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DESENVOLVIMENTO /
ECONÔMICO
E O EMPRESARIO
Ao inovar e executar a reorganização dos fatores de
produção, o empresário torna-se o
grande propulsor de uma economia em expansão.
Copyright ©1992, 1962, Revista de Administração de Empresas I EAESP I FGV, São Paulo, Brasil. Texto publicado na RAE, 2 (4): 79-91, maiJago. 1962. 7
nômico. Esta reorganização se realiza mente "irracionais" dos regimes patriarcal
através de duas formas que se completam: e feudal, em que considerações de ordem
através da reorganização dos fatores já in- familiar, religiosa e militar interferiam de
tegrados no processo de produção, visan- forma decisiva na organização econômica.'
do maior eficiência; ou da modificação na Schumpeter, cuja contribuição para a
proporção dos fatores empregados, au- teoria do desenvolvimento econômico,
mentando-se a participação do capital em com a teoria do empresário, constitui um
relação ao trabalho. Essas duas formas, que dos pontos altos da história da ciência
geralmente aparecem conjugadas, estão econômica, define o empresário como o
diretamente relacionadas com as duas inovador, o indivíduo que põe em execu-
causas principais do desenvolvimento ção novas combinações.' Por outro lado, ele
econômico - a inovação e a acumulação definiu desenvolvimento econômico como
de capital - causas estas intimamente li- a execução de novas combinações de fato-
gadas à figura do empresário que, como res produtivos." Dessa forma de um golpe
veremos, é um dos elementos estratégicos só, foi Schumpeter capaz de caracterizar a
no processo de desenvolvimento de um importância do progresso tecnológico lato
país. sensu e do papel do empresário no desen-
volvimento econômico. Desenvolver é
o EMPRESÁRIO E A INOVAÇÃO inovar, é recompor os fatores de produção,
é pôr em execução o progresso tecnológico,
A reorganização dos fatores de e quem inova é exatamente o empresário.
produção realiza-se no plano nacional e no Não pretendemos aqui fazer a análise e
nível das empresas. Em ambos os níveis, a crítica geral da teoria de Schumpeter.
são tomadas decisões que influenciam essa Seria provavelmente correto afirmar que
reorganização. O desenvolvimento exagerou a importância do empresário e da
econômico, portanto, não é função inovação no desenvolvimento, esquecendo
exclusiva das decisões tomadas pelos ou não dando saliência bastante a outras
empresários. Mas, sem dúvida, "a feição causas desse processo. Cumpre, todavia,
característica do desenvolvimento é o sublinhar que sua capacidade de elaborar,
crescimento das empresas, isto é, o ainda em 1911 - quando o problema do
aparecimento de um pequeno número de desenvolvimento era relegado a um plano
pessoas, investidores particulares ou fun- muito secundário dentro da teoria econô-
cionários públicos, que utilizam grandes somas mica -, uma teoria de desenvolvimento
de capital e dão emprego a um grande número que ainda conserva grande atualidade foi
de pessoas"? Esse "pequeno número de verdadeiramente genial. Adam Smith já
pessoas" são os empresários, cujo papel havia feito uma referência indireta à ino-
dentro do desenvolvimento econômico de vação, ou, em outras palavras, à reorgani-
um país é crucial. zação dos fatores de produção, quando
Em termos amplos, empresário é o diri- considerou como causa por excelência do
gente e executor da reorganização dos fa- desenvolvimento econômico a divisão do
tores de produção no nível das empresas. trabalho. Mas foi Schumpeter que levou a
Ele é o agente privado ou público que, em idéia da inovação econômica às suas últi-
nome próprio, dos acionistas ou do Estado, mas conseqüências. Seu conceito de ino-
cria e desenvolve, de forma sistemática e vação é amplo. Tão amplo que mereceu de
2. LEWIS, W. Arthur. Teoria do De-
senvolvimento Econômico. Rio de racional (ou seja, na qual são sempre pro- muitos a crítica de ser vago. Dificilmente,
Janeiro, Zahar Editores, 1960,p.338. curados os meios mais adequados para se porém, ele poderia ter sido mais preciso do
atingir os fins visados), uma organização que foi.
3.WEBER, Max. HistóriaEconómica econômica bem sucedida. Observe-se que
Genera. México, Fondo de CuRura esta racionalidade que atribuímos ao em- EMPRESÁRIO, ADMINISTRADOR E
Económica, 1956, pp.265-66. presário tem origens históricas sobre as CAPITALISTA
quais não nos estenderemos. Deriva do
4. SCHUMPETER, Joseph. Theory Para Schumpter, existem cinco tipos de
ambiente racionalista que a burguesia
of Economic Development.
mercantil e industrial - classe de onde se inovação:
Cambridge, Mass., Harvard
University Press, 1955, p.74. originaram os primeiros empresários mo- 1) introdução de novos métodos de
dernos - desenvolveu a partir da Renas- produção;
5. Idem, ibidem, p.66. cença, opondo-se aos sistemas eminente- 2) introdução de novos produtos;
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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E O EMPRESÁRIO
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certo que, nas primeiras fases do capitalis- to que a única classe com capacidade para
mo, a pessoa do capitalista e do empresá- poupar e inverter de forma substancial e
rio tendem a confundir-se. O empresário é sistemática é a capitalista.
geralmente um capitalista, embora, mesmo Na medida em que, nessa época, em-
nessa ocasião, freqüentemente não use presários e capitalistas tendem a confun-
apenas recursos próprios para investir. dir-se em uma só pessoa, a importância do
Nas fases mais adiantadas do capitalismo, empresário na formação de poupança é
porém, o empresário tende a tornar-se um evidente. Nos países capitalistas avança-
empregado, um agente dos acionistas. dos e nos países socialistas, a função do
Nesse momento, o único risco que corre é empresário como agente de poupança é
o de perder sua posição dentro da empre- também de grande significado, pois cabe a
sa. O risco de perder o que foi investido é ele decidir a respeito da retenção dos lucros
dos acionistas e financiadores da empresa. nas empresas para reinvestimento. Os lu-
cros não distribuídos são hoje uma das
ACUMULAÇÃO DE CAPITAL maiores fontes de poupanças nos países
desenvolvidos," Ao retê-los, o empresário
o desenvolvimento econômico se reali- poupa o que não é seu. Colocado em uma
za através de uma organização mais efici- posição estratégica, ele promove um tipo
ente dos fatores produtivos existentes, ou de poupança forçada.
do aumento da proporção do capital para
o trabalho. No primeiro caso, temos a •••••••••••••••••••••••
inovação em sua forma mais pura, no se- Nos países capitalistas
gundo, que é, via de regra, mais impor- desenvolvidos, em face a
tante, inovação implica em inversão, em
acumulação de capital. Inovação e acu- certas dificuldades
mulação de capital não são duas bases con- ideológicas internas, o
correntes para a explicação do desenvol- planejamento econômico é,
vimento econômico, mas simplesmente muitas vezes, realizado de
dois aspectos de um mesmo processo.
forma disfarçada.
Porque o papel do empresário não é tão
crucial (embora, como veremos, de grande •••••••••••••••••••••••
importância) no processo de acumulação
de capital, os defensores da teoria do em- O lucro não distribuído, todavia, só tem
presário tendem a não lhe atribuir a devi- sentido na medida em que se destina ao
da atenção. Na verdade, a inovação sem a investimento, à acumulação de capital.
acumulação de capital é, na grande maioria Ora, as decisões de investimento cabem
dos casos, impossível. Por outro lado, a precipuamente ao empresário. Empresário
acumulação de capital sem a inovação le- é quase sinônimo de investidor. (É claro
vará, mais cedo ou mais tarde, a um que estamos referindo-nos aos investi-
estancamento das oportunidades de in- mentos em bens de capital dentro da em-
vestimento e, conseqüentemente, da pró- presa e não à inversão que faz o capitalista
pria acumulação de capital. quando compra ações de uma companhia
Já nos referimos ao papel do empresário no mercado de títulos.) E ainda é preciso
na inovação. E o seu papel na acumulação levar em consideração, a fim de sublinhar
de capital? A acumulação de capital é pri- o papel do empresário na formação de
mordialmente função da taxa de poupan- poupança, que esta tanto determina o in-
ça. Cabe, portanto, perguntar qual é o pa- vestimento quanto é por ele determinada.
pel do empresário na determinação da Se, momentaneamente, a taxa de poupan-
poupança nacional. Muito sumariamente, ça excede a de investimento, a primeira (e
esse papel é duplo. Se, nas primeiras etapas a própria renda nacional) só não se redu-
do desenvolvimento econômico de um zirá para igualar o investimento se tal
país - aceitando-se a classificação de desequilíbrio não for imediatamente cor-
W.Arthur Lewis - dividirmos uma socie- rigido.
dade em cinco classes sócio-econômicas - É nesse momento, quando a ameaça de
capitalista, dos senhores de terra, média, crise econômica paira sobre o país, que o
8. LEWIS, W.Arthur. Op.cit., p.339. operária e camponesa - tem-se por acei- papel do empresário torna-se particular-
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DESENVOLVIMENTOECONÔMICO E O EMPRESÁRIO
mente decisivo. É famoso o caso do presi- lência do estado. Desde que essa e outras
dente de uma grande companhia america- condições institucionais - entre as quais
na que, em meio a uma depressão, decidiu vale ainda a pena citar o prestígio que a
fazer um investimento de um bilhão de atividade empresarial envolve e as possi-
dólares. Dentro desse mesmo esquema, bilidades de mobilidade social no sentido
[ohn E.Sawyer, examinando as causas do vertical que a sociedade apresenta para o
extraordinário desenvolvimento econô- empresário em termos gerais a investir, as
mico dos Estados Unidos no século pas- oportunidades específicas de investimen-
sado, afirma que uma delas foi o exagera- tos poderão ter duas origens.
do otimismo revelado pelos empresários Poderão surgir mais ou menos ao acaso,
americanos, otimismo esse que levou ao como resultado do progresso tecnológico
aumento da taxa de acumulação de capital não planejado, de novas descobertas de
do país. "Os empresários", diz ele, "faziam recursos, de modificações no mercado etc.;
previsões exageradas das possibilidades de ou poderão ser proporcionadas pelo Esta-
crescimento, mas essas previsões exageradas do, através de um sistema de incentivos e
individuais e coletivas operaram no sentido de punições para o investimento. Neste últi-
acelerar o processo de crescimento e, fre- mo caso, estaremos diante de um sistema
qüentemente, em várias medidas, produziram de planejamento econômico, que tem por
resultados que, ex post, tomaram econômicas objetivo precípuo a promoção de oportu-
as previsões exageradas iniciais'", nidades econômicas de investimento. Criar
oportunidades novas para a atividade
empresarial toma-se, então, a função eco-
o EMPRESÁRIO E O ESTADO
nômica essencial do Estado.
É isto, aliás, o que vem ocorrendo na
Vimos até aqui que a reorganização dos maioria dos países da atualidade. Nos
fatores de produção no nível das empresas, países capitalistas desenvolvidos, em face
através da inovação e da acumulação de a certas dificuldades ideológicas internas,
capital, define, ao mesmo tempo, o pro- o planejamento econômico é, muitas vezes,
cesso de desenvolvimento econômico e a realizado de forma disfarçada. Mas nos
função do empresário. Ora, o empresário países subdesenvolvidos, quando estes
inova e investe na medida em que percebe não tomam iniciativa por conta própria,
oportunidades para tal. O gênio do em- são os próprios países desenvolvidos que
presário está em saber ver a oportunidade os estimulam a planejar suas economias.
e em aproveitá-la. Entretanto, a oportuni-
dade econômica é um fenômeno exterior •••••••••••••••••••••••
ao empresário. Ele se torna um agente
Um país que permite que as
criador de oportunidades para outros
apenas na medida em que investe. De um oportunidades econômicas
modo geral, porém, não obstante sua surjam ao acaso, sem nenhum
grande importância para o desenvolvi- controle, quando tantos
mento econômico de um país, a existência controles nos são hoje oferecidos
de oportunidades econômicas está fora do
pelas ciências sociais e
controle dos empresários.
Este fato é importante por dois motivos: particularmente pela economia,
porque impõe um limite à contribuição do está deixando de usar um
empresário para o desenvolvimento eco- instrumento precioso na
nômico; e porque nos sugere qual seja o promoção de seu
papel do Estado nesse mesmo desenvol-
desenvolvimento.
vimento nos países capitalistas.
Para que oportunidades econômicas •••••••••••••••••••••••
existam, certas condições institucionais são
necessárias. Entre elas, a manutenção da Paradoxalmente, é isto o que aconteceu 9. SAWYER, John E. Entre-
ordem, de forma a assegurar ao empresá- no sudeste da Ásia, com o "Plano Colom- preneurship in Periods of Rapid
rio os frutos do seu esforço, é uma das mais bo", e na América Latina, com a "Aliança Growth: The United States in the
importantes, de tal forma que, na época do para o Progresso". E mesmo nos países 19th Century. Material Mimeo-
Estado liberal, era esta a função por exce- socialistas, isto se vem verificando até cer- grafado, 1954, p.4.
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to ponto. Nesses países não é possível se- as oportunidades econômicas surjam ao
parar claramente o Estado das empresas, acaso, sem nenhum controle, quando tan-
mas é perfeitamente viável distinguir o tos controles nos são hoje oferecidos pelas
Governo das empresas. Assim, na Iugos- ciências sociais e particularmente pela
lávia - considerada pelos soviéticos um economia, está deixando de usar um ins-
país socialista de direita -, o governo trumento precioso na promoção de seu
planeja a economia, estabelece um sistema desenvolvimento. Só se desenvolverá se,
de incentivos e punições, criando, dessa além de ser dotado de uma riqueza de re-
forma, oportunidades econômicas. Ali, as cursos extraordinária, for auxiliado por
decisões de investimento são claramente uma série de circunstâncias internas e ex-
descentralizadas, ficando em grande par- ternas favoráveis.
te a critério das empresas existentes e das Este foi o caso dos Estados Unidos e da
municipalidades. Dentro das empresas e Europa Ocidental. Por outro lado, centra-
das municipalidades caberá às pessoas lizar todas as decisões nas mãos de um
com espírito empresarial aproveitar essas pequeno grupo de líderes políticos e téc-
oportunidades. nicos governamentais, além de outras
desvantagens, apresenta dificuldades
econômicas sérias, que a própria União
CONCLUSÕES Soviética vem, ao que parece, reconhecen-
do. Assim, nos países socialistas, a ten-
Os empresários e o Estado são, portan- dência parece ser para a formação de um
to, os dois agentes estratégicos do desen- grupo empresarial com uma autonomia de
volvimento. O Estado cria as oportunida- decisão muito maior do que aquela que os
des, estabelece as condições e os estímulos modelos teóricos socialistas faziam prever.
próprios ao investimento, de acordo com Vemos, portanto, que, embora esse
um plano geral de reorganização do siste- problema se coloque em geral em termos
ma produtivo. Os empresários aproveitam ideológicos, tornando impossível qualquer
as oportunidades, reorganizando os fato- discussão mais serena, a prática e o bom
res de produção no nível da empresa. senso nos levam a concluir que os empre-
Discutir qual dos dois agentes é o mais sários e o Estado, e não apenas aqueles ou
importante no processo de desenvolvi- este, são, hoje, os dois agentes por exce-
mento é ocioso. Um país que permite que lência do desenvolvimento econômico.
BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR
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