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16/09/2021 19:08 A irmandade na poesia: entrevista com Wladimir Saldanha e João Filho - Jornal Opção

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Terça Poética

A irmandade na poesia: entrevista com


Wladimir Saldanha e João Filho
terça-feira 18 abril 2017 8:55

Por Cláudio Ribeiro

Edição 2179

Claudio Sousa Pereira, que acompanha de perto a


trajetória dos dois poetas baianos, entrevistou-os na
ocasião do lançamento conjunto de “Auto da Romaria” e
“Natal de Herodes”, especialmente para o Jornal Opção

Poetas João Filho e Wladimir Saldanha, em lançamento de seus


respectivos livros “Auto da Romaria” e “Natal de Herodes”,
ocorrido em 31 de março de 2017 | Foto: divulgação

Claudio Sousa Pereira

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Especial para o Jornal Opção

Eles se conhecem há seis anos, porém possuem um diálogo


literário que parece existir há décadas. Wladimir Saldanha e
João Filho são poetas e amigos que, nesse espaço de tempo,
vão ajudando a reconstruir a poesia brasileira. Encontros
inicialmente para discutirem poesia alheia tranformaram as
tardes de sábado em momentos luminosos. Em um
crescendo de interesse mútuo e sincero, ao qual agregaram-
se por vezes as companheiras Állex Leilla e Cristiana Rocha,
foram aperfeiçoadas as obras pessoais, tais como Lume
Cardume Chama, Culpe o Vento, Cacau Inventado de
Wladimir, e A Dimensão Necessária, de João, que ganhou o
Prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Biblioteca Nacional em
2015. O diálogo se intensificou de tal forma que se estendeu
aos dois livros, nos quais há muito de cada um no processo
das obras individuais: Natal de Herodes (Mondrongo Livros,
2017) e Auto da Romaria (Mondrongo Livros, 2017), de
Wladimir e  de João, respectivamente. Lançados em
conjunto, no dia 31 de Março, integram na Mondrongo a
Coleção Katharina, que homenageia o poeta Bruno Tolentino
(1940-2007). Na entrevista que segue, através de cinco
perguntas feitas aos escritores, saberemos mais sobre os
livros que vieram a lume recentemente, além de outros
aspectos ligados ao processo de escrita e obra de cada
poeta.

***

“O que busquei com a poesia foi servir-me da


lacuna para ir além dela. Ausência que sonha
uma Presença – no caso, o Cristo”

Wladimir Saldanha nasceu em 1977, em Salvador, cidade


onde reside. É poeta, crítico e tradutor.  Com quatro livros de
poesia publicados, possui uma escrita que oscila entre o
verso medido e o livre, de grande variação rítmica nas duas
formas. No plano temático, as obras são concebidas em

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módulos unitários, que exploram um circuito mais ou menos


fechado, com o que o autor parece evitar o livro-coletânea,
de flagrantes, que caracterizou a poesia brasileira na
segunda metade do século XX. Retoma, de certo modo, a
estrutura do livro simbolista, como um objeto em si mesmo.
Assim, em Culpe o vento, revisita o velho topos do mal-estar
do poeta no mundo; em Lume Cardume Chama, faz uma
indagação inconclusiva sobre a vida, que se vale do
imaginário marinho; em Cacau inventado, explora o
imaginário da região cacaueira da Bahia, sobretudo o
moldado pelos seus prosadores, mas o confronta com a
decadência da lavoura.

Apesar da diversidade, há grande carga biográfica, de que o


poeta retira desdobramentos inusitados. Um dos subtemas
das obras anteriores – a questão do “Pai Ausente” – retorna
de forma ampliada e até mesmo exasperada no recém-
lançado Natal de Herodes.

ENTREVISTA COM WLADIMIR:

Conte-nos o porquê da temática do Pai Ausente, e se isso


(após a escrita de Natal de Herodes) já pode ser
considerado como plenamente resolvido.

A razão está na vida, evidentemente. A experiência de uma


completa ausência paterna, que difere muito – o que é difícil
de entender para algumas pessoas – do “pai tirano”, do “pai
violento” e de outras pragas. O que me interessa é a lacuna
absoluta, o problema da transferência: a “função pai”, como
dizem os lacanianos, vista na possibilidade ou
impossibilidade de substituição por outras figuras. O que
busquei com a poesia foi servir-me da lacuna para ir além
dela. Nesse livro,  quem sabe a ausência tenha perdido
finalmente sua referencialidade, seu caráter mais
recordativo, abrindo-se em lirismo de metáfora absoluta:
Ausência que sonha uma Presença – no caso, o Cristo. Não
sei se consegui, mas foi o que tentei, e o que gostaria de ter
feito. Quanto a voltar ao tema, não pretendo.

A presença do imaginário cristão – de forma subliminar


na obra Lume Cardume Chama e, antes, em momentos
pontuais de Culpe o Vento – ganha fôlego no Natal de
Herodes. Como a figura de Herodes (e o que o cerca) se
articula com a temática da ausência paterna?

O livro começou com um poema muito na esteira do


Herodes “racional” de Auden, em seu famoso Massacre dos
inocentes, que me acompanha há anos numa tradução
portuguesa. Para Auden, Herodes é um monstro de razão:
tudo faz sentido e, não obstante, tudo está errado, as
conclusões são as piores.

Isto ficaria por aí, como uma espécie de emulação que eu


não publicaria, se não sentisse mais e mais necessidade de

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compreender essa personagem, ao ponto de fazê-la um eu,


uma persona lírica. Lendo outros poetas que trataram de
Herodes, mas principalmente o historiador romano Flavio
Josefo, no livro clássico da História dos Hebreus, fui tomado
de certo “afeto” pela paranoia de legitimidade que o rei
parecia sofrer: por ter sido um usurpador, por ter
destronado a família dos asmoneus, tudo para Herodes
ganhava ares de conjura. O caráter luciferino, a
racionalidade que lhe empresta Auden, na minha leitura tem
a ver com isso: foi essa percepção, não sei se errada ou
certa, mas plausível, que desencadeou o resto do livro,
porque a extrema razão o incapacita de entender o advento
do “Rei dos reis” de modo simbólico.

“Então isso me deu extrema liberdade: são tão


poucos os leitores de poesia, que você pode fazer
o que quiser. As muitas remissões do Natal de
Herodes foram uma necessidade do tema e eu
soltei a mão. Já não espero a mediação da crítica”

A partir da seção Tempo do Natal, vários personagens


bíblicos são revisitados, contudo apresentados por uma
ótica pouco usual. Que visão almeja alcançar com a
perspectiva dada nesse segmento?

A seção tenta fazer uso de lições da chamada antilira para


temas líricos e até religiosos, ou ao menos bíblicos, como
você coloca. O efeito soará blasfemo, talvez. Seria de uma
infantilidade absurda se eu pretendesse blasfêmia em
poesia a estas alturas, ainda que isso correspondesse a
qualquer necessidade particular (o que não é o caso). Seria
também um anacronismo ignorante, em relação ao “estado
da arte”.  A revolta não é com o tema de fundo, o encontro
da dimensão lacunosa do pai com a Pessoa de Cristo. É uma
revolta de linguagem, porque eu andava com muita birra de
certa poesia contemporânea que me parece apologal, como
se fosse possível “passar a régua” em Jorge de Lima, em
Murilo Mendes. O poema-apólogo, para mim, é forma
inversa de infantilidade e ignorância. Mas admito a “leitura
blasfema”: não é algo que o livro rejeita, é um risco dele. É
algo que o autor rejeita.

Diversos mitos e referências são retomadas no Natal de


Herodes: há uma profusão de subtemas e remissões
históricas. Como julga que isso será recebido, tendo em
vista o atual panorama crítico?

Meu livro anterior, Cacau inventado, de 2015, tem muito da


chamada metaliteratura, na proposta de discussão do
imaginário moldado pelos escritores da região do cacau,
alguns hoje obscuros. Tentei uma metaliteratura que não
fosse vazia, não fosse narcisismo de linguagem. Pensando no
problema das referências, fiz um prólogo e até notas de
rodapé. Pois foi obra semifinalista de um prêmio

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internacional, divulgada em grandes jornais, e até hoje não


teve nem sequer uma resenha. Então isso me deu extrema
liberdade: são tão poucos os leitores de poesia, que você
pode fazer o que quiser. As muitas remissões do Natal de
Herodes foram uma necessidade do tema e eu soltei a mão.
Já não espero a mediação da crítica. Fora os próprios poetas,
as pessoas que mais poderiam fazê-la estão, como naquela
canção do Roberto, “com a cabeça cheia de problemas”.

No ano de 2017 se registra a passagem do décimo ano de


falecimento de Bruno Tolentino (1940-2007). Como se
sabe, seu livro Natal de Herodes integra, assim como a
obra Auto da Romaria, de João Filho, a Série Katharina,
que a editora Mondrongo está encampando. De que
modo seu livro dialoga com o poeta homenageado?

Em dois aspectos mais evidentes: primeiro, o trabalho


formal, pois Bruno trouxe de volta, na década de 1990, a
questão da métrica, que parecia sepultada pelo Concretismo;
segundo, no plano temático, a busca transcendente,
igualmente soterrada pelos “poemas-coisa” da mesma
vanguarda. Ambos os livros assimilam tais pontos, que a
obra As horas de Katharina trabalha de modo exemplar.

Quanto ao meu verso, particularmente, deve haver algo de


Bruno no que toca à lírica de melopeia, mas por oposição.
Minha relação tornou-se instável com a obra dele, sobretudo
depois de tê-lo conhecido pessoalmente, pois eu o havia lido
muito como o grande lírico de A balada do cárcere e, depois,
de As horas de Katharina. O poeta de quem me aproximei
era alguém que fazia pouco caso de sua produção mais lírica,
estava empenhado em construir uma imagem de poesia
“filósofa” – sobretudo o autor de O mundo como ideia e do
então inédito A imitação do amanhecer. Eu me afastei dele
em parte por isso, como reação meio involuntária do lirismo,
da melopeia tão dele e que no entanto desdenhava. Foi um
desencontro de leitor com a expectativa de leitura que o
autor tinha de si. Essas coisas também fazem parte da
literatura – e eu era muito jovem. Mas ainda prefiro As horas
e A balada aos outros dois. Então deve haver em mim algo
que é Bruno, malgrado seu. “Te juro que o verbo amar/ só
Deus conjuga contigo” – são os versos dele que talvez
respondessem a Herodes.

***

“Inúmeros outros poemas estão impregnados de


Catolicismo. Há um preconceito rasteiro contra o
Cristianismo entre os ditos intelectuais. A pessoa
pode ser tudo, menos católica” 

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João Filho nasceu em 1975, em Bom Jesus da Lapa, Bahia.


Mora atualmente em Salvador. Publicou os livros de contos:
Encarniçado, 2004 e Ao longo da linha amarela, 2009; o de
crônicas: Dicionário amoroso de Salvador, 2014; os de
poesia: Três sibilas, 2008, A dimensão necessária, 2014 e
Auto da Romaria, 2017. Inúmeros poemas deste último livro
foram musicados por Sócrates Rocha e o CD homônimo está
em fase de conclusão. Inclui-se também a peça de teatro
Auto do São Francisco, 2017. Contos e poemas seus já foram
traduzidos para o espanhol, inglês e alemão. Sua obra,
realizada em alguns gêneros literários, tem como eixo
primordial a condição humana na sua dimensão metafísica
percebida na experiência vital do indivíduo, tendo como
fulcro a realidade moral.

ENTREVISTA COM JOÃO FILHO:

O Auto da Romaria se insere numa tradição de poema-


livro, que tem como “padrinhos estéticos” imediatos o
Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, e As
Horas de Katharina, de Bruno Tolentino. Como se pode
perceber, não se trata, passivamente, de ser apenas um
breviário da secular Romaria de Bom Jesus da Lapa. O
que a obra pretende mostrar além disso?

Os dois livros que você cita foram, para mim, os modelos de


poesia que possuem a clave narrativa e a meditação de um
tema que perpassa todo um volume. O de Cecília Meireles,
como é sabido, tem como base um grande acontecimento
histórico. O de Bruno Tolentino é a trajetória de uma alma
dentro da cosmovisão Católica. Modelo não quer dizer cópia
formal, já que tanto no Romanceiro quanto n’As horas não
há verso livre, forma que me permiti algumas vezes no Auto
da Romaria.

A Romaria de Bom Jesus da Lapa, interior da Bahia, margem


direita do Rio São Francisco, acontece desde 1691, logo, faz,
este ano, 327 anos de existência. Isto é muito dentro do
quadro histórico do Brasil. Eu desejei plasmar em poesia a
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condição da fé humana e suas implicações num ambiente


inóspito, a força dessa fé de cunho popular que culmina no
dia 6 de agosto; também um pouco da memória do menino
que eu fui como observador e partícipe desse significativo
evento do catolicismo pelas ruas de minha cidade natal. O
livro se divide em duas grandes partes: “Margem direita – o
caminho palmilhado” e “Margem esquerda – o caminho
meditado”, e tem, no meio, dois poemas longos. O desenho
geral é de um rio. A vida – e muito do que ela comporta: dor,
alegria, fé, tristeza etc. – sempre no seu sentido metafísico.
Tudo isso, claro, foi o que desejei alcançar. Por mais que o
poeta se empenhe em estudo e técnica sobre a forma e o
conteúdo, poesia é tentativa.

Percebem-se indubitavelmente no livro elementos que o


fazem retornar, sob outra perspectiva, aos contos de o
Encarniçado, seu primeiro livro. Quais são as
semelhanças e diferenças entre ele o Auto da Romaria?

Confesso que esse retorno eu não havia percebido, e foi


você, meu caro Claudio Sousa Pereira, quem me fez ver tal
fato. O Encarniçado foi publicado em 2004, e o Auto da
Romaria começou a ser escrito em 1998, com outro nome e
cosmovisão, e só foi finalizado em 2016. Há mais diferenças
do que semelhanças. O tratamento estilístico é bem
diferenciado, verdadeiros opostos, e não somente por ser de
gêneros distintos. Nos contos, a temática e a atmosfera são a
do submundo, sua violência, drogas, seus excessos etc. Por
sua vez, nos poemas, o que me interessa é o universo da fé
cristã. O que aproxima os dois livros é a geografia: Bom Jesus
da Lapa.

“Há tantos incontáveis vínculos numa única vida


humana que ignorá-los é, no mínimo, cegueira. A
grande maioria das pessoas gosta de transpirar
sua autossuficiência, mas tudo, tudo nos foi
emprestado. Até para negarmos a vida temos
que estar vivos!”

O seu Auto da Romaria amplia alguns caminhos já


presentes no livro anterior, A dimensão necessária
(Prêmio Biblioteca Nacional 2015). No entanto, considero
o Auto como o ponto dominante de sua obra até então.
Mas isto pode configurá-lo, dada a cosmovisão de matriz
católica, como um eixo restritivo para obras vindouras?

Acredito que não, pois há livros inéditos com poemas que


possuem essa mesma índole. No caso do Auto, a abordagem
não poderia ser de outro modo; o tema e a minha vivência
de fiel pediam esse procedimento. Como você percebeu: o
que já publiquei e os livros inéditos são variantes, às vezes
bem distintas, de uma mesma matriz. Sendo assim, não vejo
porque o Auto da Romaria restringiria outras obras futuras
por ter sido escrito numa perspectiva cristã, que tem como

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base o perdão e a transcendência. Foi essa direção que


desejei imprimir em A dimensão necessária. Há poemas ali
eminentemente cristãos. Não sofrem de nenhum didatismo
redutor, é verdade, pois primo pelo tratamento estético, mas
não deixam de ser cristãos. Poemas como “Capela do
Hospital Santo Antônio”, que é sobre a Beata Dulce, toda a
seção “A fonte vertical”, e inúmeros outros poemas estão
impregnados de Catolicismo. Há um preconceito rasteiro
contra o Cristianismo entre os ditos intelectuais. A pessoa
pode ser tudo, menos católica.

Diante de uma produção literária em que, além dos


livros supracitados, possui alguns livros inéditos tão
bons quanto ao recém-publicado, porém todos saídos de
uma base comum, explique como o seu processo de
escrita tem desdobrado para que, nessa fecunda oficina
poética, aparecesse um livro de tamanha coesão interna
como o Auto da Romaria.

Penso que a coesão vem do menino que fui. Explico: há uma


imagem que eu chamo de “A teia”; nome singelo, bobo até,
mas de enorme importância para mim. Aquele menino
imaginava uma raiz comum da qual surgiriam vários
trabalhos estéticos, talvez em forma de desenho, palavra ou
música. Prevaleceu a palavra, pois não aprofundei em
estudos e técnicas os outros dois suportes. Talvez ainda faça
isso com o desenho; na música, prefiro continuar como
letrista, apesar de ter algum conhecimento técnico musical.
Claro que, àquela altura, era um vislumbre, algo ainda muito
primário, mas eu idealizava mesmo o que chamo de “A teia”.
O menino que eu fui era – e continua sendo – um
contemplativo, e o mundo é, para mim, um espanto.
Sinceramente não sei como alguém pode se entediar diante
do espetáculo da vida.

Vejo que a partir do Auto você lança a pedra de fundação


de sua poética, ainda que esteja apenas no terceiro livro
de poesia. Dentre esses elementos, um já se mostra
claro, não só nesse livro como no anterior, mas na fase
onde se encontra, que é a Aceitação da Transcendência.
Essa questão de ordem metafísica em sua Poética – que
está em franca formação – já se apresenta como uma
resolução plenamente resolvida na sua vida/obra?  

 Como você mesmo diz: tudo ainda está em franca formação.


Desse modo, se alguém pode afirmar criticamente o que
você afirma, esse alguém tem de vir de fora, pois está num
um ponto de observação privilegiado que eu não posso
estar. No entanto, quem se mete com algum tipo de arte é
ambicioso. O poeta, por mais humilde que seja, é movido
pela ambição de fazer uma obra simples. Sem ambição não
há arte.

Sim, essa questão já está resolvida no sentido de eu não


conceber a vida sem transcendência. Como assevera

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acertadamente o professor e escritor Tiago Amorim – a vida


é metafísica. A vida humana que se fecha sobre si mesma se
torna pobre, de uma pobreza mortal. Viktor Frankl, num dos
seus livros, diz que mesmo o mais inflexível ateu, na hora da
morte, percebe que “há algo mais”. E Viktor Frankl, que
chegou lúcido aos 92 anos, sabia do que falava. Considero a
vida uma dádiva. Conheço a dor, a humilhação, o fracasso,
mas sei que a vida é positiva. Isto não quer dizer que eu vejo
o mundo com um otimismo cândido. Se o ser abarca o não
ser, logo, a positividade é intrínseca à vida como um todo. O
que procuro enxergar é o mundo em suas multifacetadas
manifestações.

Há tantos incontáveis vínculos numa única vida humana que


ignorá-los é, no mínimo, cegueira. A grande maioria das
pessoas gosta de transpirar sua autossuficiência, mas tudo,
tudo nos foi emprestado. Até para negarmos a vida temos
que estar vivos! Isto para mim é tão óbvio, mas sei que não é
uma visão facilmente aceita. Veja o seguinte: se não existisse
o cenário – o mundo – onde atuaríamos? Se não existissem
pessoas, com quem interagiríamos? O pessimista, o niilista, o
relativista etc. são os teimosos da ingratidão. Como diz
Chesterton, que cito como epígrafe de um dos poemas do
Auto da Romaria: “a vida não é somente um prazer, mas uma
espécie de excêntrico privilégio.” Que saibamos ser dignos
desta excentricidade ímpar.

***

Claudio Sousa Pereira (1982, Salvador-BA) é Poeta, Ensaísta e


Professor de Literatura. Blog: <http://grandes-
palavras.blogspot.com.br/>




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Uma resposta para “A irmandade na poesia:


entrevista com Wladimir Saldanha e João
Filho”

1. ADALBERTO DE QUEIROZ disse:


terça-feira 18 abril 2017 10:05 às 10:05:14 AM
Bravo! à novíssima geração de poetas. Vozes da Bahia de
tanta tradição poética. Muito bom, time Opção Cultural e
Cláudios (Ribeiro & Sousa Pereira).

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