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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL - PUCRS

ESCOLA DE DIREITO

Disciplina: Direito Penal III: Teoria da Pena

Professor: Ney Fayet Júnior

Aluna: Gabriela Sauer Turma: 169

Prova 1 (P1): Circunstâncias Agravantes

“1Entre as penas e na maneira de aplicá-las proporcionalmente aos delitos,


é mister, pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a
impressão mais eficaz e mais durável, e, ao mesmo tempo, menos cruel no
corpo do culpado.”

(Cesare Beccaria)

1. APRESENTAÇÃO: NOÇÕES PRELIMINARES

Nesta síntese iremos analisar as circunstâncias agravantes da pena, as quais estão


relacionadas nos arts. 61 e 62 do Código Penal. No art. 61 estão tipificadas as circunstâncias
que agravam a pena “quando não constituem ou qualificam o crime”. Já no art. 62, estão
expressas aquelas que se referem a crimes cometidos em concurso de pessoas, eventual ou
não.

No que tange a aplicação das agravantes penais, elas são empregadas na segunda fase
da dosimetria da pena, a qual constitui a fixação da pena provisória. Ainda, é relevante
destacar que elas subdividem-se em agravantes preponderantes, contendo a reincidência e não
preponderantes incluindo as demais.

A hipótese de reincidência, prevista no art. 61, I do Código Penal, é aplicável em


crimes dolosos e culposos. Por outro lado, as demais circunstâncias são aplicáveis somente

1
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
nos crimes dolosos. As sentenças comentadas anteriormente são o entendimento
predominante da doutrina e da jurisprudência, pois não há compatibilidade entre a culpa e as
demais circunstâncias. Por exemplo, 2Guilherme Nucci, em seu livro, faz o seguinte
questionamento:

“Como se poderia chamar de fútil o crime culposo, se o agente não


trabalhou diretamente pelo resultado? Como se poderia dizer ter havido
homicídio culposo cruel, se o autor nada fez para torná-lo mais sofrido à
vítima? Enfim, estamos com a posição que sustenta haver incompatibilidade
entre o rol do inciso II e o delito culposo.”

No entanto, ainda que haja esse entendimento preponderante, mesmo assim ocorrem
casos, embora raramente, da aplicação de outras agravantes em crimes culposos. Um
exemplo é o caso Bateau Mouche, cujo naufrágio resultou em dezenas de mortes por conta de
uma exposição culposa a perigo da embarcação marítima. Nesse caso, foi admitida a
aplicação da circunstância agravante, motivo torpe, em crime culposo.

Assim, é no momento em que se estabelecem as circunstâncias agravantes e


atenuantes, causas de aumento e diminuição da pena, respectivamente, que a pena é
individualizada.

2. DAS ESPÉCIES PREVISTAS NO ART. 61

2.1. DA REINCIDÊNCIA

Prevista no art. 61, I do Código Penal e de acordo com o art. 63 do mesmo código,
pode ser identificada quando:

“Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de


transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha
condenado por crime anterior.”

De acordo com o entendimento do 3Cesar Roberto Bitencourt:

“Quando alguém é condenado por um crime e depois pratica uma


4
contravenção penal é reincidente (art. 7º da LCP). No entanto, quem pratica
uma contravenção e depois um crime não é reincidente (art. 63 do CP).”

2
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
3
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
4
É um ilícito penal quantitativamente menor em relação ao crime. Não há diferença na essência entre crime e
contravenção.
Em outras palavras, podemos considerar a reincidência quando o agente comete um
novo crime após o trânsito em julgado da sentença que o tenha condenado por crime anterior.
No entanto, há uma certa divergência doutrinária no que tange ao instituto da reincidência,
pois alguns autores entendem que a agravante caracteriza o bis in idem e, desse modo, seria
inconstitucional, visto que o condenado estaria sendo punido duas vezes por um mesmo
crime. No dia 4 (quatro) de abril de 2013 o Supremo Tribunal Federal entendeu ser
constitucional a aplicação da reincidência como agravante de pena.

2.1.1. DOS CASOS

Exemplo da hipótese de reincidência: um sujeito comete o crime de estelionato, e, por


tal razão, é condenado e preso. Se o sujeito terminar de cumprir a pena no dia 23 de setembro
de 2021, ele é considerado reincidente até essa data, ou seja, se, na cadeia matar seu colega
de cela, no dia 20 de agosto de 2021, será considerado reincidente para o crime de homicídio.
Portanto, somente deixa de ser reincidente no dia 24 de setembro de 2021.

2.1.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. MÉRITO.


TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO NA ORIGEM.
IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. POSSE E TIPICIDADE
DEMONSTRADAS. DEPOIMENTOS UNÍSSONOS DOS AGENTES
POLICIAIS, EM INQUÉRITO E EM JUÍZO. CIRCUNSTÂNCIAS
OBJETIVAS DA APREENSÃO QUE SÃO SEGUROS INDICATIVOS DA
TRAFICÂNCIA. INVIÁVEL A DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO
PARA O DO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS. CONDENAÇÃO
MANTIDA. PENA ADEQUADA E PROPORCIONAL AO CASO
CONCRETO. REINCIDÊNCIA. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
ASSENTOU, EM REPERCUSSÃO GERAL (RE 453.000/RS), QUE É
COMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL O AUMENTO DA
PENA PELA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. NA OCASIÃO, FOI
FIRMADA A SEGUINTE TESE: "SURGE HARMÔNICO COM O
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
O INCISO I DO ARTIGO 61 DO CÓDIGO PENAL, NO QUE PREVÊ,
COMO AGRAVANTE, A REINCIDÊNCIA". PLEITO DE ISENÇÃO DA
PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. INVIÁVEL SE COGITAR DA
ISENÇÃO DA PENA DE MULTA APLICADA, UMA VEZ QUE POSSUI
CARÁTER OBRIGATÓRIO, SENDO INERENTE AO TIPO PENAL.
PRISÃO PREVENTIVA. MANUTENÇÃO. ASSENTADA A
CONDENAÇÃO, AGORA EM SEGUNDA INSTÂNCIA, FICAM
RATIFICADOS OS FUNDAMENTOS DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR,
SENDO NECESSÁRIA SUA MANUTENÇÃO. (TJRS, ACR
50216937120208210008, 1ª CC, Andréia Nebenzahl de Oliveira, j.
16.9.21)
2.2. DO MOTIVO FÚTIL OU TORPE
O inciso II apresenta um rol de agravantes, dentre elas, na alínea a, está presente o
agente ter cometido crime por motivo fútil ou torpe. Em regra geral, pode-se afirmar que
todos os crimes são praticados com certo objetivo, eles não são gratuitos. Mas, tais motivos
podem ser subclassificados, como motivos que têm uma natureza social ou moral, ou seja,
aqueles que poderiam ser considerados “bons” e não trazem prejuízo na pena. Entretanto, há
certos crimes que são motivados por uma natureza imoral, antissocial e, portanto, são causas
de aumento na pena.

No entanto, inicialmente, faz-se necessário uma conceituação do que se trata a


futilidade e a torpeza. O motivo fútil pode ser associado a uma mínima importância, não há
uma proporcionalidade entre a gravidade do fato e a intensidade do motivo. Ainda, 5Cesar
Roberto Bittencourt sustenta que:

“Fútil é o motivo insignificante, banal, desproporcional à reação criminosa.


Motivo fútil não se confunde com motivo injusto, uma vez que o motivo
injusto pode, em tese, excluir a ilicitude, afastar a culpabilidade ou
privilegiar a ação. Vingança não é motivo fútil, embora, eventualmente,
possa caracterizar motivo torpe. O ciúme, por exemplo, não se compatibiliza
com motivo fútil. Motivo fútil, segundo a Exposição de Motivos, é aquele
que, pela sua mínima importância, não é causa suficiente para o crime”.

Ainda, é importante apontar o seguinte apontamento feito pelo 6Guilherme Nucci:

“ (...) é bastante polêmica a possibilidade de equiparar a ausência de motivo


ao motivo fútil. Sustentam alguns que praticar o delito sem qualquer motivo
evidencia futilidade, com o que não podemos concordar. O crime sempre
tem uma motivação, de modo que desconhecer a razão que levou o agente a
cometê-lo jamais deveria ser considerado motivo fútil.”

No que diz respeito ao motivo torpe, entende-se aquele motivo que atinge mais
profundamente o sentimento ético-social da coletividade, é considerado imoral, vergonhoso,
ou seja, algo desprezível. No entanto, cabe destacar que não é possível o motivo ser ao
mesmo tempo torpe e fútil. Portanto, de acordo com as palavras de 7Guilherme Nucci, torpe:

“É o motivo repugnante, abjeto, vil, que demonstra sinal de depravação do


espírito do agente. O fundamento da maior punição ao criminoso repousa na
moral média, no sentimento ético social comum.”

5
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
6
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
7
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
2.2.1 DOS CASOS

Exemplo de motivo fútil: matar alguém porque perdeu uma partida de sinuca.

Exemplo de motivo torpe: matar alguém por ter algum tipo de preconceito.

2.2.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apresenta um extenso rol de julgados em


relação a casos por motivo fútil, tal como:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA A VIDA.


TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PROVA DA
MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA.
AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDIS NÃO DEMONSTRADO.
QUALIFICADORA MANTIDA. CRIMES CONEXOS DE PORTE DE
ARMA DE FOGO DEVEM SER APRECIADO PELOS JURADOS. A
existência dos fatos restou demonstrada e há suficientes indícios de autoria.
Nesta primeira fase processual indaga-se da viabilidade acusatória, a
sinalizar que a decisão de pronúncia não é juízo de mérito, mas de
admissibilidade. No caso em tela, há indícios de que o réu matou a vítima.
Réu que, em sede judicial, confirma a autoria do delito. Testemunhas que,
em juízo, afirmam que teriam visto o acusado efetuando disparos de arma de
fogo contra a vítima e, em seguida, fugindo do local logo após o crime. Não
há como prosperar a tese de ausência de animus necandi. Com efeito, há
elementos nos autos que indicam que o réu desferiu disparos contra as
vítimas. Outrossim, o exame da prova, na presente fase, não pode ser
aprofundado, de modo que as questões e teses lançadas no arrazoado
defensivo devem ser discutidas em plenário, pois nesta fase o processo é
regido pelo princípio in dubio pro societate, tratando-se de decisão de
caráter declaratório e provisório, onde apenas se admite a formulação da
acusação, sem ingressar em juízo de mérito. Com relação à qualificadora do
motivo fútil, deve ser mantida. A motivação descrita na denúncia é
confirmada pelo próprio réu, bem como em juízo pelas testemunhas, que
relataram que o delito teria ocorrido motivado por vingança, uma vez que a
vítima teria quebrado o vidro frontal do estabelecimento comercial do
acusado. A qualificadora prevista no inciso V, do parágrafo 2° do artigo 121
do Código Penal deve ser mantida. De acordo com o relato das vítimas, o
réu estava foragido da justiça e teria utilizado a arma de fogo para assegurar
a impunidade e ocultação do crime de porte de arma e de sua prisão. Quanto
ao delito conexo de porte de arma de fogo, deve ser mantida a pronúncia.
Existência de prova da materialidade e indícios de autoria. Precedente do
STJ. (TJRS, RSE 70085067841, 1ª CC, Andréia Nebenzahl de Oliveira,
j. 9.9.21)

Ainda, em relação ao motivo torpe, tem-se a seguinte jurisprudência do Tribunal de


Justiça do Rio Grande do Sul:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
PRESENÇA DE PROVA DA MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS
SUFICIENTES DA AUTORIA. QUALIFICADORA DO MOTIVO
TORPE MANTIDA. QUALIFICADORA DO RECURSO QUE
DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA AFASTADA. MANUTENÇÃO
DA PRISÃO CAUTELAR. 1. A existência do fato está demonstrada e
existem indícios suficientes da autoria delitiva. Testemunhas que indicam
que o réu tinha motivo e foi visto, logo após o crime, armado e dirigindo a
suposta motocicleta utilizada pelo atirador que matou a vítima. Pronúncia
mantida. 2. Em relação à qualificadora do motivo torpe, deve ser mantida.
Conforme vertente existente nos autos, a vítima era apontada como um dos
agentes que, dias antes, teria matado o filho do réu, indicando que o crime
pode ter sido cometido por vingança, motivação vil, ignóbil. 3. Por outro
lado, é manifestamente improcedente a qualificadora do recurso que
dificultou a defesa da vítima. Ausentes testemunhas presenciais, inexistem
detalhes da dinâmica dos fatos que pudessem indicar que o ofendido foi
surpreendido pela conduta praticada pelo réu, mormente no quadro dos
autos em que eram desafetos. Ademais, não foi realizada perícia no corpo da
vítima, o que poderia indicar a trajetória dos disparos e o local de efetiva
entrada dos projéteis, elementos que poderiam indicar que a vítima foi
surpreendida. O boletim de atendimento médico, ao indicar que o ofendido
foi atingido na região do flanco direito e na região deltodeana não permitem
tal conclusão. 4. Prisão cautelar que, neste momento, deve ser mantida.
Gravidade concreta do crime e periculosidade do agente que indicam que a
concessão da liberdade provisória seria prematura. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. (TJRS, RSE 70085126530, 1ª CC, Jayme
Weingartner Neto, j. 9.9.21)

2.3. DA FACILITAÇÃO OU ASSEGURAÇÃO DA EXECUÇÃO, A


OCULTAÇÃO, A IMPUNIDADE OU VANTAGEM DE OUTRO CRIME

Seguindo o rol de alíneas do inciso II do art. 61, nos deparamos com a agravante na
alínea b, pelo fato do agente ter cometido crime para facilitar ou assegurar a execução, a
ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.

No que tange a essa agravante, é importante subdividí-la para conceituar ela de uma
forma mais precisa. Independente do crime ser tentado ou consumado, as agravantes são
“responsáveis” por analisar os motivos, meios e modos para que se perpetue um crime, não
podendo deixar de fora a finalidade. Ou seja, a finalidade está associada à primeira parte da
redação desta agravante “para facilitar ou assegurar a execução”. Há certos casos em que,
para que um crime seja consumado da forma como espera ou até de uma forma facilitada, o
agente precisa cometer outros crimes para atingir seu crime-fim, sua finalidade principal.
Ainda, as outras alternativas apresentadas por esta agravante, a ocultação, a
impunidade ou a vantagem de outro crime, demonstram a finalidade do sujeito ativo em
destruir a prova de outro crime ou evitar as consequências jurídico-penais.

Por último, no que diz respeito a vantagem de outro crime, 8Cesar Roberto Bitencourt
tem o seguinte entendimento:

“(...) o fim pretendido é garantir êxito do empreendimento delituoso, qual


seja, o aproveitamento da vantagem que o crime assegurado pode
proporcionar-lhe, patrimonial ou não, direta ou indireta.”

2.3.1. DOS CASOS

Exemplo “para facilitar ou assegurar a execução”: um sujeito que, para sequestrar


alguém, fere o segurança que pretendia evitar o sequestro.

Exemplo “ocultação, impunidade”: um falsário que, com medo de ser delatado,


sequestra o copartícipe.

2.3.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

APELAÇÕES-CRIME. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO


QUALIFICADA. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. ASSOCIAÇÃO
CRIMINOSA. CONCURSO MATERIAL. 1. PRELIMINARES.
VINCULAÇÃO A DESEMBARGADOR DIVERSO E ILICITUDE DA
PROVA. NÃO CONHECIMENTO. Hipótese em que as preliminares de
prevenção e vinculação de outro Desembargador deste Tribunal de Justiça,
em face do julgamento do habeas corpus nº 70072911878, suscitada pela
defesa do réu Eloir e de nulidade da ação penal por ilicitude da prova
alegada pela defesa do réu André, porque ouvido o acusado como
testemunha compromissada perante a autoridade policial, não devem ser
conhecidas no presente recurso, porquanto já equacionadas as questões por
esta Corte quando do julgamento do habeas corpus nº 70075093138, no dia
18.10.2017. (TJRS, ACR 70080014855, 8ª CC, Fabianne Breton Baisch,
j. 29.2.21)

2.4. DA TRAIÇÃO, DA EMBOSCADA, OU MEDIANTE


DISSIMULAÇÃO, OU OUTRO RECURSO QUE DIFICULTOU OU
TORNOU IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO

As hipóteses referidas acima estão previstas no art. 61, II, c do Código Penal e
caracterizam modos específicos de agir do autor do crime. Inicialmente, faz-se necessário
uma fragmentação da redação da agravante citada para melhor compreensão do seu conceito.
8
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
No que diz respeito à traição, é o ataque sorrateiro, inesperado, é o ataque que atinge a
vítima descuidada ou desatenta antes de perceber o ato criminoso. Pode ser considerada como
a deslealdade para com a vítima. No entanto, deve-se ter cuidado e não confundir com o tiro
nas costas, pois não é caracterizada unicamente pelo golpe ter sido desferido pelas costas da
vítima. De acordo com 9Guilherme Nucci, a traição divide-se:

“(...) em material (ou objetiva), que é a atitude de golpear alguém pelas


costas, e moral (ou subjetiva), que significa ocultar a intenção criminosa,
enganando a vítima. Logicamente, a traição engloba a surpresa.”

Faz-se fundamental o fato surpresa ou a dificuldade de defesa pela vítima na traição.

Já a emboscada, é a tocaia, à espreita, nesse caso, o agente se esconde para


surpreender a vítima com um ataque indefensável. O criminoso aguarda escondido,
esperando a passagem da vítima desprevenida. Quando se fala em emboscada, tem-se um
crime premeditado, pois, de acordo com 10Cesar Roberto Bittencourt:

“(...) o sujeito ativo desloca-se com antecedência, examina o local, projeta


os próximos passos, coloca-se à espera da passagem da vítima para, com
segurança e sem risco, atacá-la.”

No que tange a dissimulação, é quando o agente esconde a vontade ilícita e ganha


maior proximidade da vítima, podendo simular uma amizade. Ou seja, é a ocultação da
intenção hostil do agente em praticar o ato para que a vítima seja surpreendida.

Por fim, quando o legislador transcreve “ou outro recurso que dificulta ou
impossibilita a defesa”, ele se refere a outros termos que não estão tipificados mas que
tenham a mesma natureza, mesmas características das citadas, traição, emboscada e
dissimulação. Em outras palavras, precisa ser uma situação análoga às que foram descritas
anteriormente. Um exemplo que pode ser citado, de acordo com a doutrina, é o de 11MacBeth,
que assassinou o rei Duncan, enquanto o soberano dormia. Ainda, outro recurso que os
doutrinadores citam é a surpresa, que constitui um ataque inesperado, imprevisível.

2.4.1. DOS CASOS

Exemplo Traição: o empregado, despedido da empresa onde trabalhava, retornou ao


local do antigo serviço e pediu ao chefe do seu setor, a quem imputava o motivo de sua
demissão, para ler um determinado documento que carregava consigo. A vítima não desejava
9
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
10
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
11
Obra do britânico William Shakespeare
fazê-lo, mas o agente insistiu bastante. Quando tomou o referido papel para ler, foi
violentamente golpeada pelas costas.

Exemplo Emboscada: um sujeito observa durante um período de tempo a rotina de


outra pessoa e, sabendo que a vítima passa por uma rua deserta a pé durante a noite, após o
trabalho, certo dia resolveu aguardar atrás de um muro, esperando a vítima passar para
sequestrá-la.

2.4.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

JÚRI. EMBARGOS INFRINGENTES EM RECURSO EM SENTIDO


ESTRITO. Peça incoativa que valendo-se de uma mesma circunstância de
fato: a atração do ofendido ao local de sua morte, promovida por sua
ex-companheira (ora embargante), ao argumento de que apenas iriam “dar
uma volta de carro”, qualifica duplamente do crime. Resulta da parte final
da regra posta nodo artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, a traição, a
emboscada e a dissimulação constituem, todas elas, recursos que - a
depender do caso - impossibilitam ou tornam impossível a defesa do
ofendido, sendo a partir de tais referenciais semânticos que o intérprete deve
avaliar situações outras, não expressamente contempladas no precitado
dispositivo legal, que justifiquem a incidência da qualificadora em exame.
Subsistência de uma das qualificadoras (emboscada), tão-somente.
EMBARGOS ACOLHIDOS. POR MAIORIA. (TJRS, EICNC
70077698389, 1ª CC, Honório Gonçalves da Silva Neto, j. 3.8.18)

2.5. DO EMPREGO DE VENENO, FOGO, EXPLOSIVO, TORTURA OU


OUTRO MEIO INSINDIOSO OU CRUEL, OU DE QUE PODIA
RESULTAR PERIGO COMUM

Dando continuidade a exposição das agravantes, iremos analisar o art. 61, II, d do
Código Penal. Essa alínea mencionada refere-se aos meios (espécies) utilizados para a prática
de certos crimes, dentre os meios, pode-se citar o veneno, o fogo, o explosivo e a tortura.
Ainda, o Código Penal utiliza uma expressão genérica para sintetizar as espécies de um
gênero, que seria o meio insidioso, o meio cruel ou o meio que possa resultar perigo comum.

De acordo com os ensinamentos de 12Nucci, essas causas agravantes se dividem em


três gêneros, com quatro espécies:

“Os três gêneros: a) meio insidioso, que denota estratagema, perfídia; b)


crueldade, significando a imposição à vítima de sofrimento além do
necessário para alcançar o resultado típico pretendido; c) perigo comum,
situação que coloca em risco mais pessoas do que a visada pelo agente. As

12
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014
espécies: a) emprego de veneno, podendo significar o uso de um meio
insidioso ou camuflado para agir, o que acontece especialmente no
homicídio, mas também pode espelhar crueldade, quando a substância
provocar morte lenta e dolorosa; b) o uso de fogo, algo que tanto pode
causar sofrimento exagerado à vítima, como produzir perigo a outras
pessoas; c) explosivo, que, na definição de Sarrau, é “qualquer corpo capaz
de se transformar rapidamente em gás à temperatura elevada” (citação de
Hungria, Comentários ao Código Penal, p. 166), e, assim ocorrendo, apto a
provocar a violenta deslocação e destruição de matérias ao seu redor,
tratando-se, evidentemente, de perigo comum; d) tortura, que é o suplício
imposto a alguém, constituindo evidente forma de crueldade.”

De acordo com 13Roberto Lyra, temos a seguinte classificação:

“a) emprego de meio insindioso: veneno; b) emprego de meio cruel: fogo,


tortura; c) emprego de meio de que pode resultar perigo comum: fogo e
explosivo.”

Para uma melhor compreensão da matéria, fragmentamos a alínea para conceituá-la


de uma maneira mais minuciosa.

1) Emprego de veneno:

O veneno é toda substância biológica ou química que, introduzida no organismo, pode


produzir lesões ou causar mortes. Dando foco no campo penal, o veneno é qualquer
substância vegetal, animal ou mineral que tenha a capacidade para provocar lesão no
organismo humano.

De acordo com o entendimento de 14Cesar Roberto Bitencourt:

“A utilização de veneno, que é meio insidioso, só agrava a pena do crime se


for feita dissimuladamente, isto é, como estratagema, como cilada. Para o
envenenamento constituir meio insidioso, é indispensável que a vítima
desconheça a circunstância de estar sendo envenenada.”

Ainda, o autor faz o seguinte 15apontamento:

“O que caracteriza o veneno não é a forma de introdução no organismo, nem


seu aspecto insidioso, mas a sua maneira de agir no organismo, alterando a
saúde ou causando a morte por processo químico ou bioquímico. Nesse
sentido, ministrar açúcar em quantidades razoáveis a pessoa diabética é um
modo ou uma forma de envenená-la.”

2) Emprego de fogo ou explosivo:

13
LYRA, Roberto. Noções de Direito Criminal: Parte Especial. Rio de Janeiro: Nacional, 1944.
14
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
15
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
O emprego de fogo é a utilização de produto inflamável seguido do ateamento de
fogo. Por outro lado, o emprego de explosivo pode ocorrer pelo manuseio de dinamite ou
qualquer outro material explosivo.

De acordo com 16Bitencourt:

“Fogo e explosivo podem constituir meio cruel ou meio que possa resultar
perigo comum, dependendo das circunstâncias. Aliás, foram elencados no
Código como exemplos de crime insidioso ou cruel, como vem ocorrendo
nos alteamentos de fogo em mendigos pelas ruas das grandes cidades nos
últimos tempos.”

3) Emprego de tortura:

É um meio cruel de prática criminosa, entendido como ato desumano, brutal que
atormenta e causa padecimento desnecessário à vítima. De acordo com 17Cesar Bitencourt:

“Tortura é meio que causa prolongado, atroz e desnecessário padecimento à


vítima. A nosso juízo, a tortura é uma modalidade de meio cruel (...)”

4) Meio insidioso:

O meio insidioso é aquele meio dissimulado, que consiste na ocultação do verdadeiro


propósito do agente, que por tal razão, surpreende a vítima, dificultando ou até
impossibilitando a sua defesa. No entanto, devido a determinadas características não se pode
confundir com a traição, a emboscada e a dissimulação, as quais também são tipificadas
como agravantes penais no art. 61 do Código.

5) Meio cruel:

Em breve síntese, meio cruel é a forma brutal de perpetrar o crime, o qual, por sua
vez, revela a ausência de piedade do agente causador, isto é, causa sofrimento à vítima.
Bitencourt, em sua obra, traz alguns exemplos, os quais são o pisoteamento da vítima, a
dilaceração do seu corpo a facadas, entre outros. De acordo com o mesmo 18autor:

“São cruéis aqueles meios que aumentam desnecessariamente o sofrimento


da vítima ou revelam brutalidade e sadismo fora do comum, contrastando
com os sentimentos de dignidade, de humanidade e de piedade. Age com
crueldade, por exemplo, quem revela, com sua conduta, particularmente
dolorosa, absoluta ausência de qualquer sentimento humano.”

16
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
17
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
18
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
Ademais, é relevante destacar que a crueldade squ é realizada após a morte da vítima
não qualifica o crime, assim como afirma 19José Frederico Marques:

“(...) os atos que podem traduzir a crueldade somente são tais, como é óbvio,
enquanto a pessoa está com vida. Não há, pois, perversidade brutal ou
crueldade naquele que, depois de abater e matar a vítima, lhe mutila o
cadáver ou lhe esquarteja o corpo para melhor fazer desaparecer os rastros
do crime.”

6) Outro meio de que possa resultar em perigo comum:

De acordo com a doutrina de 20Bitencourt:

“Meio de que possa resultar perigo comum é aquele que pode atingir um
número indefinido ou indeterminado de pessoas.”

2.5.1. DOS CASOS

Exemplo emprego de veneno: um sujeito, sabendo que sua namorada tem problemas
relacionados com hipertensão, com a intenção de matá-la, administra uma grande quantidade
de sal em sua comida. Desse modo, ao ingerir o alimento, a jovem sofre uma parada cardíaca
e vem à óbito.

Exemplo emprego de fogo: um sujeito, para matar sua família, durante a noite, joga
produto inflamável no quarto da sua esposa e filhos e, em seguida, coloca fogo.

Exemplo de tortra: um sujeito, com o foco de fazer um assalto milionário, rende um


outro sujeito que tem muitas posses em sua casa e começa a torturá-lo para que a vítima
disponibilize as suas senhas. Então, o criminoso começa a cortar os dedos da vítima com o
objetivo que ela ceda e faça o que ele pede.

Exemplo meio insidioso: João, convidando sua namorada Amanda, para um jantar
romântico em sua residência, ao preparar o jantar mistura fragmentos de vidro ao alimento
que será destinado a sua namorada, onde posteriormente vem a óbito.

Exemplo meio cruel: um sujeito possui um desafeto e, resolve utilizar de meios cruéis
para provocar sofrimento na vítima, desse modo, começa a pisotear o corpo e desferir facadas
na vítima.

2.5.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

19
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 1961.
20
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
RSE. JÚRI. TENTATIVAS DE HOMICÍDIO. DESPRONÚNCIA.
IMPOSSIBILIDADE. A Constituição Federal prevê expressamente, na
alínea d do inciso XXXVIII de seu artigo 5º, que aos jurados compete o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Logo, havendo versão que
ampare a autoria atribuída ao réu, não cumpre ao juízo togado definição
acerca da suficiência e confiabilidade desta; os jurados é que, em
julgamento aprofundado do mérito, deverão se manifestar a respeito, sob
pena de frontal violação ao texto constitucional que prevê sua competência.
DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Se a impronúncia já é
decisão excepcional, um rigor muito maior é exigido do julgador na análise
da hipótese de desclassificação, para a qual, por resultar no afastamento
definitivo dos autos à análise popular, não basta a insuficiência de indícios,
sendo indispensável que absolutamente todo e qualquer elemento contido
nos autos aponte para a ausência de animus necandi. Caso concreto em que
não há prova estreme de dúvida acerca da ausência do dolo de matar.
QUALIFICADORAS. MOTIVO FÚTIL, EMPREGO DE FOGO,
RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DAS VÍTIMAS E
FEMINICÍDIO. MANUTENÇÃO. As circunstâncias qualificadoras, que
envolvem matéria de fato e de direito, só podem ser afastadas quando
manifestamente improcedentes, ou seja, quando nenhuma versão nos autos
sustentá-las (matéria de fato) ou quando as circunstâncias fáticas
correspondentes, tal como descritas na incoativa, não as caracterizarem
(matéria de direito). Caso concreto em que as qualificadoras do motivo fútil,
do emprego de fogo, do recurso que dificultou a defesa das vítimas e do
feminicídio são jurídica e faticamente viáveis, devendo ser submetida ao
crivo dos Juízes naturais da causa. PERIGO COMUM. AFASTAMENTO. O
veneno, o fogo, o explosivo, a asfixia e a tortura são espécies dos gêneros
“meio insidioso”, “meio cruel” ou “meio de que possa resultar perigo
comum”, vindo elencados na primeira parte do inciso III do § 2º do art. 121
do CP, justamente, como hipóteses exemplificativas para a correta
conceituação da qualificadora. Então, imputar duplamente a elementar, pelo
emprego de fogo e porque o mesmo fogo pode causar perigo comum, viola a
proibição de bis in idem. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
UNÂNIME. (TJRS, RSE 70080615727, 2ª CC, Luiz Mello Guimarães, j.
25.4.19)

2.6. DA ASCENDÊNCIA, DESCENDÊNCIA, SENDO IRMÃO OU


CÔNJUGE

Dando continuidade à análise das agravantes penais, no art. 61, II, e, temos os crimes
praticados contra parentes. Nesse caso, o agente estaria violando o dever de apoio mútuo
existente entre parentes e pessoas ligadas pelo matrimônio, isto é, violam-se deveres
decorrentes do parentesco.

De acordo com 21Cesar Bitencourt:

21
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
“Consideram-se aqui situações pessoais ou familiares que facilitam a prática
delituosa, além de implicarem a infringência de especiais deveres do sujeito
ativo para com a vítima.”

2.6.1. DOS CASOS

Exemplo: um pai, não desejando seu filho, após alguns meses de vida do bebê, afoga
a criança com o objetivo de resultar a morte de seu filho.

2.6.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

HABEAS CORPUS. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA.


HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA.
INDEFERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE
INSANIDADE MENTAL. REJEIÇÃO. Dispõe o artigo 149 do Código de
Processo Penal dispõe que, quando houver dúvida sobre a integridade
mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do
Ministério Público, do Defensor, do curador, do ascendente, descendente,
irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal. Na
espécie, verifico que não foram acostados quaisquer documentos, laudos
médicos, prontuários ou provas testemunhais de profissionais qualificados a
demonstrar que o paciente, em razão de sua dependência química à época
dos fatos, não tivesse capacidade de compreender a ilicitude do fato por ele
praticado. Em verdade, percebe-se que a defesa tão somente trouxe à baila a
pretensão após o denunciado, em interrogatório, ter afirmado ser dependente
químico e que, à época dos fatos, estava em tratamento contra o uso de
substâncias entorpecentes. Ocorre que o fato de o paciente afirmar ser
dependente químico, isoladamente, não impõe a obrigatoriedade da
realização de exame médico toxicológico, quando inexistente dúvida
razoável acerca da capacidade de autodeterminação do agente, conforme se
verifica no caso. Ausência de constrangimento ilegal. (TJRS, HC
70084450360, 2ª CC, Viviane de Faria Miranda, j. 29.10.20)

2.7. DO ABUSO DE AUTORIDADE OU DA PREVALÊNCIA DE


RELAÇÕES DOMÉSTICAS, DA COABITAÇÃO OU DA
HOSPITALIDADE, OU DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA
FORMA DA LEI ESPECÍFICA

Dando prosseguimento ao rol de agravantes dispostas no art. 61, II do Código Penal,


analisaremos a alínea f já referida. Para uma análise minuciosa, iremos fazer um
desdobramento da agravante.

No que diz respeito ao abuso de autoridade, fala-se do campo do direito privado , ou


seja, são as relações de autoridade que se criam entre tutor-tutelado, guardião-pupilo,
curador-curatelado. Nesse caso estão compreendidas as relações privadas em que haja um
vínculo de dependência ou subordinação.

Já, no que tange às relações domésticas, são aquelas que existem entre aqueles que
participam do quotidiano de uma mesma família, podendo haver laços de parentesco ou não.
Sendo capaz de ser entre: familiares, amigos, frequentadores habituais, entre outros.

A coabitação, por sua vez, significa apenas viver sob o mesmo teto, mesmo que por
pouco tempo. Por fim, a hospitalidade é a vinculação existente entre as pessoas durante a
estada provisória na casa de alguém.

22
Bitencourt faz um apontamento relevante:

“A interpretação deve ser, necessariamente, restritiva. Considera-se, nessas


hipóteses, a presumida menor capacidade de defesa das vítimas, que,
ademais, afrouxam, naturalmente, a vigilância dos bens juridicamente
tutelados, facilitando a execução delituosa (...)”

Ademais, é importante destacar que as relações domésticas não podem ser


confundidas com as relações empregatícias, as quais são aquelas existentes entre patrões e
trabalhadores domésticos.

Para finalizar, a partir da Lei 11.340/2006, foi acrescido ao final da alínea, o seguinte:
“ou com violência contra a mulher na forma da lei específica”. Essa lei criou mecanismos
para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. No entanto, essa agravante
somente será aplicável quando não constituir, qualificar ou majorar a pena.

2.7.1. DOS CASOS

Exemplo: um idoso, por não poder mais exercer seus direitos civis pessoalmente,
nomeia seu filho como seu curador. No entanto, pelo fato de não se importar com a vida do
idoso, o filho executa constantes agressões na vítima, a qual, por estar em uma relação de
subordinação, não consegue se defender.

2.7.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

APELAÇÃO CRIME. AMEAÇAS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Trata-se


de Recurso de Apelação interposto pela defesa, contra a sentença que julgou
procedente a denúncia e condenou o acusado pela prática do delito de
ameaça, três vezes. AUTORIA E MATERIALIDADE VERIFICADAS. A
materialidade dos delitos de ameaça restou comprovada pelos boletins de

22
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
ocorrência referentes, respectivamente, aos fatos 01, 02 e 03, os quais
possuem solicitação de medidas protetivas, pelas capturas de tela juntadas,
bem como pela prova oral colhida em sede de investigação, juntada ao
Inquérito Policial n. º 667/2017/100515/A, e em juízo. Acerca da autoria,
em se tratando de crimes ocorridos em sede de violência doméstica, cabe
referir que a orientação jurisprudencial é no sentido de que os crimes
ocorridos nesse âmbito têm por sentido valorar como prova a palavra da
vítima, assumindo crucial importância em razão de inexistência presencial
de testemunhas em delitos desta natureza, conforme se verifica no caso em
tela. DOSIMETRIA DA PENA. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DO
ART. 61, INC. II, ALÍNEA F, DO CP. DESCABIMENTO. O juízo
sentenciante reconheceu a incidência da agravante em observâncias às
circunstâncias narradas na persecução, as quais demonstram, efetivamente,
que o crime foi cometido com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de
relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência
contra a mulher na forma da lei específica. Ademais, ao contrário do que
sustenta a defesa, o reconhecimento da agravante do art. 61, inc. II, alínea
“f”, do Código Penal, não viola o princípio do non bis in idem, pois está
circunstância não está abarcada pelo tipo penal, ultrapassando elementares
do delito. (TJRS, ACR 70084011717, 3ª CC, Rinez da Trindade, j.
16.12.20)

2.8. DO ABUSO DE PODER OU DA VIOLAÇÃO DE DEVER


INERENTE A CARGO, OFÍCIO, MINISTÉRIO OU PROFISSÃO

A agravante que será analisada está localizada no art. 61, II, g do Código Penal. Nesse
caso, o abuso é o uso de poder além dos limites legais, e violação de dever é o desrespeito às
normas que norteiam o cargo, o ofício, o ministério e a profissão. Não há abuso de poder sem
violação de dever, mas pode haver violação de dever sem abuso de poder.

De acordo com 23Cesar Bitencourt:

“Cargo, inegavelmente, indica atividade pública; ofício e profissão são


atividades habitualmente exercidas por alguém, e ministério, por sua vez,
indica o exercício da atividade religiosa.”

2.8.1. DOS CASOS

Exemplo: quando uma autoridade constrange alguém, mediante grave ameaça, a


celebrar contrato de trabalho.

2.8.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

23
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
APELAÇÃO CRIME. CORRUPÇÃO PASSIVA. RECEBIMENTO DE
VANTAGEM INDEVIDA. CONDENAÇÃO MANTIDA. VIOLAÇÃO DO
DEVER INERENTE AO CARGO. ELEMENTAR DO TIPO. BIS IN
IDEM. AGRAVANTE AFASTADA. A reconstituição probatória demonstra
que um dos réus, na condição de policial civil, lotado no DENARC, recebia
valores mensais de líder do tráfico para deixar de praticar atos de ofício a
que estava obrigado, repassando informações privilegiadas. Condenação
mantida. A aplicação da agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea g, do
Código Penal, configura bis in idem, pois a violação do dever inerente ao
cargo é elementar do crime de corrupção passiva. Pena alterada. Apelo
parcialmente provido. EXTORSÃO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA.
Reconstituição probatória insuficiente para juízo condenatório. A autoria
sinalizada como mera possibilidade não é o bastante para condenação
criminal, exigente de certeza plena e prova judicializada. Absolvição
mantida. (TJRS, ACR 70083116723, 4ª CC, Aristides Pedroso de
Albuquerque Neto, j. 22.10.20)

2.9. CONTRA A CRIANÇA, MAIOR DE 60 (SESSENTA) ANOS,


ENFERMO OU MULHER GRÁVIDA

Situada no art. 61, II, h do Código Penal. De acordo com o doutrinador, Cesar
Bitencourt, considera-se, nas quatro hipóteses, a presumida menor capacidade de defesa
dessas vítimas, além da perversidade e covardia do agente. 24Segundo ele:

“Criança é quem se encontra ainda longe da puberdade, aceitando-se, como


regra, o limite de 12 anos (art.2 do ECA). O Estatuto do Idoso mudou a
redação deste dispositivo, substituindo a expressão “velho” por maior de 60
(sessenta) anos. (...) Enfermo é a pessoa doente, cuja resistência tenha sido
diminuída pela enfermidade. Enfermo, no entanto, deve receber
interpretação ampla, para abranger, por exemplo, os deficientes físicos (ou,
numa linguagem politicamente correta, os portadores de necessidades
especiais), além dos portadores de moléstias, física ou mental. Mulher
grávida é aquela que se encontra no período de gravidez, que se inicia com a
fecundação do óvulo e termina com a expulsão do feto. Contudo, para se
configurar esta agravante é indispensável que o agente tenha consciência de
que a vítima encontra-se grávida.”

É imprescindível destacar que a idade da vítima seja abrangida pelo dolo, bem como o
conhecimento da sua situação, no caso da gravidez, ou seja, é fundamental que o sujeito ativo
tenha consciência da sua menoridade ou de sua condição de maior de sessenta anos, caso
contrário, a agravante é inaplicável.

2.9.1. DOS CASOS

24
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
Exemplos: um sujeito, sabendo que em determinada residência mora um idoso, invade
a casa, ameaça o idoso com emprego de arma e a obriga a abrir o seu cofre, levando seus
pertences; o marido que resolve matar a mulher grávida.

2.9.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

APELAÇÃO-CRIME. ROUBO MAJORADO. EMPREGO DE ARMA


BRANCA (FACA). 1. PRELIMINAR DE OFÍCIO.
CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 4º DA LEI Nº 13.654/2018,
QUE REVOGOU O INCISO I DO §2º DO ARTIGO 157 DO CP.
EQUÍVOCO NO TRÂMITE LEGISLATIVO DO PROJETO DE LEI Nº
149/2015. DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. MERA
IRREGULARIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO
VERIFICADA, POR MAIORIA. RELATORA VENCIDA. 2
PRELIMINAR DEFENSIVA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO.
NULIDADE INOCORRENTE. O reconhecimento feito por fotografia, por
sua precariedade, não pode, sozinho, lastrear solução condenatória.
Contudo, tranquilamente integra o acervo probatório, como forte fator de
convicção, desde que corroborado por outros elementos. Precedente do E.
STJ. Hipótese na qual o aponte fotográfico na primeira fase procedimental,
foi repisando em pretório, externando certeza. Aponte que, embora não
tenha sido reeditado pessoalmente (os lesados foram ouvidos sem a presença
do réu na sala de audiência), adquiriram plena credibilidade, autorizando a
condenação, porquanto uma das vítimas afirmou que já o conhecia antes dos
fatos. Circunstância que corrobora integralmente o aponte fotográfico,
dando-lhe plena credibilidade. Formalidades do art. 226 do CPP que não se
revelam essenciais, não passando de mera recomendação. Idoneidade da
prova verificada. Preliminar Rejeitada. 3. ÉDITO CONDENATÓRIO.
MANUTENÇÃO. Relatos vitimários, coerentes e convincentes,
descrevendo que estavam em sua residência, durante a noite, quando o
acusado adentrou na moradia e, com emprego de grave ameaça, exercida
através de um canivete, subtraiu a importância em dinheiro, tendo
reconhecido o réu, com certeza, como sendo o autor do delito. Relevância da
palavra da vítima. Prova segura à condenação, que vai mantida. 4.
MAJORANTE. Prova segura quanto ao emprego de arma branca, à
perpetração do delito. Vítima que afirmou que o artefato foi colocada contra
seu pescoço. Superveniência da revogação do inciso I do § 2º do art. 157 do
CP pela Lei nº 13.654/18, não mais considerando majorado o roubo
empregado com arma imprópria. “Novatio legis in mellius”, que retroage,
alcançando o réu. Majorante afastada. Conduta desclassificada para os
lindes do art. 157, “caput” do CP. Pena redimensionada para 5 anos e 6
meses de reclusão. 5. PENA. DOSIMETRIA. REDIMENSIONAMENTO.
AFASTAMENTO DA MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA, COM O
RECRUDESCIMENTO DA PENA-BASE. 6. ERRO MATERIAL.
DISPOSITIVO SENTENCIAL. Existência de erro material no dispositivo
da sentença, onde constou que a agravante etária foi equivocadamente
capitulada no art. 61, II, “f” do CP, quando, em verdade a agravante
imputada ao réu prevista no do art. 61, II, “h” do mesmo codex (contra
criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida).
Fundamentação do ato sentencial que deixou clara a consideração da
agravante etária. (TJRS, ACR 70075436998, 8ª CC, Fabianne Breton
Baisch, j. 29.8.18)

2.10. QUANDO O OFENDIDO ESTAVA SOB A IMEDIATA PROTEÇÃO


DA AUTORIDADE

A agravante que será analisada está tipificada no art. 61, II, i do Código Penal.
Encontra-se nessa situação quem está sendo protegido ou custodiado pela autoridade pública.
A ênfase na censura de tal prática é revelada não somente pela audácia do agente, mas pelo
desrespeito à autoridade pública. De acordo com 25Nucci:

“Quem está sob proteção do Estado não deve ser atacado, agredido ou
perturbado. O agente que comete o delito contra vítima em tal situação
demonstra ousadia ímpar, desafiando a autoridade estatal. Por isso, merece
maior reprimenda.”

2.10.1. DOS CASOS

Exemplo: linchamento, quando as pessoas indavem uma delegacia para de lá retirar o


preso, matando-o.

2.11. DAS OCASIÕES DE INCÊNDIO, NAUFRÁGIO, INUNDAÇÃO OU


QUALQUER CALAMIDADE PÚBLICA, OU DE DESGRAÇA
PARTICULAR DO OFENDIDO

Hipótese de agravante prevista no art.61, II, j do Código Penal. Nas agravantes em


questão o agente não pratica esses crimes, apenas aproveita-se dessas situações para praticar
o crime pretendido.

De acordo com 26Guilherme Nucci, em sua obra:

“Constituem os gêneros da agravante: a) calamidade pública, que é a


tragédia envolvendo muitas pessoas; b) desgraça particular do ofendido, que
é a tragédia envolvendo uma pessoa ou um grupo determinado de pessoas.
Como espécies desses gêneros temos o incêndio, o naufrágio e a inundação,
que podem ser ora calamidades públicas, ora desgraças particulares de
alguém.”

25
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
26
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
Ainda, 27Bitencourt defende que:

“A enumeração do dispositivo é meramente enunciativa, pois a locução ou


qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido abre
leque para interpretação analógica, permitindo outras hipóteses, quer de
calamidade pública, quer desgraça particular: similares de calamidade
pública podem ser situações de explosões, desabamentos e
desmoronamentos etc; similares de desgraça particular podem ser quaisquer
coisas que atinjam a vítima, deprimindo-a, fragilizando-a, tais como
acidentes, enfermidades de familiares, divórcio, separação etc, desde que,
evidentemente, sejam do conhecimento do agente.”

2.11.1. DOS CASOS

Exemplo: durante a inundação de um bairro, o agente resolve ingressar nas casas para
furtar, enquanto os moradores buscam socorro.

2.12. DO ESTADO DE EMBRIAGUEZ PREPONDERADA

Por fim, a última agravante tratada no art. 61, II do Código Penal está localizada na
alínea l do Código. Nesse caso, o agente embriaga-se propositalmente para praticar o crime.
Devido ao seu estado de embriaguez o agente procura liberar os “freios inibitórios” para
praticar o crime. Nessa forma, apresenta-se a hipótese de actio libera in causa, pois o sujeito
tem a intenção não apenas de embriagar-se, mas esta é movida pelo propósito criminoso.

2.12.1. DOS CASOS

Exemplo: um sujeito para cometer um homicídio do seu desafeto, resolve


embriagar-se para obter a coragem para a prática do crime.

2.12.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

APELAÇÃO-CRIME. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FURTO


QUALIFICADO. APELO MINISTERIAL COM FUNDAMENTO NA
ALÍNEA "C", DO INCISO III, DO ART. 593, DO CPP. APELAÇÃO
DEFENSIVA COM BASE EM TODAS AS ALÍNEAS DO MESMO
PERMISSIVO LEGAL. 1. Apelação ministerial conhecida nos termos da
alínea "c" do inciso III do art. 593 do CPP. Apelo defensivo conhecido com
base em todas as alíneas do mesmo permissivo legal. 2. Nas razões, a
acusação pleiteia a incidência de duas agravantes (crime praticado contra
maior de 60 anos e em estado de embriaguez preordenada). A defesa alega
que o julgamento é manifestamente contrário à prova dos autos com relação

27
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação,
2020.
ao não reconhecimento da legítima defesa, da minorante prevista no § 1º do
art. 121 do CP e da atipicidade do furto, bem como quanto ao
reconhecimento das qualificadoras dos delitos; ainda, diz que houve erro na
aplicação das penas, postulando a redução das penas-base, a aplicação da
benesse prevista no § 2º do art. 155 do CP e a redução ou isenção dos
dias-multa. 3. Inexistência de hipóteses enquadráveis nas alíneas "a" e "b"
do art. 593, inciso III, do CPP. 4. Decisão dos Jurados que não se mostra
contrária à prova dos autos, porquanto de acordo com versão constante dos
autos. 5. Conforme pacífica jurisprudência, o valor de R$ 170,00 não pode
ser considerado como ínfimo, considerando que, na época do fato, o salário
mínimo era de R$ 545,00. 6. Tratando-se de delito de homicídio qualificado,
cuja pena prevista é de 12 a 30 anos de reclusão, e de furto qualificado, que
a pena é de 02 a 08 anos, um aumento, respectivamente, de dois anos e de
seis meses para cada circunstância judicial desfavorável é
proporcionalmente adequado e suficiente. Pena-base mantida. 7. Não
configura bis in idem, havendo duas condenações anteriores transitadas em
julgado, a utilização de uma delas como circunstância judicial
(antecedentes) e a outra como agravante (reincidência). 8. A condição de
pobreza do acusado não dá amparo ao pedido de afastamento da pena de
multa, não havendo previsão legal para tanto. A multa é preceito secundário
do tipo pelo qual foi condenado e a sua parca condição financeira é levada
em conta na fixação do valor do dia-multa, como no caso. 9. Havendo prova
de que a vítima contava com 64 anos e 10 meses de idade à época dos fatos,
impõe-se a incidência da agravante prevista no art. 61, II, h, do CP.
Agravante reconhecida. 10. Inexistindo elementos de que acusado
embriagou-se para a prática dos delitos, não há como ser reconhecida a
agravante pelo estado de embriaguez preordenada. (TJRS, ACR
70052886215, 1ª CC, Julio Cesar Finger, j. 10.7.13)

3.DAS ESPÉCIES NO CASO DE CONCURSO DE PESSOAS:


ART.62

3.1. PROMOVER, ORGANIZAR A COOPERAÇÃO NO CRIME OU


DIRIGIR A ATIVIDADE DOS DEMAIS AGENTES

Prevista no art. 62, I do Código Penal. A agravante citada é a hipótese que abrange a
pessoa que comanda, organiza ou favorece a prática de um delito, conhecido como o
“cabeça” de uma determinada associação criminosa.

É imprescindível levar em consideração um apontamento feito por 28Bitencourt e que


há discussão na doutrina e na jurisprudência:

“A rigor, a agravante inserta no art.62,I, do Código Penal, é absolutamente


inexistente, inconsistente e inaplicável em crimes praticados em coautoria

28
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
simples, pois exige, no mínimo, a participação no crime de, pelo menos, três
pessoas.”

3.1.1. DOS CASOS

Exemplo: em uma organização criminosa, há um sujeito que comanda todo o


esquema, que executa certas práticas com liderança e que da as ordens.

3.1.2. DA APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

APELAÇÃO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. CRIME DE ROUBO.


1. Materialidade delitiva comprovada pelo auto de avaliação indireta. 2.
Autoria. Interceptação telefônica admitida como prova emprestada que,
cotejada com os depoimentos prestados pelas vítimas, levam à conclusão,
induvidosa, no sentido de que o acusado cometeu o crime de roubo ao
organizar e dirigir a atividade de comparsas que ingressaram em um
estabelecimento comercial e mediante grave ameaça, com emprego de arma
de fogo, subtraíram um revólver, um telefone celular, pacotes de cigarro, a
chave de um veículo e quantia em dinheiro de aproximadamente R$
1.600,00. 3. Mantida a majorante do emprego de arma de fogo.
Prescindibilidade de apreensão e perícia. 4. Aplicação da pena. Pena base
privativa de liberdade reduzida para quantum correspondente à pena
mínima, mantido o aumento de 1/6 da basilar pela incidência da agravante
do art. 62, inciso I, do CP. Reduzida a exasperação da pena provisória, pela
incidência das majorantes do art. 157, §2º, incisos I e II, do CP, para 1/3.
APELO INTERPOSTO PELA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
UNÃNIME. (TJRS, ACR 70083437525, 6ª CC, Bernadete Coutinho
Friedrich, j. 10.12.20)

3.2. COAGE OU INDUZ OUTREM À EXECUÇÃO MATERIAL DO


CRIME

Agravante localizada no art. 62, II do Código Penal e tem por finalidade determinar
que coação é uma forma de obrigação. No entanto, coagir não é sinônimo de induzir, as quais
diferem-se pelo grau de intensidade de eficácia.

No que diz respeito à coação, ela poderá ter efeitos diversos. Se ela for irresistível,
exclui a punibilidade do coagido, mas, se for resistível, constituirá esta atenuante para o
coagido. Ainda, a coação pode ser dividida entre coação moral resistível ou irresistível e
coação física irresistível. Na coação moral irresistível existe vontade, embora esteja viciada,
ou seja, não é livremente formada pelo agente. Já na hipótese de coação moral resistível, não
haverá exclusão da culpabilidade, porque o sujeito tem a opção de agir em conformidade com
o Direito. Por outro lado, coação física irresistível exclui a própria ação, não havendo a
conduta típica.

A indução, por sua vez, é uma forma de suscitar uma ideia, isto é, fazer surgir uma
ideia até então inexistente.

3.2.1. DOS CASOS

Exemplo: um sujeito, após receber uma foto da sua família de um criminoso, o qual
afirmava que, se ele não ajudasse seus comparsas elaborar e executar o plano para assaltar o
banco em que trabalha, sua família seria morta.

3.3. INSTIGA OU DETERMINA A COMETER O CRIME ALGUÉM


SUJEITO À SUA AUTORIDADE OU NÃO-PUNÍVEL EM VIRTUDE DE
CONDIÇÃO OU QUALIDADE PESSOAL

Em continuidade à síntese, a agravante está localizada no art. 62, III do Código Penal.
Assim, pode-se dizer que instigar é fomentar a ideia já existente, enquanto determinar é dar
ordem para que o crime seja cometido. De acordo com 29Bitencourt:

“Instigar significa animar, estimular, reforçar uma ideia existente. O


instigador limita-se a provocar a resolução criminosa; determinar (tem sido
utilizada pelos penalistas como sinônimo de induzir) significa induzir, tomar
iniciativa intelectual, suscitar uma ideia inexistente.”

Para a análise da agravante, faz-se necessário a sua divisão em duas figuras:

a) Instigar alguém sujeito à sua autoridade

De acordo com a doutrina de 30Bitencourt:

“(...) exclui a responsabilidade penal e quem praticar o fato delituoso em


estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior
hierárquico, configurando a conhecida obediência hierárquica, que assegura
somente a punibilidade do ato da autoridade superior que determinou seu
autor. Contudo, se a ilegalidade for manifesta, o subalterno tem não apenas
o direito, mas também o dever legal, de não cumprí-la.”

b) Não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal

29
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
30
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
Novamente, de acordo com 31Cesar Bitencourt:

“A não punibilidade de alguém em virtude de condição ou qualidade pessoal


refere-se a escusas absolutórias ou imunidades pessoais (...) Na verdade,
referidas afastam somente a culpabilidade, deixando intacta a ilicitude ou
antijuridicidade da conduta praticada.”

Os exemplos que podem resultar em tal agravante é o retardamento ou deficiência


mental, a embriaguez completa por ingestão de álcool ou de outra substância entorpecente ou
que provoque dependência e a menoridade penal.

3.3.1. DOS CASOS

Exemplo: um sujeito, estimula, instiga uma criança a roubar determinado produto em


um mercado.

3.4. EXECUTA O CRIME, OU NELE PARTICIPA, MEDIANTE PAGA


OU PROMESSA DE RECOMPENSA

Trata-se de uma hipótese de torpeza específica, ou seja, o agente que comete o crime
ou dele toma parte pensando em receber algum tipo de recompensa. A conduta praticada é
conhecida como crime mercenário.

A vantagem prometida pode ser de qualquer natureza, entretanto, é desnecessário que


o agente receba a recompensa para agravar a pena, sendo suficiente que tenha havido a sua
promessa.

32
Bitencourt destaca que:

“Na modalidade paga o agente recebe previamente a recompensa pelo


crime, o que não ocorre na promessa de recompensa, em que há somente
expectativa de paga, cuja efetivação está condicionada à prática do crime,
excluindo o homicídio.”

3.4.1. DOS CASOS

Exemplo: o agente, mediante promessa de recompensa, rouba determinado


estabelecimento.

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BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
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BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
4. DAS REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva
Educação, 2020.

LYRA, Roberto. Noções de Direito Criminal: Parte Especial. Rio de Janeiro: Nacional,
1944.

MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Saraiva,
1961.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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