Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
A principal tarefa da filosofia no mundo de hoje é levantar questões. A filosofia é uma
reflexão a partir do conhecimento científico do seu tempo. Não é uma reflexão sobre a
realidade imediatamente dada à consciência, mas uma realidade midiatizada pelo
conhecimento científico. Nesse sentido, é um saber de terceiro grau. A filosofia
contemporânea mostra-se cada vez mais como uma reflexão do homem sobre si mesmo.
Um saber da consciência. Uma reflexa sobre a liberdade.
Partindo dessa ideia, a filosofia do direito é concebida como reflexão sobre a possibilidade
da liberdade no convívio social. Nesse caso, a filosofia do direito invade a esfera da filosofia
política, na medida em que a realização da liberdade é uma preocupação comum do direito
e do Estado.
Nisto se mostra a importância de Kant: ter sido o pensador que voltou todo o interesse da
sua investigação filosófica para a questão da liberdade, enquanto exigência racional da
possibilidade da eticidade do homem. Perguntas fundamentais da sua filosofia: como é
possível uma sociedade racional?, ou, Como é possível uma sociedade livre?
O pensamento de Kant aparece como um momento decisivo na formulação teórica de um
novo conceito de justiça: a ideia de justiça como liberdade e igualdade e que, com ideia, não
se realiza totalmente no momento histórico em que se ofereceram as condições concretas
do seu aparecimento, mas fixa um projeto de realização futura.
No mundo antigo, aparece como virtude, cuja essência tem como elemento determinante a
igualdade. Na Idade Média, o mesmo ideal matizou-se de religiosidade. Na Revolução
Francesa, resultado de um processo que teve origem no humanismo da Renascença, não
mais configura a ideia de justiça uma igualdade qualquer, mas uma igualdade dos seres
humanos, enquanto seres que são livres por natureza e criadores de seu próprio destino
político.
Embora a Revolução colocasse a par da igualdade e da liberdade, a fraternidade, Kant não
a leva em consideração, centralizando o seu conceito de justiça num conceito
eminentemente ético, a liberdade e, ao lado dela, a igualdade.
Essa ideia de justiça, como tarefa puramente ética, evidentemente não é ainda a que se
entende por justiça social. Justiça social é a ideia norteadora da consciência política dos
povos civilizados contemporâneos, que não se restringe apenas no conteúdo ético da
liberdade ou da paz perpétua, pois se estende às questões que envolvem as condições de
vida do povo. Enquanto a ideia de justiça que informa o Estado de direito é a realização da
liberdade.
O termo justiça, para significar a ideia implícita na filosofia de Kant, a qual dá o dever ser do
direito, ou a medida de validade do direito positivo, é empregado não apenas como ordem
jurídica dirimidora de conflitos, mas também como liberdade, que justifica aquela ordem
jurídica.
Kant não quer dar o conceito de direito nos moldes atuais (a partido do direito positivo), mas
a ideia do direito, ou seja, o critério (filosófico) pelo qual se julga a validade do direito. A
ideia de justiça como liberdade, colocada no momento da elaboração do direito positivo, é
que torna possível uma paz perpétua entre os homens.
Assim, a tarefa proposta no presente trabalho é explicitar a ideia de justiça em Kant,
procurando demonstrar, a partir da Crítica da Razão Pura, a sua significativa contribuição
teórica para a formulação de uma nova ideia de justiça fundada na ideia de liberdade e
igualdade. (critério supremo de legitimação -racional- do poder político).
§ A PERSPECTIVA PLATÔNICA:
Antes de Sócrates (citado por Platão) a justiça aparece na Grécia como ordem natural ou
social a que o homem deve ser submetido inexoravelmente. A injustiça é a ruptura dessa
ordem e dá-se pela afirmação da subjetividade (consciente em Sócrates).
Sócrates afirma a subjetividade consciente no ético e faz-se medida do nomos da cidade,
julgando-o e rompendo a harmonia ou a medida objetiva da ordem da polis. Significa isso
abrir caminho para a participação de uma nova ordem, como fez Platão.
O pensamento platônico sobre a justiça é o ponto de partida de uma correta reflexão sobre a
ideia de justiça como igualdade.
Platão, em A república, abre duas perspectivas para a concepção da justiça: a justiça como
ideia e a justiça como virtude ou prática individual.
A justiça aprece já nas primeiras obras de Platão como virtude do cidadão ou do filósofo.
Platão conclui que “só conhece a justiça aquele que é justo”. Esse agir com justiça consiste
exatamente na superação de toda atitude egoísta, no sentido do reconhecimento da
igualdade de direito do outro contra a reivindicação de tudo pra mim, indiferente ao que
ocorra com o outro. Por colocar o outro na mira do agir humano, a justiça torna-se a maior
das virtudes, pois que as demais, a sabedoria, a coragem e a temperança são apenas
interiores e ela é precisamente a que atinge diretamente o Estado como um todo.
No Críto (ou do dever) (é um dos diálogos escritos por Platão), a concepção de justiça é a
do própria Sócrates. A conformidade das nossas ações com a lei é que as torna justas. Só a
sentença ou os atos das autoridades podem ser injustas, não, porém, a lei.
Em A República essa ideia central, que define a justiça como virtude que consiste na
observância da lei permanece, mas num outro plano: não como dedução empírica da
necessidade de observar leis na medida em que sejam a expressão dos costumes, da vida
ética do povo, mas como ideia da razão que informa o próprio Estado de Platão, num plano
filosófico elevado, visto que não mais ligado ao empírico da observação socrática. O Estado
ideal é também o Estado de justiça e nele não há diferença entre as leis e a justiça. Sua leis
são justas porque editadas por quem pratica a virtude da justiça. Platão expressa essa
noção em um conceito que atribui a Simônides (poeta grego): dar a cada um o que lhe
convêm, ao que Simônides chamou de devido. Platão entende devido como que convém.
Só não aceita a ideia de justiça seja concebida entre particulares, mas na elevada dimensão
da estrutura do seu Estado. O que é devido a cada um, o que lhe pertence por natureza é o
posto que corresponde às suas aptidões e a função que cada um pode desempenhar no
Estado. Pois bem, as três primeiras virtudes, a sabedoria, a coragem e a temperança vão
definir não só a natureza de cada indivíduo, mas também a sua posição no Estado.
A justiça consistirá na virtude pela qual cada um se põe no seu lugar, segundo as suas
aptidões, garantido com isso a saúde do Estado. A justiça consistirá na harmonia entre as
três virtudes da alma e, do ponto de vista do Estado, na harmonia das classes que o
compõem.
A justiça em Platão é concebida, pois, como o elemento em que vive o Estado. A sua
preocupação é a função política da ideia de justiça, cuja a igualdade dos membros da
comunidade se expressa numa relação geométrica, na medida em que se garante a cada
um, no Estado, o papel que, pela suas aptidões, lhe corresponde. A justiça assume, assim,
uma expressão de universalidade, pois que harmonia. Muito mais que um receber, é a
justiça um dar de si mesmo, um compromisso do cidadão com o Estado, na medida em que
devo-te todas as aptidões ao serviço da comunidade e, por força desse dever com a
comunidade, receba dela um papel a desempenhar como reconhecimento.
Essa ideia de justiça expressa, afinal, a própria ideia de Estado para Platão.
Platão delineia duas vertentes que se separarão no correr da história: a justiça como ideia
norteadora da conduta e definidora do direito e da lei e a justiça como virtude norteadora e
determinada pela lei. De um lado, a ideia de justiça, do próprio Platão, soberana, não
sujeita nem mesmo à vontade da divindade, informadora do Estado e, de outro, a
concepção da justiça como hábito de cumprir o direito, ora entendido como direito positivo,
ora como direito legislado por Deus ou derivado da natureza.
§ ARISTÓTELES:
Ética eudemônica de Aristóteles é uma atividade, é o desenvolvimento das aptidões do ser
no sentido de realizar a sua perfeição. Segundo Aristóteles, o homem alcança a felicidade
quando realiza o que há de mais particular nele, que se traduz na atividade da alma de
acordo com a razão.
O conceito de eudemônia, em Aristóteles, guarda uma vinculação estreita com a concepção
de justiça esboçada por Platão. Ele aceita o seu ensinamento sobre um aspecto: a sua
conceituação como virtude, ou seja, a justiça é um exercício político, assentando assim a
base de uma vinculação entre a ética e a política, já ideada por Platão, “pois os legisladores
formam os cidadãos na virtude, habituando-se a ela”. Recusa, porém, conceder-lhe o
caratês de uma ideia ontologicamente transcendente, que informa toda a ação virtuosa ou
justa.
Já ao investigar o que seja o bem, em cujo conceito se inclui o de justiça, Aristóteles
combate a teoria das ideias de Platão. Para ele, o bem não pode ser apenas um bem em si,
ou uma ideia do bem. A definição do bem em si coincide com a do homem concreto. A ideia
de bem seria apenas uma forma sem conteúdo. Há várias significações possíveis.
Posta a questão nesses termos, a justiça se coloca dentre os bens que Aristóteles designa
virtudes.
§ O medium da virtude: Aristóteles demonstra que a virtude não é algo natural no ser
humano, mas um hábito. Algo adquirido e não inato. Os valores éticos, ao contrário da
capacidade natural que nasce conosco, só conseguimos na medida em que agimos,
exercitamos.
Aristóteles distingue o que é racional e o que é irracional no homem. Na parte racional,
distingue a virtude do racional em si (da inteligência- saber teórico) e a virtude do caráter (ou
virtudes éticas – o saber prático). As virtudes éticas não se destinam ao conhecer, mas à
ação, posição que se distancia definitivamente de Platão.
A virtude ou a ação moral se caracterizam por 3 aspectos: 1- necessidade de consciência de
que se pratica uma ação justa. 2- Aja por uma decisão que se motiva pela própria ação. 3-
na ação moral, o homem deve agir com firme e inabalável certeza, já que a dúvida impede
que seja um ato virtuoso. Assim, a virtude da justiça é praticada na medida em que se
realizam esses três elementos.
Uma vez desvinculada do elemento saber, a ética se desvincula também de toda ideia ou
dever ser, para atar-se ao real, ao mundo do ser.
Aristóteles estabelece alguns parâmetros do ato virtuoso. A virtude do homem é um hábito
que se dirige para realizar a função que lhe é característica. O que é característico no
homem é ser racional, o que traz como consequência a virtude, por excelência, é
desenvolver a inteligência do homem, não, porém, como ser isolado, mas como ser social. A
virtude se traduz, enfim, no realizar o que o homem tem em si de melhor.
A virtude é uma espécie de harmonia segundo as circunstâncias ou o termo médio que
equilibra os extremos, considerados o momento da ação, o seu fim, a pessoa envolvida e a
forma de ação. Defini-se como uma disposição voluntária adquirida, que consiste em um
termo médio em relação a nos mesmos, definida pela razão e de conformidade com a
conduta de um homem consciente.
Aristóteles, contudo, adverte que esse termo médio não pode ser interpretado de modo
arbitrário, mas segundo o critério do razoável. A virtude é um termo médio com relação,
porém, ao bem e a perfeição que ela deve realizar, a virtude coloca-se no ponto mais alto, o
extremo.
Desse modo, na interpretação de N. Hartmann, a ideia de igualdade aparece como
elemento constitutivo do ato moral e da virtude de Aristóteles. Como a justiça é uma virtude,
vê-se que a estrutura do ato justo revela, desde logo, a ideia de igualdade. Esse médio que
expressa uma igualdade comum a todas as virtudes refere-se, contudo, à ação do indivíduo
humano enquanto ação, ou seja, acidente da substância humana (plano ontológico). Na
ação não deve haver excesso nem carência. Quando a ação envolve no seu objeto material
uma outra substância individual humana, então reaparece a igualdade como objeto definidor
de uma virtude específica: a justiça. Aí, o objeto da ação é o outro indivíduo humano que se
relaciona com quem age, exercendo uma decisiva influência na avaliação da ação. Neste
caso, quando o bem se coloca na perspectiva do outro ser humano, a ação moral, então
chamada justa, deverá ser determinada pela igualdade das substâncias por ela
relacionadas, principalmente a do sujeito que age e do que sofre a ação.
§ Classificação da justiça: Aristóteles distingue duas classes importantes de justiça: a
universal e a particular. Em sentido amplo (universal) se define como a conduta de acordo
com a lei (virtude no sentido de Platão); em sentido estrito (particular), como hábito que
realiza a igualdade (sem privilegiar a lei).
Na ética aristotélica temos, pois, as virtudes que o agente pode referir somente a si mesmo
e as que se referem ao outro. Quando as virtudes são praticadas na dimensão do outro,
chamam-se, quaisquer que sejam, justiça. Se na relação com o outro a virtude é o
cumprimento da lei geral, chama-se virtude universal; se acentuadamente a observância da
igualdade, justiça estrita. Trata-se, neste caso (justiça estrita), de uma virtude dentre as
demais, que Aristóteles denomina justiça particular.
A justiça particular ou a justiça enquanto uma virtude ao lado das demais, classifica-se,
segundo Aristóteles, em justiça comutativa. Nesta esfera é que o conceito de igualdade será
explorado por Aristóteles, como elemento preponderante da justiça.
§ Elementos da virtude: A justiça é uma virtude que só pode ser praticada em relação ao
outro de modo consciente, na medida em que essa prática se destina à realização do seu
elemento fundamental: a igualdade, ou a conformidade com a lei, cujo o objetivo é realizar a
vontade da polis num plano mais alto, ou o bem de modo geral.
§ A IGUALDADE E O ESTOICISMO :
Um grande passo para a concepção de justiça como critério de igualdade forma de
tratamento igual de todos, perante a lei, foi dado pelas novas condições de vida do Império
Romano, cuja expressão filosófica mais própria aparece no estoicismo.
Hegel descreve na Fenomenologia do Espírito a dissolução do “mundo ético” grego, que
concentrava a essência da comunidade em sua imediatidade e o aparecimento do “Estado
de direito” romano. O Estado, após a destruição da polis, não é mais a comunidade ética em
que o indivíduo aparece integrado como cidadão. Os indivíduos aparecem diante do Estado
universal abstrato como essência punctiformes, isolados na vastidão do Império Romano.
Como indivíduos que reivindicam a essência ética, são todos iguais, mas iguais perante a
lei, sem qualquer vinculação orgânica.
A ética estoicista consiste na inserção na ordem cósmica e na resignação com sua lei
universal, que é a expressão da razão universal, da qual a nossa é apenas o local da sua
aparição.
O logos de Heráclito é, para os estoicos, um critério de ação virtuosa. “É preciso seguir o
universal”, isto é, a razão, pois esta é o universal, e não viver como muitos, como se tivesse
um pensamento só para si.
O formalismo estoico não tem , de outro lado, um critério do verdadeiro ou do bom a não
ser no pensamento abstrato, sem conteúdo: se não posse ser livre concretamente, posso no
pensamento; e isso basta. A liberdade da consciência de si é indiferente com relação ao ser
natural existente. – essa definição parece ter propiciado o direito romano uma definição
mais lúcida da escravidão, negando-a como algo natural.
Essa liberdade abstrata que aparece nos indivíduos torna-os consequentemente iguais
também abstratamente, como pessoas do direito, ou seja, como iguais perante a lei. A
justiça consistirá numa fórmula abstrata de a lei tratar todos igualmente. De outro lado, o
justo é inserir-se na ordem, ou submeter-se a lei natural ou à reta razão. Esta lei natural é a
vontade de Deus ou razão de Deus. A vontade de Deus dos estoicos é, contudo, de um
Deus impessoal não coincide com o demiurgo platônico, nem com o Deus pessoal do
cristianismo que denomina suas criaturas de modo absoluto. Deus é a causa intrínseca e
imanente do universo, ou seja, a razão que forma também a essência da alma humana.
Com isso desaparece o dualismo grego do ser e do dever ser. A razão como princípio
igualitário põe fim às diferenças. No estoicismo, o natural, como universal, funde-se
totalmente no racional, como puro pensar abstrato. A definição de justiça dada por Ulpiano
no Corpus Iuris Civilis reflete essa necessidade de sujeição do homem à lei, que se
manifesta na esfera do divino, na da natureza e na humana. O ius suum cuique tribuere
equivale ao “devido” de que fala Platão. O devido, porém, não é o que decorre da ideia de
justiça como em Platão, mas o que define o direito, ou seja, a lei positiva ou natural.
A definição de Ulpiano (jurista romano), contudo, permanece formal e expressa tão só a
vontade constante e perétua de servir ao direito, em suma, o dever de cumprir a lei: justo
será cumprir a lei, que cria o suum ( ideia de devido). Disso decorre que da justiça será
plúrimo, quando dado pelo direito positivo. Daí a necessidade de recorrer a lei natural, como
objetivo de conseguir-se um conteúdo constante e universal. A justiça desempenha um
papel ancilar diante do direito que lhe dá conteúdo, que é o seu objeto. A lei natural
prescreve à conduta humana o aequum ( igual)
Em Cícero (pensador romano) a razão é o que há “de mais divino” “não só no homem, mas
também em todo o céu e em toda a terra” e que faz com que o homem seja semelhante a
divindade, pois ela é comum a ambos. Ora, diz Cícero, a Lei é uma reta razão”, que escolhe
o certo, devendo por isso serem os homens considerados partícipes da divindade “também
no que se refere a lei”, portanto, partícipe da lei comum. Esta é a lei natural de que fala
Cícero, que define o que é justo e dá o critério supremo da lei humana positiva, visto que
deve estar na “essência de toda lei saber escolher entre o verdadeiro e o justo”. Essa lei
natural é a reta razão, conforme a natureza, “gravada em todos os corações, imutável,
eterna” válida para todos os povos e em todos os tempos, que determinado objeto da
justiça, que também para Cícero, manda “dar a cada um o seu”.
§ SANTO AGOSTINHO:
Santo Agostinho absorve a teoria estóica, através de Cícero, no que diz respeito ao direito e
à concepção da lei. Contudo a trilogia legal (manifesta no divino, na natureza e na humana)
reveste-se agora de um dado fundamental para a nova concepção de justiça: a ideia de um
Deus pessoal. A justiça divina está de um Deus pessoal, cuja vontade criou tudo o que
existe. A justiça divina está em que os homens – o homem é a mais importante criatura,
porque lhe é semelhante – são criatura em iguais condições: todos são filhos de Deus. E
porque todos são iguais a justiça consistirá, daí por diante, num tratamento desigual, porque
os premiados serão os que observam a lei de Deus, a lei natural e, depois, a humana. Essa
trilogia legal se coloca de uma forma escalonada.
A primeira justiça ( lei de Deus) é o ato de justiça supremo do homem, a submissão absoluta
a Deus. Dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César é um princípio que
fundamenta a doutrina da diferença entre o inteligível e o sensível, a cidade de Deus e a
cidade dos Homens em Santo Agostinho. A igualdade dos homens entre si é posta por
Santo Agostinho como absoluta, mas somente na esfera da cidade de Deus.
Ocorre de modo diverso se se trata de aferir essa igualdade entre os homens na sua
cidade. Aí a estrutura hierárquica é justificada pela só existência das duas cidades. A cidade
dos homens que objetiva a paz temporária, tem de ordenar-se à cidade de Deus, que realiza
para o homem a paz eterna, em Deus. O Estado que não observa essa ordem comete
injustiça, não podendo ser chamado uma república justa.
Ora, se é dever ordenar os homens com vista ao seu fim último, é dever combater o mal e,
por isso, castigar e dominar os maus, visto que diante das suas ações a piedade é injustiça.
Dái a necessidade de certos homens submeterem-se a outros como servos e da justiça do
castigo infligido aos maus. Para Santo Agostinho não há servidão por natureza. A servidão
nasce do pecado, a guerra, que, mesmo justa, tem origem na guerra injusta da outra parte.
Se na ordem sobrenatural a Lex aeterna (lei de Deus) La justiça constitui na submissão da
criatura ao criador, na ordem natural a Lex naturalis (lei natural) prescreve a harmonia do
homem consigo mesmo, com a natureza. O que deve ser dado à alma é o reconhecimento
da sua dignidade como semelhança de Deus e isto constitui um equilíbrio que revela o
elemento igualdade subjacente na concepção de justiça de Santo Agostinho. A lei humana,
por sua vez, deve ter como fonte de referência a lei natural.
O princípio de justiça natural é um princípio de “equilíbrio entre o que se dá e o que é
devido como suum”. Esse equilíbrio é o que prescreve ao homem a Lex naturalis.
c) Leibniz.
Retoma preposição de Ulpiano sobre os preceitos do direito: “ honeste vivere, alterum non
laedere, suum cuique tribuere”.
Divisão da justiça:
Justiça universal (honeste vivere);
Justiça comutativa (alterum non laedere)
Justiça distributiva (suum cuique tribuere);
A justiça universal é o degrau supremo de justiça porque compreende a relação com Deus.
Conceito que desarticula da tradição Greco-romana.
Opera a fusão do direito com o ético, demonstrando a base comum existente entre as duas
ordens.
d) Thomasius.
Primeiro que estabelece a diferença entre moral, direito e política.
O juiz do direito natural é a vida feliz do homem a ser atingida através da paz individual ou
social. Regras para se encontrar a felicidade:
1- Regra da Moral (honestum), cuja sanção se reduz ao foro íntimo. Procura paz
interna;
2- Regra da Conveniência da Vida. Regra de ouro positiva. Regra da política, de
sanção externa e tem origem convencional; sua finalidade está na paz externa;
3- Regra que fundamenta a juridicidade. Regra de ouro negativa. Exigência do justo
coercitivo através da sanção externa da lei. Tem como fruto a paz externa individual;
Apresentam uma forma dialética não estanque.
e) Locke
A igualdade é condição para o próprio direito natural que é para Locke a propriedade.
Locke descreve o estado de natureza como um estado de liberdade e igualdade.
O direito de propriedade não é dado por Deus, mas também não deriva do Estado. Ele é
obtido pelo trabalho.
Liberdade como forma de aquisição da propriedade. Dois conceitos.
1- Liberdade Natural. O homem é livre de qualquer poder superior na terra;
2- Liberdade na Sociedade. Não pode ficar sujeita a nenhum poder legislativo senão o
que se estabelece por consentimento da sociedade.
Direito irrenunciável que se conserva ainda que se celebre o pacto social para a constituição
do Estado. Liberalismo burguês.
O objetivo principal pelo qual os homens constituem um estado é a preservação da
sociedade.
f) Hobbes.
Ponto de partida: igualdade tanto física quanto espiritual.
Todos os homens são iguais em sua condição natural; a desigualdade só aparece com as
“leis civis”. É uma lei natural “que cada homem reconheça os outros como seres iguais por
natureza”.
O estado de natureza é um estado de desprazer de convívio com os outros seres humanos.
Impera a guerra de todos contra todos. O homem sai deste estado de natureza através do
estabelecimento de um pacto, pelo qual ele renuncia a sua liberdade para instituir o poder
soberano e com isso prover a conservação de uma vida mais feliz. Essa passagem
necessária se dá através de um pacto que cria esse poder soberano.
No estado de natureza onde impera a guerra de todos contra todos não há o injusto, não há
lei e onde não há lei não há injustiça e nem propriedade, pois só pertence a cada homem
aquilo que ele é capaz de conseguir e conservar. Justo, para Hobbes, é aquele que obedece
à lei. Somente quando há lei em sentido próprio, que é “a palavra daquele que tem direito de
mando sobre os outros”, é que podemos falar de justiça propriamente dita. Só se comete
injustiça contra a pessoa contra a qual se celebrou algum pacto anterior.
Diferentemente de Locke, o Estado Despótico concebido por Hobbes em virtude da renúncia
sem reserva da liberdade natural dos indivíduos não comete injustiça, por isso não é
possível a oposição de qualquer tipo de injustiça.
CAPÍTULO II
A Formação do Conhecimento em Kant.
§ 20
O PROCESSO DE INTERIORIZAÇÃO NA FILOSOFIA DE KANT.
§ 21
O PROBLEMA DA CRÍTICA DA RAZÃO PURA.
§ 22
A ESTÉTICA TRANSCENDENTAL
Não há conhecimento que não se apoie nas intuições pelas quais o objeto se apoie nas
intuições pelas quais os objetos se dão a conhecer.
Na intuição empírica, o objeto enquanto não determinado, é chamado de fenômeno. No
fenômeno, pode-se distinguir sua forma e sua matéria; esta é diversa do fenômeno
enquanto várias representações, várias impressões sensíveis: é a própria sensação. Essas
sensações, essas representações, são coordenadas desde o momento em que se dão à
sensibilidade. A forma não se confunde com a sensação. Está no espírito a priori, pronta
para se aplicar às sensações que são “a posteriori”. E por ela estar no espírito, a priori,
independentemente da sensação, embora se releve com a sensação, embora se revele com
a sensação, é ela chamada, na sensibilidade, intuição pura.
A sensação na Estética Transcendental não é objeto de estudo de Kant. Na Estética
Transcendental Kant isola a sensibilidade do entendimento e, na sensibilidade, o a priori, do
empírico. Aí são estudadas as duas formas puras da sensibilidade, condições a priori de
todo o conhecimento: espaço e tempo.
§23º
O ESPAÇO
Espaço é a forma de nosso conhecimento externo, como representamos o que está fora de
nós. Está ao lado do tempo.
A pergunta é: o tempo e o espaço são objetos existentes por si só? São apenas as relações
existentes entre as coisas? Ou apenas pertencem ao nosso espírito?
Kant diz que o espaço é, a priori, dado do nosso espírito. Não é ele um conceito empírico, e
sim uma representação que serve de fundamento a todas as coisas externas a nós. Dessa
forma, são conseqüências do espaço os conhecimentos sintéticos das ciências, como a
Geometria.
Se o espaço fosse um conceito empírico, não poderia comprovar os princípios da
Matemática, que são necessários e universais. Sendo empírico, a Matemática seria uma
ciência relativa.
Kant afirma que o espaço precede às intuições dos objetos necessariamente, encontra-se
anteriormente dentro do espírito de quem tem contato com o externo. Assim, é condição
subjetiva do conhecimento dos fenômenos.
§24º
O TEMPO
Utiliza-se para o tempo o mesmo procedimento observado para a análise do espaço.
Só é possível a relação de presente e futuro se o tempo é o fundamento; Pode-se pensar o
tempo sem os fenômenos, mas nenhum fenômeno é compreensível sem o tempo; Do tempo
decorrem princípios apodíticos, como o tempos diferentes não são diferentes, mas
sucessivos; tempos diferentes são apenas partes do mesmo tempo; o tempo é infinito. Sua
representação total não é dada por conceito, mas por intuição.
Conclui Kant que:
O tempo também é condição subjetiva em que se dão todas as intuições, pois precede as
coisas; É a forma do nosso sentido interno, capaz de nos dar a intuição de nós mesmos; é
condição de todos os fenômenos.
O tempo só se apresenta como objetivo enquanto tomamos as coisas como dadas aos
sentidos.
Surgem duas dificuldades ao considerar-se o espaço e o tempo como independentes de
nós: seriam dois entes infinitos mas sem serem algo real; seriam conhecidos através da
experiência e, assim sendo, não poderiam ser base para conhecimentos, como a
Matemática.
§25º
A TEORIA DA IDEALIDADE DO TEMPO E DO ESPAÇO
Kant diz que toda intuição se dá somente sobre os fenômenos, e que não intuímos sobre os
objetos em si. Considerar o espaço e o tempo como objetos em si seria uma contradição
com a realidade fática.
Como conceitos, o espaço e o tempo não poderiam fornecer conhecimentos sintéticos, mas
só analíticos. Exemplificando, de duas linhas retas não se traça uma figura: esse conceito
não se extrai do conceito “linhas retas”.
A teoria da idealidade de todos os objetos dos sentidos que os expressa como simples
fenômenos tem apoio num fato: tudo no conhecimento que pertence à intuição encerra
simples relações: de lugar, de mudança e leis que minam tais mudanças. Aquilo que está
presente no lugar não é conhecido. O mesmo acontece na representação do sujeito por ele
mesmo.
A coisa não é negada quanto à sua existência, mas o conhecimento da coisa em si que é
negado. Conhecemos o objeto enquanto fenômeno, mas não enquanto objeto em si, pois
sempre que ele se apresenta à nossa sensibilidade, recebe um dado subjetivo para poder
ser conhecido: as formas da intuição. Tanto as coisas externas como nossa própria alma
nos são dadas como fenômenos, só cognoscíveis se intuídos através das formas da
sensibilidade: espaço e tempo.
Como é possível a ciência encerre um acréscimo ao conhecimento, ou seja, que se
acrescente ao sujeito de um juízo algo que ele não tem, de modo que esse juízo conserve o
caráter de universalidade e necessidade que só os juízos fornecem? A resposta são as
intuições puras: o espaço e o tempo.
§26º
A LÓGICA TRASNCENDENTAL
Kant passa a estudar o entendimento. Para ele, este é o poder de nós mesmos produzirmos
representações, como a sensibilidade é o poder de recebê-las. Ambos são fundamentais
para que haja o conhecimento. Sem a sensibilidade o objeto não é dado; sem o
entendimento não é pensado.
Assim, há uma ciência distinta da que estuda as regras gerais da sensibilidade (estética
Transcendental); é a ciência que estuda as regras do entendimento em geral: a lógica.
A Lógica se divide em: Lógica Geral, que estuda as regras necessárias para o uso do
entendimento em geral, e particular, que estuda as regras do uso do entendimento para
certos objetos.
A Lógica geral pode ser pura, a que faz abstração do conteúdo do pensamento, ocupando-
se dos puros princípios.
A Lógica aplicada estabelece as regras do uso do entendimento em condições subjetivoas,
empíricas, psicológicas.
Para Kant, só a lógica geral é ciência, pois abstrai de todo conteúdo e se refere ao lado
formal do pensamento. Não tem princípios empíricos e nada tira da psicologia.
LÓGICA TRANSCENDENTAL
É a ciência que determina a origem, a extensão e o valor dos conhecimentos.
Transcendental é todo conhecimento pelo qual nós conhecemos serem certas
representações aplicadas ou pelo qual conhecemos como são possíveis.
Divide-se em Analítica Transcendental e Dialética Transcendental. A Analítica
Transcendental é aparte da Lógica Transcendental que trata dos elementos do
conhecimento puro do entendimento e dos princípios sem os quais objeto algum pode ser
pensado. A dialética Transcendental é uma crítica ao uso ilimitado dos princípios puros do
entendimento.
§27º
A ANALÍTICA TRASNCENDENTAL
É a decomposição de todo o nosso conhecimento “a priori” nos elementos do conhecimento
puro do entendimento. È necessário que os conceitos sejam puros, não empíricos; não
pertençam à sensibilidade e sim ao pensamento e ao entendimento; sejam conceitos
elementares distintos dos derivados que dele se compõem; seu quadro seja completo
abrangendo todo o campo do entendimento puro.
Assim, a Analítica Transcendental será uma ciência em que se poderão fundamentar os
conceitos puros do entendimento.
§28º
OS CONCEITOS PUROS DO ENTENDIMENTO
Exige Kant 3 momentos para que se dê o conhecimento: 1º) o diverso das intuições puras,
isto é, a pluralidade de representações oferecidas pela intuição; 2º) que esse diverso da
intuição pura seja sintetizado pela imaginação que é a síntese referente à função do
entendimento; 3º) representações da síntese operada na imaginação por conceitos, o que
lhe dá unidade.
Basta sabermos quais são as funções reveladas nos juízos para se saber quais são os
conceitos puros do entendimentos, ou categorias, que se aplicam aos objetos para se
formar o conhecimento. As categorias não são predicados transcendentais das coisas, mas
exigências lógicas e critério de todo conhecimento das coisas em geral.
§29º
A DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL DOS CONCEITOS PUROS
A dedução transcendental estabelece o valor objetivo, que pela dedução metafísica, não
nasceu da experiência, das leis do entendimento. Tal dedução se faz necessária por motivo
dos conceitos puros do entendimento, não sendo intuições.
Pensando-se no entendimento, todo o diverso da intuição, resultado de nossa percepção do
espaço e tempo, é submetido à unidade originariamente sintética da apercepção.
(consciência de si mesmo). A apercepção liga as representações.
O entendimento é o “poder dos conhecimentos”. O objeto só se tornará um objeto se toda
intuição for submetida à unidade da consciência. Pensar, então, não é necessariamente
conhecer. O conhecimento se forma do elemento chamado pensamento e do chamado
intuição, pelo qual o objeto é dado. O conhecimento só existe quando haja pensamento
exercido a partir de uma intuição que oferece o objeto. O conhecimento é sensível, mas nem
sempre empírico.
Se todo conhecimento nosso se dá com a experiência, não significa que todo conhecimento
procede da experiência; o conhecimento é limitado à experiência, mas não inteiramente de
tirado.
Ou a experiência torna possível os conceitos ou os conceitos a experiência. A primeira
hipótese não se mostra verdadeira, pois que conceitos puros são independentes da
experiência.
§30º
O RESULTADO DA ANALÍTICA TRANSCENDENTAL
Demonstrado que o limite de todo conhecimento é uma experiência possível, Kant passa a
analisar o comportamento da razão, já que ela julga poder alcançar certos conhecimentos
pela própria força dos seus conceitos puros, independente de qualquer experiência, levando
em conta, portanto, somente o critério da não contradição que deve dirigir o raciocínio.
Não é que Kant negue a existência da coisa em si, ele nega a possibilidade de conhecê-la,
segundo a possibilidade do conhecimento do homem. Ontologicamente, a coisa existe, com
suporte nos fenômenos. O fenômeno, alerte-se, não é algo fundado somente no
subjetivismo. Para Kant o fenômeno não é pura aparência, é realidade da qual se faz
ciência. Não conhecemos as coisas em si, mas as coisas como aparecem nas nossas
faculdades do conhecimento.
§ 31 – A importância da “ideia”
Os contornos no capítulo se dão no sentido de apresentar, em linhas gerais, o conceito de
idéia, a fim de, após vários mergulhos nos clássicos da filosofia, apresentar a concepção do
conceito segundo Kant. Nesse passo, ao tratar do conceito de uma forma geral, Salgado
aponta que Kant vai até a Filosofia Clássica, buscando em Platão maiores contornos
elucidativos sobre o conceito.
§ 32 – A ideia em Platão
Ao introduzir o leitor no conceito de ideia, segundo a concepção platônica, Salgado
traz à baila os principais pontos da discussão travada em torno da temática por duas
correntes interpretativas, a corrente tradicional, baseada nas ideias e críticas de
Aristóteles, e a dos intérpretes que buscam em Platão um significado mais profundo.
Segundo Salgado (1986, p. 117), a corrente tradicional, “tem origem em Aristóteles,
que afirmava serem as ideais de Platão concebidas como entes [coisas, seres...]”. De
acordo com tal concepção, Platão, ao buscar nas ideias a causalidade dos seres, “criou
outros tantos seres iguais em número aos do mundo sensível [na concepção platônica as
coisas sensíveis nada mais são do que cópias imperfeitas de um modelo ideal, uma ideia
geral. Uma cadeira, por exemplo, é uma cópia imperfeita da cadeira preconcebida no mundo
inteligível, no mundo das ideias. De tal forma, conforme a crítica aristotélica, ao duplicar a
existência das coisas e dos seres, cujo modelo encontra-se no mundo das ideias e a cópia
no mundo sensível, nada mais fez Platão do que criar, no mundo das ideias, um número de
seres em número igual aos existentes no mundo sensível, real]”.
Por sua vez, a segunda corrente, chamada pelo autor de neo-kantianos de
Masburgo, com destaque para Paul Natorp, em busca da profundidade na interpretação, dá
ênfase à superficialidade da interpretação tradicional, a qual não revela “o verdadeiro
alcance nem das palavras, nem do conjunto da obra de Platão”. Assim, para o autor, a idéia
não consiste em uma coisa, mas em um método, “[...] é antes um método, um processo
lógico” (NATORP, apud SALGADO, 1986, p. 117).
Na sequência de sua análise, Salgado revela a inegável importância da religião em
Platão. Segundo o autor, com exceção da obra Parmênides, na qual Platão se dedica ao
estudo das ideias, estas são apresentadas sempre de forma instrumentalizada, como
método ou conjecturas utilizadas na “demonstração da imortalidade da alma ou da
reencarnação” (SALGADO, 1986, p. 119).
Segundo Salgado, Platão concebe de forma distinta dois mundos, visíveis na
alegoria da caverna,1 o chamado mundo sensível (aparência, cópia), o mundo dos
sentidos, material e imperfeito, e o mundo inteligível (verdade, modelo), o mundo da ideias,
imutável e perfeito.
Para se alcançar o inteligível, Platão recorre ao método analítico de Sócrates,
através do qual o sensível (captável através dos sentidos) vai sendo descartado aos poucos,
1
“Na história, dois homens prisioneiros estão acorrentados numa caverna, virados de costas para a abertura, por
onde entra a luz solar. Eles sempre viveram ali, nesta posição. Conheciam os animais e as plantas somente pelas
suas sombras projetadas nas paredes. Um dia, um dos homens consegue se soltar, e vai para fora da caverna. Fica
encantado com a realidade, percebendo que foi iludido completamente pelos seus sentidos dentro da caverna.
Agora ele estava diante das coisas em si, e não suas sombras. Diante do conhecimento. Retornou para a caverna,
e contou para o companheiro o que havia visto. Este não acreditou, e preferiu continuar na caverna, vendo e
acreditando que o mundo é feito de sombras.
Para Platão, as coisas que nos chegam através dos sentidos (tato, visão, audição, etc.), são apenas as sombras das
idéias”. “Quem estiver preso ao conhecimento das coisas sensíveis apenas não poderá alcançar o mundo das
idéias, ficando como o prisioneiro”. (Extraído na íntegra de: http://www.infoescola.com/filosofia/alegoria-da-
caverna/ Acesso em 14 de junho de 2012).
através do raciocínio, até o momento em que se chegue a um conceito, que não está
relacionado a algo material em específico, mas à ideia de a um objeto em geral. “Que não
se refere a este objeto aqui e agora, por exemplo, esta mesa, mas a um objeto em geral; no
exemplo citado, à mesa em geral. Ora, o que vai dar significação universal ao conceito é
exatamente a forma que constituirá a essência do objeto mesa” (SALGADO, 1986, p.120).
Mas Platão, através da observação, entende que as ciências exatas podem oferecer
uma verdade indiscutível, inquestionável, “razão por que o método socrático deverá ser
alcançado e também usado para chegar a outro conceito verdadeiro, através do método das
ciências matemáticas” (SALGADO, 1986, p.121).
As ciências matemáticas, em suas pesquisas, fazem uso do método hipotético, da
formulação de hipóteses na busca por uma verdade inquestionável. De tal forma, os
filósofos, na tentativa de buscar identificar as qualidades de algo, cuja natureza é
desconhecida, devem proceder através da formulação de hipóteses. Para exemplificar:
Platão, na obra Menón, ao investigar se a virtude é passível de ser ensinada, parte de uma
hipótese: “se a virtude é uma ciência [sabendo que a ciência pode ser ensinada], então
poderá ser ensinada”.
Adiante, Salgado afirma quer Platão, na tentativa de demonstrar a relação entre o
mundo sensível e o mundo inteligível, apresenta o seguinte exemplo:
“Se dividirmos uma linha em duas partes desiguais, podemos representar, na parte menor,
as coisas sensíveis, na maior, as inteligíveis. Em seguida, obedecendo a proporção da
divisão anterior, dividimos a parte menor em duas partes desiguais: uma, a maior, que
representa as coisas sensíveis, e outra menor, que representa suas imagens. Dividindo a
parte maior, que representa as coisas inteligíveis, temos: na parte menor, a verdade
enquanto alcançada através de hipóteses, com o auxílio das coisas sensíveis, ou seja, pela
aritmética, geometria, astronomia e estereometria, que ‘não buscam um principio, mas uma
conclusão’” (SALGADO, 1986, p. 123).
2
Kant define a cultura como “a prestabilidade da natureza para fins desejados por um ser
racional, o que inclui a liberdade” (SALGADO, 1986, p. 141).
A vontade, para Kant, serve como justificação à consideração do homem como “fim último
da natureza porque só ela é ‘ilimitadamente boa’”. Na natureza, segundo Salgado, a vontade
não passa de uma idéia teórica, “[...] que não pode ser demonstrada pela experiência”
(SALGADO, 1986, p. 141/142).
A idéia, de acordo com Salgado, como um fim atua como um elemento de ligação entre a
razão teórica e a razão prática. “[...] A idéia de finalidade é, pois, uma regra do sujeito que
se dirige à natureza, na medida em que aquele que conhece sistematiza os seus
conhecimentos, ordena a natureza por um princípio que lhe possibilita orientar-se nela. Por
essa razão, pode o conceito de finalidade servir de elo entre [...] a lei moral, que é o fim
último, ‘incondicionado, diante do qual todos os outros fins aparecem como meios’ e a
natureza, a que o homem imprime fins através de sua ação” (SALGADO, 1986, p. 143).
b) A idéia na razão prática
Conforme aponta Salgado (1986, p. 143), Kant, ao estabelecer suas críticas a Platão, acaba
por entender que o “único refúgio da razão pura como produtora da idéia é a esfera prática,
especificamente na esfera do agir”, no agir do ser humano.
Salgado, parafraseando Kant, argumenta que “a idéia é uma constituição que realiza a
justiça, a ponto de eliminar mais e mais a necessidade da coercitividade das leis, deveria ser
estudada com mais profundidade, com o que se poderia concluir, diz Kant, ser uma ideia
necessária que uma constituição tenha por fim a mais completa liberdade humana, ou seja,
que realize a compatibilidade da liberdade de cada um com a liberdade de todos, sem que
se considere como sua meta primeira a promoção do bem comum material”. Nesse sentido
o autor argumenta que toda constituição deve ter como seu norte esse princípio (SALGADO,
1986, p.144).
Para Kant, “na ordem prática” é o inteligível, é que aparece como real. Nesse passo, o
palpável, o sensível, não emerge dotado de nenhuma “função fundamental”. “Na natureza é
a experiência a fonte de toda a verdade, dado que nenhum conhecimento se dá no homem
senão quando a sensibilidade ofereça a matéria a pensar” (SALGADO, 1986, p.144/145).
Nesse passo, em Kant, a filosofia platônica pode ser assumida “como um modelo e ponto de
partida para a sua ética”, uma vez que o mundo da empiria (o mundo da experiência, o
mundo sensível) torna-se irreal nesse campo. Entretanto, por sua vez, o mundo da
inteligibilidade é o mundo real. Assim, surge que a idéia, originária da faculdade da razão,
que não ruma para o mundo sensível, assume uma posição na linha de frente da filosofia
prática kantiana (SALGADO, 1986, p.145).
Enquanto na ordem teórica a ideia surge como resultado de um processo dialético
em que o pensar está voltado para a busca pelo incondicionado, a ideia na razão prática,
argumenta Salgado, aparece como um “princípio de ação”. “No âmbito da razão prática, a
idéia embora conserve a característica fundamental da regra que se dirige ao sujeito,
assume a natureza de lei, com as mesmas exigências de validade da lei de causalidade
constituída pela síntese operada pelo entendimento no diverso da intuição sensível; sua
característica é a universalidade como exigência absoluta da razão” (SALGADO, 1986,
p.145).
§ 38 – A vontade
Conforme sintetiza Salgado: “Ética formal do sujeito como colaborador da lei moral,
a priori; Ética axiológica, em que o valor, como conteúdo a priori da lei moral, a determina;
Ética do ser relativizada no monismo da esfera do acontecer”. Ética, ética, ética, conforme
aponta Salgado, todas possuem, “em última instância, um compromisso com a ética de
Kant, quer para desenvolvê-la, no sentido de ultrapassá-la, quer para negar todos, ou alguns
de seus fundamentos” (SALGADO, 1986, p. 194).
Conforme o resumo apresentado por Salgado (1986, p. 194):
a) “O dever ser não pode surgir do ser entendido como o ser da natureza [...]”;
b) “O dever ser procede do ser, da natureza [...]”;
c) “Para superar a dicotomia, o dever ser é apenas momento dialético do ser, que não
podem ser interpretados como regiões incomunicáveis e abstratas, mas momentos que se
superam num resultado superior, a sociedade civil, como que Hegel;
d) “A solução da aporia [dúvida] não esta na disjunção ser ou dever ser no sentido em
que as posições antagônicas de Kant e dos empiristas a colocam [...], resolver-se-ia, na
medida em que se busca a origem do dever ser em um conteúdo a priori, fora da
experiência sensível [...], ou seja, fazendo o dever ser decorrer de um objeto a priori, que
não é criação subjetiva, nem objeto real: o valor; a questão desemboca na axiologia.
Prevalece, neste último caso, o dualismo ser e dever ser, somente na medida em que o ser
se identifica com a natureza, de onde realmente não procede o dever ser, cuja origem é um
objeto a priori, ideal, não real”.
Conforme aponta Salgado, a “resposta da filosofia dos valores, contudo, não pode encontrar
correspondência no pensamento de Kant, para quem esse objeto ideal, a priori [...] é
transcendente e carece da objetividade dada pela experiência” (SALGADO, 1986, p. 194).
Conforme aponta Salgado (1986, p. 205), a lei moral não se deduz e não induz de
nenhum dado empírico; “É uma proposição sintética a priori”, e, sendo assim, tem origem
direta na razão.
Na sequência, Salgado apresenta os conceitos de razão prática, liberdade e
vontade pura como termos equivalentes. A vontade pura, em sua ação, possui uma lei
racional, “ao mesmo tempo que o exercício da liberdade”. Kant define o “fato da razão ora
como consciência da lei moral [...], ora como consciência da liberdade [...], como momentos
dialeticamente considerados. Como fato da razão, a consciência da liberdade – que é o
terceiro elemento que, como condição absoluta da lei moral, torna possível a ligação sujeito
e predicado num juízo sintético a priori (o imperativo categórico) – evita o regressus ad
infinitum ou o vício do argumento do terceiro homem. É que a consciência da razão sobre a
liberdade é imediata: é um conhecimento pela evidência da proposição, segundo a qual o
ser racional com tal tem de agir e pensar sob o pressuposto da liberdade” (SALGADO, 1986,
p. 206).
Adiante, Kant, aponta a razão como a única esfera em que é possível notar uma
distinção radical entre os animais e os seres humanos. A razão, conforme pode ser
vislumbrado em Kant, tem no homem sua função principal, a moralidade. “A tomada de
consciência direta da moralidade é um fato a priori, não derivado de qualquer atividade
empírica”
Segundo Salgado, o traço principal da lei moral, como princípio formal, cujo contexto
não admite qualquer conteúdo de natureza material, é a universalidade, “que define a sua
validade para todo o ser racional”.
A lei moral, segundo Kant, tem sentido para os seres humanos, como decorrência
exclusiva de ser o homem um ser racional, que, pertencendo ao mundo inteligível, “pode
formular e seguir a lei moral” (SALGADO, 1986, p. 209).
A lei moral tem fundamento exclusivo na razão. Todavia, quando sua formulação e
aplicação se direcionam ao homem, um ser que não é apenas razão, mas também
sensibilidade, “a lei moral manifesta-se como um dever ser que se expressa por um
imperativo”. Sim, um imperativo, “um mando que coage, como: ‘tu deves’[...]” (SALGADO,
1986, p. 209).
Sendo o homem um “misto” de razão e sensibilidade, faz-se necessário que o
sensível esteja submetido ao inteligível, e que “a razão domine totalmente a região sensível
humana para que seus atos sejam morais, visto que a lei moral tem origem exclusiva na
razão”.
Em Salgado, no contexto em que é apresentada, a lei moral e o imperativo chegam
a se confundir. Na verdade, segundo o autor, “a lei moral é uma só. O imperativo não é a
lei moral com uma diferença específica que se lhe acresce, mas a mesma lei moral
considerada do ponto de vista de um ser, que a não pode realizar espontaneamente, porque
pertence também ao mundo sensível” (SALGADO, 1986, p. 209).
Contudo, a vinculação entre imperativo e sensível não quer dizer que a lei moral
tenha origem no mundo sensível, pelo contrário, a lei moral tem origem tão somente na
razão. “A presença do sensível simplesmente faz como que a lei moral [...] se imponha ao
sensível como um mandamento, com toda força de seu império” (SALGADO, 1986, p. 210).
§ 49 – Os imperativos
§ 52 – Os imperativos hipotéticos
§ 55 – Universalidade e igualdade
O arbítrio humano não é determinado pela lei da natureza, mas pela vontade,
que gera a liberdade como autonomia.
A vontade é livre quando é boa (pura) e, portanto, capaz de criar as leis da razão
que determinam o arbítrio (leis da liberdade).
O arbítrio não significa respeitar ou não a lei moral, mas a possibilidade de se
determinar pela lei moral. “O homem não é nem uma divindade, nem é fera nem é ser
diabólico”. Assim não age conforme a vontade pura, mas tem capacidade moral e não
escolhe o mal pelo mal.
Uma ação é moral quando é fim em si mesma e não meio adequado a outro fim.
É fim em si mesma a ação derivada da vontade pura, ou seja, a ação plenamente livre. O
homem é fim em si mesmo porque é racional e, em consequência, livre, já que a liberdade é
uma qualidade de todo ser racional.
Direito, moral e política têm a mesma raiz, já que são todos éticos e todos
encontram a sua justificação radical no conceito de liberdade (sem o qual nada ético é
possível).
Para Kant, há somente um dever comum a todos os tipos de imperativos: aquele
que surge para a vontade, na medida em que seja essa vinculação criada por uma lei que
tem origem na razão.
É a limitação da vontade pela lei que implica a não distinção do dever moral do
dever jurídico.
A ação pode ser moral ou jurídica – na ação moral o homem age por dever e na
ação jurídica o homem age conforme o dever (a diferença é o motivo da ação).
O dever externo é o dever para com os outros. Todo dever jurídico é externo e
procede de uma legislação. A ação moral difere pelo motivo da ação.
Justo é o que está conforme os princípios a priori da razão prática, ou, mais
precisamente, da razão juridicamente prática. A partir desses princípios, desenvolve-se a
fundamentação filosófica do direito pelo desdobramento dos seguintes imperativos
categóricos do direito:
- construir a república;
O direito deve ser objeto de consideração no âmbito da razão prática, razão pela
qual não se explica pela noção de necessidade limitada à natureza, na experiência, mas, a
priori, na razão pura prática.
A partir daí, Kant discute a limitação igual para todos como justa, segundo uma
lei universal da liberdade.
Kant reconhece a revolução como tendo uma finalidade ética, já que objetiva
realizar a liberdade, que é o critério supremo e fundamento da ordem jurídica e política.
A ideia da criação da constituição civil tem a sua realidade prática como a lei a
priori da razão, que manda que se obrigue ao legislador que legisle de tal modo, que
possam ser suas leis consideradas como originadas da vontade de todo o povo. Isso
significa a impossibilidade de exercício do direito de resistência, que poderia ser imposto
pela vontade psíquica contra uma lei racional.
A plena eficácia dos atos morais do indivíduo como forma de superação não
dialética de ser e dever ser só se encontra na imortalidade. A imortalidade é, assim, a
realidade justa dos seus atos e, ao mesmo tempo, a realidade divina.
Kant não pensa na criação de uma sociedade perfeita com a extinção dos
entraves físicos ao respeito à liberdade de cada um.
Não basta que sejam criadas leis perfeitas para que o indivíduo se torne bom, e
a partir daí sejam extintas as penas.
“O direito assume em Kant uma dignidade total. O direito ‘não se pede’, diz ele,
mas exige-se. Essa exigibilidade não decorre, porém, da coação que o resguarda, mas do
dever, ou seja, da obrigação que o outro assume. Por isso, também o devedor no direito é
dignificado, visto que a exigência do outro não tem o seu fundamento na força pura e
simples (coação), mas, em última instância, na vontade autônoma (liberdade do devedor e
na lei que a todos iguala e através da qual somente são possíveis a exigência e a coação).
A comunidade que vivesse totalmente segundo o direito (soberano e súditos) poderia
dispensar os deveres da bondade, pois que enquanto os deveres do amor são
condicionados, os do direito são incondicionados”.
O capítulo é curto (9 páginas) e merece ser lido como um resumo de todo o trabalho.