos recursos conforme figura a seguir.
para melhorar ou até introduzir a navegabilidade de
um rio, como a retificação de meandros, dragagens,
derrocamentos e construção de barragens, há um
limite, que conjugam as variáveis técnica e
econômica, acima do qual a navegação se mostra
inviável.
Dois fatores determinantes para definir a
navegabilidade comercial de um rio são a sua
declividade e as dimensões da sua seção
transversal.
Um rio com uma declividade muito alta terá maior
dificuldade para ser navegável. Dá mesma forma
rios muito pequenos irão admitir embarcações com
dimensões muito diminutas, inviáveis Figura 2 – Variação do formato de bacia de drenagem
economicamente.

2.1. Seção transversal 2.2. Declividade


A variável seção transversal de um rio guarda uma A declividade de um canal ou rio irá influir de forma
relação direta com seu caudal, ou com a sua vazão muito expressiva na velocidade de escoamento de
média. água, ou correnteza.
Segundo sua vazão os rios podem ser classificados, Para que o rio seja naturalmente navegável sua
conforme a tabela a seguir: declividade deve ser relativamente baixa.
Também não é possível fixar um número absoluto
que delimite a navegabilidade de um rio a partir de
sua declividade, mas pode-se afirmar que com até
25 centímetros por quilômetro, satisfazendo outras
condições, o rio é navegável. Daí para cima, em
geral, começam a aumentar as dificuldades e os
perigos à navegação. A velocidade das águas cresce
Fonte: Water Quality Assessments - A Guide to Use of e as obras corretivas se avolumam.
Biota, Sediments and Water in Environmental Monitoring A velocidade máxima de correnteza, para efeito de
- Second Edition – UNESCO – 1996 navegação, deve ser analisada de várias formas:
Figura 1 – Classificação dos rios segundo sua vazão
média
Contra a corrente a velocidade máxima da água em
que as embarcações podem trafegar depende da
Não é possível estabelecer uma relação direta entre potência de seus motores. Normalmente a
o tamanho, ou a vazão, de um rio e sua velocidade máxima maximorum é da ordem de
navegabilidade. Algumas referências sugerem que 5m/s, que corresponde a velocidade da embarcação
rios com vazão inferior a 50 m³/s seriam de pouca em águas paradas de 18km/h.
viabilidade para navegação. Existem, porém, A favor da corrente a dificuldade é de controle de
exemplos principalmente na rede europeia de direção da embarcação sendo da mesma ordem de
hidrovias que contrariam essa indicação. grandeza da velocidade da água que permite o
A vazão média de um rio também tem relação com tráfego seguro em linha reta.
a sua área ou bacia de drenagem. Quanto maior a

2
A velocidade máxima maximorum só pode ser
aceita em pontos localizados. Ao longo de grandes
extensões se a velocidade da água é grande, o
transporte torna-se antieconômico.
De maneira geral as velocidades máximas
admissíveis para a navegação são:
 Fluxo paralelo à rota e embarcação
trafegando:
a favor da corrente:
VC= 2,5m/s;
contra a corrente, em áreas restritivas:
VC= 1,8m/s.
 Correntes transversais (90°) à rota:
VC=0,7m/s. Fonte: Perfil de equilibrio de un río - Wikipedia
 Correntes inclinadas (30° a 45°) à rota: Figura 4 – Representação matemática do perfil
VC=1,2m/s longitudinal de um rio
Essa medida é válida como regra geral, mas é claro
que a declividade de um rio não é constante ao Sendo a variável 1-θ/h relacionada à concavidade
longo de sua extensão. Em geral a declividade de da curva.
um rio diminui no sentido de montante para Quando 1-θ/h é igual a 1 (θ=0) a concavidade é
jusante. 0(zero) e a curva é uma reta. A medida que θ cresce
e a variável 1-θ/h cresce, a curva tem uma
concavidade maior.
O perfil longitudinal normalizado de um rio,
portanto, pode ser expresso pela fórmula.

( )
= 1−( ) (1)

O perfil longitudinal do Rio Mississippi, por


exemplo, está representado na figura a seguir:

Fonte: Geomorfologia processual - Docplayer


Figura 3 – Representação esquemática do perfil
longitudinal de um rio

Embora o rio tenha um dinâmica de erosão e


sedimentação, após uma certa idade ele adquire o
que se chama Perfil de Equilíbrio, que é o ponto a
partir do qual seu perfil longitudinal não sofre
variações consideráveis.
O perfil de equilíbrio de um rio é uma curva de
concavidade para cima, contínua e tangente à Fonte: USGS
horizontal no limite jusante, podendo ser
Figura 5 – Perfil longitudinal do rio Mississippi
representada matematicamente pelo conjunto de
curvas a seguir.
Quando comparado o modelo matemático com o
perfil real o resultado é o seguinte:

3
Fonte: Perfil de equilibrio de un río - Wikipedia Fonte: Revista Geociências
Figura 6 – Comparação do perfil longitudinal do rio Figura 8 – Perfil longitudinal do rio Pardo – SP
Mississippi com o do modelo matemático
Em todos os casos, o perfil longitudinal de um rio
Este exemplo demonstra que, de um certo modo, o está intimamente ligado ao relevo, uma vez que
perfil longitudinal de um rio obedece a uma regra corresponde à diferença de altitude entre a
geral, sendo o modelo matemático proposto na nascente e a confluência com um outro rio ou sua
maior parte dos casos aderente. foz no oceano. Portanto, para nossa análise, vamos
Alguns acidentes na topografia local, entretanto, utilizar a variável declividade média do rio, como
podem alterar parcialmente o comportamento do forma de avaliar sua navegabilidade.
perfil longitudinal de um rio, como é o caso das A declividade é a taxa de decrescimento da cota ao
Cataratas de Sete Quedas no Rio Paraná. longo do curso d’água, ou seja, é o grau de
inclinação que o curso d’água tem em relação a um
eixo horizontal. Costuma ser representada pela
letra S (do inglês slope) ou pela letra i de inclinação.
Há várias formas de se calcular e de se expressar a
declividade média de um rio.
Para seu cálculo, por exemplo, graficamente.
Nesse método traça-se uma reta da foz para o
começo do rio de forma que a área sob esta reta
seja igual à área sob o perfil do rio. Como
consequência as duas áreas em amarelo no gráfico
ficam iguais, uma área “compensa” a outra.
Observe o retângulo tracejado na figura, sua área
A=B*L. A declividade S2=B/L, só que B=A/L. Quando
Fonte: Gênese, Evolução e Geomorfologia das Ilhas e
substituímos fica S2=A/L2, mas A=2*Ap (área sob a
Planície de Inundação do Alto Rio Paraná – UNESP Rio
Claro reta S2), então:
Figura 7 – Perfil longitudinal do rio Paraná – Grande

Em alguns casos, o relevo local altera


substancialmente o perfil do rio, afastando-o desse
padrão, conforme figura a seguir, que apresenta o
perfil do rio Pardo.

Fonte: HidroMundo
Figura 9 – Método gráfico de cálculo da declividade de
um rio

4
A declividade é a relação entre duas grandezas implantação de uma hidrovia com o aumento da
lineares: a diferença de cotas (ΔH) e o comprimento declividade do rio.
do curso d’água (L), portanto ela é adimensional.
Mas para melhor entendimento ou costume
sempre as representamos com as unidades. As mais 3. Relevo das principais hidrovias do
usadas são: m/m, %, cm/Km e m/km. Exemplo: i = mundo
0,000375 m/m = 0,0375 % = 37,5 cm/km = 0,375
m/km. 3.1. Mississippi
No presente, por tratar-se de uma análise muito
A Hidrovia do Mississippi é uma típica hidrovia de
mais qualitativa, sem qualquer rigor científico,
planície.
vamos calcular a declividade média dos principais
A declividade média é de 8,30 cm/km, muito abaixo
trechos navegáveis dos rios, simplesmente
dos 25 cm/km tido como um valor de referência
dividindo-se a diferença de cotas pela sua extensão.
para a navegabilidade de um rio.
A declividade será expressa em cm/km.
A Hidrovia do Mississippi, entretanto, é dividida em
A tabela 1 a seguir apresenta uma relação de
dois trechos distintos: o lower Mississippi e o upper
hidrovias com a informação de sua área de bacia em
Mississippi.
km², volume médio em m³/s e declividade média
O trecho do lower Mississippi, situado entre a sua
em cm/km.
foz e a cidade de Cairo, na confluência com o rio
Com relação à declividade, os resultados obtidos na
Ohio, não tem nenhuma eclusa em uma extensão
amostragem em questão estão expressos no gráfico
de 1.600 km e uma diferença de cota de apenas
seguinte.
96m, o que lhe confere uma declividade média de 6
cm/km.

Figura 10 – Gráfico de frequência das declividades das


hidrovias

O mesmo resultado em apresentado em gráfico de Fonte: USGS


linha é o seguinte:
Figura 12 – Perfil longitudinal do trecho do Upper
Mississippi
HIDROVIAS - DECLIVIDADE MÉDIA
8
O trecho do upper Mississippi, em contraste, dispõe
7 de 27 eclusas para vencer uma distância de 1.078
6 km e um desnível de aproximadamente 137 m, o
5 que lhe confere uma declividade média de 12,7
4
cm/km, ainda assim um valor razoavelmente baixo.
3
A foz do Rio Illinois, que liga o Mississippi aos
2

1
grandes lagos, localizada no km 1.650 da Hidrovia
y = -0,12x + 7,8667

0
R² = 0,7132 do Mississippi, encontra-se na cota 126,5 m.s.n.m.
0 10 20 30 40 50 60 70
A represa de St. Anthony, a mais alta da cascata,
Figura 11 – Gráfico de linha de frequência de está na cota 243,8 m.s.n.m.
declividades das hidrovias O mapa de relevo dos Estados Unidos confirma
esses números, em que se observa que
Pelo gráfico de linha é possível inferir que há uma praticamente toda a bacia do Mississippi encontra-
tendência em reduzir a possibilidade de se em áreas de planície.

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ÁREA DA VAZÃO EXTENSÃO
COTAS (m.s.n.m.) Declividade Estirão Altura Média Volume de carga
EXTENSÃO NAVEGÁVEL Número de
ITEM RIO BACIA MÉDIA Média Médio das eclusas transportada Observações
KM COMERCIALMENTE
Montante Jusante eclusas m ( milhões t/ano)
KM² M³/S KM cm/km km
(1) Considerado Navegável de Paris
1 Sena 777 78.910 560 446 24 0 7 5,38 63,7 3,4 25
a Le Havre (foz);
(1) Considerado Navegável de Lyon
2 Ródano 813 98.000 1.710 330 162 0 12 49,09 27,5 13,5 6
à foz;

3 Ohio 1.579 490.601 7.957 1.579 223 88 21 8,55 75,2 6,4


(1) Considerado navegável entre as
4 Yang Tse 6.380 1.808.500 30.166 2.700 192 0 2 7,11 1.350,0 96,0 795
cidades de Beijing e Chongqing.

5 Danúbio 2.860 801.463 7.000 2.414 338,2 0 16 14,01 150,9 21,1 35

6 Reno 1.230 185.000 2.900 885 280 0 12 31,64 73,8 23,3 310

7 Volga 3.688 1.380.000 8.060 3.220 225 -28 8 7,86 402,5 31,6 150

8 Mississippi 3.734 3.220.000 16.792 2.941 244 0 29 8,30 101,4 8,4 650
(1) Considerado navegável até a
9 Dnieper 2.290 516.300 1.670 1.677 193 0 6 11,51 279,5 32,2 30
cidade de Dorogobuzh.

10 Tietê 1.150 150.000 2.500 543 451,5 280 6 31,58 90,5 28,6 3
(1) Considerado Navegável da
11 Paraná 3.998 2.800.000 16.000 859 328 1,5 6 38,01 143,2 54,4
junção dos rios Grande e Paranaíba
12 Tenessee 1.049 105.868 1.998 1.049 248 92 9 14,87 116,6 17,3 50

(1) Considerado os dois rios


13 Columbia - Snake 2.000 668.000 7.500 571 225 25 8 35,03 71,4 25,0 10
Columbia e Snake juntos;
(1) Considerando navegável de
14 Nilo 6.853 3.400.000 2.830 1.053 110 0 9 10,45 117,0 12,2 3
Alexandria até Aswan;
(1) Considerado navegável até
15 Tapajós - Teles Pires 2.100 490.000 11.800 1.651 300 5 9 17,87 183,4 32,8
Sinop;

16 Arkansas 2.364 435.123 1.147 716 163 33 18 18,16 39,8 7,2

(1) Considerando até a ligação com o


17 Illinois 541 72.701 659 541 176 128 8 8,87 67,6 6,0
Lago Michigan pelo Rio Calumet;
(1) Considerando do Lago Ontário
18 São Lourenço 3.058 1.344.200 16.800 3.058 75 0 7 2,45 436,9 10,7 222
até o Oceano Atlântico
(1) Considerando de Pavia até o Mar
19 Po 652 74.000 1.540 330 70 0 1 21,21 330,0 70,0
Adriático
(1) Considerado navegável de
20 Mosela 545 28.286 328 394 217 65 28 38,58 14,1 5,4 10
Neuves-Maisons (França) a Koblenz
(1) Considerado navegável da Foz
21 Douro 897 98.400 700 210 125 0 5 59,52 42,0 25,0
(Porto) até Veja de Terron
(1) Considerado navegável da Foz
22 Elba 1.094 148.268 870 800 215 0 7 26,88 114,3 30,7 8
(Mar do Norte) até a cidade de
Tabela 1 – Dados das Principais Hidrovias do Mundo

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Figura 13 – Mapa de relevo dos EUA

3.2. Reno
A Hidrovia do Rio Reno, a mais importante da Figura 15 – Mapa do trecho do Alto Reno
Europa, apresenta uma declividade média
relativamente alta, 31,64 cm/km. Entretanto, o
terço inferior da hidrovia situa-se em área de
planície. 3.3. Volga
A Rússia dispõe de mais de 100.000 km de hidrovias
que transportam 150 milhões de t anuais.
A principal hidrovia russa, a do Rio Volga, que junto
com o Canal de São Petersburgo liga essa cidade aos
mares Negro e Cáspio, está inserida na rede
hidroviária europeia, com registro E50.
Junto com a ligação Reno – Meno - Danúbio
constitui um formidável anel hidroviário europeu,
conforme desenho a seguir.

Figura 14 – Mapa de relevo da Europa

Apenas em seu terço superior, entre Strasbourg e


Basiléia, o Reno percorre região com altitudes um Figura 16 – Mapa do “Hidroanel” Europeu
pouco mais elevadas, principalmente em um
pequeno trecho, na Suíça, em região já mais Da análise do mapa de relevo russo, observa-se que
próxima dos Alpes. Até Basiléia, o trecho da o rio Volga atravessa uma área de planície, a
Hidrovia do Reno com tráfego comercial, as eclusas Planície Russa.
do percurso vencem um desnível de 250,0 m.

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3.5. Nilo
Outro rio importante, apesar de pouco explorado
para transporte de cargas é o Nilo. Considerado o
mais extenso de todos os rios do planeta, o Nilo é
navegável em vários trechos separadamente. O
trecho mais extenso, explorado principalmente
para a navegação turística, situa-se no Egito.
No trecho entre a sua foz em delta e a represa de
Assuan, o Nilo está situado em uma região
praticamente de planície, com baixa altitudes.

Figura 17 – Mapa do relevo da Rússia

3.4. Yang Tse


O Yang Tse é a principal hidrovia da China.
Por ela circulam mais de 700 milhões de t / ano,
além de um considerável tráfego de passageiros.

Figura 20 – Mapa do relevo do Egito

3.6. Dnieper
O rio Dnieper nasce na Rússia e corta todo o
território da Ucrânia, apresentando grande
Figura 18 – Mapa das hidrovias da China
atividade de navegação neste país, constituindo-se
em uma via extremamente importante para a sua
Analisando o relevo da China, verifica-se que, economia.
apesar de nascer e ter parte de seu curso em região
montanhosa, a parte navegável do Yang Tse, de
Chongqing a Beijing, está situada em uma região de
planície.

Figura 21 – Mapa das hidrovias da Ucrânia

Figura 19 – Mapa do relevo da China Analisando o mapa de relevo da Ucrânia observa-se


a ocorrência de diversas regiões de relevo

8
montanhoso. Entretanto, o leito do Dnieper Esta hidrovia é bastante semelhante à do Tietê em
desenvolve-se por um vale em região de planície termos de extensão, altura de eclusas e extensão de
entre duas regiões de relevo mais acentuado. estirões. Seu diferencial em relação ao Tietê reside
em dois aspectos: primeiro, suas dimensões. O
Columbia tem uma vazão média três vezes superior
ao do Tietê. Com dimensões maiores permite a
navegação de comboios maiores (14.000 t) e,
portanto, mais econômicos. Segundo, o Columbia
desemboca no pacífico, permitindo a
intermodalidade com portos marítimos como o de
Portland. Isso reflete no volume total transportado.
A Hidrovia Colúmbia-Snake transporta atualmente
10 milhões de t por ano.

Figura 22 – Mapa do relevo da Ucrânia 4. O relevo da Hidrovia Tietê-Paraná


Ao contrário das mais importantes hidrovias do
3.7. Hidrovias com alta declividade mundo, a Tietê-Paraná situa-se em uma região de
Algumas das hidrovias estudadas apresentam planalto.
declividade média bastante acentuada, superior às A cota mais baixa da hidrovia, o lago da
dos rios Tietê e Paraná. Hidroelétrica de Itaipu, situa-se entre 220,00 e
A Hidrovia do Rio Douro apresenta a mais alta 218,00 m.s.n.m., apenas 30 m abaixo de Basiléia, o
declividade dentre as hidrovias pesquisadas, com ponto mais alto da Hidrovia do Reno.
quase 60 cm/km. Nesta hidrovia localiza-se a mais
alta eclusa conhecida, a de Carrapatelo com 36 m
de altura.

Figura 23 – Eclusa de Carrapatelo, no rio Douro

A Hidrovia do Rio Mosela dispõe de 28 eclusas numa


extensão de 394 km, com uma média de estirão Fonte: Colégio Web
navegável de pouco mais de 14 km. Apesar dessas Figura 24 – Mapa de unidades de relevo do Brasil
características, a Hidrovia do Mosela apresenta
tráfego superior a 10 milhões de t por ano, além do Conforme figura, a maior parte da Hidrovia Tietê-
grande movimento de embarcações turísticas e de Paraná situa-se em uma região denominada
lazer. Chapadas do Paraná, definida como sendo
Um caso clássico de construção de hidrovia que dominada pela presença de terrenos sedimentares
exigiu grandes obras de engenharia é a Hidrovia do com formação arenítico-basálticas, estendendo-se
Ródano. Com declividade média próxima a de Goiás até o Rio Grande do Sul, abrangendo a
50cm/km, desempenha um importante papel no faixa ocidental dessa região, com altitudes
tráfego entre as cidades de Lion e Marselha. atingindo cerca de 1.000 m.
Por último, a Hidrovia dos rios Colúmbia-Snake.

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Com altitudes variando entre 220 e 440 m.s.n.m. a
Tietê-Paraná insere-se em uma região tipicamente
de planalto.
O Rio Tietê tem uma situação bastante peculiar.
Com sua nascente situada a 20 km do oceano
atlântico, o Tietê direciona-se para o interior do
estado, ultrapassando dois grandes obstáculos
geográficos: os contrafortes entre Salto e Santana
de Parnaíba e as Cuestas de Botucatu.

Fonte: Atlas da Cuesta – Instituto Itapoty


Figura 25 – Desenho esquemático do perfil longitudinal
do rio Tietê
Do material que foi aqui selecionado e exposto,
levanta-se a questão de como a Hidrovia Tietê- Figura 26 – Relevo da Bacia do Prata
Paraná contraria a lógica das outras hidrovias.
Analisando o relevo da América do Sul é fácil
De todas as hidrovias pesquisadas, a Tietê-Paraná é
observar-se que a Bacia Platina, da qual o Paraná é
a que se encontra em altitudes mais elevadas e
o principal rio, está quase toda inserida em uma
também é a única cujo ponto final não é um
planície, a Planície Platina.
estuário.
A jusante de Itaipu a cota do Rio Paraná é de 92,00
Essa não é uma questão que tenha uma resposta
m.s.n.m. Deste ponto, o Paraná percorre uma
final e conclusiva. Várias hipóteses podem ser
distância de mais de 1.700 km até a foz do Rio da
formuladas para esclarece-la.
Prata (declividade média de 5,4 cm/km),
Relembrando, a proposta inicial deste trabalho é a
caracterizando-se claramente como um rio de
de discutir a relação entre hidrovias e relevo e, a
planície.
partir disso, situar ou analisar em que contexto a
A Hidrovia Tietê-Paraná, da forma como a
Hidrovia Tietê-Paraná se insere.
conhecemos, é na verdade um trecho de cabeceira
Neste sentido, formulamos algumas hipóteses na
dessa imensa hidrovia.
tentativa de estimular a discussão da questão
Três questões dificultam essa percepção.
colocada, sem a pretensão de esgotar o assunto.
Primeiramente, para melhor entender essa questão
a) Denominação do rio
é necessário ampliar o mapa da hidrovia para
termos a visão de toda a bacia do Rio da Prata.
Não há um único outro lugar no mundo onde uma
bacia com mais de 4.000 km de rios seja conhecida
pelo nome de um rio com pouco mais de 300 km, no
caso o Rio da Prata. O Rio Paraná deveria ser
considerado com essa denominação desde sua
nascente (que poderia ser o Rio Grande ou o
Paranaíba) até sua foz, no oceano atlântico, e a
bacia receber o nome de Bacia Paranaense, não
Platina, como aliás são todas as principais bacias do
mundo.
O Rio Uruguai não tem tamanho, nem caudal, para
formar junto com o Paraná um outro rio. Ele é
simplesmente um afluente do Rio Paraná.

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Isso dificulta termos a compreensão da espinha planície, em altitudes poucas vezes superiores à
dorsal deste fantástico sistema hidroviário. cota 200 m.s.n.m.
A Hidrovia Tietê-Paraná apresenta algumas
b) Itaipu características diferenciadas, quando comparadas à
amostragem utilizada neste estudo.
O Salto das Sete é historicamente reconhecido Primeiro, apresenta cotas superiores às das demais
como um divisor. hidrovias.
Os primeiros exploradores da bacia do Prata subiam Segundo, seu curso não tem uma ligação direta com
pelo rio Paraná até este ponto, considerado o mar.
intransponível. Explicar esse aparente paradoxo não se apresenta
O Salto de Sete Quedas definiu fronteiras entre os como tarefa de simples equacionamento.
países platinos. Entretanto, para contribuir com essa discussão
A construção da Hidroelétrica de Itaipu submergiu levantou-se a questão da necessidade de integrar a
as Cataratas de Sete Quedas. Sete Quedas dividia o Hidrovia Tietê-Paraná com os demais trechos
Rio Paraná em dois trechos: um, a jusante, situado navegáveis da bacia do Prata, inclusive
em um trecho de planície; o segundo, a montante, relacionando alguns pontos que dificultam essa
no Brasil, em trecho de planalto. Ambos com visão.
características navegáveis, porém geograficamente
separados. 6. Referências Bibliográficas
A decisão de construir Itaipu sem eclusas, apesar ALMEIDA, C.E.; BRIGHETTI, G. Notas de Aula PHD
das claras intenções em contrário expressas nos 502 - Navegação Interior e Portos Marítimos, Escola
tratados, manteve essa situação, isolando a Politécnica da Universidade de São Paulo;
Hidrovia Tietê-Paraná do restante da bacia.
BRIGHETTI, G. Apostila do Curso PHD 5023 - Obras
Fluviais, Escola Politécnica da Universidade de São
c) Logística
Paulo;
A logística de um país, para produtos de exportação, LANGBEIN, W. B. Hydraulics of River Channels as
sempre é a de ligar as regiões produtoras aos portos Related to Navigability. Washington: US
marítimos localizados em seu território. Government Printing Office, 1962;
Principalmente na América do Sul, sem tradição de
MEYBECK, M.; FRIEDRICH, G.; THOMAS, R.;
integração regional entre os países, dificilmente se
CHAPMAN, D. Water Quality Assessments - A Guide
concebe uma logística integrada com recursos, quer
to Use of Biota, Sediments and Water in
de vias, quer de portos, situados em outro país.
Environmental Monitoring - Chapter 6 – Rivers. 2
Todos os planos de escoamento da safra agrícola
ed. London: UNESCO/WHO/UNEP, University Press,
brasileira têm como destino portos como os de
Cambridge, 1996;
Paranaguá ou Santos e, mais recentemente, os
chamado Arco Norte. PORTO, R.L; ZAHED FILHO, K.; SILVA, R.M. Apostila
do Curso PHD 307 – Hidrologia Aplicada, Bacias
5. Conclusão Hidrográficas, Escola Politécnica da Universidade de
As principais características necessárias para definir São Paulo, 1999;
a navegabilidade de um rio (largura, profundidade e GUEDES, I.C.; MORALES, N.; ETCHEBEHERE M.L.C.;
correnteza) estão diretamente relacionadas com o SAAD A.R. Indicações de Deformações
relevo local. Neotectônicas na Bacia do Rio Pardo-SP através de
É também claro que os rios, ou trechos de rios, Análises de Parâmetros Fluviomorfológicos e de
localizados em região de planície, em geral, Imagens SRTM, São Paulo: Revista Geociências,
apresentam melhores condições de navegabilidade. 2015;
Tecnicamente não há impedimento para a
transformação de qualquer rio em uma hidrovia, Unidades do Relevo. Colégio Web, 2012. Disponível
mas há um limite a partir do qual o montante de em:<https://www.colegioweb.com.br/relevo/unid
recursos necessário inviabiliza economicamente o ades-do-relevo.html>. Acesso em: 20 de out. de
empreendimento. 2018;
Confirmando este quase corolário, as principais
hidrovias do mundo situam-se em região de

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Atlas da Cuesta. Instituto Itapoty, [s.d.]. Disponível
em:<http://itapoty.org.br/atlas/livro/>. Acesso em:
22 de out. de 2018;
Geografia da Argentina. Wikiwand, [s.d.]. Disponível
em <http://www.wikiwand.com/pt/Geografia da
Argentina>. Acesso em 20 de out. de 2018;
Perfil de equilibrio de un río. Wikipedia, [s.d.].
Disponível em
<https://es.wikipedia.org/wiki/Perfil_de_equilibrio
_de_un_río>. Acessado em 21 de out. de 2018;
Sedimentation History of Halfway Creek Marsh,
Upper Mississippi River National Wildlife and Fish
Refuge, Wisconsin, 1846–2006. USGS, [s.d.].
Disponível em <http://www.
pubs.usgs.gov/sir/2007/5209/>. Acesso em 22 de
out. de 2018;
As Barragens do Alto Reno. swissinfo, 2013.
Disponível em
<http://www.swissinfo.ch/por/mapa_as-
barragens-do-alto-reno/36681246>. Acesso em 22
de out. de 2018;
Geomorfologia Processual. Docplayer, [s.d.].
Disponível em <http://www.
https://docplayer.com.br/46911880-Modulo-1-
geomorfologia-processual.html>. Acesso em 20 de
out. de 2018;
Declividade e Perfil Longitudinal de um Rio.
HidroMundo, 2016. Disponível em <http://www.
http://www.hidromundo.com.br/declividade-
perfil-longitudinal-de-rio/>. Acesso em 22 de out.
de 2018;
Leli, I. Gênese, Evolução e Geomorfologia das Ilhas
e Planície de Inundação do Alto Rio Paraná, Rio
Claro, Tese de Doutorado apresentada ao
Instituto de Geociências e Ciências Exatas do
Campus de Rio Claro, da UNESP, 2015: Disponível
em
<https://www.researchgate.net/publication/29960
0875>. Acesso em 22 de out. de 2018

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