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ARTIGO

DESENVOLVIMENTO /
ECONÔMICO
E O EMPRESARIO
Ao inovar e executar a reorganização dos fatores de
produção, o empresário torna-se o
grande propulsor de uma economia em expansão.

• Luiz Carlos Bresser Pereira * PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento, empresário, estado,


Professor Titular do Departamento de Planejamento administrador, capitalista.
e Análise Econômica Aplicados à Administração da
EAESP/FGV. * ABSTRACT: Economic development is identified with
productivity increase and the rational reorganization of
production, that takes place systematically with the advent of
* RESUMO: O desenvolvimento define-se pelo aumento da industrialization
responsibility
and capitalismo This reorganization is
of the entrepreneur, who, according to
produtividade e a reorganização racional da produção, que
passa a ocorrer sistematicamente com o advento da indus- Schumpeter's pioneering analysis, innovates, commanding
trialização e do capitalismo. Esta reorganização é responsa- the investment process and the introduction of technological
bilidade do empresário, privado ou público, que, nos termos progresso Savings are primarily achieved by the capitalist;
da análise pioneira de Schumpeter, inova comandando o pro- investment and innovation, by the entrepreneur; the direction
cesso de investimento e de introdução do progresso tecnolô- of the business enterprise, by the manager. The fundamental
gico. A poupança é realizada principalmente pelo capitalista; economic function of the state is to create new opportunities
o investimento e a inovação, pelo empresário; a direção da to entrepreneurial innovation.
empresa, pelo administrador. A função econômica funda-
mental do Estado é a de criar novas oportunidades para a * KEY WORDS: Development, entrepreneur, state, manager,
inovação empresarial. capitalist.

6 Revista de Administração de Empresas São Paulo, 32(3): 6-12 Ju1./Ago.1992


DESENVOLVIMENTO EcONôMICO E O EMPRESÁRIO

INTRODUÇÃO Um país cuja economia se baseia na ex-


portação de matérias-primas ou de pro-
Nos últimos anos, o desenvolvimento dutos alimentícios pode, por exemplo,
econômico tornou-se o tema dominante apresentar um rápido crescimento de sua
das discussões e dos estudos econômicos. renda devido a uma súbita melhoria nas
Mas o que se entende por desenvolvimen- relações de troca, causada pela elevação do
to? Distingue-se de simples crescimento? E preço de seus produtos de exportação, ou
qual é o papel do empresário nesse desen- mesmo um aumento da produção dos bens
volvimento? É o mesmo do capitalista ou exportáveis causado pelo aumento da
do administrador? E qual a função do Es- procura internacional ou pela abertura de
tado? Sua ação completa ou substitui a do novos mercados. Tal fato indica cresci-
empresário? Estas são algumas das per- mento econômico, mas, na medida em que
guntas que tentaremos responder neste a renda extra obtida seja empolgada e
artigo, procurando conceituar o desenvol- consumida por uma minoria inteiramente
vimento econômico e determinar quais são desinteressada em realizar investimentos
os elementos estratégicos na sua consecu- produtos e diversificar a produção, não
ção. deveremos, a rigor, falar em desenvolvi-
mento.
O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO
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Desenvolvimento econômico é geral- Schumpeter, cuja contribuição para
mente definido como o aumento da pro- a teoria do desenvolvimento
dução per capita através da reorganização
dos fatores de produção. Esta definição não econômico, com a teoria do
distingue desenvolvimento de crescimen- empresário, constitui um dos
to. Em certos casos, todavia, é de toda pontos altos da história da ciência
conveniência que tal distinção seja feita. econômica, define o empresário
Tanto desenvolvimento quanto cresci-
como o inovador, o indivíduo
mento envolveriam aumento da produti-
vidade, da produção de bens e serviços por que põe em execução
homem-hora. Desenvolvimento, porém, novas combinações.
implicaria em uma modificação de toda a
estrutura econômica e social da região em •••••••••••••••••••••••
foco, ao passo que para haver crescimento A substituição de estruturas sócio-eco-
econômico bastaria que a renda per capita nômicas tradicionais, de base patriarcal ou
aumentasse. É certo que em muitos casos feudal, por estruturas mais racionais, de
tal distinção é perigosa, só levando a con- caráter capitalista ou socialista, deve ser
fusões. A aceitar-se a mesma em sua ínte- considerada como condição de processo de
gra, ficaríamos, por exemplo, impossibili- desenvolvimento econômico. Quando tal
tados de comparar em termos objetivos o substituição se realiza, surge um grupo de
desenvolvimento econômico de dois paí- homens dentro da sociedade que passa a
ses, ou até de um mesmo país em períodos investir de forma racional e sistemática. A
diferentes. Por outro lado, a constatação de reorganização dos fatores de produção
que o desenvolvimento econômico é um ganha, nesse momento, dinamismo inter-
processo que se realiza por fases mais ou no, na medida em que o aumento da pro-
menos definidas é hoje cada vez mais ge- dutividade e a redução dos custos se torna
ral. A passagem da fase pré-industrial para uma condição de sobrevivência para cada
a industrial, por exemplo, representa um empresa e para o próprio sistema social
momento crucial na história de um país, como um todo. E esse processo de transi-
momento esse que os números frios do ção, que, na maioria das vezes, corres-
produto nacional freqüentemente não tra- ponde à passagem da fase agrária para a
duzirão. Enquanto a fase de arranco, con- industrial, não se traduz necessariamente
forme a definiu W.W. Rostow", enquanto no crescimento da renda per capita. 1. ROSTOW, W.W. Etapas do De-
a revolução industrial de um país não se A reorganização sistemática e racional senvolvimento Econômico. um Ma-
verifica, a taxa de crescimento de sua ren- dos fatores de produtos é, portanto, o ele- nifesto Não-Comunista. Rio de Ja-
da nacional é muitas vezes enganadora. mento essencial do desenvolvimento eco- neiro, Zahar Editores, 1961.

Copyright ©1992, 1962, Revista de Administração de Empresas I EAESP I FGV, São Paulo, Brasil. Texto publicado na RAE, 2 (4): 79-91, maiJago. 1962. 7
nômico. Esta reorganização se realiza mente "irracionais" dos regimes patriarcal
através de duas formas que se completam: e feudal, em que considerações de ordem
através da reorganização dos fatores já in- familiar, religiosa e militar interferiam de
tegrados no processo de produção, visan- forma decisiva na organização econômica.'
do maior eficiência; ou da modificação na Schumpeter, cuja contribuição para a
proporção dos fatores empregados, au- teoria do desenvolvimento econômico,
mentando-se a participação do capital em com a teoria do empresário, constitui um
relação ao trabalho. Essas duas formas, que dos pontos altos da história da ciência
geralmente aparecem conjugadas, estão econômica, define o empresário como o
diretamente relacionadas com as duas inovador, o indivíduo que põe em execu-
causas principais do desenvolvimento ção novas combinações.' Por outro lado, ele
econômico - a inovação e a acumulação definiu desenvolvimento econômico como
de capital - causas estas intimamente li- a execução de novas combinações de fato-
gadas à figura do empresário que, como res produtivos." Dessa forma de um golpe
veremos, é um dos elementos estratégicos só, foi Schumpeter capaz de caracterizar a
no processo de desenvolvimento de um importância do progresso tecnológico lato
país. sensu e do papel do empresário no desen-
volvimento econômico. Desenvolver é
o EMPRESÁRIO E A INOVAÇÃO inovar, é recompor os fatores de produção,
é pôr em execução o progresso tecnológico,
A reorganização dos fatores de e quem inova é exatamente o empresário.
produção realiza-se no plano nacional e no Não pretendemos aqui fazer a análise e
nível das empresas. Em ambos os níveis, a crítica geral da teoria de Schumpeter.
são tomadas decisões que influenciam essa Seria provavelmente correto afirmar que
reorganização. O desenvolvimento exagerou a importância do empresário e da
econômico, portanto, não é função inovação no desenvolvimento, esquecendo
exclusiva das decisões tomadas pelos ou não dando saliência bastante a outras
empresários. Mas, sem dúvida, "a feição causas desse processo. Cumpre, todavia,
característica do desenvolvimento é o sublinhar que sua capacidade de elaborar,
crescimento das empresas, isto é, o ainda em 1911 - quando o problema do
aparecimento de um pequeno número de desenvolvimento era relegado a um plano
pessoas, investidores particulares ou fun- muito secundário dentro da teoria econô-
cionários públicos, que utilizam grandes somas mica -, uma teoria de desenvolvimento
de capital e dão emprego a um grande número que ainda conserva grande atualidade foi
de pessoas"? Esse "pequeno número de verdadeiramente genial. Adam Smith já
pessoas" são os empresários, cujo papel havia feito uma referência indireta à ino-
dentro do desenvolvimento econômico de vação, ou, em outras palavras, à reorgani-
um país é crucial. zação dos fatores de produção, quando
Em termos amplos, empresário é o diri- considerou como causa por excelência do
gente e executor da reorganização dos fa- desenvolvimento econômico a divisão do
tores de produção no nível das empresas. trabalho. Mas foi Schumpeter que levou a
Ele é o agente privado ou público que, em idéia da inovação econômica às suas últi-
nome próprio, dos acionistas ou do Estado, mas conseqüências. Seu conceito de ino-
cria e desenvolve, de forma sistemática e vação é amplo. Tão amplo que mereceu de
2. LEWIS, W. Arthur. Teoria do De-
senvolvimento Econômico. Rio de racional (ou seja, na qual são sempre pro- muitos a crítica de ser vago. Dificilmente,
Janeiro, Zahar Editores, 1960,p.338. curados os meios mais adequados para se porém, ele poderia ter sido mais preciso do
atingir os fins visados), uma organização que foi.
3.WEBER, Max. HistóriaEconómica econômica bem sucedida. Observe-se que
Genera. México, Fondo de CuRura esta racionalidade que atribuímos ao em- EMPRESÁRIO, ADMINISTRADOR E
Económica, 1956, pp.265-66. presário tem origens históricas sobre as CAPITALISTA
quais não nos estenderemos. Deriva do
4. SCHUMPETER, Joseph. Theory Para Schumpter, existem cinco tipos de
ambiente racionalista que a burguesia
of Economic Development.
mercantil e industrial - classe de onde se inovação:
Cambridge, Mass., Harvard
University Press, 1955, p.74. originaram os primeiros empresários mo- 1) introdução de novos métodos de
dernos - desenvolveu a partir da Renas- produção;
5. Idem, ibidem, p.66. cença, opondo-se aos sistemas eminente- 2) introdução de novos produtos;

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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E O EMPRESÁRIO

3) abertura de novos mercados; presa. Parece-nos, porém, que Schumpeter


4) conquista de nova fonte de matérias- restringiu excessivamente o conceito.
primas e produtos semimanufaturados; Aquele, por exemplo, que imita de forma
5) introdução de nova organização de um bem-sucedida pode também ser conside-
setor industrial, através, por exemplo, rado um empresário, desde que essa imi-
da criação de uma situação de monopó- tação represente uma inovação dentro do
lio ou da quebra de uma posição mono- âmbito de sua empresa. Além disso, a ati-
polista." vidade empresarial não se limita a criar
A amplitude desse conceito, que inclui novas empresas. Desenvolvê-las é uma
entre os tipos de inovação a própria criação função que exige, muitas vezes, uma ação
de uma situação monopolista, deu causa a inovadora decidida. Isto é especialmente
que sua teoria fosse por alguns considera- verdade nas sociedades industriais mo-
da mais uma teoria justificativa do lucro do dernas, onde existe alguma forma de
empresário do que do desenvolvimento competição entre as empresas, onde está
econômico. Entretanto, se seu conceito sempre se verificando uma pressão sobre
de inovação é amplo, isto não impediu as empresas para produzirem mais efici-
Schumpeter de limitar o conceito de em- entemente.
presário, restringindo-o àqueles homens de
negócio que inovam de forma absoluta-
mente original. Diz ele: Alguém é um em-
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presário na medida em que executa novas Inovação e acumulação de
combinações e deixa de sê-lo assim que, depois capital não são duas bases
de C1'Ú/rseu negócio, instala-se para administrá- concorrentes para a
lo da mesma forma que outras pessoas admi-
explicação do
nistram seus negócios." 7 Assim, o adminis-
trador de empresas é ou não é empresário desenvolvimento econômico,
na medida em que está, naquele momen- mas simplesmente dois aspectos
to, inovando. de um mesmo processo.
Essa preocupação em distinguir o em-
presário do homem de negócios ou do •••••••••••••••••••••••
administrador parece-nos legítima. O ad-
ministrador rotineiro, que não é capaz de Inovar, encontrar continuamente novas
perceber e aproveitar as oportunidades e melhores combinações para os fatores de
que o desenvolvimento da ciência, a des- produção, é, portanto, a característica es-
coberta de novos recursos, o aparecimento sencial do empresário. Note-se, porém, que
de novas necessidades estão constante- não cabe ao empresário fazer descobertas,
mente ensejando, não pode ser considera- invenções. Isto cabe ao cientista, ao técni-
do um empresário. Sua contribuição para co, ao inventor, ao explorador de novos
o desenvolvimento econômico tem a mes- recursos. Ao empresário cabe distinguir no
ma dimensão que a de qualquer pessoa que está ocorrendo à sua volta a oportuni-
que executa um trabalho produtivo. A dade econômica e, em seguida, aproveitar
mera manutenção do statu quo apenas essa oportunidade efetivamente. Dessa
merece a classificação de atividade em- forma, ele estará inovando, sendo esta a
presarial na medida em que as condições característica básica e exclusiva de sua
do mercado, por exemplo, sejam condu- contribuição ao desenvolvimento econô-
centes ao declínio da empresa, pois só uma mico de um país.
ação decididamente criativa, inovadora, Procurou-se - e ainda hoje esta tese
permite que o declínio não se verifique. tem defensores - definir o empresário
Não basta apenas manter e talvez aperfei- como aquele que se dispõe a correr riscos.
çoar um pouco a ordem já existente no Entre as muitas restrições que tal definição
sistema produtivo, é preciso reorganizá-lo merece, a mais grave é a de que leva a
e, muitas vezes, essa reorganização preci- confundir a pessoa do capitalista com a do
sa ser radical, para que o desenvolvimen- empresário. Quando se fala em risco, está-
to econômico se realize. se pensando em risco econômico de perder 6.Idem, ibidem.
É portanto, correto distinguir empresá- o que foi investido. Ora, quem corre esse
rio de administrador, de dirigente de em- risco é o capitalista, não o empresário. É 7.Idem, ibidem; p.78.

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certo que, nas primeiras fases do capitalis- to que a única classe com capacidade para
mo, a pessoa do capitalista e do empresá- poupar e inverter de forma substancial e
rio tendem a confundir-se. O empresário é sistemática é a capitalista.
geralmente um capitalista, embora, mesmo Na medida em que, nessa época, em-
nessa ocasião, freqüentemente não use presários e capitalistas tendem a confun-
apenas recursos próprios para investir. dir-se em uma só pessoa, a importância do
Nas fases mais adiantadas do capitalismo, empresário na formação de poupança é
porém, o empresário tende a tornar-se um evidente. Nos países capitalistas avança-
empregado, um agente dos acionistas. dos e nos países socialistas, a função do
Nesse momento, o único risco que corre é empresário como agente de poupança é
o de perder sua posição dentro da empre- também de grande significado, pois cabe a
sa. O risco de perder o que foi investido é ele decidir a respeito da retenção dos lucros
dos acionistas e financiadores da empresa. nas empresas para reinvestimento. Os lu-
cros não distribuídos são hoje uma das
ACUMULAÇÃO DE CAPITAL maiores fontes de poupanças nos países
desenvolvidos," Ao retê-los, o empresário
o desenvolvimento econômico se reali- poupa o que não é seu. Colocado em uma
za através de uma organização mais efici- posição estratégica, ele promove um tipo
ente dos fatores produtivos existentes, ou de poupança forçada.
do aumento da proporção do capital para
o trabalho. No primeiro caso, temos a •••••••••••••••••••••••
inovação em sua forma mais pura, no se- Nos países capitalistas
gundo, que é, via de regra, mais impor- desenvolvidos, em face a
tante, inovação implica em inversão, em
acumulação de capital. Inovação e acu- certas dificuldades
mulação de capital não são duas bases con- ideológicas internas, o
correntes para a explicação do desenvol- planejamento econômico é,
vimento econômico, mas simplesmente muitas vezes, realizado de
dois aspectos de um mesmo processo.
forma disfarçada.
Porque o papel do empresário não é tão
crucial (embora, como veremos, de grande •••••••••••••••••••••••
importância) no processo de acumulação
de capital, os defensores da teoria do em- O lucro não distribuído, todavia, só tem
presário tendem a não lhe atribuir a devi- sentido na medida em que se destina ao
da atenção. Na verdade, a inovação sem a investimento, à acumulação de capital.
acumulação de capital é, na grande maioria Ora, as decisões de investimento cabem
dos casos, impossível. Por outro lado, a precipuamente ao empresário. Empresário
acumulação de capital sem a inovação le- é quase sinônimo de investidor. (É claro
vará, mais cedo ou mais tarde, a um que estamos referindo-nos aos investi-
estancamento das oportunidades de in- mentos em bens de capital dentro da em-
vestimento e, conseqüentemente, da pró- presa e não à inversão que faz o capitalista
pria acumulação de capital. quando compra ações de uma companhia
Já nos referimos ao papel do empresário no mercado de títulos.) E ainda é preciso
na inovação. E o seu papel na acumulação levar em consideração, a fim de sublinhar
de capital? A acumulação de capital é pri- o papel do empresário na formação de
mordialmente função da taxa de poupan- poupança, que esta tanto determina o in-
ça. Cabe, portanto, perguntar qual é o pa- vestimento quanto é por ele determinada.
pel do empresário na determinação da Se, momentaneamente, a taxa de poupan-
poupança nacional. Muito sumariamente, ça excede a de investimento, a primeira (e
esse papel é duplo. Se, nas primeiras etapas a própria renda nacional) só não se redu-
do desenvolvimento econômico de um zirá para igualar o investimento se tal
país - aceitando-se a classificação de desequilíbrio não for imediatamente cor-
W.Arthur Lewis - dividirmos uma socie- rigido.
dade em cinco classes sócio-econômicas - É nesse momento, quando a ameaça de
capitalista, dos senhores de terra, média, crise econômica paira sobre o país, que o
8. LEWIS, W.Arthur. Op.cit., p.339. operária e camponesa - tem-se por acei- papel do empresário torna-se particular-

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DESENVOLVIMENTOECONÔMICO E O EMPRESÁRIO

mente decisivo. É famoso o caso do presi- lência do estado. Desde que essa e outras
dente de uma grande companhia america- condições institucionais - entre as quais
na que, em meio a uma depressão, decidiu vale ainda a pena citar o prestígio que a
fazer um investimento de um bilhão de atividade empresarial envolve e as possi-
dólares. Dentro desse mesmo esquema, bilidades de mobilidade social no sentido
[ohn E.Sawyer, examinando as causas do vertical que a sociedade apresenta para o
extraordinário desenvolvimento econô- empresário em termos gerais a investir, as
mico dos Estados Unidos no século pas- oportunidades específicas de investimen-
sado, afirma que uma delas foi o exagera- tos poderão ter duas origens.
do otimismo revelado pelos empresários Poderão surgir mais ou menos ao acaso,
americanos, otimismo esse que levou ao como resultado do progresso tecnológico
aumento da taxa de acumulação de capital não planejado, de novas descobertas de
do país. "Os empresários", diz ele, "faziam recursos, de modificações no mercado etc.;
previsões exageradas das possibilidades de ou poderão ser proporcionadas pelo Esta-
crescimento, mas essas previsões exageradas do, através de um sistema de incentivos e
individuais e coletivas operaram no sentido de punições para o investimento. Neste últi-
acelerar o processo de crescimento e, fre- mo caso, estaremos diante de um sistema
qüentemente, em várias medidas, produziram de planejamento econômico, que tem por
resultados que, ex post, tomaram econômicas objetivo precípuo a promoção de oportu-
as previsões exageradas iniciais'", nidades econômicas de investimento. Criar
oportunidades novas para a atividade
empresarial toma-se, então, a função eco-
o EMPRESÁRIO E O ESTADO
nômica essencial do Estado.
É isto, aliás, o que vem ocorrendo na
Vimos até aqui que a reorganização dos maioria dos países da atualidade. Nos
fatores de produção no nível das empresas, países capitalistas desenvolvidos, em face
através da inovação e da acumulação de a certas dificuldades ideológicas internas,
capital, define, ao mesmo tempo, o pro- o planejamento econômico é, muitas vezes,
cesso de desenvolvimento econômico e a realizado de forma disfarçada. Mas nos
função do empresário. Ora, o empresário países subdesenvolvidos, quando estes
inova e investe na medida em que percebe não tomam iniciativa por conta própria,
oportunidades para tal. O gênio do em- são os próprios países desenvolvidos que
presário está em saber ver a oportunidade os estimulam a planejar suas economias.
e em aproveitá-la. Entretanto, a oportuni-
dade econômica é um fenômeno exterior •••••••••••••••••••••••
ao empresário. Ele se torna um agente
Um país que permite que as
criador de oportunidades para outros
apenas na medida em que investe. De um oportunidades econômicas
modo geral, porém, não obstante sua surjam ao acaso, sem nenhum
grande importância para o desenvolvi- controle, quando tantos
mento econômico de um país, a existência controles nos são hoje oferecidos
de oportunidades econômicas está fora do
pelas ciências sociais e
controle dos empresários.
Este fato é importante por dois motivos: particularmente pela economia,
porque impõe um limite à contribuição do está deixando de usar um
empresário para o desenvolvimento eco- instrumento precioso na
nômico; e porque nos sugere qual seja o promoção de seu
papel do Estado nesse mesmo desenvol-
desenvolvimento.
vimento nos países capitalistas.
Para que oportunidades econômicas •••••••••••••••••••••••
existam, certas condições institucionais são
necessárias. Entre elas, a manutenção da Paradoxalmente, é isto o que aconteceu 9. SAWYER, John E. Entre-
ordem, de forma a assegurar ao empresá- no sudeste da Ásia, com o "Plano Colom- preneurship in Periods of Rapid
rio os frutos do seu esforço, é uma das mais bo", e na América Latina, com a "Aliança Growth: The United States in the
importantes, de tal forma que, na época do para o Progresso". E mesmo nos países 19th Century. Material Mimeo-
Estado liberal, era esta a função por exce- socialistas, isto se vem verificando até cer- grafado, 1954, p.4.

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to ponto. Nesses países não é possível se- as oportunidades econômicas surjam ao
parar claramente o Estado das empresas, acaso, sem nenhum controle, quando tan-
mas é perfeitamente viável distinguir o tos controles nos são hoje oferecidos pelas
Governo das empresas. Assim, na Iugos- ciências sociais e particularmente pela
lávia - considerada pelos soviéticos um economia, está deixando de usar um ins-
país socialista de direita -, o governo trumento precioso na promoção de seu
planeja a economia, estabelece um sistema desenvolvimento. Só se desenvolverá se,
de incentivos e punições, criando, dessa além de ser dotado de uma riqueza de re-
forma, oportunidades econômicas. Ali, as cursos extraordinária, for auxiliado por
decisões de investimento são claramente uma série de circunstâncias internas e ex-
descentralizadas, ficando em grande par- ternas favoráveis.
te a critério das empresas existentes e das Este foi o caso dos Estados Unidos e da
municipalidades. Dentro das empresas e Europa Ocidental. Por outro lado, centra-
das municipalidades caberá às pessoas lizar todas as decisões nas mãos de um
com espírito empresarial aproveitar essas pequeno grupo de líderes políticos e téc-
oportunidades. nicos governamentais, além de outras
desvantagens, apresenta dificuldades
econômicas sérias, que a própria União
CONCLUSÕES Soviética vem, ao que parece, reconhecen-
do. Assim, nos países socialistas, a ten-
Os empresários e o Estado são, portan- dência parece ser para a formação de um
to, os dois agentes estratégicos do desen- grupo empresarial com uma autonomia de
volvimento. O Estado cria as oportunida- decisão muito maior do que aquela que os
des, estabelece as condições e os estímulos modelos teóricos socialistas faziam prever.
próprios ao investimento, de acordo com Vemos, portanto, que, embora esse
um plano geral de reorganização do siste- problema se coloque em geral em termos
ma produtivo. Os empresários aproveitam ideológicos, tornando impossível qualquer
as oportunidades, reorganizando os fato- discussão mais serena, a prática e o bom
res de produção no nível da empresa. senso nos levam a concluir que os empre-
Discutir qual dos dois agentes é o mais sários e o Estado, e não apenas aqueles ou
importante no processo de desenvolvi- este, são, hoje, os dois agentes por exce-
mento é ocioso. Um país que permite que lência do desenvolvimento econômico.

BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR

COLE, Arthur H. Business Enterprise in HOSELITZ, Bert F. SociologicalAspects of


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